Capítulo 47
Uddhava Entrega a Mensagem de Kṛṣṇa às Gopīs
Quando viram Uddhava, as gopīs observaram que as feições dele eram quase iguais às de Kṛṣṇa, e puderam entender que ele era um grande devoto de Kṛṣṇa. Suas mãos eram muito longas, e seus olhos eram como pétalas da flor de lótus. Ele vestia roupas amarelas e tinha uma guirlanda de flores de lótus. Seu rosto era muito bonito. Tendo obtido a libertação sārūpya, e assim tendo o mesmo aspecto corporal do Senhor, Uddhava parecia quase igual a Kṛṣṇa. Na ausência de Kṛṣṇa, as gopīs costumavam zelosamente visitar a casa de mãe Yaśodā de manhã cedo. Elas sabiam que Nanda Mahārāja e mãe Yaśodā estavam sempre pesarosos e elas tinham estabelecido como seu primeiro dever ir prestar seus respeitos às personalidades idosas mais elevadas de Vṛndāvana. Vendo as amigas de Kṛṣṇa, Nanda e Yaśodā se lembravam do próprio Kṛṣṇa e ficavam satisfeitos, e as gopīs também ficavam contentes em ver Nanda e Yaśodā.
Quando as gopīs viram que Uddhava representava Kṛṣṇa mesmo em seu aspecto corporal, elas pensaram que ele devia ser uma alma completamente rendida à Suprema Personalidade de Deus e começaram a imaginar: “Quem é este jovem que se parece exatamente com Kṛṣṇa? Ele tem os mesmos olhos semelhantes a pétalas de lótus, o mesmo nariz arrebitado e belo rosto, e está sorrindo da mesma maneira. Em todos os aspectos, ele se assemelha a Kṛṣṇa, Śyāmasundara, o belo menino negro. Ele até se veste exatamente como Kṛṣṇa. De onde veio este rapaz? Quem é a moça felizarda que o tem por marido?” Era com esse espírito que as gopīs falavam, pois estavam muito ansiosas por saber mais sobre Uddhava. Porque eram simples meninas de vila, sem sofisticação, elas o rodearam.
Quando ficaram sabendo que Uddhava trazia uma mensagem de Kṛṣṇa, as gopīs ficaram muito felizes e o chamaram para um lugar isolado para se sentar. Elas queriam falar com ele muito francamente e não queriam ficar envergonhadas diante de pessoas desconhecidas. Elas, então, o acolheram com palavras corteses, em grande submissão. “Sabemos que você é um companheiro muito íntimo de Kṛṣṇa, e, por isso, Ele o mandou a Vṛndāvana para consolar o pai e a mãe dEle. Podemos entender que o afeto familiar é muito forte. Nem mesmo os grandes sábios que adotaram a ordem de vida renunciada podem abandonar os membros da família. Kṛṣṇa, portanto, o enviou a Seu pai e Sua mãe; aliás, Ele não tem mais nada a fazer em Vṛndāvana. Agora, Ele está na cidade. Que Lhe interessa saber sobre a vila de Vṛndāvana ou os pastos das vacas? Estas coisas não têm nenhuma utilidade para Kṛṣṇa porque agora Ele é um homem da cidade”.
“Certamente, Ele não tem nada a ver com pessoas que não são membros de Sua família. As amizades com pessoas de fora da família continuam enquanto há algum interesse egoísta nelas; caso contrário, por que alguém se incomodaria com quem está fora da família? Em especial, quem se apega a esposas alheias só se interessa por elas enquanto houver necessidade de gozo dos sentidos, como os abelhões que têm interesse nas flores enquanto querem tirar o mel delas. É muito natural, de acordo com a psicologia, que uma prostituta não se preocupe mais com seu amante a partir do momento que ele não tiver mais dinheiro. Igualmente, quando os cidadãos descobrem que um governo é incapaz de lhes dar toda proteção, eles abandonam o país. Um estudante, depois de acabar os estudos, abandona sua relação com o professor e a escola. Um sacerdote abandona quem patrocina a adoração depois de receber a recompensa. Quando acaba a estação das frutas, as aves já não se interessam pela árvore. Logo depois de comer na casa do anfitrião, o hóspede abandona sua relação com ele. Depois de um incêndio na floresta, quando há escassez de capim verde, os veados e outros animais abandonam a floresta. E, da mesma forma, o homem, depois de desfrutar de sua namorada, abandona sua ligação com ela”. Dessa maneira, todas as gopīs acusavam Kṛṣṇa indiretamente, citando muitos casos similares.
Uddhava entendeu que as gopīs de Vṛndāvana estavam todas absortas em pensar em Kṛṣṇa e nas atividades infantis dEle. Enquanto conversavam sobre Kṛṣṇa com Uddhava, elas esqueceram tudo sobre suas tarefas caseiras. Elas se esqueceram até delas mesmas, pois seu interesse por Kṛṣṇa aumentava cada vez mais.
Uma das gopīs, de nome Śrīmatī Rādhārāṇī, estava tão absorta pensando em Kṛṣṇa por força de Seu contato pessoal com Ele que começou a conversar com um abelhão que estava voando ali tentando tocar Seus pés de lótus. Enquanto outra gopī conversava com Uddhava, que agia como mensageiro de Kṛṣṇa, Śrīmatī Rādhārāṇī tomou aquele abelhão como mensageiro de Kṛṣṇa e começou a conversar com ele assim: “Abelhão, você está acostumado a beber néctar das flores, em decorrência do que preferiu ser um mensageiro de Kṛṣṇa, que tem a mesma natureza que você. Posso ver em seus bigodes o pó vermelho do kuṅkuma que ficou na guirlanda de flores de Kṛṣṇa ao ser pressionada contra os seios de alguma outra moça que é Minha rival. Você sente muito orgulho por ter tocado aquela guirlanda, e seus bigodes ficaram avermelhados. Você veio aqui trazendo uma mensagem para Mim, ansioso por tocar em Meus pés. Todavia, Meu querido abelhão, deixe-Me avisá-lo – não Me toque! Não quero nenhuma mensagem de seu dono irresponsável. Você é o servo irresponsável de um senhor irresponsável”.
Pode ser que Śrīmatī Rādhārāṇī tenha Se dirigido com sarcasmo propositado àquele abelhão para criticar indiretamente o mensageiro Uddhava. Como as outras gopīs, Śrīmatī Rādhārāṇī viu que as feições corpóreas de Uddhava eram parecidas com as de Kṛṣṇa, e ela também viu que Uddhava era igual a Kṛṣṇa. Dessa forma, Ela indicou indiretamente que Uddhava era tão indigno de confiança como o próprio Kṛṣṇa. Śrīmatī Rādhārāṇī quis dar razões específicas de Sua insatisfação com Kṛṣṇa e Seu mensageiro.
Ela Se dirigiu ao abelhão: “Seu amo Kṛṣṇa tem exatamente o seu caráter. Você pousa em uma flor e, depois de tirar um pouco de mel, você imediatamente voa embora e pousa em outra flor. Você é tal qual o seu amo Kṛṣṇa. Ele Me deu apenas uma vez o gosto de tocar Seus lábios e, então, Me deixou completamente. Sei também que a deusa da fortuna, Lakṣmī, que está sempre no meio da flor de lótus, se ocupa constantemente no serviço a Kṛṣṇa, mas não sei como ela se deixou cativar tanto por Kṛṣṇa e por que está tão apegada a Kṛṣṇa, apesar de ela conhecer bem o verdadeiro caráter dEle. Quanto a nós, somos mais inteligentes que a deusa da fortuna. Não vamos mais ser enganadas nem por Kṛṣṇa nem por Seus mensageiros”.
Segundo uma opinião perita, Lakṣmī, a deusa da fortuna, é uma expansão subordinada de Śrīmatī Rādhārāṇī. Assim como Kṛṣṇa tem numerosas expansões de viṣṇu-mūrtis, Sua potência de prazer, Rādhārāṇī, também tem inúmeras expansões de deusas da fortuna. Por isso, a deusa da fortuna, Lakṣmījī, está sempre desejando se elevar à posição das gopīs.
Śrīmatī Rādhārāṇī continuou: “Seu abelhão tolo, você está tentando Me satisfazer e receber uma recompensa por cantar as glórias de Kṛṣṇa, mas é um esforço inútil. Estamos privadas de todos os nossos bens, longe de nossas casas e famílias. Estamos muito bem informadas sobre Kṛṣṇa. Sabemos até mais do que você. Então, tudo o que inventar sobre Ele não passará de velhas histórias para nós. Kṛṣṇa está agora na cidade e é mais conhecido como ‘o amigo de Arjuna’. Ele, agora, tem muitas namoradas novas, que, sem dúvida, estão muito felizes se associando com Ele. Por que a luxuriosa sensação ardente de seus peitos foi satisfeita por Kṛṣṇa, elas agora estão felizes. Se você for lá e glorificar Kṛṣṇa, elas terão prazer em recompensá-lo. Você está apenas tentando Me acalmar com seu comportamento bajulador, motivo pelo qual você pôs sua cabeça sob Meus pés. Porém, conheço o golpe que você está tentando aplicar. Sei que é um mensageiro que vem de um grande trapaceiro, Kṛṣṇa. Por isso, por favor, deixe-Me”.
“Posso entender que você é perito em reunir dois lados opostos, mas, ao mesmo tempo, saiba que não posso depositar minha confiança em você, nem em seu senhor, Kṛṣṇa. Deixamos nossos filhos, parentes, famílias e casas só por causa de Kṛṣṇa, mas Ele não Se sentiu em nada endividado conosco. Ele nos deixou perdidas. Você acha que podemos confiar nEle de novo? Sabemos que Kṛṣṇa não consegue ficar muito tempo sem a companhia de mulheres jovens. Essa é a natureza dEle. Ele está encontrando dificuldades em Mathurā porque não está mais na vila entre meninas inocentes. Ele está na sociedade aristocrática e deve estar tendo dificuldade em fazer amizade com as meninas. Talvez você tenha vindo aqui para fazer propaganda dEle de novo ou para nos levar até lá, mas por que Kṛṣṇa esperaria que fôssemos até lá? Ele é muito qualificado para seduzir todas as outras moças, não só em Vṛndāvana ou Mathurā, mas em todo o universo. Seu sorriso maravilhoso e encantador é muitíssimo atraente, e o movimento de Suas sobrancelhas, tão belo, que Ele pode chamar qualquer mulher dos planetas celestes, intermediários e plutônicos. Mahā-lakṣmī, a maior de todas as deusas da fortuna, também anseia prestar-Lhe algum serviço. Em comparação com todas essas mulheres do universo, o que somos nós? Somos muito insignificantes”.
“Kṛṣṇa faz propaganda de Si mesmo como magnânimo, e é louvado por grandes santos. Suas qualificações seriam utilizadas perfeitamente se Ele apenas mostrasse misericórdia para conosco, pois estamos humilhadas, tendo sido desprezadas por Ele. Você, pobre mensageiro, é apenas um servo menos inteligente. Você não sabe muito sobre Kṛṣṇa, como Ele tem sido ingrato e de coração duro, não só nesta vida, mas também em Suas vidas anteriores. Todas nós ouvimos isso de nossa avó Paurṇamāsī. Ela nos informou que Kṛṣṇa nasceu em uma família kṣatriya antes deste nascimento, e era conhecido como Rāmacandra. Naquele nascimento, em vez de matar Vālī, um inimigo de Seu amigo, à maneira de um kṣatriya, Ele o matou como um caçador. Um caçador se posiciona em um lugar seguro para se esconder e, então, mata o animal sem enfrentá-lo. O Senhor Rāmacandra, como kṣatriya, deveria ter lutado face a face com Vālī, mas, instigado por Seu amigo, Ele o matou detrás de uma árvore. Assim, Ele Se desviou dos princípios religiosos de um kṣatriya. Também, estava tão atraído pela beleza de Sītā que Ele transformou Śūrpaṇakhā, a irmã de Rāvaṇa, em uma mulher feia cortando seu nariz e suas orelhas. Śūrpaṇakhā propôs uma relação íntima com Ele, e, como kṣatriya, Ele devia tê-la satisfeito, mas Ele era tão dominado pela mulher que não pôde esquecer Sītā-devī e tranformou Śūrpaṇakhā em uma mulher feia. Antes daquele nascimento como kṣatriya, Ele nasceu como um menino brāhmaṇa chamado Vāmanadeva e pediu caridade a Bali Mahārāja. Bali Mahārāja era tão magnânimo que Lhe deu tudo o que tinha, mas Kṛṣṇa, como Vāmanadeva, ingratamente prendeu-o como um corvo e o empurrou para o reino de Pātāla. Sabemos tudo sobre Kṛṣṇa e como Ele é ingrato. Contudo, aqui está a dificuldade: apesar de Ele ser tão cruel e de coração duro, é muito difícil para nós parar de falar nEle. Não apenas nós somos incapazes de deixar de falar sobre Ele, mas grandes sábios e pessoas santas também se ocupam em falar sobre Ele. Nós gopīs de Vṛndāvana não queremos mais fazer amizade com esse menino negro, mas não sabemos como seremos capazes de deixar de nos lembrar e de falar de Suas atividades”.
Uma vez que Kṛṣṇa é absoluto, Suas assim chamadas atividades cruéis são tão aprazíveis quanto Suas atividades gentis. Pessoas santas e grandes devotos como as gopīs não podem desistir de Kṛṣṇa em nenhuma circunstância. O Senhor Caitanya, por isso, orou: “Kṛṣṇa, Você é livre e independente em todos os aspectos. Pode ou abraçar-Me ou esmagar-Me sob Seus pés – o que quiser. Você pode partir meu coração por não me deixar vê-lO durante toda a minha vida, mas, ainda assim, Você é o meu único objeto de amor”.
“Em Minha opinião”, Śrīmatī Rādhārāṇī continuou, “não se deve ouvir falar de Kṛṣṇa, porque, logo que uma gota do néctar de Suas atividades transcendentais é derramada no ouvido, a pessoa se eleva imediatamente acima da dualidade de atração e rejeição. Estando completamente livre da contaminação do apego material, ela desiste do apego a este mundo material, família, lar, esposa, filhos e tudo o que lhe é materialmente querido. Sendo privada de todas as aquisições materiais, ela se torna infeliz e faz o mesmo com seus parentes. Então, ela vagueia em busca de Kṛṣṇa, quer como ser humano, quer em outra espécie de vida, mesmo como uma ave, e aceita voluntariamente a profissão de mendicante. É de fato muito difícil entender Kṛṣṇa, Seu nome, Sua qualidade, Sua forma, Seus passatempos, Sua parafernália e Seu séquito”.
Śrīmatī Rādhārāṇī continuou a falar ao mensageiro negro de Kṛṣṇa: “Por favor, não fale mais sobre Kṛṣṇa. É melhor falar de algo diferente. Nós já estamos condenadas, como a corça de manchas negras na floresta que está encantada pela doce vibração musical do caçador. Da mesma maneira, fomos encantadas pelas doces palavras de Kṛṣṇa e, repetidas vezes, estamos pensando na refulgência das unhas dos dedos de Seus pés. Estamos ficando cada vez mais desejosas de Sua companhia, daí Eu pedir-lhe que não fale mais de Kṛṣṇa”.
Essa conversa de Rādhārāṇī com o mensageiro abelhão, Sua acusação a Kṛṣṇa e, ao mesmo tempo, Sua impossibilidade de parar de falar sobre Ele, são sintomas do mais elevado êxtase transcendental, chamado mahā-bhāva. A manifestação extática de mahā-bhāva só é possível em pessoas como Rādhārāṇī e Suas companheiras. Grandes ācāryas, como Śrīla Rūpa Gosvāmī e Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, analisaram estes discursos mahā-bhāva de Śrīmatī Rādhārāṇī e descreveram os diferentes sentimentos expressos, tais como udghūrṇā, ou “confusão”, e jalpa-pratijalpa, ou “falar de diferentes maneiras”. Em Rādhārāṇī, encontram-se os sinais de ujjvala, ou a joia mais brilhante do amor a Deus.
Enquanto Rādhārāṇī falava com a abelha que voava de lá para cá, a abelha, de repente, desapareceu de Sua vista. Ela estava em total melancolia devido à separação de Kṛṣṇa e sentiu êxtase falando com a abelha. Entretanto, tão logo a abelha desapareceu, Ela ficou quase louca, pensando que a abelha mensageira poderia ter voltado a Kṛṣṇa para informar-Lhe tudo o que Ela falara contra Ele. “Kṛṣṇa deve ficar muito triste ao ouvir isso”, Ela pensou. Dessa maneira, Ela foi dominada por outro tipo de êxtase.
Entrementes, o abelhão, voando aqui e ali, apareceu de novo diante dEla. Ela pensou: “Kṛṣṇa ainda é bondoso coMigo. Apesar de o mensageiro ter levado mensagens perturbadoras, Ele é tão bondoso que reenviou o mensageiro para Me levar até Ele”. Śrīmatī Rādhārāṇī foi muito cuidadosa desta vez, para não dizer nada contra Kṛṣṇa. “Meu querido amigo, Eu lhe dou boas-vindas”, disse Ela. “Kṛṣṇa é tão bom que o enviou novamente. Kṛṣṇa é tão bondoso e afetuoso coMigo que, felizmente, Ele o enviou de novo, apesar de você ter transmitido a Ele Minha mensagem contra Ele. Meu querido amigo, pode pedir-Me o que quiser. Darei tudo porque você é muito bondoso para Mim. Você veio para levar-Me a Kṛṣṇa porque Ele não pode vir aqui. Ele está rodeado de novas namoradas em Mathurā. Todavia, você é uma criaturinha. Como pode levar-Me lá? Como poderá ajudar-Me a encontrar Kṛṣṇa enquanto Ele está repousando lá com a deusa da fortuna e abraçando-a contra Seu peito? Não importa. Esqueçamos todas essas coisas sobre Eu ir até lá ou enviá-lo. Por favor, deixe-Me saber como Kṛṣṇa está em Mathurā. Diga-Me se Ele ainda Se lembra de Seu pai adotivo, Nanda Mahārāja, de Sua mãe carinhosa, Yaśodā, de Seus amigos pastores e de Suas pobres amigas, como nós, as gopīs. Tenho certeza de que, às vezes, Ele deve falar sobre nós. Nós O servimos como criadas, sem nenhum pagamento. Há alguma possibilidade de Kṛṣṇa voltar e pôr Seus braços ao nosso redor? Seus membros estão sempre perfumados com o aroma do aguru. Por favor, faça todas essas perguntas a Kṛṣṇa”.
Uddhava estava por perto e ouviu Rādhārāṇī falando dessa maneira, como se Ela tivesse quase enlouquecido por causa de Kṛṣṇa. Ele ficou demasiado surpreso ao ver como as gopīs estavam acostumadas a pensar constantemente em Kṛṣṇa neste êxtase mais alto de amor mahā-bhāva. Ele trouxera uma mensagem escrita de Kṛṣṇa e agora queria apresentá-la às gopīs, só para tranquilizá-las. Ele disse: “Minhas queridas gopīs, o propósito da vida humana de vocês agora alcançou o sucesso. Vocês todas são admiráveis devotas da Suprema Personalidade de Deus; por isso, merecem ser adoradas por todas as espécies de pessoas. Vocês são adoráveis em todos os três mundos porque suas mentes estão maravilhosamente absortas pensando em Vāsudeva, Kṛṣṇa. Ele é a meta de todas as atividades piedosas e práticas rituais, tais como dar caridade, seguir à risca a austeridade dos votos, submeter-se a severas penitências e acender o fogo do sacrifício. Ele é a finalidade por trás dos diferentes mantras, da leitura dos Vedas, do controle dos sentidos e da concentração da mente em meditação. Esses são alguns dos muitos diferentes processos para se alcançar a autorrealização e a perfeição da vida. Mas, de fato, eles só servem para que compreendamos Kṛṣṇa e nos encaixemos no transcendental serviço amoroso à Suprema Personalidade de Deus”. Essa é também a última instrução do Bhagavad-gītā; embora haja descrições dos diferentes processos de autorrealização, Kṛṣṇa, no final, recomendou que a pessoa abandonasse tudo e simplesmente se rendesse a Ele. Todos os outros processos servem para ensinar a pessoa a se render, finalmente, aos pés de lótus de Kṛṣṇa. O Bhagavad-gītā também diz que esse processo de rendição se completa com a pessoa sincera executando os processos de autorrealização em sabedoria e austeridade depois de muitos nascimentos.
Visto que a perfeição de tal austeridade se manifestou completamente nas vidas das gopīs, Uddhava ficou plenamente satisfeito ao ver a posição transcendental delas. Ele continuou: “Minhas queridas gopīs, a mentalidade que vocês desenvolveram em relação a Kṛṣṇa é muitíssimo difícil de alcançar mesmo para grandes sábios e pessoas santas. Vocês atingiram o mais elevado nível de perfeição da vida. É uma grande bênção que vocês tenham fixado a mente em Kṛṣṇa e decidido ter Kṛṣṇa somente, abandonando suas famílias, lares, parentes, maridos e filhos por causa da Suprema Personalidade. Porque suas mentes agora estão completamente absortas em Kṛṣṇa, que é a Alma Suprema, o amor universal se desenvolveu automaticamente em vocês. Eu me considero muito afortunado por ter sido favorecido, pela misericórdia de vocês, a vê-las nessa situação”.
Quando Uddhava disse que tinha uma mensagem de Kṛṣṇa, as gopīs ficaram mais interessadas em ouvir a mensagem do que em ouvir falar de sua elevada posição. Elas não gostaram muito de ser louvadas por causa de sua elevada posição e mostraram sua ansiedade por ouvir a mensagem que Uddhava trouxera de Kṛṣṇa. Uddhava disse: “Minhas queridas gopīs, estou especialmente encarregado de trazer esta mensagem para vocês, que são tão grandes e gentis devotas. Kṛṣṇa me enviou especificamente porque sou Seu servo mais confidencial”.
Uddhava não entregou às gopīs a mensagem escrita trazida de Kṛṣṇa, mas leu-a pessoalmente para elas. A mensagem fora escrita com muita gravidade, de modo que não só as gopīs, mas todos os filósofos empíricos, pudessem entender como o puro amor de Deus está intrinsecamente integrado com todas as diferentes energias do Senhor Supremo. Entende-se da informação védica que o Senhor Supremo tem múltiplas energias: parāsya śaktir vividhaiva śrūyate. Também, as gopīs eram amigas pessoais tão íntimas de Kṛṣṇa que, enquanto Ele estava escrevendo a mensagem para elas, Ele Se comoveu e não pôde escrever nitidamente. Uddhava, como aluno de Bṛhaspati, tinha uma inteligência muito aguçada, então, em vez de entregar a mensagem escrita, ele achou prudente ler pessoalmente e lhes explicar a mensagem.
Uddhava continuou: “Estas são as palavras da Personalidade de Deus. ‘Minhas queridas gopīs, Minhas queridas amigas, por favor, saibam que é impossível haver separação entre nós em qualquer tempo, em qualquer lugar ou sob quaisquer circunstâncias, porque Eu sou onipenetrante’”.
Este fato de Kṛṣṇa ser onipenetrante é explicado no Bhagavad-gītā, nos capítulos nove e sete. Kṛṣṇa é onipenetrante em Seu aspecto impessoal; tudo repousa nEle, mas Ele não está pessoalmente presente em toda parte. No capítulo sete, também se diz que os cinco elementos grosseiros (terra, água, fogo, ar e céu) e os três elementos sutis (mente, inteligência e ego) são todos Sua energia inferior, mas existe outra energia, superior, que é a entidade viva. As entidades vivas são também diretamente partes integrantes de Kṛṣṇa. Portanto, Kṛṣṇa é a fonte das duas energias, a material e a espiritual. Ele está sempre Se misturando em tudo como causa e efeito. Não somente as gopīs, mas todas as entidades vivas estão sempre inseparavelmente conectadas com Kṛṣṇa em todas as circunstâncias. As gopīs, porém, têm conhecimento perfeito e completo desta relação com Kṛṣṇa, ao passo que as entidades vivas sob o encanto de māyā estão esquecidas de Kṛṣṇa e se julgam identidades separadas, sem relação alguma com Ele.
O amor a Kṛṣṇa, ou a consciência de Kṛṣṇa, é, portanto, a perfeição do verdadeiro conhecimento ao entender as coisas como elas são. Nossa mente nunca pode estar vazia. A mente está sempre ocupada com alguma espécie de pensamento, e o assunto desse pensamento não pode estar fora dos oito elementos da energia de Kṛṣṇa. Quem conhece este aspecto filosófico de todos os pensamentos é de fato um homem sábio e se rende a Kṛṣṇa. As gopīs são o exemplo típico dessa fase de perfeição de conhecimento. Elas não são simples especuladoras mentais. A mente delas está sempre em Kṛṣṇa. A mente nada mais é do que a energia de Kṛṣṇa. De fato, qualquer pessoa que possa pensar, sentir, agir e querer não pode estar separada de Kṛṣṇa. A fase em que se pode entender sua relação eterna chama-se consciência de Kṛṣṇa, ao passo que o estado doentio em que não se pode mais entender sua relação eterna com Kṛṣṇa é a fase contaminada, ou māyā. Como as gopīs estão na plataforma de puro conhecimento transcendental, a mente delas está sempre cheia de consciência de Kṛṣṇa. Por exemplo, assim como não há separação entre o fogo e o ar, também não há separação entre Kṛṣṇa e as entidades vivas. Quando as entidades vivas esquecem Kṛṣṇa, elas não estão em seu estado normal. Quanto às gopīs, por estarem sempre pensando em Kṛṣṇa, elas estão na fase absoluta de perfeição de conhecimento. Algumas vezes, os assim chamados filósofos empíricos pensam que o caminho de bhakti se destina aos menos inteligentes, mas, a não ser que o dito homem de conhecimento chegue à plataforma de bhakti, seu conhecimento é, com certeza, impuro e imperfeito. De fato, a fase de aperfeiçoamento da relação eterna com Kṛṣṇa é o amor em separação, mas isso também é ilusório porque não há separação. As gopīs não se situavam nessa condição ilusória de vida. Então, mesmo do ponto de vista filosófico, não havia separação para elas.
Uddhava continuou lendo a mensagem de Kṛṣṇa: “‘Nada é separado de Mim; toda a manifestação cósmica repousa em Mim e não é separada de Mim. Antes da criação, eu existia.’” Isso é confirmado na literatura védica: eko vai nārāyaṇa āsīn na brahmā neśānaḥ. “Antes da criação, havia apenas Nārāyaṇa. Não havia nem Brahmā nem Śiva.” Toda a manifestação cósmica é manipulada pelos três modos da natureza material. É dito que Brahmā, a encarnação da qualidade da paixão, criou este universo. Contudo, Brahmā é o criador secundário: o criador original é Nārāyaṇa. Śaṅkarācārya confirma isso: nārāyaṇaḥ paro ’vyaktāt. “Nārāyaṇa é transcendental, além desta manifestação cósmica.” Desta maneira, nada dentro desta manifestação cósmica é separado de Kṛṣṇa, embora a forma original de Kṛṣṇa não seja visível em tudo.
Kṛṣṇa cria, mantém e aniquila toda a manifestação cósmica expandindo-Se em diferentes encarnações. Tudo é Kṛṣṇa e tudo depende de Kṛṣṇa, mas Ele não é percebido na energia material chamada māyā, ou ilusão. Na energia espiritual, porém, Kṛṣṇa é percebido a cada passo, em todas as circunstâncias. Essa fase de perfeição de entendimento é representada pelas gopīs. Assim como Kṛṣṇa está sempre afastado da manifestação cósmica apesar de ela ser completamente dependente dEle, a entidade viva também é completamente afastada de sua vida material condicionada, embora o corpo material se tenha desenvolvido com base na existência espiritual. No Bhagavad-gītā, toda a manifestação cósmica é aceita como a mãe das entidades vivas, e Kṛṣṇa é o pai. Assim como o pai fecunda a mãe injetando em seu ventre a entidade viva, Kṛṣṇa injeta todas as entidades vivas no ventre da natureza material. Elas entram em diferentes corpos de acordo com suas diferentes atividades fruitivas, mas, em todas as circunstâncias, a entidade viva está separada desta vida material condicionada.
Se simplesmente estudarmos nosso próprio corpo, poderemos entender como uma entidade viva está sempre afastada deste engaiolamento corporal. Cada ação do corpo ocorre pela interação dos três modos da natureza material. Podemos ver, a cada momento, muitas mudanças ocorrendo em nosso corpo, mas a alma espiritual está afastada de todas as mudanças. Não é possível criar, nem aniquilar, nem interferir nas ações da natureza material. A entidade viva está, portanto, presa na armadilha do corpo material e condicionada em três fases, a saber, enquanto está acordada, dormindo ou inconsciente. A mente age em todas as três condições de vida; a entidade viva em seu estado de sono ou sonho vê algo como real e, quando acordada, vê a mesma coisa como irreal. Conclui-se, portanto, que, sob certas circunstâncias, ela aceita algo como real e, sob outras circunstâncias, aceita a mesmíssima coisa como irreal. Esses assuntos são a matéria de estudo do filósofo empírico, ou sāṅkhya-yogī. Para chegar à conclusão certa, os sāṅkhya-yogīs se submetem a severas austeridades e penitências. Eles praticam o controle dos sentidos e a renúncia.
Todas essas diferentes maneiras de determinar a meta final da vida se comparam a rios. Kṛṣṇa é o oceano. Assim como os rios fluem para o oceano, todas as tentativas de conhecimento fluem para Kṛṣṇa. Depois de muitíssimas existências de esforço, quando a pessoa de fato chega a Kṛṣṇa, ela atinge a fase da perfeição. Kṛṣṇa diz no Bhagavad-gītā: “Todos estão buscando o caminho para Me compreender, mas aqueles que adotaram caminhos destituídos de qualquer bhakti acham seu processo muito difícil e problemático”. Kleśo ’dhikataras teṣām: Kṛṣṇa não pode ser compreendido a menos que a pessoa chegue ao ponto de bhakti.
Três caminhos são enunciados no Gītā: karma-yoga, jñāna-yoga e bhakti-yoga. Aqueles que estão muito presos às atividades fruitivas são aconselhados a realizar ações que os conduzam a bhakti. Aqueles que são afeitos à frustração da filosofia empírica também são aconselhados a agir de tal maneira que cheguem a compreender bhakti. O karma-yoga é diferente do karma comum, e o jñana-yoga é diferente do jñāna comum. Por fim, como o Senhor afirma no Bhagavad-gītā, bhaktyā māṁ abhijānāti: só pela execução do serviço devocional é possível entender Kṛṣṇa. A fase de perfeição do serviço devocional foi conseguida pelas gopīs porque elas não queriam conhecer nada além de Kṛṣṇa. Confirma-se nos Vedas: yasnmin eva vijñāte sarvam eva vijñātaṁ bhavati. Isso quer dizer que, simplesmente por conhecer Kṛṣṇa, a pessoa adquire automaticamente todo o conhecimento.
Uddhava continuou lendo a mensagem de Kṛṣṇa: “‘O conhecimento transcendental do Absoluto não é mais necessário para vocês. Vocês se acostumaram a Me amar desde o começo de suas vidas.’” O conhecimento da Verdade Absoluta é especificamente necessário para pessoas que desejam se libertar da existência material. Porém, quem obteve amor por Kṛṣṇa já está na plataforma da liberação. Como se declara na Bhagavad-gītā, qualquer um dedicado ao serviço devocional imaculado deve ser considerado como estando situado na plataforma transcendental de liberação. As gopīs, na verdade, não sentiam nenhuma dor da existência material, mas sentiam saudade de Kṛṣṇa. Kṛṣṇa, portanto, disse: “Minhas caras gopīs, para ampliar seu excelentíssimo amor por Mim, Eu propositadamente Me separei de vocês, a fim de que ficassem em constante meditação em Mim.”
As gopīs estão na fase de perfeição da meditação. Os yogīs gostam mais de meditar do que de prestar serviço devocional ao Senhor, mas eles não sabem que a perfeição do sistema de yoga é alcançar a devoção. Essa meditação constante em Kṛṣṇa por parte das gopīs se confirma no Bhagavad-gītā como sendo o yoga mais elevado. Kṛṣṇa conhecia muito bem a psicologia das mulheres. Quando o amado de uma mulher está longe, ela pensa nele mais em meditação do que quando ele está presente diante dela. Kṛṣṇa quis ensinar pelo comportamento das gopīs que alguém que está constantemente em transe, como as gopīs, com certeza alcança os pés de lótus de Kṛṣṇa.
O Senhor Caitanya ensinou às pessoas em geral o método de vipralambha-sevā, que é o método de prestar serviço à Suprema Personalidade de Deus no sentimento de separação. Os Seis Gosvāmīs também ensinaram a adorar Kṛṣṇa no sentimento das gopīs em separação. As orações de Śrīnivāsācārya sobre os Gosvāmīs explicam com muita clareza esse assunto. Śrīnivāsācārya disse que os Gosvāmīs estavam sempre absortos no oceano de sentimentos transcendentais no estado de espírito das gopīs. Quando moravam em Vṛndāvana, eles procuravam Kṛṣṇa gritando: “Onde está Kṛṣṇa? Onde estão as gopīs? Onde Você está, Śrīmatī Rādhārāṇī?” Eles nunca diziam: “Vimos agora Rādhā e Kṛṣṇa, e, por isso, nossa missão está cumprida”. A missão deles estava sempre por cumprir; eles nunca encontravam Rādhā e Kṛṣṇa.
Kṛṣṇa lembrou às gopīs que, no momento da dança da rāsa, as gopīs que não puderam se juntar a Ele para a rāsa-līlā abandonaram o corpo simplesmente por pensarem nEle. Absorver-se em consciência de Kṛṣṇa pelo sentimento de saudade é, portanto, o método mais rápido para se alcançar os pés de lótus de Kṛṣṇa. Pela declaração pessoal de Kṛṣṇa, as gopīs se convenceram da força dos sentimentos de saudade. Elas estavam, de fato, experimentando o método sobrenatural de adoração a Kṛṣṇa, e, deste modo, ficaram aliviadas ao entenderem que Kṛṣṇa não estava distante delas, mas sempre com elas.
As gopīs, então, receberam Uddhava com muita felicidade e começaram a falar como segue: “Ouvimos que o rei Kaṁsa, que foi sempre uma fonte de problemas para a dinastia Yadu, agora está morto. Essa é uma boa notícia para nós. Esperamos, portanto, que os membros da dinastia Yadu estejam muito felizes na companhia de Kṛṣṇa, que pode satisfazer todos os desejos de Seus devotos. Meu querido Uddhava, por favor, informe-nos se Kṛṣṇa, às vezes, pensa em nós enquanto está entre as muito bem esclarecidas moças da sociedade de Mathurā. Sabemos que as mulheres e moças de Mathurā não são meninas de vila, mas, sim, instruídas e belas. Seus olhares tímidos e sorridentes, e outras características femininas, devem ser muito agradáveis a Kṛṣṇa. Sabemos muito bem que Kṛṣṇa está sempre interessado no comportamento das mulheres bonitas. Parece, portanto, que Ele foi preso pela armadilha das mulheres de Mathurā. Meu querido Uddhava, você pode fazer a bondade de nos informar se Kṛṣṇa, às vezes, Se lembra de nós enquanto está no meio de outras mulheres?”
Outra gopī perguntou: “Ele Se lembra daquela noite enluarada, no meio das flores kumuda, quando Vṛndāvana se tornou excessivamente bela? Kṛṣṇa dançava conosco, e a atmosfera estava sobrecarregada com o som dos sinos de tornozelos. Trocamos conversas agradáveis, então. Ele Se lembra daquela noite especial? Lembramo-nos daquela noite e sentimos saudade. A separação de Kṛṣṇa nos deixa agitadas, como se houvesse fogo em nosso corpo. Ele Se propõe a voltar a Vṛndāvana para apagar este fogo, assim como uma nuvem aparece no céu para extinguir um incêndio na floresta com sua chuva?”
Outra gopī disse: “Kṛṣṇa matou Seu inimigo e vitoriosamente conseguiu o reino de Kaṁsa. Talvez agora Ele esteja casado com uma filha de rei e esteja vivendo feliz entre Seus parentes e amigos. Portanto, por que haveria Ele de vir a esta vila de Vṛndāvana?”
Outra gopī disse: “Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, o esposo da deusa da fortuna, e é autossuficiente. Ele nada tem a ver conosco, as moças da floresta de Vṛndāvana, nem com as moças da cidade de Mathurā. Ele é a grande Superalma; Ele não tem nada a ver com nenhuma de nós, quer aqui, quer lá”.
Outra gopī disse: “Não é razoável esperar que Kṛṣṇa volte para Vṛndāvana. Devemos, em vez disso, tentar ser felizes no desapontamento. Até mesmo Piṅgalā, a grande prostituta, disse que o desapontamento é o maior prazer. Todas nós conhecemos essas coisas, mas é muito difícil para nós desistir de esperar que Kṛṣṇa volte. Quem pode esquecer uma conversa solitária com Kṛṣṇa, em cujo peito a deusa da fortuna sempre permanece, apesar de Kṛṣṇa não a desejar? Meu querido Uddhava, Vṛndāvana é a terra de rios, florestas e vacas. Aqui foi ouvida a vibração da flauta, e Kṛṣṇa, com Seu irmão mais velho, Śrī Balarāma, gozou a atmosfera em nossa companhia. Assim, o ambiente de Vṛndāvana nos lembra constantemente de Kṛṣṇa e Balarāma. A impressão de Suas pegadas ainda está na terra de Vṛndāvana, que é a residência da deusa da fortuna, e, por causa destes sinais, não podemos esquecer Kṛṣṇa”.
As gopīs ainda expressaram que Vṛndāvana estava cheia de toda opulência e boa fortuna; não havia escassez nem falta em Vṛndāvana quanto às necessidades materiais, mas, a despeito de tal opulência, elas não conseguiam esquecer Kṛṣṇa e Balarāma.
“Lembramos constantemente as várias características atraentes do belo Kṛṣṇa: Seu andar, Seu sorriso e Suas palavras brincalhonas. Todas ficamos perdidas com as ações de Kṛṣṇa, e nos é impossível esquecê-lO. Sempre rezamos a Ele, exclamando: ‘Querido Senhor, querido esposo da deusa da fortuna, querido senhor de Vṛndāvana e salvador dos devotos aflitos! Estamos agora caídas e mergulhadas em um oceano de sofrimento. Por favor, volte para Vṛndāvana e nos livre desta situação lamentável’”.
Uddhava estudou minuciosamente a situação anormal e transcendental das gopīs em sua separação de Kṛṣṇa e julgou prudente repetir todos os passatempos de Śrī Kṛṣṇa muitas e muitas vezes. As pessoas materialistas estão sempre se queimando em um fogo abrasador de misérias materiais. As gopīs estavam queimando em um fogo abrasador transcendental por causa da separação de Kṛṣṇa. O fogo abrasador que exasperava as gopīs é diferente do fogo do mundo material. As gopīs querem constantemente a associação com Kṛṣṇa, ao passo que a pessoa materialista quer a vantagem dos confortos materiais.
Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura disse que Kṛṣṇa salvou em um segundo os vaqueirinhos de um incêndio abrasador na floresta, enquanto seus olhos estavam fechados. De modo semelhante, Uddhava disse às gopīs que elas poderiam ser salvas do fogo da separação fechando os olhos e meditando nas atividades de Kṛṣṇa desde o início de sua associação com Ele. Externamente, as gopīs podiam visualizar todos os passatempos de Kṛṣṇa ouvindo as descrições de Uddhava e, internamente, elas podiam lembrar essas atividade. Com as instruções de Uddhava, as gopīs puderam entender que Kṛṣṇa não estava separado delas. Como elas estavam pensando constantemente em Kṛṣṇa, Kṛṣṇa também estava constantemente pensando nelas em Mathurā.
As mensagens e as instruções de Uddhava salvaram as gopīs da morte imediata, e as gopīs reconheceram a bênção de Uddhava. Uddhava praticamente agiu como mestre espiritual preceptor das gopīs, e elas, em troca, adoraram-no como adorariam Kṛṣṇa. Recomenda-se nas escrituras autorizadas que se adore o mestre espiritual no mesmo nível da Suprema Personalidade de Deus por ele ser Seu servo muito confidencial, e é aceito por grandes autoridades que o mestre espiritual é a manifestação externa de Kṛṣṇa. As gopīs ficaram aliviadas de seu ardente estado transcendental por entenderem que Kṛṣṇa estava com elas. Internamente, elas lembravam a associação com Ele em seus corações, e, externamente, Uddhava as ajudava a apreciar Kṛṣṇa por meio de instruções conclusivas.
As escrituras descrevem a Suprema Personalidade de Deus como adhokṣaja, o que indica que Ele está além da percepção de todos os sentidos materiais. Não obstante além dos sentidos materiais, Ele está presente no coração de todos. Ao mesmo tempo, Ele está presente em toda parte por Sua característica onipenetrante de Brahman. Podem-se compreender todas as três características transcendentais da Verdade Absoluta (Bhagavān, a Personalidade de Deus; Paramātmā, a Superalma localizada, e o Brahman onipenetrante) pelo simples estudo da condição das gopīs em seu encontro com Uddhava, como se descreve no Śrīmad-Bhāgavatam.
Śrīnivāsācārya disse que os Seis Gosvāmīs estavam sempre absortos pensando nas atividades das gopīs. Caitanya Mahāprabhu também recomendou o método das gopīs de adoração à Suprema Personalidade de Deus como sobreexcelente. Śrīla Śukadeva Gosvāmī também declarou que qualquer pessoa que ouvir da fonte certa sobre as atividades das gopīs com Kṛṣṇa e que seguir as instruções será elevada à posição mais alta do serviço devocional e será capaz de abandonar o desejo de gozo material.
Todas as gopīs ficaram consoladas com as instruções de Uddhava e pediram-lhe que ficasse em Vṛndāvana por mais alguns dias. Uddhava concordou com a proposta e ficou não apenas mais alguns dias, mas ficou por mais alguns meses. Ele sempre as mantinha ocupadas pensando na mensagem transcendental de Kṛṣṇa e em Seus passatempos, e as gopīs sentiam como se estivessem experimentando a associação direta de Kṛṣṇa. Enquanto Uddhava permaneceu em Vṛndāvana, os habitantes desfrutaram sua associação. Enquanto discutiam as atividades de Kṛṣṇa, os dias passavam como momentos. A atmosfera natural de Vṛndāvana, com a presença do rio Yamunā, seus belos pomares de árvores decoradas com várias frutas, a colina Govardhana, grutas, flores desabrochando – tudo combinava para inspirar Uddhava a narrar os passatempos de Kṛṣṇa. Os habitantes desfrutaram a companhia de Uddhava da mesma maneira como desfrutavam a companhia de Kṛṣṇa.
Uddhava estava atraído pela atitude das gopīs porque elas eram completamente apegadas a Kṛṣṇa, e se sentiu inspirado pela ansiedade das gopīs por Kṛṣṇa. Ele começou a lhes oferecer suas respeitosas reverências e compôs canções em louvor às suas qualidades transcendentais como segue: “Entre todas as entidades vivas que aceitaram a forma de vida humana, as gopīs alcançam o maior sucesso em sua missão. O pensamento delas está eternamente absorto nos pés de lótus de Kṛṣṇa. Grandes sábios e pessoas santas também tentam absorver-se em meditação nos pés de lótus de Kṛṣṇa, que é o prórprio Mukunda, aquele que dá a libertação, mas as gopīs, tendo aceitado amorosamente o Senhor, estão automaticamente acostumadas a isso e não dependem de nenhuma prática de yoga. A conclusão é que quem alcançou o estado de vida das gopīs não precisa nascer como o senhor Brahmā ou nascer em uma família de brāhmaṇas ou ser iniciado como brāhmaṇa”.
Śrī Uddhava confirmou o que o Senhor Kṛṣṇa disse no Bhagavad-gītā, que quem se abriga nEle pelo motivo certo, seja ele śūdra ou inferior, alcançará a meta mais elevada da vida. As gopīs estabeleceram o padrão de devoção para o mundo todo. Seguindo os passos das gopīs pelo constante pensar em Kṛṣṇa, pode-se alcançar o nível da mais alta perfeição da vida espiritual. As gopīs não nasceram em famílias de muita cultura, mas em famílias de pastores, e, mesmo assim, desenvolveram o mais elevado amor por Kṛṣṇa. Para a autorrealização ou para a compreensão de Deus, não é necessário nascer em família elevada. A única coisa necessária é o desenvolvimento extático do amor a Deus. Para alguém conseguir a perfeição em consciência de Kṛṣṇa, não se exige outra qualificação além de estar constantemente ocupado no serviço amoroso a Kṛṣṇa, o supremo néctar, o reservatório de todo o prazer. O efeito da adoção da consciência de Kṛṣṇa é exatamente como o de beber néctar; com ou sem o conhecimento da pessoa, ele agirá. O princípio ativo da consciência de Kṛṣṇa se manifestará igualmente em toda parte, independente de como e onde alguém tenha nascido. Kṛṣṇa dará Sua bênção a qualquer um que adotar a consciência de Kṛṣṇa, sem dúvida alguma.
Uddhava continuou: “A bênção suprema alcançada pelas gopīs, apesar de elas terem nascido em famílias de pastores, jamais foi alcançada nem mesmo pela própria deusa da fortuna, e certamente não foi alcançada pelos habitantes do céu, embora o cheiro do corpo das mulheres de lá seja exatamente igual ao perfume do lótus. As gopīs são tão afortunadas que, durante a rasa-līlā, Kṛṣṇa as abraçou pessoalmente com Seus braços. Kṛṣṇa beijou-as face a face. Com certeza, não é possível que nenhuma mulher nos três mundos consiga isso, exceto as gopīs.
“Portanto, desejo nascer como uma das plantas ou trepadeiras em Vṛndāvana, as quais são tão afortunadas que as gopīs pisam sobre elas. As gopīs servem muito amorosamente Kṛṣṇa, o próprio Mukunda, aquele que dá a liberação, que é buscado pelos grandes sábios e santos. Por Ele, deixaram tudo para trás – suas famílias, seus filhos, seus amigos, seus lares e todas as conexões mundanas.”
Uddhava apreciava a posição elevada das gopīs e desejava prostrar-se e colocar a poeira dos pés delas em sua cabeça. Contudo, ele não ousava pedir às gopīs que lhe oferecessem a poeira de seus pés; talvez elas não concordassem. Portanto, para ter sua cabeça borrifada com a poeira dos pés das gopīs sem o conhecimento delas, ele desejou tornar-se apenas uma touceira insignificante de capim ou de grama da terra de Vṛndāvana.
As gopīs estavam tão atraídas por Kṛṣṇa que, quando ouviam a vibração de Sua flauta, elas abandonavam no mesmo instante seus lares, filhos, honra e timidez feminina e corriam para o lugar onde Kṛṣṇa estava. Elas não consideravam se estavam passando pela estrada ou pelas selvas. Imperceptivelmente, a poeira dos pés delas era concedida às pequenas gramas e ervas de Vṛndāvana. Não ousando colocar a poeira dos pés das gopīs em sua cabeça nesta vida, Uddhava aspirava a um nascimento futuro na posição de moita de capim ou grama. Então, ele conseguiria ter a poeira dos pés das gopīs.
Uddhava apreciava a fortuna extraordinária das gopīs, que se livraram de toda a contaminação material colocando em seus altos e belos seios os pés de lótus de Kṛṣṇa, que são adorados, não só pela deusa da fortuna, mas por semideuses tão elevados como Brahmā e o senhor Śiva, e nos quais grandes yogīs meditam em seus corações. Assim, Uddhava orou para que fosse constantemente honrado com a poeira dos pés de lótus das gopīs, cujo cantar dos passatempos transcendentais do Senhor Kṛṣṇa ficou famoso em todos os três mundos.
Depois de ficar por um tempo em Vṛndāvana, Uddhava desejou voltar para Kṛṣṇa e pediu permissão a Nanda Mahārāja e a Yaśodā para partir. Ele teve uma reunião de despedida com as gopīs e, pedindo permissão a elas também, ele montou em sua quadriga para partir para Mathurā.
Quando Uddhava estava para partir, todos os habitantes de Vṛndāvana, encabeçados por Nanda Mahārāja e Yaśodā, vieram para lhe dar adeus e presentearam-no com várias espécies de bens valiosos produzidos em Vṛndāvana. Eles expressaram seus sentimentos com lágrimas nos olhos devido ao intenso apego por Kṛṣṇa. Todos eles desejavam uma bênção de Uddhava. Eles desejavam lembrar sempre as gloriosas atividades de Kṛṣṇa e queriam que suas mentes estivessem sempre fixas nos pés de lótus dEle, suas palavras sempre ocupadas em glorificar Kṛṣṇa, e seus corpos sempre ocupados em se prostrar enquanto se lembravam dEle constantemente. Essa prece dos habitantes de Vṛndāvana é o tipo sobreexcelente de autorrealização. O método é muito simples: fixar a mente sempre nos pés de lótus de Kṛṣṇa, falar sempre de Kṛṣṇa sem passar para outro assunto, e ocupar o corpo constantemente a serviço de Kṛṣṇa. Especificamente nesta forma de vida humana, a pessoa deve ocupar sua vida, recursos, palavras e inteligência para o serviço do Senhor. Somente tais atividades podem elevar um ser humano ao nível mais alto da perfeição. Esse é o veredito de todas as autoridades.
Os habitantes de Vṛndāvana disseram: “Pela vontade da autoridade suprema, e de acordo com os resultados de nosso próprio trabalho, podemos nascer em qualquer parte. Independente de onde nasçamos, nossa única prece é que simplesmente nos ocupemos em consciência de Kṛṣṇa”. Um devoto puro do Senhor Kṛṣṇa nunca deseja ser promovido aos planetas celestes, ou mesmo a Vaikuṇṭha ou Goloka Vṛndāvana, porque ele não deseja sua própria satisfação pessoal. Um devoto puro considera o céu e o inferno como estando no mesmo nível. Sem Kṛṣṇa, o céu é como o inferno, e, com Kṛṣṇa, o inferno é como o céu.
Quando Uddhava havia honrado suficientemente a adoração dos devotos puros de Vṛndāvana, ele regressou a Mathurā e a seu Senhor, Kṛṣṇa. Depois de oferecer respeitos prostrando-se diante do Senhor Kṛṣṇa e Balarāma, ele descreveu a admirável vida de devoção dos habitantes de Vṛndāvana. Ele entregou todos os presentes dados pelos habitantes de Vṛndāvana a Vasudeva, o pai de Kṛṣṇa, e a Ugrasena, avô de Kṛṣṇa.
Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo quarenta e sete de Kṛṣṇa, intitulado “Uddhava Entrega a Mensagem de Kṛṣṇa às Gopīs”.