Capítulo 76
A Batalha entre Śālva e a Dinastia Yadu
Enquanto Śukadeva Gosvāmī narrava as várias atividades do Senhor Kṛṣṇa representando o papel de um ser humano comum, ele também contou a história da batalha entre a dinastia Yadu e um demônio de nome Śālva, que conseguira obter um maravilhoso aeroplano chamado Saubha e era um grande amigo de Śiśupāla. Quando Śiśupāla partiu para se casar com Rukmiṇī, Śālva era um dos membros da comitiva do noivo. Na luta entre os soldados da dinastia Yadu e os reis do lado oposto, Śālva foi derrotado pelos soldados da dinastia Yadu. Apesar de sua derrota, ele fez uma promessa diante de todos os reis de que, no futuro, livraria o mundo inteiro de todos os membros da dinastia Yadu. Desde sua derrota no combate, durante o matrimônio de Rukmiṇī, ele vinha mantendo consigo uma inesquecível inveja do Senhor Kṛṣṇa; e ele era, de fato, um tolo, porque prometera matar Kṛṣṇa.
Normalmente, tais demônios tolos refugiam-se em um semideus como o senhor Śiva para executar seus planos ulteriores. Portanto, para adquirir força, Śālva buscou refúgio nos pés de lótus do senhor Śiva. Ele submeteu-se a um severo tipo de austeridade, durante a qual ele comeria nada mais do que um punhado de cinzas diariamente. O senhor Śiva, o esposo de Pārvatī, é de modo geral muito misericordioso e fica muito rapidamente satisfeito se alguém empreende rígidas austeridades para agradá-lo. Assim, depois de contínuas penitências realizadas por Śālva durante um ano, o senhor Śiva ficou satisfeito com ele, dizendo-lhe que pedisse pela realização do seu desejo.
Śālva implorou ao senhor Śiva a dádiva de um aeroplano tão forte que não pudesse ser destruído por nenhum semideus, demônio, ser humano, gandharva ou nāga, e nem mesmo por algum rākṣasa. Ademais, ele desejou que o aeroplano fosse capaz de voar em qualquer lugar que ele desejasse e fosse especificamente muito perigoso e temeroso à dinastia dos Yadus. O senhor Śiva imediatamente concordou em lhe dar a bênção, e Śālva contou com a ajuda do demônio Maya para fabricar esse aeroplano de ferro, que era tão forte e formidável que ninguém poderia derrubá-lo. Era uma máquina enorme, quase como uma grande cidade, e podia voar tão alto e a uma velocidade tão incrível que era quase impossível vê-lo; estava fora de cogitação atacá-lo. Embora estivesse quase encoberto pela escuridão, o piloto poderia dirigi-lo para qualquer parte. Tendo adquirido tal aeroplano maravilhoso, Śālva voou com ele à cidade de Dvārakā, pois seu propósito principal ao obter o aeroplano era atacar a cidade dos Yadus, pelos quais ele mantinha um constante sentimento de hostilidade.
Assim, Śālva atacou a cidade de Dvārakā do céu e também a sitiou com um grande contingente de infantaria. Os soldados na superfície atacaram os belos pontos da cidade. Eles começaram a destruir os aprazíveis parques, os portões da cidade, os palácios e os arranha-céus, as elevadas muralhas ao redor da cidade e os bonitos lugares onde as pessoas se reuniam para recreação. Enquanto os soldados atacavam na superfície, o aeroplano começou a derrubar gigantescos blocos de pedra, troncos de árvores, raios, serpentes venenosas e muitas outras coisas perigosas. Śālva também conseguiu criar um vendaval tão forte dentro da cidade que tudo em Dvārakā escureceu por causa da poeira que cobriu o céu. O aeroplano ocupado por Śālva pôs a cidade inteira de Dvārakā em uma angústia igual àquela causada à Terra, há muitíssimo tempo, pelas atividades perturbadoras de Tripurāsura. Os habitantes de Dvārakā Puri foram tão hostilizados que não se acalmaram nem mesmo por um momento.
Os grandes heróis da cidade de Dvārakā, encabeçados por comandantes como Pradyumna, contra-atacaram os soldados e o aeroplano de Śālva. Quando viu a angústia extrema dos cidadãos, Pradyumna, de imediato, organizou seus soldados, pessoalmente subiu em uma quadriga e encorajou os cidadãos, garantindo-lhes segurança. Seguindo seu comando, muitos guerreiros, como Sātyaki, Cārudeṣṇa e Sāmba, todos irmãos jovens de Pradyumna, como também Akrūra, Kṛtavarmā, Bhānuvinda, Gada, Śuka e Sārana saíram da cidade para lutar com Śālva. Todos eles eram mahā-rathīs, grandes guerreiros capazes de lutar com milhares de homens. Todos estavam completamente equipados com armas apropriadas e foram ajudados por centenas e milhares de cocheiros, elefantes, cavalos e soldados de infantaria. Um combate feroz teve início entre as duas partes, exatamente como aquele anteriormente travado entre os semideuses e os demônios. A luta era renhida, e quem observou a natureza feroz da briga sentiu seus pelos arrepiarem-se.
Pradyumna imediatamente anulou a demonstração mística ocasionada pelo aeroplano de Śālva, o rei de Saubha. Pelo poder místico do aeroplano, Śālva tinha criado uma escuridão tão densa quanto a noite, mas Pradyumna apareceu de súbito como o Sol nascente. Assim como a escuridão da noite se dissipa ante o alvorecer do Sol, o poder exibido por Śālva ficou nulo e inútil diante do aparecimento de Pradyumna. Cada uma das flechas de Pradyumna tinha uma pena dourada na extremidade e era provida de uma afiada ponta de ferro. Lançando vinte e cinco de tais flechas, Pradyumna feriu gravemente o comandante-em-chefe de Śālva. Em seguida, ele lançou outras cem flechas contra o corpo de Śālva. Depois disso, ele perfurou todo e cada soldado, disparando uma flecha. Igualmente, ele matou os quadrigários arremessando dez flechas contra cada um deles e exterminou os animais de transporte, como os cavalos e elefantes, com o lançamento de três flechas dirigidas a cada um. Quando todos presentes no campo de batalha viram esse feito maravilhoso de Pradyumna, lutadores em ambos os lados louvaram seus feitos bélicos.
No entanto, o aeroplano ocupado por Śālva ainda era muito misterioso. Era tão extraordinário que ora apareciam muitos aeroplanos no céu, ora parecia não haver qualquer aeroplano. Às vezes, o aeroplano era visível e, às vezes, não, e os guerreiros da dinastia Yadu ficaram confusos sobre o paradeiro daquela invenção peculiar. Em algumas ocasiões, eles viam o aeroplano no solo; em outras, viam-no voando no céu, repousando no pico de uma colina ou flutuando na água. O maravilhoso artefato voava no céu como um tição rodopiante – não ficava imóvel nem mesmo por um momento. Porém, apesar da misteriosa manobra do aeroplano, os comandantes e soldados da dinastia Yadu precipitavam-se imediatamente para Śālva onde quer que ele estivesse presente com seu aeroplano e seus soldados. As flechas lançadas pela dinastia dos Yadus eram tão brilhantes quanto o Sol e tão perigosas quanto as línguas de serpentes. Todos os soldados que lutavam do lado de Śālva logo ficaram afligidos pelo arremesso incessante de flechas contra si pelos heróis da dinastia Yadu, e o próprio Śālva ficou inconsciente devido ao ataque dessas flechas.
Os soldados que lutavam em nome de Śālva também eram muito fortes, e o lançamento de suas flechas também atingiu os heróis da dinastia Yadu. Apesar disso, os Yadus eram tão vigorosos e determinados que não se retiraram de suas posições estratégicas. Os heróis da dinastia Yadu estavam determinados a morrer no campo de batalha ou conquistar a vitória. Eles estavam confiantes de que, se eles morressem lutando, atingiriam um planeta divino e, se saíssem vitoriosos, desfrutariam o mundo. O nome do comandante-em-chefe de Śālva era Dyumān. Ele era muito poderoso e, embora ferido por vinte e cinco das flechas de Pradyumna, subitamente atacou Pradyumna com sua maça poderosa e o golpeou com tanta força que Pradyumna ficou inconsciente. Instantaneamente, houve um clamor: “Agora ele está morto! Agora ele está morto!” A força da maça sobre o peito de Pradyumna fora muito severa e pareceu como se seu peito tivesse sido rasgado à força.
A quadriga de Pradyumna estava sendo dirigida pelo filho de Dāruka. De acordo com os princípios militares védicos, o quadrigário e o herói na quadriga devem cooperar durante a luta. Como tal, porque era o dever do quadrigário cuidar do herói na quadriga durante a perigosa e implacável peleja, o filho de Dāruka removeu Pradyumna do campo de batalha. Duas horas depois, em um lugar quieto, Pradyumna recuperou sua consciência e, quando viu que estava em um lugar diferente do campo de batalha, dirigiu-se ao quadrigário e o condenou.
“Oh! Você fez o ato mais abominável! Por que me tirou do campo de batalha? Meu querido quadrigário, nunca ouvi dizer que algum de nossos membros familiares tenha sido removido do campo de batalha. Nenhum deles deixou o campo de batalha enquanto lutava. Por essa remoção, você me sobrecarregou com uma grande difamação. Será dito que abandonei o campo de batalha enquanto o combate prosseguia. Meu querido quadrigário, devo acusá-lo de ser um covarde e fraco! Diga-me como posso ir diante de meu tio Balarāma e de meu pai, Kṛṣṇa – e o que direi a Eles? Todos falarão de mim e dirão que eu fugi da luta. Se eles indagarem de mim sobre isso, qual será minha resposta? Minhas cunhadas caçoarão de mim com palavras sarcásticas: ‘Meu querido herói, como você se tornou um covarde? Como se tornou um eunuco? Como você ficou tão baixo aos olhos dos lutadores que se opuseram a você?’ Penso, meu querido quadrigário, que você cometeu uma grande ofensa tirando-me do campo de batalha”.
O quadrigário de Pradyumna respondeu: “Meu caro senhor, desejo-lhe uma vida longa. Julgo que não fiz nada de errado, porque é o dever do quadrigário ajudar o lutador na quadriga quando ele está em uma condição precária. Meu caro senhor, você é completamente competente no campo de batalha. Entretanto, é o dever do quadrigário e do guerreiro protegerem um ao outro em uma condição periclitante. Eu estava completamente ciente dos princípios reguladores da luta e cumpri meu dever. O inimigo, de súbito, o golpeou tão severamente com a maça que você perdeu a consciência. Você estava em uma posição perigosa, cercado por seus inimigos. Então, fui obrigado a proceder assim”.
Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo setenta e seis de Kṛṣṇa, intitulado “A Batalha entre Śālva e a Dinastia Yadu”.