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Capítulo Vinte e Um

Qualidades de Śrī Kṛṣṇa

Podem-se dividir os aspectos pessoais em dois: um aspecto é coberto, e o outro aspecto é manifestado. Quando Kṛṣṇa Se cobre com diferentes tipos de vestes, Seu as­pecto pessoal está coberto. No Śrīmad-Bhāgavatam, há um exemplo de Seu aspecto pessoal coberto em relação à Sua līlā em Dvārakā (quando Ele reside em Dvārakā atuando como seu rei). O Senhor Kṛṣṇa, algumas vezes, punha-Se a brincar vestindo-Se como uma mulher. Ao ver aquela forma, Uddhava disse: “Como é maravilhoso que esta mulher esteja atraindo meu amor extático exatamente como o faz o Senhor Kṛṣṇa. Acho que ela deve ser Kṛṣṇa coberto pela roupa de uma mulher!”.

Ao ver o Senhor Kṛṣṇa em Seu aspecto pessoal manifestado, um devoto louvou-Lhe as características corpóreas exclamando: “Que maravilhoso é o aspecto pessoal do Senhor Kṛṣṇa! Seu pescoço é tal qual um búzio! Tão belos são Seus olhos que pare­cem defrontar-se com a beleza de uma flor de lótus. Seu corpo é assim como a árvore tamāla: muito escuro. Ele tem a cabeça protegida por um baldaquino de cabelo. Em Seu peito, encontram-se as marcas de śrīvatsa, e Ele leva Seu búzio conSigo. Como Seu corpo possui caracte­rísticas imensamente belas, o inimigo do demônio Madhu me causa tanta satisfação que pode conceder-me bem-aventurança transcendental pelo simples fato de eu ver Suas qualidades transcendentais”.

Após consultar diversas escrituras, Śrīla Rūpa Gosvāmī enumerou as seguintes qualidades transcendentais do Senhor: (1) todo o Seu corpo possui características formo­sas; (2) marcado com características completamente auspiciosas; (3) extremamente agra­dável; (4) refulgente; (5) forte; (6) sempre jovem; (7) um admirável linguista; (8) veraz; (9) conversa agradavelmente; (10) eloquente; (11) altamente erudito; (12) altamente inteligente; (13) um gênio; (14) artístico; (15) extremamente engenhoso; (16) perito; (17) agradecido; (18) firmemente determinado; (19) competente juiz do tempo e das circunstâncias; (20) observa e fala com base na autoridade dos Vedas, ou escrituras; (21) puro; (22) autocontrolado; (23) tenaz; (24) paciente; (25) clemente; (26) grave; (27) autossatisfeito; (28) equilibrado; (29) magnânimo; (30) religioso; (31) heroico; (32) compassivo; (33) respeitoso; (34) gentil; (35) generoso; (36) tímido; (37) o protetor das almas ren­didas; (38) feliz; (39) o benquerente dos devotos; (40) controlado pelo amor; (41) completamente auspicioso; (42) o mais poderoso; (43) plenamente famoso; (44) popular; (45) parcial para com os devotos; (46) muito atrativo a todas as mulheres; (47) completamente adorável; (48) inteiramente opulento; (49) completamente honrado; (50) o controlador supremo. A Suprema Personalidade de Deus possui todas estas cinquenta qualidades transcendentais por completo, em profundidade como a do oceano. Em outras palavras, a extensão de Suas qualidades é inconcebível.

Na qualidade de partes integrantes do Senhor Supremo, as entidades vivas individuais também podem possuir todas essas qualidades em quantidades diminutas, desde que se tornem devotos puros do Senhor. Em outras palavras, todas as qualidades transcenden­tais supracitadas podem estar presentes nos devotos em quantidades diminutas, ao passo que, na Suprema Personalidade de Deus, as qualidades estão sempre presentes por completo.

Ademais, há outras qualidades transcendentais que são descritas pelo Senhor Śiva a Pārvatī no Padma Purāṇa e no Primeiro Canto do Śrīmad-Bhāgavatam a respeito de uma conversa entre o semideus da Terra e Yamarāja, o rei da religião. Declara-se: “Aqueles desejosos de se tornarem grandes personalidades devem estar decorados com as seguintes qualidades: veracidade, limpeza, misericórdia, perseverança, renúncia, calma, simplicidade, controle dos sentidos, equilíbrio mental, austeridade, igualdade, indulgência, placidez, erudição, conhecimento, opulência, cava­lheirismo, influência, força, memória, independência, tato, distinção, paciência, habili­dade no falar, gravidade, firmeza, lealdade, fama, respeitabilidade e ausência de falso egotismo”. Aqueles desejosos de se tornarem grandes almas não podem consegui-lo caso não tenham as qualidades supracitadas, logo podemos estar certos de que encontraremos essas qualidades no Senhor Kṛṣṇa, a alma suprema.

Além de todas as cinquenta qualidades supracitadas, o Senhor Kṛṣṇa possui mais cinco, as quais, certas vezes, manifestam-se parcialmente nas pessoas do Senhor Brahmā ou do Senhor Śiva. Tais qualidades transcendentais são as seguintes: (51) imutável; (52) conhecedor de tudo; (53) sempre viçoso; (54) sac-cid-ānanda (possuidor de um cor­po bem-aventurado e eterno); (55) possui todas as perfeições místicas.

Kṛṣṇa também possui outras cinco qualidades que se manifestam no corpo de Nārāyaṇa, e cuja lista é a seguinte: (56) possui inconcebível potência; (57) inumerá­veis universos são gerados de Seu corpo; (58) Ele é a fonte original de todas as encarna­ções; (59) Ele outorga a salvação aos inimigos mortos por Ele; (60) é aquele a atrair as almas liberadas. Todas estas qualidades transcendentais manifestam-se maravilho­samente no aspecto pessoal do Senhor Kṛṣṇa.

Além destas sessenta qualidades transcendentais, Kṛṣṇa possui outras quatro, as quais não se manifestam sequer na forma Nārāyaṇa da Divindade, isto para não falar dos semideuses ou das entidades vivas. Elas são as seguintes: (61) é o executor de varie­dades maravilhosas de passatempos (especialmente Seus passatempos infantis); (62) devotos dotados do maravilhoso amor a Deus rodeiam-nO; (63) quando toca Sua flauta, é capaz de atrair todas as entidades vivas de todas as partes do universo; (64) possui uma admirável excelência de beleza com a qual ninguém pode rivalizar em nenhu­ma parte da criação.

Acrescentando-se à lista estas quatro qualidades excepcionais de Kṛṣṇa, conclui-se que o número global de qualidades de Kṛṣṇa é sessenta e quatro. Śrīla Rūpa Gosvāmī empenha-se de modo a fornecer evidências oriundas de várias escrituras sobre todas as sessenta e quatro qualidades presentes na pessoa do Senhor Supremo.

1. Belos atributos corpóreos

Na verdade, nenhuma comparação que fizermos das diferentes partes do corpo do Senhor com diferentes objetos materiais poderá ser uma comparação completa. Para as pessoas comuns, que não podem compreender como são elevadas as características do corpo do Senhor, apresenta-se apenas uma oportunidade de compreendê-las por inter­médio de uma comparação material. Descreve-se que o rosto de Kṛṣṇa é belo como a Lua, Suas coxas são poderosas como as trombas de elefantes, Seus braços são semelhantes a dois pilares, as palmas de Suas mãos são abertas como flores de lótus, Seu peito é assim como um portal, Seus quadris são cavernas e o meio de Seu corpo é um planalto.

2. Características auspiciosas

Há determinadas características de diferentes membros que são consideradas muito auspiciosas e estão plenamente presentes no corpo do Senhor. A este respeito, um amigo de Nanda Mahārāja, falando acerca dos sintomas auspiciosos do corpo do Senhor Kṛṣṇa, disse: “Meu querido rei dos vaqueiros, posso observar trinta e dois sintomas aus­piciosos no corpo de teu filho! Gostaria de saber como este menino pode ter nascido em uma família de vaqueiros”. De modo geral, quando o Senhor Kṛṣṇa aparece, Ele o faz em uma família de kṣatriyas (reis), como o fez o Senhor Rāmacandra, e, algumas vezes, em uma família de brāhmaṇas. Kṛṣṇa, no entanto, aceitou o papel de filho de Mahārāja Nanda, apesar do fato de Nanda pertencer à comunidade vaiśya. A comunidade vaiśya se dedica aos negócios, ao comércio e à proteção às vacas. Portanto, o amigo de Nanda, provavelmente nascido em uma família brāhmaṇa, exprimiu sua admiração de que uma criança tão elevada pudesse ter nascido em uma família de vaiśyas. Em todo o caso, ele mos­trou os sinais auspiciosos no corpo de Kṛṣṇa ao pai adotivo do menino.

Ele continuou: “Este menino possui um brilho avermelhado em sete partes do corpo – nos olhos, nas palmas das mãos, nas solas dos pés, no palato, nos lábios, na língua e nas unhas. Considera-se que possuir um brilho avermelhado nessas sete partes do corpo é algo auspicioso. Três partes de Seu corpo são bem amplas: a cintura, a testa e o peito. Ele possui três partes no corpo que são curtas: o pescoço, as coxas e os órgãos genitais. Há três partes de Seu corpo que são deveras profundas: a voz, a inteligência e o umbigo. Há elevação em cinco partes de Seu corpo: no nariz, nos braços, nos ouvidos, na testa e nas coxas. Cinco partes de Seu corpo são delicadas: a pele, os cabelos da cabeça e de outras partes de Seu corpo, os dentes e as pontas de Seus dedos. O conjunto de todas essas características corpóreas se manifesta exclusivamente nos corpos de grandes personalidades”.

As linhas do destino da palma da mão também são consideradas sintomas corpó­reos auspiciosos. A este respeito, uma gopī idosa informou ao rei Nanda: “Teu filho possui várias e maravilhosas linhas do destino nas palmas de Suas mãos. Nas palmas de Suas mãos há sinais de flores de lótus e de rodas, e, nas solas de Seus pés, há sinais de uma bandeira, um raio, um peixe, um bastão para dominar elefantes e uma flor de lótus. Por favor, observa como esses sinais são auspiciosos!”.

3. Agradável

As características formosas do corpo que automaticamente atraem os olhos são chamadas rucira (prazerosas). Kṛṣṇa possui este aspecto atrativo de rucira em Suas características pessoais. No Śrīmad-Bhāgavatam (3.2.13), há uma declaração a res­peito disso. “A Suprema Personalidade de Deus, com Sua roupa agradável, apareceu no episódio da arena sacrificial em que o rei Yudhiṣṭhira executava o sacrifício rājasūya. Todas as personalidades importantes de diferentes partes do universo haviam sido convidadas a comparecer na arena sacrificial, e todas elas, ao verem Kṛṣṇa ali, consideraram que o Cria­dor usara toda a Sua habilidade de artífice ao criar o corpo particular de Kṛṣṇa”.

É dito que o corpo transcendental de Kṛṣṇa assemelha-se à flor de lótus em oito partes, a saber, Seu rosto, Seus dois olhos, Suas duas mãos, Seu umbigo e Seus dois pés. As gopīs e os habitantes de Vṛndāvana costumavam ver o esplendor de flores de lótus por toda a parte, e mal podiam desviar os olhos de tal visão.

4. Refulgente

Considera-se que a refulgência que penetra o universo são os raios da Suprema Per­sonalidade de Deus. A morada suprema de Kṛṣṇa está sempre lançando a refulgência conhecida como brahmajyoti, refulgência esta que emana de Seu corpo.

O brilho do grande número de joias dispostas sobre o peito do Senhor pode desbara­tar até mesmo o brilho do Sol; não obstante, se comparado ao brilho do corpo do Se­nhor, tais joias parecem ser apenas tão brilhantes quanto uma estrela no céu. Deste modo, a influência transcendental de Kṛṣṇa é tão grande que pode desbaratar todos. Quando Kṛṣṇa esteve presente na arena sacrificial do rei Kaṁsa, o Seu inimigo, os lutadores de luta livre ali presentes, embora apreciassem a maciez do corpo de Śrī Kṛṣṇa, estavam temerosos e perturbados com o pensamento de que teriam que O enfrentar em uma luta.

5. Forte

Alguém que tenha força corporal extraordinária é chamado balīyān. Quando Kṛṣṇa matou Ariṣṭāsura, uma das gopīs disse: “Minhas queridas amigas, vede só como Kṛṣṇa matou Ariṣṭāsura! Apesar deste ser mais forte que uma montanha, Kṛṣṇa levantou-o do chão assim como se arranca um pedaço de algodão e arremessou-o sem nenhuma dificulda­de”. Há outro trecho em que se diz: “Ó meus queridos devotos do Senhor Kṛṣṇa, que a mão esquerda do Senhor Kṛṣṇa, a qual ergueu a colina Govardhana da mesma forma que se ergue um balão, salve-os de todos os perigos”.

6. Sempre jovem

Kṛṣṇa é belo em Suas diferentes idades, a saber, Sua infância, Sua meninice e Sua adolescência. Destas três, Sua adolescência é o reservatório de todos os prazeres e é a época em que Ele pode aceitar as mais elevadas variedades de serviço devocional. Nessa idade, Kṛṣṇa está pleno de todas as qualidades transcendentais e está ocupado em Seus passatempos transcendentais. Em virtude disso, os devotos aceitam que o começo de Sua adolescência é o aspecto mais atrativo que há em amor extático.

Nessa idade, Kṛṣṇa é descrito como segue: “O vigor da adolescência de Kṛṣṇa combi­nava-se com Seu belo sorriso, que derrotava até mesmo a beleza da Lua cheia, ultrapassando em beleza até mesmo o Cupido, e Ele estava sem­pre a atrair as mentes das gopīs, as quais, por conseguinte, sempre sentiam prazer”.

7. Um admirável linguista

Rūpa Gosvāmī diz que aquele que conhece os idiomas de diferentes países, especialmente o idioma sânscrito, que é falado nas cidades dos semideuses – bem como outros idiomas mundanos, incluindo os dos animais – é chamado “um admirável linguista”. Segundo esta declaração, parece que Kṛṣṇa também é capaz de falar e compreender os idiomas dos animais. Certa vez, uma velhinha, que vivia em Vṛndāvana na época dos pas­satempos de Kṛṣṇa, declarou em surpresa: “Que maravilhoso é que Kṛṣṇa, que possui os corações de todas as mocinhas de Vrajabhūmi, possa falar tão bem o idioma de Vrajabhūmi com as gopīs, ao passo que, em sânscrito, Ele fala com os semideuses, e, no idioma dos animais, Ele possa falar até mesmo com as vacas e os búfalos! De forma similar, no idio­ma da província da Caxemira, com os papagaios e outras aves, como também em idiomas mais comuns, Kṛṣṇa é imensamente expressivo!”. Ela perguntou às gopīs como Kṛṣṇa tinha Se tor­nado tão perito em falar tantos tipos diferentes de línguas.

8. Veraz

Uma pessoa que nunca falta à sua palavra de honra é considerada veraz. Certa vez, Kṛṣṇa prometeu a Kuntī, a mãe dos Pāṇḍavas, que lhe traria os cinco filhos do campo de batalha de Kurukṣetra. Depois que a batalha havia terminado e todos os Pāṇḍavas haviam regressado para casa, Kuntī louvou Kṛṣṇa porque Este havia cumprido Sua promessa muito bem. Ela disse: “Pode ser até que o brilho do Sol esfrie um dia e o luar esquente, mas, mesmo assim, Vós não faltareis a Vossa promessa”. Da mesma forma, quando Kṛṣṇa, juntamente com Bhīma e Arjuna, foi desafiar Jarāsandha, Ele disse claramente a Jarāsandha que era o Kṛṣṇa eterno, ali presente na companhia de dois dos Pāṇḍavas. A história é que tanto Kṛṣṇa quanto os Pāṇḍavas – neste caso, Bhīma e Arjuna – eram kṣatriyas (reis guerreiros). Jarāsandha também era kṣatriya, e muito caridoso para com os brāhmaṇas. Desse modo, Kṛṣṇa, que planejara lutar com Jarāsandha, dirigiu-Se até ele com Bhīma e Arjuna, todos vestidos de brāhmaṇas. Como era muito caridoso para com os brāhmaṇas, Jarāsandha perguntou-lhes o que queriam, ao que eles exprimiram o desejo que tinham de lutar com ele. Então, Kṛṣṇa, vestido como um brāhmaṇa, declarou ser o mesmo Kṛṣṇa que era o inimigo eterno do rei.

9. Aquele que conversa agradavelmente

Uma pessoa que pode falar docemente até mesmo com seu inimigo, apenas para apaziguá-lo, é considerada uma pessoa que conversa agradavelmente. Kṛṣṇa conversava tão agradavelmente que, após derrotar Seu inimigo Kāliya, nas águas do Yamunā, Ele disse: “Meu querido rei das serpentes, embora Eu lhe tenha causado muitíssimas dor, por favor, não fique descontente coMigo. Eu tenho a obrigação de proteger estas vacas, as quais mesmo os semideuses adoram. Apenas para poder salvá-las do perigo de sua presença, sou obrigado a bani-lo deste lugar”.

Kāliya estava vivendo dentro da água do Yamunā, em decorrência do que a parte posterior do rio ficou envenenada. Assim, morreram muitas vacas que tinham bebido da água do rio. Por esse motivo, Kṛṣṇa, embora tivesse apenas quatro ou cinco anos de idade, mergulhou na água, castigou Kāliya severamente e, em seguida, pediu-lhe que abandonas­se o local e fosse a qualquer outra parte.

Nessa ocasião, Kṛṣṇa disse que mesmo os semideuses adoram as vacas, e demonstrou de maneira prática como se devem proteger as vacas. Ao menos aqueles que estão na cons­ciência de Kṛṣṇa devem seguir-Lhe os passos e dar toda a proteção às vacas. Não são apenas os semideuses que adoram as vacas. O próprio Kṛṣṇa adorava as vacas em diversas ocasiões, especialmente nos dias de Gopāṣṭamī e Govardhana-pūjā.

10. Eloquente

Alguém que é capaz de falar palavras significativas com inteira elegância e boas qualidades se chama vāvadūka, ou eloquente. Há uma excelente declaração no Śrīmad-Bhāgavatam concernente ao falar educado de Kṛṣṇa. Quando Kṛṣṇa educada­mente mandou que Seu pai, Nanda Mahārāja, descontinuasse o oferecimento ritualístico de sacrifício a Indra, o deus da chuva, a esposa de um vaqueiro da vila sentiu-se ca­tivada por Ele. Mais tarde, ela descreveu para suas amigas o que Kṛṣṇa falou como segue: “Kṛṣṇa falava tão educada e gentilmente com Seu pai que era como se estivesse derramando néctar nos ouvidos de todos os que estavam ali presentes. Após ouvir Kṛṣṇa falar palavras tão doces, quem não se sentirá atraído por Ele?”.

A fala de Kṛṣṇa, que contém todas as boas qualidades que existem no univer­so, é descrita na seguinte declaração de Uddhava: “As palavras de Kṛṣṇa são tão atrativas que podem mudar imediatamente o coração até mesmo de Seu adversário. Suas palavras podem resolver imediatamente todas as perguntas e problemas do mundo. Embora Ele não fale por muito tempo, cada uma das palavras que sai de Sua boca contém grande quanti­dade de significados. As palavras de Kṛṣṇa muito satisfazem meu coração”.

11. Altamente erudito

Quando um indivíduo é altamente instruído e atua estritamente com base em princípios morais, ele se chama “altamente erudito”. Alguém versado em diferentes departamentos de co­nhecimento se chama “instruído”, e, como atua com base em princípios morais, é chamado “moralmente resoluto”. Estes dois fatores juntos constituem a erudição.

Śrī Nārada descreve Kṛṣṇa recebendo instrução de Sāndīpani Muni como segue: “No princípio, o Senhor Brahmā e os demais são como nuvens da água que evapora do grande oceano de Kṛṣṇa. Em outras palavras, primeiramente Brahmā recebeu a instrução védica de Kṛṣṇa, assim como as nuvens recebem água do oceano. Essa instrução, ou educação, védica, a qual Brahmā falou ao mundo, foi depositada na monta­nha de Sāndīpani Muni. As instruções que Sāndīpani Muni dá a Kṛṣṇa assemelham-se a um reservatório de água na montanha, que flui na forma de um rio e novamente vai mistu­rar-se com a fonte, o oceano de Kṛṣṇa”. Em termos mais claros, a ideia é que, na realidade, ninguém pode instruir Kṛṣṇa, assim como o oceano não recebe água de nenhuma fonte além de si mesmo. Apenas parece que os rios estão deitando água no oceano. Fica claro, portanto, que Brahmā recebeu sua instrução de Kṛṣṇa, e que, de Brahmā, via sucessão discipular, foi distribuída a educação védica. Sāndīpani Muni é comparado ao rio que flui novamente para o mesmo oceano original de Kṛṣṇa.

Os Siddhas, os habitantes de Siddhaloka (onde todos nascem com poderes místicos plenamente desenvolvidos), e os Cāraṇas, os habitantes de um planeta similar, oram a Kṛṣṇa da seguinte maneira: “Meu Senhor Govinda, a deusa da sabedoria, que está deco­rada com quatorze espécies de ornamentos educacionais, cuja inteligência é onipresente dentro das quatro seções dos Vedas, cuja atenção está sempre com os livros de lei deixados por sábios eminentes como Manu, que está equipada com seis espécies de conhecimen­to perito – a saber, evidência védica, gramática, astrologia, retórica, vocabulário e ló­gica – e cujos amigos constantes são os suplementos dos Vedas e dos Purāṇas, decorados com a conclusão final de toda a educação, obteve agora a oportunidade de se sentar conVosco como um companheiro de escola e agora se dedica a servir-Vos”.

 Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, não precisa de nenhuma instrução, mas Ele concede à deusa da sabedoria a oportunidade de servi-lO. Como é autossuficiente, Kṛṣṇa não necessita do serviço de nenhuma entidade viva, apesar de ter muitos devotos. É por Kṛṣṇa ser imensamente amável e misericordioso que Ele concede a todos a oportunidade de servi-lO como se Ele necessitasse do serviço de Seus devotos.

Em relação a Seus princípios morais, se declara no Śrīmad-Bhāgavatam que Kṛṣṇa impera sobre Vṛndāvana tal como a morte personificada impera sobre os ladrões, tal como a agradável bem-aventurança impera sobre os piedosos, tal como o belíssimo Cupido impera sobre as mocinhas e tal como a mais munificente das personalidades impera sobre os pobres. Para Seus amigos, Ele é refrescante como a Lua cheia, e, para Seus adversários, Ele é o fogo aniquilador gerado pelo Senhor Śiva. Kṛṣṇa, portanto, é o moralista mais perfeito em Suas relações recíprocas com diferentes tipos de pessoas. O fato de Ele ser a morte personifica­da para os ladrões não quer dizer que Ele não tenha princípios morais ou que seja cruel; Ele, ainda assim, é amável, porque castigar ladrões com a morte é exibir a mais elevada qualidade dos princípios morais. No Bhagavad-gītā também, Kṛṣṇa diz que procede com diferen­tes tipos de pessoas de acordo com a forma com que elas lidam com Ele. O modo com que Kṛṣṇa procede com os devotos e o modo como lida com os não-devotos são igualmente bons, a despeito de serem diferentes. Uma vez que Kṛṣṇa é completamente amável, as rela­ções que Ele tem com todos são sempre boas.

12. Altamente inteligente

Considera-se uma pessoa inteligente caso ela tenha memória acentuada e bom dis­cernimento. Em relação à memória de Kṛṣṇa, é dito que, quando estava estudando na escola de Sāndīpani Muni, situada em Avantīpura, Ele exibiu tamanha memória que bastava o mestre instruí-lO uma única vez para que imediata­mente atingisse a perfeição em qualquer assunto. Na realidade, Ele foi à escola de Sāndīpani Muni unicamente com o fim de mostrar às pessoas do mundo que, por mais grandiosa ou genial que seja uma pessoa, ela tem que se dirigir às autoridades superiores para receber educação geral. Independente de quão impor­tante alguém seja, tem-se que aceitar um preceptor ou mestre espiritual.

Kṛṣṇa exibiu Seu bom discernimento quando estava lutando com o rei intocável que atacou a cidade de Mathurā. De acordo com os ritos védicos, os reis da classe kṣatriya não devem tocar naqueles que são intocáveis, nem mesmo para matá-los. Devido a isso, quando o rei intocável tomou a cidade de Mathurā, Kṛṣṇa não julgou atilado matá-lo diretamente com Suas próprias mãos. Contudo, o rei tinha de ser morto, e, assim, Kṛṣṇa decidiu com bom dis­cernimento que fugiria do campo de batalha para que o rei intocável O perseguisse. Ele pôde, desta forma, conduzir o rei à montanha onde Mucukunda se encontrava a dormir. Mucu­kunda recebera uma bênção do Senhor Śiva com a informação de que, quando despertas­se de seu sono, quem quer que ele visse seria imediatamente reduzido a cinzas. Por esse motivo, Kṛṣṇa julgou atilado conduzir o rei intocável àquela caverna de modo que a pre­sença do rei despertasse Mucukunda, e, desse modo, o rei fosse imediatamente redu­zido a cinzas.

13. Gênio

Um indivíduo é considerado “gênio” se é capaz de refutar qualquer espécie de ele­mento contrário com argumentos sempre novos. A este respeito, há uma declaração no Padyāvalī que contém a seguinte conversa entre Kṛṣṇa e Rādhā. Certa manhã, quando Kṛṣṇa foi ter com Rādhā, esta Lhe perguntou: “Meu querido Keśava, onde está a Tua vāsa agora?”. A palavra sânscrita vāsa possui três significados: “residência”, “fragrância” e “roupa”.

Na realidade, Rādhārāṇī perguntou a Kṛṣṇa: “Onde está Tua roupa?”. Kṛṣṇa, no entanto, considerou que o significado era “residência”, e respondeu a Rādhārāṇī: “Minha querida moça cativada, no momento resido em Teus belos olhos”.

Ao que Rādhārāṇī respondeu: “Meu querido rapaz astuto, não Te perguntei a res­peito de Tua residência. Perguntei-Te a respeito de Tua roupa”.

Kṛṣṇa, então, considerou que o significado de vāsa era “fragrância” e disse: “Minha querida afortunada, assumi esta fragrância apenas de sorte a poder Me associar com Teu corpo”.

Śrīmatī Rādhārāṇī perguntou novamente a Kṛṣṇa: “Onde passaste a noite?”. A palavra exata em sânscrito usada neste caso foi yāminyāmuṣitaḥ. Yāminyām significa “a noite”, e uṣitaḥ significa “passar”. Kṛṣṇa, entretanto, dividiu a palavra yāminyāmuṣitaḥ nas palavras yāminyā e muṣitaḥ. Esta nova divisão das palavras tem o significado de que Ele fora raptado por Yāminī, ou a noite. Kṛṣṇa, por conseguinte, respon­deu a Rādhārāṇī: “Minha querida Rādhārāṇī, será possível que a noite possa Me raptar?”. Dessa maneira, Ele estava respondendo a todas as perguntas de Rādhārāṇī com tamanha esperteza que alegrou aquela mais querida das gopīs.

14. Artístico

Aquele que é capaz de conversar e de se vestir muito artisticamente chama-se Vidagdha. Podia-se perceber tal característica exemplar na personalidade de Śrī Kṛṣṇa. Rādhārāṇī fala desta característica como segue: “Minha querida amiga, vê só como Kṛṣṇa compõe canções tão bem e como Ele dança e fala palavras engraçadas e toca Sua flauta usando guirlandas tão bonitas. Ele Se veste de maneira imensamente encantadora, como se houvesse derrotado jogadores de todos os tipos no tabuleiro de xadrez. Ele vive maravilhosamente no mais alto grau de perfeição artística”.

15. Engenhoso

Alguém que é capaz de executar diversos tipos de trabalho de uma única vez é cha­mado “engenhoso”. No atinente a isso, uma das gopīs disse: “Minhas queridas amigas, vede só a engenhosidade de Śrī Kṛṣṇa! Ele compõe belas canções acerca dos vaqueirinhos e agrada as vacas. Com o movimento dos olhos, Ele agrada as gopīs, e, ao mesmo tempo, luta com demônios como Ariṣṭāsura e outros. Ele, deste modo, encontra-Se com diferentes entidades vivas de diferentes modos e desfruta completamente da situação”.

16. Perito

Qualquer pessoa que consiga realizar rapidamente uma tarefa deveras difícil é conside­rada perita. No tocante à habilidade de Kṛṣṇa, há uma declaração no Śrīmad-Bhāgavatam (10.59.13) em que Śukadeva Gosvāmī diz a Mahārāja Parīkṣit: “Ó melhor dos Kurus, Śrī Kṛṣṇa despedaçou todas as diferentes armas usadas por diferentes lutadores”. Antigamente, lutava-se atirando-se flechas de diferentes tipos. Uma facção atirava uma determinada flecha, e a outra facção tinha que a derrotar neutralizando-a com outra flecha. Uma facção, por exemplo, podia atirar uma flecha que fizesse com que caísse água do céu, e, para neutralizar essa flecha, a facção contrária tinha de atirar uma flecha que pudesse imediatamente transformar a água em nuvens. Assim, a partir desta declaração, parece que Kṛṣṇa era muito perito em neutralizar as flechas dos inimigos. Da mes­ma forma, na dança da rāsa, cada uma das gopīs pediu que Kṛṣṇa Se tornasse seu par indivi­dualmente, diante do que Kṛṣṇa expandiu-Se imediatamente em muitíssimos Kṛṣṇas a fim de poder Se unir com cada uma das gopīs. O resultado foi que cada gopī deparou-se com Kṛṣṇa a seu lado.

17. Agradecido

Qualquer indivíduo que está consciente das atividades beneficentes de um amigo e jamais se esquece do serviço deste amigo é considerado agradecido. No Mahābhārata, Kṛṣṇa diz: “Quando estive longe de Draupadī, ela chorava com as palavras: ‘He govinda!’. Por ela ter chamado por Mim desta maneira, estou endividado com ela, e essa dívida aumenta gradualmente dentro de Meu coração”. Esta declaração de Kṛṣṇa evidencia como se pode agradar o Senhor Supremo pelo simples fato de chamá-lO: “He kṛṣṇa! He govinda!”.

O mahā-mantra (Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare) também é simplesmente uma forma de se dirigir ao Senhor e à Sua energia. Desta forma, podemos imaginar quão agradecido está o Senhor Supremo a alguém que se dedique constantemente a se dirigir ao Senhor e à Sua energia. É impossível que o Senhor alguma vez Se esqueça de semelhante devoto. Neste verso, afirma-se claramente que quem quer se dirija ao Senhor atrai imediatamente a atenção do Senhor, o qual lhe permanece eternamente grato.

Outro exemplo que ilustra o sentimento de gratidão de Kṛṣṇa é o de Suas relações com Jāmbavān. Na época em que o Senhor esteve presente como o Senhor Rāmacandra, Jāmbavān, o grande rei dos macacos, serviu-O muito fielmente. Ao aparecer novamente como o Senhor Kṛṣṇa, o Senhor casou-Se com a filha de Jāmbavān e mostrou-lhe todos os respeitos em geral mostrados aos superiores. Qualquer pessoa honesta fica agradecida a um amigo que lhe tenha prestado algum serviço. Uma vez que Kṛṣṇa é a personalidade honesta suprema, como poderá Ele Se esquecer de uma dívida para com Seu servo?

18. Determinado

Todo aquele que observe princípios reguladores e cumpra com suas promessas mediante atividades práticas é tido como determinado. Quanto à determi­nação do Senhor, o Hari-vaṁśa apresenta um exemplo da maneira de proceder dEle. Este exemplo tem relação com a luta do Senhor Kṛṣṇa com Indra, o rei dos céus, que foi des­pojado à força da flor pārijāta. A pārijāta é um tipo de flor de lótus que cresce nos pla­netas celestiais. Certa vez, Satyabhāmā, uma das rainhas de Kṛṣṇa, quis essa flor de lótus, e Kṛṣṇa prometeu presenteá-la. Indra, todavia, negou-se a desfazer-se de sua flor pārijāta. Assim, houve uma grande luta com Kṛṣṇa e os Pāṇḍavas de um lado e todos os semi­deuses do outro. Por fim, Kṛṣṇa venceu-os e tomou posse da flor pārijāta, a qual deu de presente à Sua rainha. Deste modo, no que respeita a esse evento, Kṛṣṇa disse a Nārada Muni: “Meu querido grande sábio dos semideuses, agora podes declarar aos devotos em geral, e aos não-devotos em particular, que, nesta questão da tomada da flor pārijāta, todos os semideuses – os Gandharvas, os Nāgas, os demônios Rākṣasas, os Yakṣas, os Pannagas – tentaram derrotar-Me, mas nenhum deles conseguiu fazer com que Eu faltasse à Minha promessa à Minha rainha”.

Kṛṣṇa faz outra promessa no Bhagavad-gītā, onde declara que Seu devoto jamais será derrotado. Um devoto sincero, portanto, que está sempre ocupado no serviço transcendental amoro­so ao Senhor, deve estar certo de que Kṛṣṇa jamais faltará à Sua promessa. Ele sempre protegerá Seus devotos em todas as circunstâncias.

Kṛṣṇa mostrou como cumpre com Sua promessa ao presentear Satyabhāmā com a flor pārijāta, ao evitar que Draupadī fosse insultada e ao livrar Arjuna dos ataques de to­dos os inimigos.

A promessa que Kṛṣṇa fez de que Seus devotos jamais são derrotados também fora admitida anteriormente por Indra quando este foi derrotado na govardhana-līlā. Quando Kṛṣṇa impediu que os residentes da vila de Vraja (Vṛndāvana) adorassem Indra, este foi tomado de ira e inundou Vṛndāvana com uma chuva contínua. Kṛṣṇa, no entanto, protegeu todos os habitantes e animais de Vṛndāvana erguendo a colina Govardhana, que passou a servir de guarda-chuva. Terminado o incidente, Indra rendeu-se a Kṛṣṇa com muitas orações, nas quais admitiu: “Pelo fato de ter er­guido a colina Govardhana e ter protegido os habitantes de Vṛndāvana, cumpristes com Vossa promessa de que Vossos devotos jamais serão derrotados”.

19. Competente juiz do tempo e das circunstâncias

Kṛṣṇa era muito competente em lidar com as pessoas de acordo com as circunstâncias, o país, o tempo e a parafernália. Ele próprio exprime como podia tirar proveito de um momento particular, de uma circunstância particular ou de uma pessoa particular en­quanto conversa com Uddhava a respeito de Sua dança da rāsa com as gopīs. Ele diz: “O momento mais oportuno é a noite de Lua cheia no outono, como esta noite. O melhor lugar que há no universo é Vṛndāvana, e as moças mais bonitas que existem são as gopīs. Portanto, Meu querido amigo Uddhava, acho que agora devo tirar proveito de todas essas circunstâncias e Me ocupar na dança da rāsa”.

20. Aquele que vê com base na autoridade das escrituras

Aquele que atua exatamente de acordo com os princípios das escrituras é chamado śāstra-cakṣuḥ. Śāstra-cakṣuḥ refere-se àquele que vê através dos olhos das escrituras autorizadas. Na realidade, qualquer pessoa com conhecimento e experiência deve tentar compreender tudo por intermédio destes livros. A percepção que temos, por exemplo, do globo solar se o observamos a olho nu é que ele não passa de uma substância brilhante, mas, quando o examinamos com livros científicos autorizados e outras obras, podemos compreender quão maior do que esta Terra é o globo solar e quão poderoso ele é. Por conseguinte, ver a olho nu não é ver de fato. Ver por meio dos livros autorizados ou de mestres autorizados é a maneira correta de ver. Assim, apesar de Kṛṣṇa ser a Suprema Personalidade de Deus e poder ver tudo que é passado, presente e futuro; com o fim de ensinar às pessoas em geral, Ele costumava sempre fazer alusão às escrituras. No Bhagavad-gītā, por exemplo, embora Kṛṣṇa estivesse falando como a auto­ridade suprema, Ele mencionava e citava o Vedānta-sūtra como autoridade. No Śrīmad-Bhāgavatam, há uma declaração em que uma pessoa por brincadeira diz que Kṛṣṇa, o inimigo de Kaṁsa, é conhecido como aquele que vê através dos śāstras. Contudo, a fim de estabelecer Sua autoridade, agora Ele está ocupado vendo as gopīs, razão pela qual as gopīs estão ficando loucas.

21. Puro

Existem dois tipos de pureza suprema. Alguém que possua o primeiro desses tipos é capaz de sal­var um pecador. Quem possui o outro tipo caracteriza-se por não fazer nada que seja impuro. Aquele que possui uma dessas qualidades é chamado “supremamente puro”. Kṛṣṇa possui ambos os tipos de purezas, isto é, Ele pode salvar todas as almas condicionadas pecaminosas e, ao mesmo tempo, jamais faz algo que O possa contaminar.

A este respeito, Vidura, enquanto tentava separar Dhṛtarāṣṭra, seu irmão mais velho, de seus apegos familiares, disse: “Meu querido irmão, apenas fixe sua mente nos pés de lótus de Kṛṣṇa, o qual sábios eminentes e pessoas santas adoram com belos versos eruditos. Kṛṣṇa é o salvador supremo entre todos os outros salvadores. Não resta dúvida de que existem grandes semideuses, como o Senhor Śiva e o Senhor Brahmā, mas suas posições como sal­vadores dependem sempre da misericórdia de Kṛṣṇa”. Assim, Vidura aconselhou que Dhṛtarāṣṭra, seu irmão mais velho, concentrasse sua mente e adorasse apenas Kṛṣṇa. Caso sim­plesmente cantemos o santo nome de Kṛṣṇa, tal santo nome nascerá dentro de nosso coração como o Sol poderoso e dissipará imediatamente toda a escuridão da ignorância. Vidura aconselhou, portanto, que Dhṛtarāṣṭra pensasse sempre em Kṛṣṇa a fim de que a grande soma de contaminações causadas pelas atividades pecaminosas fosse imediatamente lavada. No Bhagavad-gītā também, Arjuna chama Kṛṣṇa de paraṁ brahma paraṁ dhāma pavitram – o puro supremo. Há muitos outros exemplos que mos­tram a pureza suprema de Kṛṣṇa.

22. Autocontrolado

O indivíduo que é capaz de controlar completamente seus sentidos chama-se vaśī, ou “autocontrolado”. A este respeito, declara-se no Śrīmad-Bhāgavatam: “Todas as dezesseis mil esposas de Kṛṣṇa eram tão extremamente belas que seu sorriso e timidez conseguiam cati­var a mente de grandes semideuses como o Senhor Śiva. Ainda assim, apesar de seu atraente comportamento feminino, elas não conseguiam sequer agitar a mente de Kṛṣṇa”. Cada uma das milhares de esposas de Kṛṣṇa pensava que Kṛṣṇa estava cativo por sua beleza feminina, mas não era esse o fato. Kṛṣṇa, portanto, é o controlador supremo dos sentidos, e isto se admite no Bhagavad-gītā, onde Ele é chamado de Hṛṣīkeśa, o Senhor dos sentidos.

23. Tenaz

Aquele que continua trabalhando até granjear o objetivo que deseja chama-se “tenaz”.

Houve uma luta entre Kṛṣṇa e o rei Jāmbavān pela posse da valiosa joia Syamantaka. Jāmbavān tentou esconder-se na floresta, mas Kṛṣṇa não esmoreceu. Kṛṣṇa, por fim, conseguiu a joia, após ter procurado o rei com grande tenacidade.

24. Paciente

Aquele que tolera todas as espécies de incômodos, mesmo que tais aborreci­mentos pareçam insuportáveis, é considerado uma pessoa paciente.

Quando Kṛṣṇa residia na casa de Seu mestre espiritual, Ele não Se importava de aceitar toda sorte de incômodos quando prestava serviço a Seu guru, embora Seu corpo fosse muito macio e delicado. O discípulo tem a obrigação de prestar todas as espécies de ser­viço para o mestre espiritual, a despeito de todas as espécies de dificuldades. O discípulo que vive na residência do mestre espiritual tem de sair a mendigar de porta em porta e levar tudo para o mestre espiritual. Quando se serve prasāda, espera-se que o mestre espiritual chame cada discípulo para comer. Se um dia, por ventura, o mestre espiritual se esquece de chamar um discípulo para tomar parte na prasāda, as escrituras prescrevem que o discípulo deve antes jejuar nesse dia a aceitar comida por sua própria iniciativa. Há muitas restrições semelhantes. Algumas vezes também, Kṛṣṇa ia à floresta recolher madeira seca para ser usada como combustível.

25. Clemente

Aquele que é capaz de tolerar todos os tipos de ofensas do adversário é consi­derado clemente.

A qualidade de clemência do Senhor Kṛṣṇa é descrita no Śiśupāla-vadha com respeito a Ele ter proibido que Śiśupāla fosse morto. O rei Śiśupāla era o monarca do reino de Cedi, e, embora fosse primo de Kṛṣṇa, sempre O invejava. Todas as vezes que se encontravam, Śiśupāla tentava insultar Kṛṣṇa endereçando-Lhe palavras de baixo calão. Na arena do sacrifício rājasūya de Mahārāja Yudhiṣṭhira, quando Śiśupāla começou a proceder de tal maneira em relação ao Senhor Kṛṣṇa, este não Se im­portou e manteve-Se calado. Alguns dos presentes na arena estavam dispostos a matar Śiśupāla, mas Kṛṣṇa os restringiu. Ele era imensamente clemente. Afirma-se que, quando ruge um som trovejante nas nuvens, o poderoso leão responde de imediato com seu rugido trovejante. O leão, por outro lado, não se importa quando todos os chacais tolos põem-se a produzir seus sons de menor importância.

Śrī Yāmunācārya louva o poder de clemência de Kṛṣṇa com a seguinte declaração: “Meu querido Senhor Rāmacandra, sois tão misericordioso que, simplesmente porque se prostrou perante Vós, perdoastes o corvo de­pois deste ter arranhado com suas garras os mamilos de Jānakī”. Certa vez, Indra, o rei dos céus, assumiu a forma de um corvo e atacou Sītā (Jānakī), a esposa do Senhor Rāmacandra, batendo-lhe nos seios. Por certo que isto foi um insulto a Sītā, a mãe universal, e o Senhor Rāmacandra preparou-Se ime­diatamente para matar o corvo. Contudo, como mais tarde o corvo prostrou-se perante o Senhor, este lhe perdoou a ofensa. Śrī Yāmunācārya diz ainda em sua oração que o poder de clemência do Senhor Kṛṣṇa é ainda maior que o do Senhor Rāmacandra, porque Śiśupāla sempre teve por hábito insultar Kṛṣṇa – não somente em uma vida, mas em três vidas consecutivas. Apesar disso, Kṛṣṇa foi tão amável que deu a Śiśupāla a salvação de poder se fundir em Sua existência. Podemos compreender, com isto, que o objetivo do monista – fundir-se na refulgência do Supremo – não é um problema muito difícil. Indivíduos como Śiśupāla, que são continuamente hostis a Kṛṣṇa, também podem conse­guir essa liberação.

26. Grave

Aquele que não diz o que pensa a qualquer um, ou cuja atividade mental e pla­no de ação são muito difíceis de se compreender, é considerado grave. Depois de Brahmā ter ofendido o Senhor Śrī Kṛṣṇa, Brahmā suplicou-Lhe que o perdoasse. Contudo, apesar de ter oferecido belas orações a Kṛṣṇa, Brahmā não pôde compreender se Kṛṣṇa estava satis­feito ou se ainda estava descontente. Em outras palavras, Kṛṣṇa estava tão grave que não levou muito a sério as orações de Brahmā. Encontramos outro exemplo da gravidade de Kṛṣṇa com respeito a Suas aventuras amorosas com Rādhārāṇī. Kṛṣṇa era sempre muito sigiloso quanto a Suas aventuras amorosas com Rādhārāṇī; tão sigiloso que Baladeva, o irmão mais velho e companheiro constante de Kṛṣṇa, não era capaz de compreender as trans­formações de Kṛṣṇa por causa de Sua gravidade.

27.  Autossatisfeito

Uma pessoa que está plenamente satisfeita consigo mesma, que não tem nenhuma aspiração e que não se agita sequer em meio a sérios motivos para se afligir é considerada uma pessoa satisfeita consigo mesma.

Um exemplo de Kṛṣṇa satisfeito conSigo mesmo foi mostrado quando Ele, Arjuna e Bhīma foram desafiar Jarāsandha, o formidável rei de Magadha, e Kṛṣṇa deu todo o crédito da morte de Jarāsandha a Bhīma. Podemos compreender, a partir de tal evento, que Kṛṣṇa jamais Se importa com fama, embora ninguém possa ser mais famoso do que Ele.

Um exemplo da imperturbabilidade de Kṛṣṇa se deu quando Śiśupāla colocou-se a endereçar-Lhe palavras de baixo calão. Todos os reis e brāhmaṇas que se encontravam reunidos na arena sacrificial de Mahārāja Yudhiṣṭhira ficaram agitados e imediatamente quiseram agradar Kṛṣṇa oferecendo-Lhe belas orações. Todos esses reis e brāhmaṇas, porém, não conseguiram perceber perturbação alguma na pessoa de Kṛṣṇa.

28. Equilibrado

Considera-se alguém equilibrado quando ele não se deixa afetar pelo apego e pe­la inveja.

No Śrīmad-Bhāgavatam (10.16.33), apresenta-se um exemplo do equilíbrio de Kṛṣṇa em conexão ao passatempo em que Ele castigou Kāliya, a serpente de cem cabeças. Quando Kṛṣṇa estava severamente castigando Kāliya, todas as esposas deste apareceram perante o Senhor e oraram como segue: “Meu querido Senhor, Vós descestes para cas­tigar todos os tipos de criaturas vivas demoníacas. Nosso esposo, este Kāliya, é uma criatura muito pecaminosa, devido a que é bastante adequado que o castigueis. Sabemos que tanto o castigo que Vós conferis a Vossos inimigos quanto o modo como lidais com Vossos filhos são iguais. Sabemos que castigastes esta criatura condenada pensando em sua futura felicidade”.

Em outra oração, é dito: “Meu querido Senhor Kṛṣṇa, melhor de toda a dinastia Kuru, sois tão imparcial que recompensareis mesmo um inimigo Vosso que seja competente, ao passo que, se um de Vossos filhos for criminoso, Vós o punireis. Esta é Vossa missão, porquanto sois o autor supremo dos universos. Não sois de modo algum parcial. Aquele que encontra alguma parcialidade em Vossas características está certamente enganado”.

29. Magnânimo

Chama-se “magnânima” qualquer pessoa que tenha grande inclinação caritativa.

Quando Kṛṣṇa reinava Dvārakā, Ele era tão magnânimo e tinha tanta inclinação caritativa que Sua caridade desconhecia limites. Com efeito, Sua caridade em Dvārakā era tanta que superava até mesmo o reino espiritual com toda a sua opulência de cintāmaṇis (pedras filosofais), árvores-dos-desejos e vacas surabhis. No reino espi­ritual do Senhor Kṛṣṇa, chamado Goloka Vṛndāvana, há vacas surabhis que fornecem ilimitada quantia de leite. Existem árvores-dos-desejos das quais qualquer pessoa pode obter todas as espécies de frutas, tanto quanto deseje. A terra é feita de pedras filosofais, as quais, mediante o toque, transformam ferro em ouro. Em outras palavras, apesar de tudo ser admiravelmente opulento no reino espiritual, a morada de Kṛṣṇa; quando Kṛṣṇa esteve em Dvārakā, Sua caridade superou a opulência de Goloka Vṛndāvana. Onde quer que Kṛṣṇa esteja presente, a opulência sem limite de Goloka Vṛndāvana estará automaticamente presente.

Também se declara que, na época em que o Senhor Kṛṣṇa vivia em Dvārakā, Ele Se expandiu em 16.108 formas, sendo que cada uma das expansões residia em um palácio com uma rainha. Kṛṣṇa não só vivia alegremente com Suas rainhas nesses palácios, mas também, de cada palácio, dava em caridade um total de 13.054 vacas completamente decoradas com belas mantas e ornamentos. De cada um dos 16.108 palácios, eram dadas 13.504 vacas em caridade todos os dias. Embora ninguém possa calcular o valor de um número tão grande de vacas dadas em caridade, assim era o sistema dos assuntos diários de Kṛṣṇa enquanto reinava em Dvārakā.

30. Religioso

Chama-se “religiosa” a pessoa que pratica pessoalmente os princípios da religião prescritos nos śāstras e que também ensina os mesmos princípios a outras pessoas. O simples fato de se preconizar um tipo de fé não é sinal de religiosidade. Deve-se atuar de acordo com os princípios religiosos e deve-se ensinar a outras pessoas através do exemplo pessoal. Conclui-se que semelhante pessoa é religiosa.

Quando Kṛṣṇa esteve presente neste planeta, não havia irreligião. No atinente a isso, Nārada Muni, certa vez, dirigiu-se a Kṛṣṇa jocosamente: “Meu querido Senhor dos vaqueirinhos, Teus bois [os bois representam a religião], enquanto comiam a grama do pasto e andavam sobre suas quatro patas, certamente comeram toda a grama da irreligião!”. Em outras palavras, pela graça de Kṛṣṇa, os princípios religiosos eram tão bem cuidados que dificilmente se podia encontrar alguma atividade irreligiosa.

Declara-se que, como Kṛṣṇa executava constantemente diversos tipos de sacrifícios, para os quais convidava os semideuses dos sistemas planetários superiores, os semideuses estavam quase sempre ausentes de suas consortes. Em virtude disso, as esposas dos semideuses, lamentando a au­sência de seus maridos, começaram a orar pelo aparecimento do Senhor Buddha, que é a nona encarnação de Kṛṣṇa e que aparece na era de Kali. Em outras palavras, em vez de esta­rem satisfeitas com a vinda do Senhor Kṛṣṇa, elas começaram a orar pelo Senhor Buddha, a nona encarnação, porque o Senhor Buddha parou com as cerimônias ritualísticas e os sacrifícios recomendados nos Vedas com a finalidade de desencorajar a matança de ani­mais. As esposas dos semideuses pensaram que se o Senhor Buddha aparecesse, todos os tipos de sacrifícios parariam, razão pela qual seus esposos não seriam convidados para tais ceri­mônias, sem terem, destarte, que se separar delas.

Algumas vezes, pergunta-se: “Por que, na atualidade, os semideuses dos sistemas plane­tários superiores não vêm a este planeta Terra?”. A resposta simples é que, desde a época em que o Senhor Buddha apareceu e começou, a fim de parar a matança de animais neste planeta, a desaprovar a execução de sacrifícios, o processo de oferta de sacrifí­cios está parado, daí os semideuses já não terem interesse em vir aqui.

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