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Capítulo Vinte e Dois

Continuação do Ilustrar das Qualidades de Kṛṣṇa

31. Heroico

Chama-se “heroico” o indivíduo que é muito entusiasta por atividades militares e pe­rito em lançar diferentes tipos de armas.

Em relação ao heroísmo que Kṛṣṇa exibe quando luta, há a seguinte declaração: “Meu querido matador do inimigo, assim como o elefante, o qual, com o balanço de sua tromba, destrói todos os caules de lótus dentro da água do lago enquanto se banha; Vós, com o simples movimento de Vossos braços, os quais são comparados a trombas de elefantes, tendes matado muitíssimos inimigos perante Vós similares a flores de lótus”.

Em relação à habilidade de Kṛṣṇa para lançar armas, quando Jarāsandha, jun­tamente com treze divisões de soldados, atacou o exército de Kṛṣṇa, eles não consegui­ram ferir sequer um soldado da facção de Kṛṣṇa. Isto se deu em consequência do perito treinamento militar de Kṛṣṇa. Este é um acontecimento ímpar na história da arte militar.

32. Compassivo

Considera-se alguém compassivo quando ele é incapaz de suportar a aflição de outrem.

Kṛṣṇa mostrou Sua compaixão pelas pessoas aflitas ao libertar todos os reis apri­sionados por Magadhendra. Enquanto morria, o avô Bhīṣma orou a Kṛṣṇa descrevendo-O como o Sol, que erradica toda escuridão. Os reis aprisionados por Magadhendra foram pos­tos em celas escuras, mas, quando Kṛṣṇa apareceu ali, a escuridão desapareceu imedia­tamente, tal como se o Sol houvesse nascido. Em outras palavras, embora Magadhendra houvesse conseguido aprisionar muitíssimos reis; com o aparecimento de Kṛṣṇa, todos eles foram libertos. Kṛṣṇa fez isto por Sua sincera compaixão pelos reis.

Kṛṣṇa também mostrou Sua compaixão quando o avô Bhīṣma jazia na cama de flechas, as quais haviam transpassado seu corpo. Enquanto jazia nessa posição, Bhīṣma estava muito ansioso por ver Kṛṣṇa, em razão do que Kṛṣṇa fez-Se presente ali. Ao ver a condição lamentável em que Bhīṣma se encontrava, Kṛṣṇa colocou-Se a falar com lágrimas nos olhos. Ele não apenas verteu lágrimas, mas também Se esqueceu de Si mesmo em meio à compai­xão que experimentava. Diante disso, os devotos, em vez de Lhe oferecerem reverências diretamente, oferecem reverências à natureza compassiva de Kṛṣṇa. Na realidade, como Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, aproximar-se dEle é muito difícil. Os devotos, porém, aproveitam a natureza compassiva de Kṛṣṇa, que é representada por Rādhārāṇī, e sempre dirigem orações a Ela pedindo pela compaixão de Kṛṣṇa.

33. Respeitoso

Aquele que mostra adequado respeito pelo mestre espiritual, por um brāhmaṇa e por uma pessoa idosa é compreendido como sendo respeitoso.

Quando pessoas superiores reuniam-se perante Kṛṣṇa, Ele, em primeiro lugar, ofe­recia respeitos a Seu mestre espiritual, depois a Seu pai e, em seguida, a Balarāma, Seu irmão mais velho. Dessa maneira, o Senhor Kṛṣṇa, Ele cujos olhos são como flores de lótus, era completamente feliz e puro de coração em todas as Suas relações.

34. Gentil

Chama-se “gentil” qualquer pessoa que não se torna insolente nem exibe natureza envaidecida.

O exemplo da conduta gentil de Kṛṣṇa manifestou-se quando Ele rumava à arena do sacrifício rājasūya planejado por Mahārāja Yudhiṣṭhira, Seu primo mais velho. Mahārāja Yudhiṣṭhira sabia que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, e ele estava tentando descer de sua quadriga para receber Kṛṣṇa. Contudo, antes que Yudhiṣṭhira pudesse descer, o Senhor Kṛṣṇa desceu de Sua própria quadriga e prostrou-Se imediata­mente aos pés do rei. Embora Kṛṣṇa seja a Suprema Personalidade de Deus, Ele jamais Se esquece de seguir a etiqueta social em Suas relações.

35. Generoso

Qualquer pessoa que naturalmente se conduz de forma muito apreciativa é conside­rada generosa.

Uma declaração feita por Uddhava após o roubo da joia Syamantaka confirma que Kṛṣṇa é tão amável e benevolente que, se um servo é acusado até mesmo de grandes ofensas, Kṛṣṇa não leva isso em consideração. Ele simplesmente considera o serviço prestado por Seu devoto.

36. Tímido

Aquele que algumas vezes exibe humildade e acanhamento é considerado tímido.

Como se descreve no Lalita-mādhava, Kṛṣṇa manifestou Sua timidez ao erguer a colina Govardhana com o dedo mindinho de Sua mão esquerda. Todas as gopīs obser­vavam a maravilhosa proeza de Kṛṣṇa, e Kṛṣṇa também sorria olhando para as gopīs. Quando o olhar de Kṛṣṇa passou pelos seios das gopīs, Sua mão começou a tremer, motivo pelo qual todos os vaqueiros que se encontravam debaixo da colina ficaram um pouco perturbados. Nesse momento, ouviu-se um som tumultuoso e ensurdecedor, momento no qual eles começaram a orar a Kṛṣṇa pedindo proteção. O Senhor Balarāma, nesse instante, estava sorrindo pensando em como os vaqueiros haviam se assustado com o tremor da colina Govardhana. Kṛṣṇa, porém, quando viu Balarāma sorrindo, pensou que Balarāma houvesse percebido o que Ele estava pensando enquanto observava os seios das gopīs, devido a que Se acanhou imediatamente.

37. Protetor das almas rendidas

Kṛṣṇa é o protetor de todas as almas rendidas.

Certo inimigo de Kṛṣṇa sentiu-se entusiasmado com a ideia de que não precisava temer Kṛṣṇa porque, caso simplesmente se rendesse a Kṛṣṇa, este lhe daria toda a proteção. Algumas vezes, Kṛṣṇa é comparado à Lua, a qual não hesita em distribuir seus raios suavizan­tes mesmo sobre as casas dos caṇḍālas e de outros intocáveis.

38. Feliz

Qualquer indivíduo que é sempre jovial e não se deixa afetar por nenhuma aflição é considerado feliz.

No que diz respeito ao desfrute de Kṛṣṇa, declara-se que os ornamentos que decoravam os corpos de Kṛṣṇa e de Suas rainhas estavam além dos sonhos de Kuvera, o tesoureiro do reino ce­lestial. Sequer os semideuses que vivem no reino celestial poderiam conceber em imaginação o constante dançar que acontecia perante as portas dos palácios de Kṛṣṇa. No reino celestial, Indra sempre vê as moças da sociedade dançando. Contudo, nem mesmo Indra poderia imaginar quão belas eram as danças realizadas nos portões dos palácios de Kṛṣṇa. Gaurī significa “mu­lher branca”, e a esposa do Senhor Śiva chama-se Gaurī. As belas mulheres que residiam nos palácios de Kṛṣṇa eram tão mais brancas que Gaurī que eram comparadas ao luar, e Kṛṣṇa podia vê-las constantemente. Não há ninguém, portanto, que possa estar des­frutando mais do que Kṛṣṇa. Concebe-se desfrute como belas mulheres, ornamentos e riquezas. Todas essas coisas estavam fabulosamente presentes nos palácios de Kṛṣṇa, derrotando até mesmo a imaginação de Kuvera, do Senhor Indra ou do Senhor Śiva.

Sequer a mais insignificante aflição pode aproximar-se de Kṛṣṇa. Algumas das gopīs, certa vez, foram até o lugar onde os brāhmaṇas executavam sacrifícios e disseram: “Queridas esposas dos brāhmaṇas, saibam que sequer um insignificante ves­tígio de aflição pode aproximar-se de Kṛṣṇa. Ele não sabe o que é perda ou difama­ção, é destituído de medo e ansiedade e desconhece o significado de desventura. Ele está sim­plesmente rodeado pelas dançarinas de Vraja e desfruta da companhia delas na dança da rāsa”.

39. Benquerente de Seus devotos

Declara-se que, caso os devotos de Kṛṣṇa ofereçam com devoção mesmo que apenas um pouco d’água ou uma folha de tulasī ao Senhor Viṣṇu, o Senhor Viṣṇu é tão amável que, em troca, dará a Si mesmo a eles.

Kṛṣṇa mostrou Seu favoritismo por Seus devotos ao lutar com Bhīṣma. Quando o avô Bhīṣma jazia prestes a morrer na cama de flechas, Kṛṣṇa encontrava-Se diante dele, e Bhīṣma estava se lembrando de como Kṛṣṇa tinha sido amável para com ele no campo de batalha. Kṛṣṇa prometera que, durante a Batalha de Kurukṣetra, sequer tocaria em armas para ajudar algum dos dois lados: Ele Se manteria neutro. Embora Kṛṣṇa fosse o quadrigário de Arjuna, Ele prometeu que não Se valeria de nenhuma arma para ajudar Arjuna. Um dia, entretanto, com a intenção de anular a promessa de Kṛṣṇa, Bhīṣma mostrou seu espírito de luta tão esplendidamente contra Arjuna que Kṛṣṇa foi obrigado a descer de Sua quadriga. Tomando de uma roda de quadriga quebrada, Ele correu em direção ao avô Bhīṣma assim como um leão corre em direção a um elefante com o objetivo de matá-lo. O avô Bhīṣma lembrou-se deste incidente e, mais tarde, louvou Kṛṣṇa por Seu glorioso favoritismo por Seu devoto, Arjuna, mesmo com o risco de faltar ao que havia prometido.

40. Controlado pelo amor

Kṛṣṇa fica agradecido ao espírito amoroso do devoto, e não exatamente ao serviço prestado. Ninguém pode servir Kṛṣṇa completamente. Ele é tão completo e autossufi­ciente que não necessita de serviço algum do devoto. É a atitude de amor e afei­ção do devoto por Kṛṣṇa que O faz agradecido. Um excelente exemplo deste compor­tamento de gratidão manifestou-se quando Sudāmā Vipra foi até o palácio de Kṛṣṇa. Sudāmā Vipra fora colega de escola de Kṛṣṇa, e, por causa de sua pobreza, sua esposa induziu-o a visitar Kṛṣṇa com a finalidade de Lhe pedir ajuda. Quando Sudāmā Vipra chegou ao palácio de Kṛṣṇa, este o recebeu muito bem, e tanto Ele quanto Sua esposa, mostrando respeito a Sudāmā Vipra, lavaram os pés do brāhmaṇa. Recordando-Se das atividades amorosas que compartilhara com Sudāmā na infância, Kṛṣṇa colocou-Se a verter lágrimas enquanto o recebia.

Outro exemplo da gratidão de Kṛṣṇa a Seu devoto é relatado no Śrīmad-Bhāgavatam (10.9.18), onde Śukadeva Gosvāmī diz ao rei Parīkṣit: “Meu querido rei, ao ver mãe Yaśodā transpirando, cansada de tentar amarrar Kṛṣṇa com uma corda, Kṛṣṇa cedeu e deixou-Se amarrar por ela”. Quando criança, Kṛṣṇa perturbava Sua mãe com Suas travessuras, em decorrência do que ela queria amarrá-lO. Mãe Yaśodā buscou uma corda em casa e tentou amarrar o filho, mas não pôde dar um nó devido ao tamanho curto da corda. Ela emendou muitas cordas, mas a corda continuava ainda muito curta. Transcorrido algum tempo, sentiu-se muito cansada e começou a suar. Nesse momento, Kṛṣṇa con­cordou em ser amarrado por Sua mãe. Em outras palavras, ninguém pode prender Kṛṣṇa por algum meio senão o amor. Ele é preso por gratidão unicamente a Seus devotos, isso em virtude do amor extático que possuem em relação a Ele.

41. Completamente auspicioso

Uma pessoa é considerada completamente auspiciosa quando está sempre ocupada em auspiciosas atividades beneficentes para todos.

Depois que o Senhor Kṛṣṇa desapareceu deste planeta, Uddhava colocou-se a lembrar das atividades do Senhor e disse: “Kṛṣṇa satisfez todos os grandes sábios com Seus passa­tempos maravilhosos. Ele findou todas as atividades demoníacas da cruel ordem real, protegeu todos os homens piedosos e matou todos os lutadores cruéis no campo de batalha. Ele, portanto, é completamente auspicioso para todos os homens”.

42. O mais poderoso

Aquele que sempre consegue criar calamidades para seu inimigo é considerado poderoso.

Quando Kṛṣṇa esteve presente neste planeta; assim como o Sol po­deroso obriga que toda a escuridão se refugie em cavernas, Ele dispersou todos os Seus inimigos, os quais fugiram como corujas para se refugiarem em algum local longe de Sua vista.

43. Plenamente famoso

Uma pessoa que se torna bastante conhecida devido a seu caráter imaculado é tida como famosa.

Declara-se que a difusão da fama de Kṛṣṇa é como o luar, o qual transforma a escuridão em luz. Em outras palavras, caso se pregue a consciência de Kṛṣṇa em todo o mundo, a es­curidão da ignorância e a ansiedade da existência material se transformarão na brancura da pureza, da paz e da prosperidade.

Certa vez, quando o grande sábio Nārada estava cantando as glórias do Senhor, a linha azulada que existe no pescoço do Senhor Śiva desapareceu. Quando Gaurī, a esposa do Senhor Śiva, percebeu isto, ela suspeitou que o Senhor Śiva fosse alguma outra pessoa disfarçada de seu esposo e, temerosa, deixou sua companhia imediatamente. Ao ouvir o cantar dos nomes de Kṛṣṇa, o Senhor Balarāma viu que Sua roupa embranquece­ra, embora, em geral, Ele estivesse habituado a usar uma roupa azulada. E as vaquei­ras viram toda a água do Yamunā transformar-se em leite, em virtude do que começaram a batê-la para fazer manteiga. Em outras palavras, com a propagação da consciência de Kṛṣṇa, ou as glórias de Kṛṣṇa, tudo ficou branco e puro.Chama-se “popular” qualquer indivíduo que é muito querido pelo povo em geral.

44. Popular

Chama-se “popular” qualquer indivíduo que é muito querido pelo povo em geral.

Quanto à popularidade de Kṛṣṇa, há uma declaração no Śrīmad-Bhāgavatam (1.11.9) concernente a Seu regresso para casa, proveniente da capital de Hastināpura. Durante o tem­po em que Kṛṣṇa esteve ausente de Dvārakā na Batalha de Kurukṣetra, todos os cidadãos de Dvārakā haviam se tornado taciturnos. Posteriormente, ante Seu regresso, os cidadãos recebe­ram-nO com grande alegria e disseram: “Meu querido Senhor, enquanto estivestes ausente da cidade, passamos nossos dias na escuridão da noite. Assim como, na escuridão da noite, cada instante parece durar um longo tempo; quando estivestes fora, cada instante, para nós, pareceu durar milhões de anos. Para nós, separarmo-nos de Vossa pessoa é completamente insuportável”. Esta declaração mostra o quanto Kṛṣṇa era popular em todo o país.

Um incidente similar ocorreu quando Kṛṣṇa entrou na arena de sacrifício que o rei Kaṁsa preparara com o fim de matá-lO. Assim que Ele entrou no lugar, todos os sábios começaram a gritar: “Jaya! Jaya! Jaya!” (o que significa “vitória”). Nessa ocasião, Kṛṣṇa era um menino, e todos os sábios ofereceram-Lhe suas bênçãos respeitosas; os semideuses que estavam presentes, também se colocaram a oferecer belas orações a Kṛṣṇa, e as senho­ras e mocinhas presentes exprimiram sua alegria de todos os cantos da arena. Em outras palavras, nesse local particular, não havia pessoa alguma com quem Kṛṣṇa não fosse deveras po­pular.

45. Parcialidade para com os devotos

Embora Kṛṣṇa seja a Suprema Personalidade de Deus e, portanto, não seja parcial com ninguém, declara-se no Bhagavad-gītā que Ele possui atração especial por um devoto que adore Seu nome com amor e afeição. Quando Kṛṣṇa esteve neste planeta, um devoto exprimiu com estas palavras o que estava sentindo: “Meu querido Senhor, se não houvésseis aparecido neste planeta, os asuras [demônios] e os ateístas certamente teriam infligido grandes calamidades sobre as atividades dos devotos. Considero inimaginável a magnitude de tal devastação que foi impedida por Vossa presença”. Desde o começo de Seu aparecimento, Kṛṣṇa foi o mais grandioso inimigo de todas as pessoas demoníacas, apesar da inimizade de Kṛṣṇa para com os demônios ser, na verdade, comparável à amizade que Ele tem com os devotos dado que qualquer demônio morto por Kṛṣṇa recebe imediata sal­vação.

46. Muito atrativo para todas as mulheres

Qualquer indivíduo que tenha qualificações especiais torna-se imediatamente muito atrativo para as mulheres.

Um devoto fez as seguintes declarações sobre as rainhas de Dvārakā: “Como hei de descrever as glórias das rainhas de Dvārakā, as quais se ocupavam pessoalmente em servir o Senhor? O Senhor é tão grandioso que, pelo simples fato de cantarem Seu nome, todos os grandes sábios, como Nārada, podem gozar bem-aventurança transcendental. O que se pode dizer, então, dessas rainhas que a todo momento viam o Senhor e O serviam pessoalmente?”. Kṛṣṇa teve 16.108 esposas em Dvārakā, cada uma das quais se sentia atraída por Kṛṣṇa assim como o ferro é atraído por um ímã. Um devoto faz a seguinte declaração: “Meu querido Senhor, sois assim como um ímã, e todas as donzelas de Vraja são como ferro: qualquer que seja a direção para a qual Vos desloqueis, elas Vos seguem da mesma forma que o ferro é atraído pela força magnética”.

47. Completamente adorável

Aquele que é respeitado e adorado por todos os tipos de seres humanos e semi­deuses chama-se sarvārādhya, ou completamente adorável.

Kṛṣṇa é adorado não apenas por todas as entidades vivas, incluindo os grandes semi­deuses, tais como o Senhor Śiva e o Senhor Brahmā, mas também pelas expansões Viṣṇu (formas da Divindade), tais como Baladeva e Śeṣa. Baladeva é uma expansão direta de Kṛṣṇa, o qual, não obstante, aceita Kṛṣṇa como adorável. Quando Kṛṣṇa apareceu na arena do sacrifício rājasūya, organizada por Mahārāja Yudhiṣṭhira, Kṛṣṇa Se tornou a cinosura, o centro de atração de todos os presentes, incluindo os grandes sábios e semideuses, e todos Lhe ofereceram seus respeitos.

48. Inteiramente opulento

Kṛṣṇa é completo em todas as opulências, a saber, força, riqueza, fama, beleza, co­nhecimento e renúncia. Quando Kṛṣṇa esteve presente em Dvārakā, Sua família, que é conhecida como a dinastia Yadu, consistia em 560.000.000 de membros. Todos esses membros familiares eram muito obedientes e fiéis a Kṛṣṇa. Ali, havia mais de 900.000 grandes edifícios palacianos para alojar todas as pessoas, todas as quais respeitavam Kṛṣṇa como o mais adorável. Os devotos ficavam admirados vendo a opulência de Kṛṣṇa.

Bilvamaṅgala Ṭhākura confirmou isto no Kṛṣṇa-karṇāmṛta ao se dirigir a Kṛṣṇa da seguinte forma: “Meu querido Senhor, o que posso dizer sobre a opulência de Vossa Vṛndāvana? Apenas os ornamentos que enfeitam as pernas das donzelas de Vṛndāvana valem mais que cintāmaṇi; suas roupas são como as celestiais flores pārijāta, e as vacas são exatamente como as vacas surabhis que existem na morada transcendental. Vossa opulência, portanto, é como um oceano que ninguém consegue mensurar”.

49. Completamente honrado

Chama-se “completamente honrada” uma pessoa que seja a principal entre to­das as pessoas importantes.

Quando Kṛṣṇa vivia em Dvārakā, semideuses como o Senhor Śiva, o Senhor Brahmā e Indra, o rei dos céus, bem como muitos outros, costumavam ir visitá-lO. Em um dia de muito movi­mento, o porteiro encarregado de administrar a entrada de todos esses semideu­ses, disse: “Querido Senhor Brahmā e querido Senhor Śiva, por favor, sentem-se neste ban­co e aguardem. Meu caro Indra, por favor, desista de ler suas orações. Isto está provocando perturbação. Por favor, espere em silêncio. Por favor, meu caro Varuṇa, vá-se embora. E meus queridos semideuses, não desperdicem seu tempo inutilmente. Kṛṣṇa está muito a­tarefado; Ele não os pode ver!”.

50. Controlador supremo

Existem dois tipos de controladores, ou senhores: aquele que é independente é con­siderado controlador, e aquele cujas ordens ninguém pode negligenciar é considerado controlador.

No que diz respeito à completa independência e completo domínio de Kṛṣṇa, o Śrīmad-Bhāgavatam diz que, apesar de Kāliya ter sido um grande ofensor, Kṛṣṇa favoreceu-o marcando-lhe a cabeça com Seus pés de lótus, ao passo que o Senhor Brahmā, embora houvesse orado a Kṛṣṇa com muitos versos maravilhosos, não foi capaz de atraí-lO.

Este tratamento contraditório de Kṛṣṇa é exatamente conveniente à Sua posição, porque, em todas as obras védicas, Ele é descrito como aquele completamente independen­te. No começo do Śrīmad-Bhāgavatam, o Senhor é descrito como svarāṭ, que significa “completamente independente”. Tal é a posição da Suprema Verdade Absoluta. A Ver­dade Absoluta não é apenas senciente, mas também completamente independente.

Quanto ao fato de que as ordens de Kṛṣṇa não são negligenciadas por ninguém, no Śrīmad-Bhāgavatam (3.2.21), Uddhava diz a Vidura: “O Senhor Kṛṣṇa é o Senhor dos três modos da natureza material. Ele é o desfrutador de todas as opulências, e, por conseguinte, não há ninguém que seja igual ou superior a Ele”. Todos os grandes reis e imperadores costumavam apresentar-se diante dEle, ofertar-Lhe seus presentes e oferecer-Lhe suas reverências com seus elmos tocando os pés do Senhor. Certo devoto disse: “Meu querido Kṛṣṇa, quando ordenais a Brahmā – ‘Agora cria o universo’ –, e quando ordenais ao Senhor Śiva – ‘Agora dissolve esta manifestação material’ —, Vós mesmo criais e dissolveis a criação material. Simplesmente por Vossas ordens e por Vossa repre­sentação parcial como Viṣṇu, mantendes os universos. Assim, ó Kṛṣṇa, ó inimigo de Kaṁsa, há muitíssimos Brahmās e Śivas que simplesmente levam a cabo Vossas ordens”.

51. Imutável

Kṛṣṇa não muda Sua posição constitucional, nem mesmo quando aparece neste mundo material. As posições espirituais constitucionais das entidades vivas comuns são encobertas. Elas aparecem em corpos diferentes e atuam segundo diferentes conceitos corpóreos de vida. Kṛṣṇa, em contraste, não muda Seu corpo. Ele aparece com Seu próprio corpo e, em razão disso, os modos da natureza material não O afetam. No Śrīmad-Bhāgavatam (1.11.38), declara-se que a prerrogativa especial do controlador supremo é que os modos da nature­za não O afetam de forma alguma. O exemplo prático disto é que os devotos que se encon­tram sob a proteção do Senhor também não se deixam afetar pela natureza material. É muito difícil superar a influência da natureza material, mas os devotos, ou as pessoas santas que estão sob a proteção do Senhor, não se deixam afetar. Qual é, então, a neces­sidade de se falar do próprio Senhor? Para ser mais claro, embora o Senhor às vezes apareça neste mundo material, Ele não possui ligação alguma com os modos da natureza, senão que atua em Sua posição transcendental com total independência. Esta é a qualidade espe­cial do Senhor.

52. Conhecedor de tudo

Considera-se que qualquer indivíduo capaz de entender os sentimentos de to­das as pessoas e os incidentes em todos os lugares e em todos os momentos é conhecedor de tudo.

Um ótimo exemplo da qualidade de conhecimento pleno do Senhor é descrito no Śrīmad-Bhāgavatam (1.15.11) em relação à visita de Durvāsā Muni à casa dos Pāṇḍavas na floresta. Seguindo um plano premeditado, Duryodhana mandou que Durvāsā Muni e seus dez mil discípulos fossem se hospedar na casa dos Pāṇḍavas na floresta. Duryodhana planejou tudo de forma que Durvāsā e seus homens chegassem à casa dos Pāṇḍavas exatamente quando estes houvessem terminando de almoçar a fim de que os Pāṇḍavas fossem surpreendidos sem recursos suficientes para alimentar um número tão grande de hóspedes. Como conhecia o plano de Duryodhana, Kṛṣṇa foi ter com os Pāṇḍavas e perguntou a Draupadī, a esposa deles, se havia alguma sobra de alimento que ela pudesse Lhe oferecer. Draupadī ofereceu-Lhe um recipiente no qual havia apenas o fragmento de uma preparação vegetal, o qual Kṛṣṇa comeu prontamente. Nesse instante, todos os sábios que acompanhavam Durvāsā se banhavam no rio, e, quando Kṛṣṇa sentiu-Se satisfeito por ter comido a oferenda de Draupadī, eles também se sentiram satisfeitos, e sua fome extinguiu-se. Como Durvāsā e seus homens nada mais seriam capazes de comer, eles foram embora sem passar pela casa dos Pāṇḍavas. Dessa maneira, os Pāṇḍavas foram salvos da cólera de Durvāsā. Duryodhana os tinha mandado ali porque sabia que os Pāṇḍavas não conseguiriam receber um número tão grande de pessoas, o que faria com que Durvāsā se irritasse e amaldiçoasse os Pāṇḍavas. Kṛṣṇa, todavia, salvou-os desta calamidade mediante Sua artimanha e mediante Sua qualidade de tudo conhecer.

53. Sempre viçoso

Kṛṣṇa é sempre lembrado, e milhões de devotos sempre cantam Seu nome sem que jamais se saturem de fazê-lo. Em vez de perderem o interesse de pensar em Kṛṣṇa e de cantar Seu santo nome, os devotos renovam sempre seu ímpeto por con­tinuar o processo. Kṛṣṇa, portanto, é sempre viçoso. Não apenas o próprio Kṛṣṇa, senão que o conhecimento acerca Kṛṣṇa também é sempre viçoso. O Bhagavad-gītā, que foi comunicado 5.000 anos atrás, ainda é lido repetidamente por muitas e muitas pessoas, a despeito do que sempre nos proporciona novos esclarecimentos. Por conseguinte, Kṛṣṇa, Seu nome, Sua fama, Suas qualidades – e tudo que tem relação com Ele – são sempre viçosos.

Todas as rainhas que viviam em Dvārakā eram deusas da fortuna. No Śrīmad-Bhāgavatam (1.11.33), afirma-se que as deusas da fortuna são muito instáveis e inquietas, tão fortemente que ninguém pode cativá-las de modo consistente. Desta maneira, sempre haverá momentos em que nossa sorte mudará. Contudo, as deusas da fortuna não conseguiam deixar Kṛṣṇa sequer por um momento na época em que viviam com Ele em Dvārakā. Isto quer dizer que a atração de Kṛṣṇa é sempre viçosa. Nem mesmo as deusas da fortuna conseguem deixar Sua companhia.

Quanto ao fato de que os aspectos atrativos de Kṛṣṇa são sempre viçosos, Rādhārāṇī faz uma declaração no Lalita-mādhava em que compara Kṛṣṇa com o maior dos escultores porque Ele é perito em cinzelar a castidade das mulheres. Em outras palavras, mesmo que as mulheres castas sigam as regras e regula­ções dos princípios védicos de modo a se manterem sempre fiéis a seus respectivos maridos, Kṛṣṇa é capaz de romper-lhes a castidade pétrea com o cinzel de Sua beleza. A maioria das amigas de Kṛṣṇa era casada, mas, como Kṛṣṇa tinha sido amigo delas antes de elas se casarem, elas não conseguiam se esquecer de Seus atributos atrativos, os quais sempre as fascinavam, mesmo depois de casadas.

54. Sac-cid-ānanda-vigraha

O corpo transcendental de Kṛṣṇa é eterno, pleno de conhecimen­to e bem-aventurança. Sat significa “que existe sempre a todo momento e em todos os lugares”; em outras palavras, onipenetrante no tempo e no espaço. Cit significa “pleno de conhecimento”. Kṛṣṇa nada tem a aprender com quem quer seja. Ele é independentemente pleno de todo o conhecimento. Ānanda significa “o reservatório de todo o prazer”. Os impersonalistas buscam fundirem-se na refulgência Brahman de eterni­dade e conhecimento, mas evitam a maior parte do prazer absoluto, a qual está em Kṛṣṇa. O indivíduo pode gozar a bem-aventurança transcendental de se fundir na reful­gência Brahman após se livrar da contaminação da ilusão material, da identificação falsa, do apego, do desapego e da absorção na matéria. Estes são os requisitos preliminares de uma pessoa que pode compreender o Brahman. No Bhagavad-gītā, afirma-se que temos que nos encher de alegria, o que, neste caso, não é exatamente alegria, mas um sentimento de ausência de todas as ansiedades. A ausência de todas as ansiedades pode ser o primeiro princípio de alegria, mas não é alegria verdadeira. Aqueles que realizam o eu, ou que se tornam brahma-bhūta, estão apenas se preparando para a plataforma da alegria. Semelhante alegria pode ser realmente lograda apenas quando se entra em contato com Kṛṣṇa. A consciência de Kṛṣṇa é tão comple­ta que inclui o prazer transcendental que se consegue com a realização Brahman, ou realização impessoal. Mesmo o impersonalista há de se sentir atraído pela forma pessoal de Kṛṣṇa, conhecida como Śyāmasundara.

A declaração do Brahma-saṁhitā confirma que a refulgência Brahman constitui os raios corpóreos de Kṛṣṇa: a refulgência Brahman é simplesmente uma amostra da energia de Kṛṣṇa. Kṛṣṇa é a fonte da refulgência Brahman, como Ele próprio confirma no Bhagavad-gītā. Podemos concluir, a partir disto, que o aspecto impessoal da Verdade Absoluta não é o fim último, senão que Kṛṣṇa é o fim último da Verdade Absoluta.

Os membros das escolas vaiṣṇavas, portanto, jamais tentam se fundir na refulgência Brahman em sua busca pela perfeição espiritual. Eles aceitam que Kṛṣṇa é a meta última da autorrealização. Kṛṣṇa, por conseguinte, chama-se Param Brahman (o Brahman supremo) ou Parameśvara (o controlador supremo). Śrī Yāmunācārya ora como segue: “Meu querido Senhor, sei que o universo gigantesco e o espaço e tempo igualmente gigantescos dentro do universo são cobertos pelas dez camadas dos elementos materiais, cada camada sendo dez vezes maior do que a an­terior. Os três modos da natureza material, Garbhodakaśāyī Viṣṇu, Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu e o Mahā-Viṣṇu, e, além deles, o céu espiritual e seus planetas espirituais, conheci­dos como Vaikuṇṭhas, e a refulgência Brahman naquele céu espiritual – a soma de tudo isto não é nada senão uma pequena amostra de Vossa potência”.

55. Possui todas as perfeições místicas

Há muitos padrões de perfeição. As perfeições materiais mais elevadas, obtidas por yogīs perfeitos, figuram em número de oito: tornar-se o menor dos menores, tornar-se o maior dos maiores, etc. Podemos encontrar inte­gralmente todas estas perfeições materiais, bem como todas as perfeições espirituais, na personalidade de Kṛṣṇa.

56. As potências inconcebíveis de Kṛṣṇa

Kṛṣṇa está presente em toda parte, e não apenas dentro do universo ou apenas no coração de todas as entidades vivas, mas também dentro de cada átomo. Nas orações da rainha Kuntī, esta faz menção de tal potência inconcebível de Kṛṣṇa. Ao mesmo tempo em que dirigia a palavra a Kuntī, Kṛṣṇa entrou no ventre de Uttarā, que estava em perigo de­vido à arma atômica de Aśvatthāmā. Kṛṣṇa pode iludir até mesmo o Senhor Brahmā e o Senhor Śiva e pode proteger da reação a atividades peca­minosas todos os devotos rendidos. Estes são alguns dos exemplos de Suas potências inconcebíveis.

Śrīla Rūpa Gosvāmī, portanto, oferece suas reverências a Kṛṣṇa dizendo: “Kṛṣṇa, que Se apresenta sob a forma de um ser humano, tem como Sua mera sombra toda a natureza material. Ele Se expandiu em muitíssimas vacas, bezerros e vaquei­rinhos e Se manifestou novamente em todos eles como o Nārāyaṇa de quatro braços. Ele ensinou a autorrealização a milhões de Brahmās, devido a que é adorável não somente pelos líderes de todos os universos, mas também por todas as outras pes­soas. Que eu, destarte, sempre O aceite como a Suprema Personalidade de Deus”.

Quando Kṛṣṇa derrotou Indra na questão da tomada da planta pārijāta do céu, Nārada encontrou Indra e o criticou: “Ó Indra, grande rei dos céus, Kṛṣṇa já derrotou o Senhor Brahmā e o Senhor Śiva. Que se pode falar, então, de um semideus insignificante como tu?”. Evidentemente, Nārada Muni estava criticando Indra jocosamente, e Indra gostou disso. Na declaração de Nārada, confirma-se que Kṛṣṇa foi capaz de iludir mesmo o Senhor Brahmā e o Senhor Śiva, bem como Indra. Desta maneira, não há dúvida de que Kṛṣṇa tem poder para fazer o mesmo com entidades vivas menores.

O Brahma-saṁhitā apresenta a seguinte descrição do poder que Kṛṣṇa possui para minimizar os sofrimentos das reações pecaminosas: “Começando do grande rei dos céus e descendo até a formiga, todos se submetem às reações de feitos passados. Um devoto de Kṛṣṇa, entretanto, alivia-se de tais reações pela graça de Kṛṣṇa”. Isto foi claramente provado quando Kṛṣṇa foi ao local de Yamarāja, o senhor da morte, para recuperar os filhos mortos de Seu mestre. O mestre de Kṛṣṇa pedira a Ele que lhe trouxesse seus filhos mortos de volta, para o que Kṛṣṇa dirigiu-Se ao local de Yamarāja a fim de reivindicar essas almas que Yamarāja havia levado para lá e que estavam sendo mantidas sob seu controle. Kṛṣṇa ordenou imediatamente a Yamarāja: “Beneficia-te com Minha ordem e Me devolve essas almas!”. O significado deste incidente é que mesmo uma pessoa que esteja subordinada aos princípios reguladores das leis da natureza e que, portanto, seja passível da punição de Yamarāja conforme tais leis pode receber imunidade completa pela graça de Kṛṣṇa.

Śukadeva Gosvāmī descreve as potências inconcebíveis de Kṛṣṇa como segue: “Kṛṣṇa confunde minha inteligência porque, apesar de ser não-nascido, Ele aparece como o filho de Nanda Mahārāja. Ele é onipenetrante, mas, não obstante, Yaśodā O segura no colo. Apesar de ser onipenetrante, Ele Se limita por causa do amor de Yaśodā. Muito embora possua inumeráveis formas, Ele Se comporta como um só Kṛṣṇa perante Seu pai e Sua mãe, Nanda e Yaśodā”. No Brahma-saṁhitā, também se diz que, embora Kṛṣṇa viva eternamente em Goloka Vṛndāvana, Sua morada transcendental, Ele está presente em toda parte, mesmo dentro dos átomos.

57. O corpo de Kṛṣṇa gera inumeráveis universos

No Śrīmad-Bhāgavatam (10.14.11), o Senhor Brahmā diz: “Meu querido Senhor, o falso ego, a inteligência, a mente, o céu, o ar, o fogo, a água e a terra constituem os ingre­dientes materiais deste universo, o qual pode ser comparado a um vaso gigantesco. Neste vaso gigantesco, meu corpo tem uma medida insignificante, e, ainda que eu crie um dos muitos universos, inumeráveis universos entram e saem dos poros de Vosso corpo assim como vemos partículas atômicas tremulando na luz do Sol. Julgo que sou muitíssi­mo insignificante perante Vós, em razão do que Vos peço que me perdoeis. Por favor, tende miseri­córdia de mim”.

Se alguém levar em conta mesmo apenas um universo, ela descobrirá dentro do mesmo muitíssimas combinações de coisas maravilhosas, porque existem inumeráveis planetas, inumeráveis residências e inumeráveis regiões de semideuses. O diâmetro do universo é de 6.400.000.000 de quilômetros, e é infestado de muitas regiões insondáveis conhecidas como pātālas, ou sistemas planetários inferiores. Apesar de Kṛṣṇa ser a origem de tudo isto, podemos vê-lO sempre em Vṛndāvana manifestando Suas potências inconcebíveis. Quem, então, poderá adorar de maneira adequada semelhante Senhor todo-poderoso, possuidor de tão grandiosa energia inconcebível?

58. A fonte original de todas as encarnações

Em seu Gīta-govinda, Jayadeva Gosvāmī canta como segue: “O Senhor salva os Vedas em Sua forma de peixe, e carrega todo o universo nas costas em Sua forma de tarta­ruga. Sob a forma de um javali, Ele ergue este planeta Terra da água. Ele mata Hiraṇyakaśipu sob a forma de Nṛsiṁha, engana Mahārāja Bali sob a forma de Vāmana e, como Paraśurāma, aniquila todas as dinastias dos kṣatriyas. Ele mata todos os demônios sob a forma do Senhor Rāma e, na forma de Balarāma, aceita o grande arado. Sob a forma de Kalki, aniquila todos os ateístas, e, sob a forma do Senhor Buddha, salva os pobres animais”.* Essas são algumas das descrições das encarnações que emanam de Kṛṣṇa, e, a partir do Śrīmad-Bhāgavatam, compreende-se que as inumeráveis encarnações estão sempre emanando do corpo de Kṛṣṇa, tal qual ondas no oceano. Assim como ninguém pode contar quantas ondas existem, ninguém pode contar quantas encarna­ções partem do corpo do Senhor.

*Todas essas encarnações do Supremo são descritas no Śrīmad-Bhāgavatam, primeiro Canto, capítulo 3.

59. Kṛṣṇa outorga a salvação aos inimigos mortos por Ele

Outro nome dado à salvação é apavarga. Apavarga é o contrário de pavarga, ou as diversas condições miseráveis da existência material. Pa-varga indica a combinação de cinco letras sânscritas: pa, pha, ba, bha e ma. Estas letras são as letras iniciais das palavras para cin­co diferentes condições, as quais se apresentam a seguir. A primeira letra, pa, vem da palavra parābhava, que significa “derrota”. Nesta luta material pela vida, estamos simplesmente sendo derrotados. Na realidade, temos que conquistar o nascimento, a morte, a doença e a velhice, mas, como não há possibilidade de superarmos todas estas condições miseráveis; por causa da ilusão de māyā, nós simplesmente nos deparamos com parābhava, ou derrota. A letra seguinte, pha, é oriunda da palavra phena, que é a espuma que aparece na boca quando se está muito cansado (como se observa comumente nos cava­los). A letra ba origina-se da palavra bandha, ou cativeiro. Bha é oriunda da palavra bhīti, ou temor. Ma origina-se da palavra mṛti, ou morte. Assim, a palavra pavarga significa nossa luta pela vida e nosso encontro com a derrota, a exaustão, o cativeiro, o temor e, por fim, com a morte. Apavarga significa aquilo que pode anular todas essas condições materiais. Kṛṣṇa é descrito como aquele que outorga apavarga, o caminho da liberação.

Para os impersonalistas e para os inimigos de Kṛṣṇa, a liberação significa fundirem-se no Supremo. Os demônios e os impersonalistas não se interessam por Kṛṣṇa, mas Kṛṣṇa é tão amá­vel que concede a liberação mesmo para Seus inimigos e para os impersonalistas. A este respeito, há a seguinte declaração: “Ó Murāri [Kṛṣṇa]! Como é maravilhoso que, embora os demô­nios, os quais sempre invejam os semideuses, não tenham conseguido penetrar Vossa fa­lange militar, tenham penetrado na região de mitra, o globo solar”. A palavra mitra é usada metaforicamente. Mitra significa “o globo solar”, mas também significa “amigo”. Os demônios que fizeram frente a Kṛṣṇa como inimigos queriam penetrar Sua falange militar, mas, em vez de fazerem isto, morreram na batalha e, como resultado, penetra­ram no planeta de Mitra, ou o planeta Sol. Em outras palavras, eles entraram na refulgên­cia Brahman. Aqui se dá o exemplo do planeta Sol porque o mesmo é sempre luminoso, tal como o céu espiritual onde existem os inumeráveis e luminosos planetas Vaikuṇṭha. Em vez de penetrarem a falange de Kṛṣṇa, os inimigos de Kṛṣṇa que foram mortos entraram na atmosfera amigável da refulgência espiritual. Assim é a misericórdia de Kṛṣṇa, motivo pelo qual Ele é conhecido como o salvador mesmo de Seus inimigos.

60. Aquele que atrai as almas liberadas

Muitos são os exemplos de como Kṛṣṇa atraiu mesmo grandes almas liberadas, como Śukadeva Gosvāmī e os Kumāras. A este respeito, os Kumāras fazem a seguinte declara­ção: “Que maravilhoso é que, embora sejamos completamente liberados, livres de desejos e situados na fase de paramahaṁsa, aspiremos a saborear os passatempos de Rādhā e Kṛṣṇa”.

61. O executor de atividades maravilhosas

No Bṛhad-vāmana Purāṇa, o Senhor diz: “Embora Eu tenha muitos passatempos fascinantes, sempre que penso na rāsa-līlā, a qual executo com as gopīs, fico ansioso por executá-la novamente”.

Certo devoto disse: “Tenho conhecimento acerca de Nārāyaṇa, o esposo da deusa da fortu­na, e também tenho conhecimento acerca de muitas outras encarnações do Senhor. Por certo que todos os passatempos de tais encarnações são empolgantes à minha mente, mas os passatempos da rasa-līlā, executados pelo próprio Senhor Kṛṣṇa, estão aumentando mara­vilhosamente meu prazer transcendental”.

62. Kṛṣṇa é rodeado por devotos amorosos

Quando falamos de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa não está sozinho. “Kṛṣṇa” significa Seu nome, Suas qualidades, Sua fama, Seus amigos, Sua parafernália, Seu séquito – tudo isto está incluso. Quando falamos de um rei, subentende-se que ele está rodeado por ministros, secretá­rios, comandantes militares e por muitas outras personalidades. De maneira similar, Kṛṣṇa não é impessoal. Especialmente em Sua līlā de Vṛndāvana, Ele está rodeado pelas gopīs, os vaquei­rinhos, Seu pai, Sua mãe e todos os habitantes de Vṛndāvana.

No Śrīmad-Bhāgavatam (10.31.15), as gopīs lamentam: “Meu querido Kṛṣṇa, quando, pela manhã, sais para a floresta de Vṛndāvana com Tuas vacas, consideramos que um instante alonga-se tal como fossem doze anos, e, para nós, é muito difícil passar o tempo. Então, quando voltas no fim do dia; por vermos Teu belo rosto, sentimo-nos tão atraídas que não conseguimos deixar de olhar constantemente para Ti. Nesses momen­tos, quando acontece o ocasional piscar de nossas pálpebras, condenamos o criador, o Senhor Brahmā, considerando-o um estúpido, pois ele não sabe como fazer olhos perfeitos!”. Em outras palavras, as gopīs se perturbavam com o piscar de seus olhos porque, enquanto seus olhos estavam fechados, não podiam ver Kṛṣṇa. Isto quer dizer que o amor das gopīs por Kṛṣṇa era tão grande e extático que elas se perturbavam mesmo com Sua ausência momentânea. Elas, no entanto, também se perturbavam quando viam Kṛṣṇa. Isto é um paradoxo.

Certa gopī, exprimindo-se a Kṛṣṇa, disse: “Quando nos encontramos conTigo à noite, consideramos que a duração da noite é deveras curta. E por que falarmos apenas desta noite? Mesmo se tivéssemos uma noite de Brahmā*, nós a consideraríamos um perío­do muito curto!”. Obtemos certa noção do dia de Brahmā a partir da seguinte declaração do Bhagavad-gītā (8.17): “Segundo cálculos humanos, a soma de mil ciclos de yugas com­preendem um dia de Brahmā, o que é também a duração de sua noite”. As gopīs disseram que, mesmo se pudessem ter essa duração de noite, tal duração não seria suficiente para o encontro delas com Kṛṣṇa.

*4.300.000.000 de anos solares equivalem a doze horas, ou uma noite, de Brahmā.

63. A atrativa flauta de Kṛṣṇa

No Śrīmad-Bhāgavatam (10.35.15), as gopīs dizem a mãe Yaśodā: “Quando seu fi­lho toca Sua flauta, o Senhor Śiva, o Senhor Brahmā e Indra – embora supostamente se­jam as personalidades mais elevadas e os sábios mais eruditos – ficam todos confusos. Apesar de serem todos personalidades de grande erudição, quando ouvem o som da flauta de Kṛṣṇa, prostram-se humildemente e tornam-se graves ao examinarem o som vibrado”.

Em seu livro Vidagdha-mādhava, Śrī Rūpa Gosvāmī descreve a vibração da flauta de Kṛṣṇa deste modo: “A vibração sonora criada pela flauta de Kṛṣṇa admiravelmente fez com que o Senhor Śiva parasse de tocar seu tambor diṇḍima, e a mesma flauta fez com que grandes sábios, como os quatro Kumāras, perturbassem-se em sua meditação. Este som fez com que o Senhor Brahmā, que estava sentado sobre a flor de lótus com o obje­tivo de criar, ficasse espantado. E Anantadeva, que calmamente sustentava todos os pla­netas sobre Seu capelo, movia-Se de um lado a outro devido à vibração transcendental da flauta de Kṛṣṇa, que penetrou a cobertura do universo e alcançou o céu espiritual”.

64. A irrivalizável beleza de Kṛṣṇa

No Śrīmad-Bhāgavatam (3.2.12), Uddhava diz a Vidura: “Meu caro senhor, quando Kṛṣṇa apareceu neste planeta e manifestou a potência de Sua energia interna, Ele apareceu com Sua forma mais maravilhosa. Sua forma prodigiosamente atrativa esteve presente en­quanto Ele executou Seus passatempos neste planeta, e, com Sua potência interna, Ele manifestou Suas opulências, que surpreendem a todos. Sua beleza pessoal era tão gran­diosa que Ele não tinha necessidade de usar ornamentos em Seu corpo. De fato, em vez dos ornamentos embelezarem Kṛṣṇa, a beleza de Kṛṣṇa realçava os ornamentos”.

No concernente ao encanto da beleza do corpo de Kṛṣṇa e à vibração sonora de Sua flauta, as gopīs, no Śrīmad-Bhāgavatam (10.29.40), dirigem-se a Kṛṣṇa como segue: “Embora nossa atitude conTigo se assemelhe a aventuras amorosas com um amante, não podemos deixar de nos surpreender diante de como nenhuma mulher é capaz de manter sua cas­tidade ao ouvir a vibração de Tua flauta. E não apenas as mulheres, mas mesmo homens de coração severo estão sujeitos a cair de sua posição com o som de Tua flauta. De fato, vemos que, em Vṛndāvana, mesmo as vacas, os veados, as aves, as árvores – todos – encantam-se com a doce vibração de Tua flauta e a beleza fascinante de Tua pessoa”.

Em seu Lalita-mādhava, Rūpa Gosvāmī diz: “Certo dia, aconteceu de Kṛṣṇa ver a sombra de Sua bela forma refletida em um piso de joias. Ao ver aquele reflexo corporal, Ele exprimiu Seus sentimentos: ‘Que maravilhoso é que Eu jamais tenha visto uma forma tão bela como esta! Apesar de ser Minha própria forma; da mesma maneira que Rādhārāṇī, estou tentando abraçar esta forma para desfrutar de bem-­aventurança celestial’”. Esta declaração mostra como Kṛṣṇa e o reflexo de Sua som­bra são idênticos. Não há diferença entre Kṛṣṇa e Seu reflexo, tampouco entre Kṛṣṇa e Seu retrato. Esta é a posição transcendental de Kṛṣṇa.

As declarações supracitadas descrevem alguns dos maravilhosos reservatórios de prazer existentes em Kṛṣṇa, bem como as qualidades transcendentais de Sua personalida­de. As qualidades transcendentais de Kṛṣṇa são comparadas ao oceano: não se podem calcular o comprimento e a largura do oceano. Porém, assim como se pode saber qual é o conteúdo do oceano simplesmente por se examinar uma gota do mesmo, es­tas declarações nos darão algum entendimento da posição e das qualidades transcendentais de Kṛṣṇa.

No Śrīmad-Bhāgavatam (10.14.7), o Senhor Brahmā diz: “Meu querido Senhor, os inconcebíveis qualidades, encantos e atividades que tens revelado através de Tua presença neste planeta não podem ser calculados por nenhuma medida material. Mesmo que se tente imaginar que ‘talvez Kṛṣṇa seja assim’, isso também é impossível. Talvez chegue o dia em que o cientista material, após muitíssimos nascimentos ou após muitíssimos anos, seja capaz de avaliar a constituição atômica de todo o universo, ou talvez seja capaz de contar os fragmentos atômicos que permeiam o céu, ou, então, talvez até mesmo apresente uma estima­tiva de todos os átomos que existem no universo; ele, entretanto, jamais será ca­paz de contar as qualidades transcendentais que existem em Teu reservatório de bem-­aventurança transcendental”.

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