VERSO 20
pādair nyūnaṁ śocasi maika-pādam
ātmānaṁ vā vṛṣalair bhokṣyamāṇam
āho surādīn hṛta-yajña-bhāgān
prajā uta svin maghavaty avarṣati
pādaiḥ — por três pernas; nyūnam — diminuído; śocasi — se estás te lamentando por isso; mā — minhas; eka-pādam — somente uma perna; ātmānam — próprio corpo; vā — ou; vṛṣalaiḥ — pelos ilegais comedores de carne; bhokṣyamāṇam — ser explorada; āhoḥ — em sacrifício; sura-ādīn — os semideuses autorizados; hṛta-yajña — privados do sacrificatório; bhāgān — quinhão; prajāḥ — os seres vivos; uta — aumentando; svit — acaso; maghavati — na fome e escassez; avarṣati — por causa da seca.
Perdi minhas três pernas e agora permaneço sobre uma só. Estás te lamentando por meu estado de existência? Ou estás em grande ansiedade porque, de agora em diante, os ilegais comedores de carne irão explorar-te? Ou te sentes magoada devido aos semideuses agora estarem privados de seu quinhão das oferendas sacrificatórias porque atualmente nenhum sacrifício está sendo executado? Ou estás pesarosa pelos seres vivos por causa de seus sofrimentos decorrentes da fome e da seca?
SIGNIFICADO—Com o progresso da era de Kali, aos poucos diminuirão particularmente quatro coisas, a saber, a duração da vida, a misericórdia, o poder de lembrança e os princípios religiosos ou morais. Uma vez que o dharma, ou os princípios da religião, seriam perdidos na proporção de três quartos, o touro simbólico permanecia sobre uma só perna. Quando três quartos da população de todo o mundo tornam-se irreligiosos, a situação converte-se num inferno para os animais. Na era de Kali, as civilizações ateístas criarão muitas pretensas sociedades religiosas, nas quais a Personalidade de Deus será direta ou indiretamente desafiada. E, desse modo, as sociedades de homens infiéis farão o mundo inabitável para a seção mais sadia da população. Há gradações de seres vivos em termos de fé proporcional na Suprema Personalidade de Deus. Os homens fiéis de primeira classe são os vaiṣṇavas e os brāhmaṇas, depois os kṣatriyas, então os vaiśyas, a seguir os śūdras, então os mlecchas, os yavanas e, finalmente, os caṇḍālas. A degradação do instinto humano começa a partir dos mlecchas, e o estado de vida caṇḍāla é a última palavra na degradação humana. Nenhum dos termos acima mencionados nas literaturas védicas se referem, de modo algum, a alguma comunidade ou nascimento em particular. Trata-se de diferentes qualificações dos seres humanos em geral. Não se trata de uma questão de direito de nascimento ou de comunidade. Uma pessoa pode adquirir as respectivas qualificações através de seus próprios esforços, e, desse modo, o filho de um vaiṣṇava pode tornar-se um mleccha, ou o filho de um caṇḍāla pode tornar-se mais que um brāhmaṇa, tudo de acordo com suas associações e relações íntimas com o Senhor Supremo.
Os carnívoros, geralmente, são denominados mlecchas. Mas nem todos os carnívoros são mlecchas. Aqueles que aceitam a carne em termos dos preceitos escriturais não são mlecchas, mas aqueles que aceitam a carne sem restrições são denominados mlecchas. Os bifes são proibidos nas escrituras, e os touros e as vacas recebem proteção especial dos seguidores dos Vedas. Porém, nesta era de Kali, as pessoas explorarão o corpo do touro e da vaca como quiserem e, assim fazendo, atrairão sobre si sofrimentos de vários tipos.
As pessoas desta era não executarão nenhum sacrifício. A população mleccha pouco se importará com as execuções de sacrifícios, embora a execução de sacrifício seja essencial para as pessoas que estão materialmente ocupadas no gozo dos sentidos. Na Bhagavad-gītā, a execução de sacrifício é fortemente recomendada. (Bhagavad-gītā 3.14-16)
Os seres vivos são criados pelo criador Brahmā, e, simplesmente para manter a criatura trilhando progressivamente o caminho de volta ao Supremo, Brahmā criou também o sistema de execução de sacrifício. O sistema é que os seres vivos se alimentam da produção de cereais e vegetais e, por comerem tais alimentos, eles obtêm poder vital corpóreo, sob a forma de sangue e sêmen, e, através do sangue e do sêmen, um ser vivo é capaz de criar outros seres vivos. Mas a produção de cereais, gramíneas etc. torna-se possível com a chuva, e, para que essa chuva caia, o meio adequado é a execução dos sacrifícios recomendados. Esses sacrifícios são orientados pelos ritos dos Vedas, a saber, Sāma, Yajur, Ṛg e Atharva. No Manu-smṛti, recomenda-se que, através de oferecimentos de sacrifício no altar do fogo, o deus do Sol fica satisfeito. Quando o deus do Sol está satisfeito, ele recolhe adequadamente a água do mar, após o que nuvens suficientes se reúnem no horizonte e a chuva cai. Depois de suficiente queda de chuva, há suficiente produção de cereais para os homens e todos os animais, e, assim, o ser vivo adquire energia para executar atividades progressivas. Os mlecchas, contudo, fazem planos para instalar matadouros a fim de matar touros e vacas, além de outros animais, pensando que prosperarão ao aumentarem o número de fábricas e se alimentarem de comida animal, sem se importarem com a execução de sacrifícios e a produção de cereais. Todavia, eles devem saber que, mesmo para obter os animais, eles têm que produzir pasto e vegetais, pois, de outro modo, os animais não podem viver. E, para produzir pasto para os animais, eles precisam de chuvas o suficiente. Portanto, têm que depender, em última análise, da misericórdia dos semideuses, como o deus do Sol, Indra e Candra, e tais semideuses devem ser comprazidos pelas execuções de sacrifícios.
Este mundo material é uma espécie de presídio, como temos afirmado diversas vezes. Os semideuses são os servos do Senhor que zelam pela manutenção apropriada do presídio. Esses semideuses querem fazer com que os seres vivos rebeldes, que desejam sobreviver incredulamente, voltem-se, pouco a pouco, para o poder supremo do Senhor. Por isso, recomenda-se o sistema de oferecimento de sacrifícios nas escrituras.
Os homens materialistas querem trabalhar arduamente e desfrutar dos resultados fruitivos para o gozo dos sentidos. Desse modo, eles estão cometendo muitos tipos de pecados a cada passo da vida. No entanto, aqueles que estão conscientemente ocupados no serviço devocional ao Senhor são transcendentais a todas as variedades de pecado e virtude. Suas atividades estão livres da contaminação dos três modos da natureza material. Para os devotos, não há necessidade de executar sacrifícios prescritos, porque a própria vida do devoto é um símbolo de sacrifício. Porém, as pessoas que estão ocupadas em atividades fruitivas para o gozo dos sentidos têm que executar os sacrifícios prescritos, pois esse é o único meio que os trabalhadores fruitivos têm de libertar-se das reações de todos os pecados cometidos por eles. O sacrifício é o meio de neutralizar esses pecados acumulados. Os semideuses ficam satisfeitos quando esses sacrifícios são executados, assim como os funcionários da prisão ficam satisfeitos quando os prisioneiros se transformam em cidadãos obedientes. O Senhor Caitanya, contudo, recomenda somente um yajña, ou sacrifício, chamado saṅkīrtana-yajña, o canto de Hare Kṛṣṇa, do qual todos podem participar. Desse modo, tanto os devotos quanto os trabalhadores fruitivos podem obter igual benefício das realizações de saṅkīrtana-yajña.