VERSO 42
tvayi me ’nanya-viṣayā
matir madhu-pate ’sakṛt
ratim udvahatād addhā
gaṅgevaugham udanvati
tvayi — a Vós; me — minha; ananya-viṣayā — imaculada; matiḥ — atenção; madhu-pate — ó Senhor de Madhu; asakṛt — continuamente; ratim — atração; udvahatāt — transborde; addhā — diretamente; gaṅgā — o Ganges; iva — como; ogham — flui; udanvati — descendo rumo ao mar.
Ó Senhor de Madhu, assim como o Ganges flui perenemente rumo ao mar sem nenhum obstáculo, deixai que minha atração se dirija constantemente a Vós, sem divergir para ninguém mais.
SIGNIFICADO—A perfeição do serviço devocional puro é alcançada quando toda a atenção é voltada para o transcendental serviço amoroso ao Senhor. Cortar os laços de todas as outras afeições não significa a negação completa dos elementos mais refinados, como a afeição por outrem. Isso não é possível. Um ser vivo, quem quer que seja, deve ter esse sentimento de afeição pelos outros porque esse é um sintoma de vida. Os sintomas de vida, tais como desejo, ira, ansiedade, sentimento de atração etc., não podem ser aniquilados. Somente o objetivo tem que ser mudado. O desejo não pode ser negado, mas, no serviço devocional, o desejo é dirigido apenas para o serviço ao Senhor, em vez de dirigi-lo para o gozo dos sentidos. A assim chamada afeição pela família, sociedade, nação etc., consiste em diferentes fases de gozo dos sentidos. Quando esse desejo se converte em dar satisfação ao Senhor, ele se chama serviço devocional.
Na Bhagavad-gītā, podemos ver que Arjuna não desejava lutar com seus irmãos e parentes apenas para satisfazer seus próprios desejos pessoais. Porém, quando ouviu a mensagem do Senhor, a Śrīmad-Bhagavad-gītā, ele mudou sua decisão e serviu o Senhor. E, por fazê-lo, ele se tornou um famoso devoto do Senhor, pois é declarado em todas as escrituras que Arjuna alcançou a perfeição espiritual através do serviço devocional ao Senhor em forma de amizade. A luta, a amizade, Arjuna, a presença de Kṛṣṇa, nada mudou, mas Arjuna se tornou uma pessoa diferente através do serviço devocional. Portanto, as orações de Kuntī também indicam as mesmas mudanças categóricas nas atividades. Śrīmatī Kuntī queria servir o Senhor sem desvios, e essa era a sua prece. Essa devoção imaculada é a meta derradeira da vida. Nossa atenção é normalmente desviada para o serviço a algo que não é divino ou que não está no programa do Senhor. Quando o programa se converte em serviço ao Senhor, isto é, quando os sentidos se purificam em relação com o serviço ao Senhor, chama-se a isso serviço devocional imaculado. Śrīmatī Kuntīdevī queria essa perfeição e orou por isso ao Senhor.
Sua afeição pelos Pāṇḍavas e os Vṛṣṇis não foge aos limites do serviço devocional porque o serviço ao Senhor e o serviço aos devotos são idênticos. Às vezes, o serviço ao devoto é mais valioso do que o serviço ao Senhor. Contudo, aqui a afeição de Kuntīdevī pelos Pāṇḍavas e os Vṛṣṇis se devia à relação familiar. Este laço de afeição, em termos de relação material, é relação de māyā, porque as relações do corpo ou da mente devem-se à influência da energia externa. As relações da alma, estabelecidas em relação com a Alma Suprema, são relações verdadeiras. Quando Kuntīdevī quis cortar a relação familiar, ela queria dizer cortar a relação da pele. A relação da pele é a causa do cativeiro material, mas a relação da alma é a causa da liberdade. Esta relação da alma com a alma pode ser estabelecida através da relação com a Superalma. Ver na escuridão é não ver. Mas ver à luz do sol significa ver o sol e tudo o mais que era invisível na escuridão. Este é o caminho do serviço devocional.