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VERSO 26

satya-vrataṁ satya-paraṁ tri-satyaṁ
satyasya yoniṁ nihitaṁ ca satye
satyasya satyam ṛta-satya-netraṁ
satyātmakaṁ tvāṁ śaraṇaṁ prapannāḥ

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satya-vratam — a Personalidade de Deus, que nunca Se desvia de Seu voto[1]; satya-param — que é a Verdade Absoluta (como se afirma no começo do Śrīmad-Bhāgavatam, satyaṁ paraṁ dhīmahi); tri­-satyam — antes da criação desta manifestação cósmica, durante sua manutenção, e inclusive após sua aniquilação, Ele sempre está pre­sente como a Verdade Absoluta; satyasya — de todas as verdades re­lativas, que emanam da Verdade Absoluta, Kṛṣṇa; yonim — a causa; nihitam — entrou[2]; ca — e; satye — nos fatores que criam este mundo material (a saber, os cinco elementos terra, água, fogo, ar e éter); satyasya — de tudo o que é aceito como verdade; satyam — o Senhor é a verdade original; ṛta-satya-netram — Ele é a origem de toda verdade que é agradável (sunetram); satya-ātmakam — tudo relacionado com o Senhor é verdade (sac-cid-ānanda: Seu corpo é verdade, Seu conhecimento é verdade, e Seu prazer é verdade); tvām — a Vós, ó Senhor; śaraṇam — oferecendo nossa rendição plena; prapannāḥ — estamos sob Vossa completa proteção.

[1] O Senhor faz o seguinte voto: yadā yadā hi dharmasya glānir bhavati bhārata/ abhyutthānam adharmasya tadātmānaṁ sṛjāmy aham (Bhagavad-gītā 4.7) Para honrar este voto, o Senhor apareceu.
[2] O Senhor entra em tudo, inclusive no átomo: aṇḍāntara-stha-paramāṇu-cayāntara-stham. (Brahma-saṁhitā 5.44)

Os semideuses oraram: Ó Senhor, nunca Vos desviais de Vosso voto, que sempre é perfeito porque tudo o que decidis é inteiramente correto e não pode ser revogado por ninguém. Estando presente nas três fazes da manifestação cósmica – criação, manutenção e aniquilação –, sois a Verdade suprema. De fato, a menos que seja completamente veraz, uma pessoa não pode obter o Vosso favor, o que, portanto, não pode ser obtido pelos hipócritas. Sois o princípio ativo, a verdade pura, presente em todos os ingredientes da criação, e, portanto, sois conhecido por antaryāmī, a força interior. Sois igual com todos, por todo o tempo. Sois onde começa toda a verdade. Portanto, oferecendo nossas reverências, rendemo-nos a Vós. Por favor, protegei-nos.

SIGNIFICADO—Os semideuses ou devotos sabem perfeitamente bem que a Suprema Personalidade de Deus é de fato a essência tanto deste mundo mate­rial quanto do mundo espiritual. Portanto, o Śrīmad-Bhāgavatam começa com as palavras oṁ namo bhagavate vāsudevāya [...] satyaṁ paraṁ dhīmahi. Vāsudeva, Kṛṣṇa, é o paraṁ satyam, a Verdade Suprema. Como declara a Verdade Suprema: bhaktyā mām abhijānāti yāvān yaś cāsmi tattvataḥ (Bhagavad-gītā 18.55), pode-se abordar ou en­tender a Verdade Suprema pelo método supremo. Bhakti, o serviço devocional, é o único caminho para se entender a Verdade Absoluta. Em busca de proteção, portanto, os semideuses rendem-se à Verdade Suprema, e não à verdade relativa. Existem pessoas que adoram vários semideuses, mas, na Bhagavad-gītā (7.23), a Verdade Supre­ma, Kṛṣṇa, declara que antavat tu phalaṁ teṣāṁ tad bhavaty alpa-medhasām: “Os homens de pouca inteligência adoram os semideuses, e seus frutos são limitados e temporários.” A adoração aos semi­deuses pode ser útil por um tempo limitado, mas o resultado é antavat, perecível. Este mundo material é passageiro, os semideuses são pas­sageiros, e as bênçãos obtidas dos semideuses também são passageiras, mas a entidade viva é eterna (nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām, Kaṭha Upaniṣad 2.2.13). Toda entidade viva, portanto, deve buscar a felicidade eterna, e não a felicidade temporária. As palavras satyaṁ paraṁ dhīmahi mostram que se deve buscar a Verdade Absoluta, e não a verdade relativa.

Enquanto oferecia orações à Suprema Personalidade de Deus Nṛ­siṁhadeva, Prahlāda Mahārāja disse:

bālasya neha śaraṇaṁ pitarau nṛsiṁha
nārtasya cāgadam udanvati majjato nauḥ

De um modo geral, entende-se que os protetores de uma criança são seus pais, mas isso não é exatamente a verdade. O real protetor é a Suprema Personalidade de Deus.

taptasya tat-pratividhir ya ihāñjaseṣṭas
tāvad vibho tanu-bhṛtāṁ tvad-upekṣitānām

 (Śrīmad-Bhāgavatam 7.9.19)

Se não receber a atenção da Suprema Personalidade de Deus, um filho, apesar da presença de seus pais, sofrerá, e alguém doente, mesmo recebendo toda a ajuda médica, morrerá. Neste mundo ma­terial, onde se luta pela existência, os homens inventaram muitos meios de proteção, mas esses são inúteis se a Suprema Personalidade de Deus não os apoia. Portanto, os semideuses propositalmente dizem que satyātmakaṁ tvāṁ śaraṇaṁ prapannāḥ: “A verdadeira prote­ção pode ser obtida de Vós, o Senhor, de modo que nos rendemos a Vós.”

O Senhor exige que todos se rendam a Ele (sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja), e diz também:

sakṛd eva prapanno yas
tavāsmīti ca yācate
abhayaṁ sarvadā tasmai
dadāmy etad vrataṁ mama

“Se alguém se rende a Mim com sinceridade, dizendo: ‘Meu Senhor, a partir deste dia, estou plenamente rendido a Vós’, sempre lhe darei proteção. Eu fiz este voto.” (Rāmāyaṇa, Yuddha-kāṇḍa 18.33) Os semideuses ofereceram orações à Suprema Personalidade de Deus porque Ele acabava de aparecer no ventre de Sua devota Devakī, para proteger todos os devotos afligidos por Kaṁsa e seus compar­sas. Logo, o Senhor age como satyavrata. A proteção dada pelos semideuses nem se pode comparar à proteção dada pela Suprema Personalidade de Deus. Afirma-se que Rāvaṇa era um grande devoto do senhor Śiva, mas, quando o Senhor Rāmacandra foi matá-lo, o senhor Śiva não pôde protegê-lo.

O senhor Brahmā e o senhor Śiva, acompanhados por grandes sábios como Nārada, e seguidos por muitos outros semideuses, acabavam de aparecer invisivelmente na casa de Kaṁsa. Eles começaram a orar à Suprema Personalidade de Deus com orações seletas que tanto agradam aos devotos e que satisfazem os desejos devocio­nais. As primeiras palavras que falaram declaravam que o Senhor cumpre Seu voto. Como se afirma na Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa desce a este mundo material simplesmente para proteger as pessoas piedosas e destruir os ímpios. Esse é o Seu voto. Os semideuses puderam enten­der que o Senhor estabelecera Sua residência no ventre de Devakī para cumprir esse voto. Eles ficaram muito alegres com o fato de que o Senhor estava aparecendo para executar Sua missão, e chama­ram-no de satyaṁ param, ou a Suprema Verdade Absoluta.

Todos estão em busca da verdade. Esse é o processo da vida filo­sófica. Os semideuses informam-nos que a Suprema Verdade Absoluta é Kṛṣṇa. Alguém que se torna plenamente consciente de Kṛṣṇa pode atingir a Verdade Absoluta. Kṛṣṇa é a Verdade Absoluta. A verdade relativa não é encontrada em todas as três fases do tempo eterno. Divide-se o tempo em passado, presente e futuro. Kṛṣṇa é sempre Verdade, no passado, no presente e no futuro. No mundo material, tudo está sob o controle do tempo supremo, sujeitando-se a passado, presente e futuro. Porém, antes da criação, Kṛṣṇa existia, e, quando ocorre a criação, tudo repousa em Kṛṣṇa, e quando esta criação se acaba, Kṛṣṇa permanece. Portanto, em todas as circunstâncias, Ele é a Verdade Absoluta. E toda verdade que existe neste mundo material emana da Verdade Suprema, Kṛṣṇa. Se existe alguma opulência neste mundo material, a causa da opulência é Kṛṣṇa. Se existe alguma reputação neste mundo material, a causa da reputação é Kṛṣṇa. Se existe alguma força neste mundo material, a causa de tal força é Kṛṣṇa. Se existe alguma sabedoria e conhecimento dentro deste mundo material, sua causa é Kṛṣṇa. Logo, Kṛṣṇa é a fonte de todas as verdades relativas.

Por conseguinte, os devotos, seguindo os passos do senhor Brahmā, oram: govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi, adorando o ādi-puruṣa, a verdade suprema, Govinda. Em toda parte, tudo é executado em termos de três princípios: jñāna-bala-kriyā, isto é, conhecimento, força e atividade. Em todo setor da vida, se não houver co­nhecimento, força e atividade em plenitude, o esforço nunca será exitoso. Portanto, se alguém deseja sucesso em tudo, deve apoiar-se nesses três princípios. Nos Vedas (Śvetāśvatara Upaniṣad 6.8), encontramos a seguinte declaração sobre a Suprema Personalidade de Deus:

na tasya kāryaṁ karaṇaṁ ca vidyate
na tat samaś cābhyadhikaś ca dṛśyate
parāsya śaktir vividhaiva śrūyate
svābhāvikī jñāna-bala-kriyā ca

A Suprema Personalidade de Deus nada necessita fazer pessoalmen­te, pois Suas potências são tais que, tudo o que Ele deseje que se faça, será perfeitamente executado através do controle da natureza material (svābhāvikī jñāna-bala-kriyā ca). De modo semelhante, aqueles que estão ocupados em servir ao Senhor não precisam lutar pela existência. Os devotos que estão plenamente ocupados em di­fundir o movimento da consciência de Kṛṣṇa, mais de dez mil homens e mulheres em todo o mundo, não têm uma ocupação fixa ou per­manente, mas vemos de fato que eles são mantidos com muita opulência. Na Bhagavad-gītā (9.22), o Senhor diz:

ananyāś cintayanto māṁ
ye janāḥ paryupāsate
teṣāṁ nityābhiyuktānāṁ
yoga-kṣemaṁ vahāmy aham

“Àqueles que Me adoram com devoção, meditando em Minha forma transcendental, Eu trago o que lhes falta e preservo o que têm.” Os devotos não ficam ansiosos querendo saber o que lhes acontecerá amanhã, onde poderão acomodar-se ou o que comerão, pois tudo será mantido e suprido pela Suprema Personalidade de Deus, que prometeu que kaunteya pratijānīhi na me bhaktaḥ praṇaśyati: “Ó filho de Kuntī, declara ousadamente que Meu devoto jamais pere­ce.” (Bhagavad-gītā 9.31) Portanto, de todos os pontos de vista, se em todas as circunstâncias alguém se rende plenamente à Suprema Personali­dade de Deus, fica fora de cogitação que ele tenha de lutar pela exis­tência. A esse respeito, o comentário de Śrīpāda Madhvācārya, citando o Tantra-bhāgavata, é muito significativo:

sac-chadba uttamaṁ brūyād
ānandantīti vai vadet
yetijñānaṁ samuddiṣṭaṁ
pūrṇānanda-dṛśis tataḥ

attṛtvāc ca tadā dānāt
satyāttya cocyate vibhuḥ

Explicando as palavras satyasya yonim, Śrīla Viśvanātha Cakra­vartī Ṭhākura diz que Kṛṣṇa é o avatārī, a origem de todas as encar­nações. Todas as encarnações são a Verdade Absoluta, apesar do que Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, é a origem de todas as en­carnações. Dīpārcir eva hi daśāntaram abhyupetya dīpāyate. (Brahma-saṁhitā 5.46) Mesmo que haja muitas lamparinas, todas com poder igual, ainda existe a primeira, a segunda, a terceira lamparinas e assim por diante. De modo similar, existem muitas encarnações, que são comparadas a lamparinas, mas a primeira lamparina, a Personalidade de Deus original, é Kṛṣṇa. Govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi.

Os semideuses devem submissamente oferecer adoração à Suprema Personalidade de Deus, mas pode-se argumentar que, como estava dentro do ventre de Devakī, a Divindade Suprema também vinha em um corpo material. Por que, então, Ele deveria ser adorado? Por que se deveria fazer distinção entre uma entidade viva comum e a Suprema Personalidade de Deus? Essas perguntas são respondidas nos versos seguintes.

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