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VERSO 4

indra uvāca
viśuddha-sattvaṁ tava dhāma śāntaṁ
tapo-mayaṁ dhvasta-rajas-tamaskam
māyā-mayo ’yaṁ guṇa-sampravāho
na vidyate te grahaṇānubandhaḥ

indraḥ uvāca — Indra disse; viśuddha-sattvam — manifestando a bondade transcendental; tava — Vossa; dhāma — forma; śāntam — imutável; tapaḥ-mayam — plena de conhecimento; dhvasta — destruídos; rajaḥ — o modo da paixão; tamaskam — e o modo da ignorância; māyā­-mayaḥ — baseado na ilusão; ayam — este; guṇa — dos modos da natu­reza material; sampravāhaḥ — o grande fluxo; na vidyate — não está presente; te — dentro de Vós; agrahaṇa — ignorância; anubandhaḥ — que se deve a.

O rei Indra disse: Vossa forma transcendental, manifestação da bondade pura, não é perturbada por mudanças, brilha com conhecimento e é destituída de paixão e ignorância. Em Vós, inexiste o potente fluxo dos modos da natureza material, que se baseia na ilusão e na ignorância.

SIGNIFICADO—O grande comentador do Bhāgavatam Śrīla Śrīdhara Svāmī expli­cou magistralmente os elementos sânscritos deste verso profundo.

A palavra sânscrita dhāma tem vários significados: a) lugar para viver, casa, morada etc.; b) coisa ou pessoa favorita, deleite, ou prazer, c) forma ou aparência; d) poder, força, majestade, glória, esplendor ou luz.

Com relação ao primeiro conjunto de significados, o Vedānta-sūtra declara que a Verdade Absoluta é a fonte e o lugar de repouso de toda a existência, e se diz no primeiro verso do Bhāgavatam que a Ver­dade Absoluta é Kṛṣṇa. Embora exista em Seu próprio dhāma, ou morada, chamado Kṛṣṇaloka, o Senhor Kṛṣṇa mesmo é a morada de toda a existência, como Arjuna confirma na Bhagavad-gītā, ao se dirigir a Kṛṣṇa como paraṁ dhāma, “a morada suprema”.

O próprio nome Kṛṣṇa indica a pessoa todo-atrativa; logo, o Senhor Kṛṣṇa, a fonte de toda beleza e prazer, é decerto “a coisa ou pessoa favorita, deleite e prazer”. Em última análise, esses termos só podem referir-se a Kṛṣṇa.

Dhāma também se refere a forma ou aparência, e quando Indra ofereceu estas orações, ele estava de fato vendo diretamente a forma de Kṛṣṇa diante dele.

Como se explica claramente na literatura védica, o poder, força, majestade, esplendor e refulgência do Senhor Kṛṣṇa estão todos contidos dentro de Seu corpo transcendental e assim atestam as glórias infinitas do Senhor.

Śrīla Śrīdhara Svāmī resumiu brilhantemente todos esses significados da palavra dhāma, dando o termo sânscrito svarūpa como si­nônimo. A palavra svarūpa significa “a forma ou o formato particular de alguém” e também “a condição, caráter ou natureza própria de alguém”. Já que o Senhor Kṛṣṇa, sendo espírito absoluto puro, não difere de Seu corpo, não existe qualquer diferença alguma entre o Senhor e Sua forma visível. Em contraste, nós almas condi­cionadas neste mundo material somos todos claramente diferentes do corpo, seja este corpo masculino, feminino, negro, branco ou o que for. Todos nós somos almas eternas, diferentes do corpo temporário e frágil.

Quando a palavra svarūpa se aplica a nós, ela indica em espe­cial nossa forma espiritual, porque nossa “própria forma” é de fato nossa “própria condição, caráter ou natureza” eternamente. Logo, a condição liberada em que a forma externa de alguém é sua natureza espiritual mais profunda chama-se svarūpa. Antes de tudo, porém, este termo se refere à Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa. Tudo isto é indicado neste verso pelas palavras tava dhāma, como o explica Śrīdhara Svāmī.

Śrīdhara Svāmī explicou que, nesta passagem, a palavra śāntam significa “sempre da mesma forma”. Śāntam também pode significar “impertur­bado, livre da paixão ou purificado”. Segundo a filosofia védica, toda mudança neste mundo é causada pela influência da paixão e da ignorância. O modo apaixonado é criativo, e o modo ignorante é destrutivo, ao passo que o modo da bondade, sattva, é sereno e mantenedor. De muitas maneiras, este verso enfatiza que o Senhor Kṛṣṇa é livre dos modos da natureza. As palavras viśuddha-sattvam, śāntam, dhvasta-rajas-tamaskam e guṇa-sampravāho na vidyate te, todas indicam isso. Ao contrário de Kṛṣṇa, nós mudamos de um corpo para outro por causa de nosso envolvimento com os modos da natureza; as várias transformações das formas materiais são impulsionadas pelos modos da natureza, os quais são eles mesmos postos em movi­mento pela influência do tempo. Portanto, quem está livre dos modos materiais da natureza é imutável e está eternamente satisfeito em exis­tência espiritual bem-aventurada. Assim, a palavra śāntam indica que o Senhor não é perturbado pela mudança, já que Ele está livre dos modos da natureza material.

Segundo este verso, o poderoso fluxo dos modos da natureza material – a saber: paixão, estupidez e piedade mundana – baseiam-se em agrahaṇa, que Śrīla Śrīdhara Svāmī traduziu como “ignorân­cia”. Como a raiz sânscrita graḥ significa “tomar, aceitar, agarrar ou compreender”, grahaṇa significa “agarrar” no sentido exato de “captar uma ideia ou fato”. Aqui, portanto, a palavra agrahaṇa signi­fica o fracasso de alguém em compreender sua posição espiritual, e esse fracasso faz com que ele caia nas violentas correntes da existên­cia material.

Infere-se um sentido adicional da palavra agra-haṇa quando ela é dividida no composto agra-haṇa. Agra quer dizer “o primeiro, o mais alto ou o melhor”, e hana quer dizer “matar”. A melhor parte de nossa existência é a alma pura, que é eterna, em contraposição ao corpo e à mente materiais, que são temporários. Portanto, quem prefere a existência material à consciência de Kṛṣṇa está de fato matando a melhor parte de si, a alma, a qual, em seu estado puro, pode desfrutar sem limitações a consciência de Kṛṣṇa.

Śrīla Śrīdhara Svāmī traduziu a expressão tapo-mayam como “pleno de conhecimento”. A palavra tapas, que em geral indica “austeridade”, deriva do verbo sânscrito tap, cujo sentido se pode resumir como aquilo que indica as várias funções do Sol. Tap quer dizer “queimar, brilhar, esquentar etc.” O Senhor Supremo é eter­namente perfeito, de modo que tapo-mayam neste contexto não indica que Seu corpo transcendental se destina a austeridades, já que as austeridades são práticas que servem para as almas condicionadas se pu­rificarem ou adquirirem um determinado poder. Um ser onipotente e perfeito nem Se purifica nem adquire poder: Ele é eternamente puro e todo­-poderoso. Portanto, Śrīdhara Svāmī, de maneira muito inteligente, compreendeu que neste caso a palavra tapas se refere à função ilu­minante do Sol e, por isso, indica que o corpo autorrefulgente do Senhor é onisciente. A luz é um símbolo comum de conhecimento. A refulgência espiritual do Senhor não provê mera iluminação física, como no caso de uma vela ou lâmpada elétrica; o que é mais impor­tante, o corpo do Senhor ilumina nossa consciência com conheci­mento perfeito, porque a refulgência do Senhor é por si mesma conhecimento perfeito.

Ofereçamos nossas respeitosas reverências aos pés de lótus de Śrīla Śrīdhara Svāmī e agradeçamos-lhe pelos iluminadores comentários a respeito deste verso.

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