VERSO 24
śrī-devaky uvāca
rūpaṁ yat tat prāhur avyaktam ādyaṁ
brahma jyotir nirguṇaṁ nirvikāram
sattā-mātraṁ nirviśeṣaṁ nirīhaṁ
sa tvaṁ sākṣād viṣṇur adhyātma-dīpaḥ
śrī-devakī uvāca — Śrī Devakī disse; rūpam — forma ou substância; yat tat — porque Vós sois a própria substância; prāhuḥ — às vezes sois chamado; avyaktam — imperceptível aos sentidos materiais (ataḥ śrī-kṛṣṇa-nāmādi na bhaved grāhyam indriyaiḥ); ādyam — sois a causa original; brahma — sois conhecido como Brahman; jyotiḥ — luz; nirguṇam — sem qualidades materiais; nirvikāram — sem mudanças, a mesma forma de Viṣṇu perpetuamente; sattā-mātram — a substância original, a causa de tudo; nirviśeṣam — estais presente em toda parte como a Superalma (dentro do coração de um ser humano e dentro do coração de um animal, a mesma substância está presente); nirīham — sem desejos materiais; saḥ — esta Pessoa Suprema; tvam — Vossa Onipotência; sākṣāt — diretamente; viṣṇuḥ — Senhor Viṣṇu; adhyātma-dīpaḥ — a luz de todo o conhecimento transcendental (conhecendo-vos, conhece-se tudo: yasmin vijñāte sarvam evaṁ vijñātaṁ bhavati).
Śrī Devakī disse: Meu querido Senhor, existem diferentes Vedas, alguns dos quais Vos descrevem como imperceptível às palavras e à mente. No entanto, sois a origem de toda a manifestação cósmica. Sois o Brahman, o maior de tudo, pleno de refulgência como o Sol. Não tendes causa material, não sofreis mudanças ou modificações, e não tendes desejos materiais. Em razão disso, os Vedas dizem que sois a substância. Portanto, meu Senhor, sois diretamente a origem de todas as afirmações védicas, e, compreendendo-Vos, todos podem gradualmente passar a compreender tudo. Sois diferente da luz do Brahman e do Paramātmā, mas não sois diferente deles. Tudo emana de Vós. Na verdade, sois a causa de todas as causas, o Senhor Viṣṇu, a luz de todo o conhecimento transcendental.
SIGNIFICADO—Viṣṇu é a origem de tudo, e não há diferença entre o Senhor Viṣṇu e o Senhor Kṛṣṇa porque ambos são viṣṇu-tattva. Através do Ṛg Veda, entendemos que oṁ tad viṣṇoḥ paramaṁ padam: a substância original é o onipenetrante Senhor Viṣṇu, que também é o Paramātmā e o Brahman refulgente. As entidades vivas também são partes integrantes de Viṣṇu, o qual tem várias energias (parāsya śaktir vividhaiva śrūyate svābhāvikī jñāna-bala-kriyā ca). Viṣṇu, ou Kṛṣṇa, portanto, é tudo. Na Bhagavad-gītā (10.8), o Senhor Kṛṣṇa diz que ahaṁ sarvasya prabhavo mattaḥ sarvaṁ pravartate: “Eu sou a fonte de todos os mundos espirituais e materiais. Tudo emana de Mim.” Logo, Kṛṣṇa é a causa da qual tudo se origina (sarva-kāraṇa-kāraṇam). Quando Viṣṇu Se expande em Seu aspecto onipenetrante, deve-se entender que Ele é nirākāra-nirviśeṣa-brahmajyoti.
Embora tudo emane de Kṛṣṇa, Ele, em última análise, é uma pessoa. Aham ādir hi devānām: Ele é a origem de Brahmā, Viṣṇu e Maheśvara, e deles se manifestam muitos outros semideuses. Portanto, na Bhagavad-gītā (14.27), Kṛṣṇa diz que brahmaṇo hi pratiṣṭhāham: “O Brahman repousa em Mim.” O Senhor também diz:
ye ’py anya-devatā-bhaktā
yajante śraddhayānvitāḥ
te ’pi mām eva kaunteya
yajanty avidhi-pūrvakam
“Tudo o que um homem acaso sacrifique a outros deuses, ó filho de Kuntī, na verdade destina-se unicamente a Mim, mas é oferecido sem a compreensão verdadeira.” (Bhagavad-gītā 9.23) Existem muitas pessoas que adoram diferentes semideuses, considerando todos eles como deuses separados, mas eles não o são de fato. A realidade é que todos os semideuses, e todas as entidades vivas, são partes integrantes de Kṛṣṇa (mamaivāṁśo jīva-loke jīva-bhūtaḥ). Os semideuses também estão na categoria de entidades vivas; eles não são deuses independentes. Mas o homem cujo conhecimento é imaturo e contaminado pelos modos da natureza material adora vários semideuses, de acordo com a sua inteligência. Logo, a Bhagavad-gītā os censura (kāmais tais tair hṛta-jñānāḥ prapadyante ’nya-devatāḥ). Porque não têm inteligência e não são muito avançados e não ponderaram adequadamente a verdade, eles prestam adoração a vários semideuses ou especulam de acordo com várias filosofias, tais como a filosofia māyāvāda.
Kṛṣṇa, Viṣṇu, é a verdadeira origem de tudo. Como se afirma nos Vedas, yasya bhāṣā sarvam idaṁ vibhāti. A Verdade Absoluta é subsequentemente descrita no Śrīmad-Bhāgavatam (10.28.15) como satyaṁ jñānam anantam yad brahma-jyotiḥ sanātanam. O brahmajyoti é sanātana, eterno, mas ele depende de Kṛṣṇa (brahmaṇo hi pratiṣṭhāham). A Brahma-saṁhitā afirma que o Senhor é onipenetrante. Aṇḍāntara-stha-paramāṇu-cayāntara-stham: Ele está dentro deste universo, e está dentro do átomo como Paramātmā. Yasya prabhā prabhavato jagad-aṇḍa-koṭi-koṭiṣv aśeṣa-vasudhādi-vibhūti-bhinnam: o Brahman também não é independente dEle. Portanto, tudo o que um filósofo escreve, em última instância, é Kṛṣṇa, ou o Senhor Viṣṇu (sarvaṁ khalv idaṁ brahma, paraṁ brahma paraṁ dhāma pavitraṁ paramaṁ bhavān). De acordo com os diferentes graus de compreensão, o Senhor Viṣṇu é descrito de diferentes maneiras, mas, na verdade, Ele é a origem de tudo.
Como era uma devota imaculada, Devakī pôde entender que o próprio Senhor Viṣṇu aparecera como seu filho. Portanto, após as orações de Vasudeva, Devakī ofereceu suas orações. Ela estava muito amedrontada com as atrocidades de seu irmão. Devakī disse: “Meu querido Senhor, Vossas formas eternas, tais como Nārāyaṇa, Senhor Rāma, Śeṣa, Varāha, Nṛsiṁha, Vāmana, Baladeva e milhões de encarnações semelhantes que emanam de Viṣṇu, são descritas na literatura védica como originais. Sois original porque todas as formas em que encarnais estão fora desta criação material. Vossa forma existia antes de que esta manifestação cósmica fosse criada. Vossas formas são eternas e onipenetrantes. Elas são autorrefulgentes, imutáveis e não contaminadas pelas qualidades materiais. Tais formas eternas são sempre cognoscitivas e plenas de bem-aventurança; elas estão situadas em bondade transcendental e sempre se ocupam em diferentes passatempos. Não Vos limitais apenas a uma forma específica; todas essas formas eternas e transcendentais são autossuficientes. Segundo entendo, sois o Supremo Senhor Viṣṇu.” Podemos concluir, portanto, que o Senhor Viṣṇu é tudo, embora Ele também seja diferente de tudo. Isso é a filosofia acintya-bhedābheda-tattva.