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VERSO 17

dṛtaya iva śvasanty asu-bhṛto yadi te ’nuvidhā
mahad-aham-ādayo ’ṇḍam asṛjan yad-anugrahataḥ
puruṣa-vidho ’nvayo ’tra caramo ’nna-mayādiṣu yaḥ
sad-asataḥ paraṁ tvam atha yad eṣv avaśeṣam ṛtam

dṛtayaḥ — foles; iva — como se; śvasanti — respiram; asu-bhṛtaḥ — vivos; yadi — se; te — Vossos; anuvidhāḥ — fiéis seguidores; mahat — a energia material total; aham — falso ego; ādayaḥ — e os outros elementos da criação; aṇḍam — o ovo universal; asṛjan — produziram; yat — cuja; anugrahataḥ — pela misericórdia; puruṣa — da entidade viva; vidhaḥ — segundo as formas particulares; anvayaḥ — cuja entra­da; atra — entre estas; caramaḥ — o último; anna-maya-ādiṣu — entre as manifestações conhecidas como anna-maya etc.; yaḥ — que; sat­-asataḥ — da matéria grosseira e sutil; param — distinta; tvam — Vós; atha — e além disso; yat — que; eṣu — entre estas; avaśeṣam — subjacente; ṛtam — a realidade.

Apenas quando se tornam Vossos fiéis seguidores é que aqueles que respiram estão de fato vivos; do contrário, sua respiração é como a de um fole. É apenas por Vossa misericórdia que os elementos, a começar do mahat-tattva e falso ego, criaram este universo ovoi­de. Entre as manifestações conhecidas como anna-maya e assim por diante, sois a última delas, que entra nas coberturas mate­riais juntamente com a entidade viva e assume as mesmas formas que esta aceita. Distinto das manifestações materiais grosseiras e sutis, sois a realidade subjacente a todas elas.

SIGNIFICADO—A vida não tem objetivo para quem permanece ignorante de seu benfeitor mais benévolo e, assim, deixa de adorá-lO. A respiração de alguém assim não é melhor do que a respiração de um fole de ferreiro. A dádiva de se ter uma vida humana é uma oportunidade afortunada para a alma condicionada, mas, por afastar-se de seu Senhor, o ser vivo comete suicídio espiritual.

Nas palavras da Śrī Īśopaniṣad (3):

asuryā nāma te lokā
andhena tamasāvṛtāḥ
tāṁs te pretyābhigacchanti
ye ke cātma-hano janāḥ

“O matador da alma, não importa quem seja, tem de entrar nos planetas conhecidos como os mundos dos infiéis, cheios de trevas e ignorância.” Asuryāḥ significa “para ser obtido por demônios”, e demônios são pessoas que não têm devoção pelo Senhor Supremo, Viṣṇu. Essa definição é dada no Agni Purāṇa:

dvau bhūta-sargau loke ’smin
daiva āsura eva ca
viṣṇu-bhakti-paro daiva
āsuras tad-viparyayaḥ

“Há duas espécies de seres criados neste mundo: os divinos e os de­moníacos. Aqueles que se dedicam ao serviço devocional do Senhor Viṣṇu são divinos, e os que se opõem a tal serviço são demoníacos.”

De modo semelhante, a Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad (4.4.15) afirma que na ced avedīn mahatī vinaṣṭiḥ... ye tad vidur amṛtās te bhavanty athetare duḥkham evopayanti: “Se alguém não chega a conhecer o Supremo, ele tem de sofrer completa destruição... Aqueles que compreendem o Supremo tornam-se imortais, mas os demais inevitavel­mente sofrem.” A pessoa deve reviver sua consciência de Kṛṣṇa para se aliviar do sofrimento causado pela ignorância, mas o processo pelo qual se faz isso não precisa ser difícil, como o Senhor Kṛṣṇa nos garante na Bhagavad-gītā (9.34):

man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru
mām evaiṣyasi yuktvaivam
ātmānaṁ mat-parāyaṇaḥ

“Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim, torna-te Meu devoto, oferece-Me reverências e Me adora. Estando absorto por completo em Mim, com certeza virás a Mim.” A despeito de desqualificações e fraquezas, a pessoa precisa apenas voluntariamente tornar-se anu­vidha, servo confiante e digno de confiança do Senhor Supremo. A Kaṭha Upaniṣad (2.2.13) proclama:

nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām
eko bahūnāṁ yo vidadhāti kāmān
taṁ pīṭha-gaṁ ye ’nupaśyanti dhīrās
teṣāṁ śāntiḥ śāśvatī netareṣām

“Entre todos os seres conscientes eternos, existe um que supre as necessidades de todos os outros. As almas sábias que O adoram em Sua morada alcançam paz eterna; as demais não atingem esse fim.”

O que é vivo, e o que é morto? Os corpos e mentes dos não-devo­tos materialistas parecem exibir os sintomas de vida, mas essa aparên­cia é enganadora. De fato, a alma condicionada tem pouco controle sobre sua própria existência corpórea. Contra a vontade, ela tem de excretar dejetos, adoecer de vez em quando e, por fim, envelhecer e morrer. E em sua mente ela, sem querer, experimenta ira, desejo e lamentação. O Senhor Kṛṣṇa descreve essa situação como yantrārūḍhāni māyayā (Bhagavad-gītā 18.61), viajar desamparadamente como um pas­sageiro em um veículo mecânico. A alma sem dúvida é viva, e isso é irrevogável, mas, em sua ignorância, sua vida interior fica coberta e esquecida. Em seu lugar, o autômato da mente e do corpo externos executam os ditames dos modos da natureza, que a forçam a agir de modo totalmente irrelevante para as necessidades dormentes da alma. Invocando os esquecidos prisioneiros da ilusão, a Śvetāśvatara Upaniṣad (2.5) apela:

śṛṇvantu viśve amṛtasya putrā
ā ye dhāmāni divyāni tasthuḥ

“Todos vós filhos da imortalidade, escutai, vós que um dia vivíeis no reino divino!”

Assim, por um lado, o que normalmente se considera como vivo – o corpo material – é de fato uma máquina morta manipulada pelos modos da natureza. E, por outro lado, o que o materialista vê condescendentemente como matéria inerte destinada à exploração está, em sua essência desconhecida, conectada com uma inteligência viva muito mais poderosa do que a sua. A civilização védica reco­nhece que a inteligência por trás da natureza pertence a semideuses que regem os vários elementos e, em última análise, ao próprio Senhor Supremo. A matéria, afinal, não pode agir coerentemente sem o im­pulso e guia de uma força viva. Como Kṛṣṇa afirma na Bhagavad-­gītā (9.10):

mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ
sūyate sa-carācaram
hetunānena kaunteya
jagad viparivartate

“Esta natureza material, que é uma de Minhas energias, funciona sob Minha direção, ó filho de Kuntī, produzindo todos os seres móveis e inertes. Obedecendo-lhe ao comando, esta manifestação é criada e aniquilada repetidas vezes.”

No início da criação, o Senhor Mahā-Viṣṇu olhou para a natureza material adormecida, prakṛti. Assim despertada, a prakṛti sutil começou a evoluir e transformar-se em formas mais concretas: primeiro o mahat, então o falso ego em conjunção com cada um dos três modos de prakṛti, e gradualmente os vários elementos materiais, incluindo a inteligência, a mente, os sentidos e os cinco elementos físicos com os semideuses que os regem. Mesmo depois de torna­rem-se separadamente manifestas, porém, as deidades responsáveis pelos vários elementos não puderam trabalhar juntas para produzir o mundo perceptível até que o Senhor Viṣṇu, por Sua misericórdia especial, interviesse mais uma vez. Isso é descrito no terceiro canto do Śrīmad-Bhāgavatam (3.5.38-39):

ete devāḥ kalā viṣṇoḥ
kāla-māyāṁśa-liṅginaḥ
nānātvāt sva-kriyānīśāḥ
procuḥ prāñjalayo vibhum

devā ūcuḥ
nanāma te deva padāravindaṁ
prapanna-tāpopaśamātapatram
yan-mūla-ketā yatayo ’ñjasoru-
saṁsāra-duḥkhaṁ bahir utkṣipanti

“As deidades controladoras desses elementos físicos são expansões do Senhor Viṣṇu dotadas de poder. Elas são corporificadas pelo tempo eterno sob a influência da energia externa, e são Suas partes integrantes. Por terem sido incumbidas de diferentes funções dos deveres universais e não terem sido capazes de executá-los, elas ofereceram fascinantes orações ao Senhor. Os semideuses disseram: ‘Ó Senhor, Vossos pés de lótus são como um guarda-chuva para as almas rendi­das, que as protege de todos os sofrimentos da existência material. Todos os sábios sob aquele abrigo lançam fora todos os sofrimentos materiais. Por isso, oferecemos nossas respeitosas reverências a Vossos pés de lótus.’”

Ouvindo as orações de todos os semideuses dos elementos, o Senhor Supremo mostrou-lhes, então, Seu favor (Śrīmad-Bhāgavatam 3.6.1-3):

iti tāsāṁ sva-śaktīnāṁ
satīnām asametya saḥ
prasupta-loka-tantrāṇāṁ
niśāmya gatim īśvaraḥ

kāla-saṁjñāṁ tadā devīṁ
bibhrac chaktim urukramaḥ
trayoviṁśati tattvānāṁ
gaṇaṁ yugapad āviśat

so ’nupraviṣṭo bhagavāṁś
ceṣṭā-rūpeṇa taṁ gaṇam
bhinnaṁ saṁyojayām āsa
suptaṁ karma prabodhayan

“Assim, o Senhor ouviu falar da suspensão das funções criadoras progressivas do universo devido à não-combinação de Suas potên­cias, tais como o mahat-tattva. Então, o Supremo e Poderoso Senhor entrou simultaneamente nos vinte e três elementos com a deusa Kālī, Sua energia externa, que sozinha amalgama todos os diferentes ele­mentos. Deste modo, quando a Personalidade de Deus entrou nos elementos através de Sua energia, todas as entidades vivas foram rea­nimadas para executar diferentes atividades, assim como uma pessoa dedica-se a seu trabalho após despertar do sono.”

Em Kṛṣṇa, Śrīla Prabhupāda explica os cinco níveis de ego que cobrem o eu: “Dentro do corpo, há cinco diferentes departamentos de existência, conhecidos como anna-maya, prāṇa-maya, mano-maya, vijñāna-maya e, por fim, ānanda-maya. [Estes são enumerados no Brahmānanda-vallī da Taittirīya Upaniṣad.] No início da vida, toda entidade viva tem consciência da comida. Uma criança ou um ani­mal se satisfaz apenas por conseguir boa comida. Essa fase da consciência, em que a meta é comer suntuosamente, chama-se anna­-maya. Anna quer dizer ‘alimento’. Depois disso, vive-se na consciência de estar vivo. Se a pessoa pode continuar a viver sem ser atacada ou destruída, ela se considera feliz. Essa fase se chama prāṇa-maya, ou consciência da própria existência. Depois dessa fase, quando a pessoa se situa na plataforma mental, essa consciência se chama mano-maya. A civilização material situa-se sobretudo nestas três fases – anna-maya, prāṇa-maya e mano-maya. A primeira preo­cupação das pessoas civilizadas é o desenvolvimento econômico. A próxima é a defesa contra a aniquilação, e a consciência seguinte é a especulação mental, a abordagem filosófica dos valores da vida.”

“Se, pelo processo evolutivo da vida filosófica, acontece de alguém alcançar a plataforma de vida intelectual e compreende que não é o corpo material, mas sim alma espiritual, ele se situa na fase vijñāna-­maya. Então, pela evolução da vida espiritual, ele entende o Senhor Supremo, ou a Alma Suprema. Quando a pessoa desenvolve sua relação com Ele e executa serviço devocional, essa fase da vida se chama consciência de Kṛṣṇa, a fase ānanda-maya. Ānanda-maya é a vida bem-aventurada de conhecimento e eternidade. Como se diz no Vedānta-sūtra, ānanda-mayo ’bhyāsāt. O Brahman Supremo e o Brahman subordinado, ou a Suprema Personalidade de Deus e as entidades vivas, são ambos felizes por natureza. Enquanto as entidades vivas estão situadas nas quatro fases inferiores de vida – anna-­maya, prāṇa-maya, mano-maya e vijñāna-maya –, considera-se que elas se encontram na condição de vida material, mas, logo que alguém alcança a fase de ānanda-maya, torna-se uma alma liberada. A Bhagavad-gītā chama essa fase ānanda-maya de fase brahma-bhūta. Ali, declara-se que não existe ansiedade nem aspirações na fase brahma-bhūta de vida. Essa fase começa quando a pessoa tem a mesma disposi­ção para com todas as entidades vivas, após o que se expande até a fase da consciência de Kṛṣṇa, na qual a pessoa deseja prestar serviço à Suprema Personalidade de Deus. Esse desejo de avançar no serviço devocional não é o mesmo que desejar o gozo dos sentidos na exis­tência material. Em outras palavras, o desejo continua na vida espiri­tual, mas ele se purifica. Quando se purificam, nossos sentidos ficam livres de todas as fases materiais, a saber, anna-maya, prāṇa-maya, mano-maya e vijñāna-maya, e situam-se na fase mais elevada – ānanda-maya, ou a vida bem-aventurada em consciência de Kṛṣṇa.”

“Os filósofos māyāvādīs consideram ānanda-maya como o estado em que se está imerso no Supremo. Para eles, ānanda-maya significa que a Superalma e a alma individual se tornam unas. Mas o fato verdadeiro é que unidade não quer dizer fundir-se no Supremo e perder a própria existência individual. Fundir-se na existência espiritual é a compreensão que a entidade viva tem da unidade qualitativa com o Senhor Supremo em Seus aspectos de eternidade e conhecimen­to. Mas a verdadeira fase ānanda-maya (bem-aventurada) se obtém quando a pessoa se ocupa no serviço devocional. Isso se confirma na Bhagavad-gītā: mad-bhaktiṁ labhate parām. A fase brahma-bhūta ānanda-maya só está completa quando existe intercâmbio de amor entre o Supremo e as entidades vivas subordinadas. A menos que alguém chegue a esta fase ānanda-maya de vida, sua respiração é como o respirar de um fole na oficina do ferreiro, a duração de sua vida é como a da árvore, e ele não é melhor do que animais inferiores, como os camelos, porcos e cães.”

Ao acompanhar a jīva dentro das coberturas de māyā, o Paramātmā não está preso pelo enredamento kármico como a jīva. Em vez disso, a conexão da Alma Suprema com essas coberturas é como a aparente conexão da Lua com alguns galhos de árvore através dos quais ela é vista. A Superalma é sad-asataḥ param, sempre transcendental às manifestações sutis e grosseiras de anna-maya e assim por diante, embora entre no meio delas como a testemunha que sanciona todas as atividades. Como causa final delas, a Superalma é, em certo sen­tido, idêntica aos produtos manifestados da criação, mas, em Sua identidade original (svarūpa), Ele permanece distinto. Neste segundo sentido, Ele é ānanda-maya sozinho, o último dos cinco kośas. Por­tanto, os śrutis dirigem-se a Ele aqui como avaśeṣam, a essência remanescente. Isso também está expresso no verso da Taittirīya Upaniṣad (2.7): raso vai saḥ. Dentro de Sua essência pessoal, o Senhor Supremo desfruta de rasa, a reciprocação das doçuras do serviço devocional, e integral ao jogo das rasas está a participação das jīvas rea­lizadas. Raso vai saḥ rasam hy evāyaṁ labdhvānandī bhavati: “Ele é a personificação de rasa, e a jīva que compreende rasa torna-se completamente extática.” Ou, nas palavras dos Vedas personificados que oram neste verso, a Superalma é ṛtam, que Śrīla Viśvanātha Ca­kravartī aqui interpreta como significando “compreendido por grandes sábios”.

Na opinião de Śrīla Viśvanātha Cakravartī, a última palavra de todas as escrituras autorizadas (sarvāntima-śruti) acha-se no aforis­mo raso vai saḥ, que é demonstravelmente uma referência ao Senhor Śrī Kṛṣṇa como a encarnação do prazer divino que se expande infi­nitamente (sarva-bṛhattamānanda). O Gopāla-tāpanī śruti (Uttara 96) declara, yo ’sau jāgrat-svapna-suṣuptim atītya turyātīto gopālaḥ: “O Senhor Kṛṣṇa, o vaqueiro, transcende não apenas a consciên­cia material de vigília, sonho e sono profundo, mas também o quarto reino da consciência espiritual pura.” A Superalma ānanda-maya é apenas um aspecto do primordial Senhor Govinda, como Ele declarou, viṣṭabhyāham idaṁ kṛtsnam ekāṁśena sthito jagat: “Com um simples fragmento de Mim mesmo, Eu penetro e sustento todo este universo.” (Bhagavad-gītā 10.42)

Os śrutis assim afirmam com muito tato que mesmo entre as várias formas pessoais da Divindade, Kṛṣṇa é o supremo. Compreendendo isso, Nārada Muni mais tarde oferecerá reverências ao Senhor Kṛṣṇa com as palavras namas tasmai bhagavate kṛṣṇāyāmala-kīrtaye (verso 46), muito embora Ele esteja diante do Senhor Nārāyaṇa Ṛṣi.

Śrīla Śrīdhara Svāmī conclui seus comentários sobre este verso com a oração:

nara-vapuḥ pratipādya yadi tvayi
śravaṇa-varṇana-saṁsmaraṇādibhiḥ
nara-hare na bhajanti nṛṇām idaṁ
dṛti-vad ucchvasitaṁ viphalaṁ tataḥ

“Ó Senhor Narahari, pessoas que alcançaram esta forma humana vivem em vão, apenas respirando como foles, caso deixem de Vos adorar através dos processos de ouvir sobre Vós, cantar Vossas gló­rias, lembrar-se de Vós e executar as outras práticas devocionais.”

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