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VERSO 21

duravagamātma-tattva-nigamāya tavātta-tanoś carita-mahāmṛtābdhi-parivarta-pariśramaṇāḥ
na parilaṣanti kecid apavargam apīśvara te caraṇa-saroja-haṁsa-kula-saṅga-visṛṣṭa-gṛhāḥ

duravagama — difícil de compreender; ātma — do eu; tattva — a verdade; nigamāya — a fim de propagar; tava — de Vós; ātta — que assumistes; tanoḥ — Vossas formas pessoais; carita — dos passatempos; mahā — vasto; amṛta — de néctar; abdhi — no oceano; parivarta — mergulhando; pariśramanāḥ — que foram aliviados da fadiga; na parila­ṣanti — não anseiam por; kecit — algumas pessoas; apavargam — liberação; api — mesmo; īśvara — ó Senhor; te — Vossos; caraṇa — aos pés; saroja — lótus; haṁsa — de cisnes; kula — com a comunidade; saṅga — por causa da associação; visṛṣṭa — abandonados; gṛhāḥ — cujos lares.

Meu Senhor, algumas almas afortunadas obtiveram alívio da fadiga da vida material mergulhando no vasto oceano de néctar de Vossos passatempos, que encenais quando manifestais Vossas formas pessoais para propagar a insondável ciência do eu. Essas almas raras, indiferentes até mesmo à liberação, renunciam à felicidade do lar e da família por causa de sua associação com devo­tos que são como bandos de cisnes a se deleitarem próximo ao lótus de Vossos pés.

SIGNIFICADO—Os brāhmaṇas ritualistas (smārtas) e os impersonalistas (māyā­vādīs) sempre tentam relegar o processo de bhakti-yoga a um papel relativo ou menor. Eles dizem que a devoção à Personalidade de Deus é para sentimentalistas que carecem de maturidade para obser­var rituais estritos ou dedicar-se ao rigoroso cultivo de conhecimento.

Neste verso, todavia, os Vedas personificados declaram de modo muito enfático a sobre-excelência do serviço devocional, identifican­do-o claramente com o ātma-tattva, a ciência do eu que os imperso­nalistas alegam com tanto orgulho ser algo do seu domínio pessoal. Śrīla Jīva Gosvāmī aqui define ātma-tattva como o mistério confidencial das formas pessoais, qualidades e passatempos do Senhor Supremo. Ele também apresenta um segundo sentido para a expressão ātta-tanoh. Em vez de significar “que assume vários corpos”, a expressão também pode significar “aquele que atrai a todos para Seu corpo transcendental”.

Os passatempos do Senhor Kṛṣṇa e Suas várias expansões e encarnações são um insondável oceano de desfrute. Quando alguém chega ao ponto de completa exaustão em suas buscas materialistas – quer tenha estado buscando o sucesso material, quer alguma noção impessoal de aniquilação espiritual –, ele pode obter alívio submergindo-se nesse néctar. Como Śrīla Rūpa Gosvāmī explica em seu compêndio sobre a ciência de bhakti-yoga, o Śrī Bhakti-rasāmṛta-sindhu (traduzido por Śrīla Prabhupāda como O Néctar da Devoção), quem saborear ao menos uma gota deste vasto oceano perderá para sempre todo desejo de qualquer outra coisa.

Dando uma interpretação alternativa à palavra pariśramaṇāḥ, Śrīla Viśvanātha Cakravartī comenta que, embora os devotos do Senhor fiquem fatigados após repetidos mergulhos nas infinitas ondas e correntes profundas do oceano dos passatempos de prazer do Senhor, esses devotos jamais desejam qualquer felicidade que não seja o serviço ao Senhor, nem mesmo a felicidade da liberação. Em vez disso, sua própria fadiga converte-se em prazer para eles, assim como a fadiga produzida pelo gozo sexual é prazerosa para os que são afei­tos à atividade sexual. Os devotos puros do Senhor Supremo ficam entusiasmados ao ouvirem as encantadoras narrações de Seus passatempos e se sentem impelidos a dançar, cantar, gritar bem alto, bater os calcanhares, desmaiar, soluçar e correr de um lado para o outro como loucos. Dessa maneira, ficam absortos demais em êxtase para notar qualquer desconforto físico.

Os vaiṣṇavas puros não desejam nem mesmo a liberação; isso para não falar de outras metas desejáveis, como uma elevada posição de regente dos planetas celestiais. Segundo a opinião geral, este grau de dedicação exclusiva é alcançado apenas raramente neste mundo, como os śrutis que falam este verso indicam pela palavra kecit (“alguns poucos”). Não apenas os devotos puros abandonam seu desejo de ganho futuro, mas também perdem toda a atração pelo que já possuem – os confortos comuns do lar e da vida familiar. A associação dos vaiṣṇavas santos – a sucessão discipular de mestres, discípulos e discí­pulos de discípulos – torna-se a verdadeira família para eles, cheia de personalidades semelhantes a cisnes, como Śrī Śukadeva Gosvāmī. Essas grandes personalidades sempre bebem o doce néctar do serviço aos pés de lótus do Senhor Supremo.

Muitos mantras das Upaniṣads e de outros śrutis declaram abertamente que o serviço devocional é superior até mesmo à liberação. Nas palavras da Nṛsiṁha-pūrva-tāpanī Upaniṣad, yaṁ sarve vedā namanti mumukṣavo brahma-vādinaś ca: “A Ele, todos os Vedas, todos os que buscam a liberação e todos os estudantes da Verdade Absoluta oferecem suas reverências.” Comentando este mantra, Śrī Śaṅkarācārya admite que muktā api līlayā vigrahaṁ kṛtvā bhajanti: “Até mesmo almas liberadas sentem prazer em estabelecer a Deidade do Senhor Supremo e adorá-lO.” O grande rival do ācārya Śaṅkara, Śrīla Madhvācārya Ānandatīrtha, cita a esse respeito seus śruti­-mantras favoritos, tais como muktā hy etam upāsate, muktānām api bhaktir hi paramānanda-rūpiṇī: “Mesmo aqueles que estão liberados adoram-nO, e mesmo para eles o serviço devocional é a encarnação da suprema bem-aventurança”, e amṛtasya dhārā bahudhā dohamānaṁ/ caraṇaṁ no loke su-dhitāṁ dadhātu/ oṁ tat sat: “Que Seus pés, que generosamente derramam dilúvios de néctar, concedam sa­bedoria a nós que vivemos neste mundo.”

Em resumo, Śrīla Śrīdhara Svāmī ora:

tvat-kathāmṛta-pāthodhau
viharanto mahā-mudaḥ
kurvanti kṛtinaḥ kecic
catur-vargaṁ tṛṇopamam

“Aquelas raras almas afortunadas que extraem grande prazer de se divertir no oceano de néctar dos assuntos a Vosso respeito conside­ram que as quatro proeminentes metas da vida [religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e liberação] não são mais importantes do que uma folha de relva.”

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