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VERSO 27

tava pari ye caranty akhila-sattva-niketatayā
ta uta padākramanty avigaṇayya śiro nirṛteḥ
parivayase paśūn iva girā vibudhān api tāṁs
tvayi kṛta-sauhṛdāḥ khalu punanti na ye vimukhāḥ

tava — a Vós; pari ye caranti — que adoram; akhila — de todas; sattva — as entidades criadas; niketatayā — como o refúgio; te — eles; uta — simplesmente; padā — com seus pés; ākramanti — pisam; aviga­ṇayya — desprezando; śiraḥ — a cabeça; nirṛteḥ — da morte; parivaya­se — amarrais; paśūn iva — como animais; girā — com Vossas palavras (dos Vedas); vibudhān — sábios; api — mesmo; tān — a eles; tvayi — a quem; kṛta — aqueles que fizeram; sauhṛdāḥ — amizade; khalu — de fato; punanti — purificam; na — não; ye — que; vimukhāḥ — hostis.

Os devotos que Vos adoram como o refúgio de todos os seres desprezam a Morte e pisam sobre sua cabeça. Porém, com as pala­vras dos Vedas, amarrais os não-devotos como animais, embora eles sejam estudiosos de vasta erudição. Só Vossos devotos afetuo­sos é que podem purificar a si e aos outros, e não aqueles que são hostis a Vós.

SIGNIFICADO—Os Vedas personificados rejeitaram agora as filosofias equivoca­das de várias escolas divergentes: o asad-utpatti-vāda dos vaiśeṣikas, que presumem a existência de uma fonte material de criação; o sad­vināśa-vāda dos naiyāyikas, que querem privar de consciência a alma liberada; o saguṇatva-bheda-vāda dos sāṅkhyas, que isolam a alma de todas as suas qualidades aparentes; o vipaṇa-vāda dos mīmāṁsakas, que condenam a alma ao castigo do envolvimento eterno no comércio mundano do karma; e o vivarta-vāda dos māyāvādīs, que difamam a vida real da alma neste mundo como alucinação. Tendo rejeitado todas essas ideias, os Vedas personificados apresentam agora a filosofia do serviço devocional, paricaryā-vāda.

Os vaiṣṇavas que aceitam esta filosofia ensinam que a alma jīva é uma partícula atômica de personalidade espiritual que possui conheci­mento diminuto, não é independente e não tem qualidades materiais. Por ser diminuta, ela é propensa a cair sob o controle da energia material, onde sofre as dores da vida material. Ela pode acabar com esse sofrimento e recuperar o abrigo da divina energia interna do Senhor Supremo somente através da prestação de serviço devocional ao Senhor, e não através do trabalho fruitivo, especulação mental ou algum outro processo.

Como o Senhor Kṛṣṇa diz com Suas próprias palavras:

bhaktyāham ekayā grāhyaḥ
śraddhayātmā priyaḥ satām
bhaktiḥ punāti man-niṣṭhā
śva-pākān api sambhavāt

“Apenas por praticar serviço devocional imaculado com plena fé em Mim pode-se obter a Mim, a Suprema Personalidade de Deus. Sou naturalmente querido por Meus devotos, que Me aceitam como a única meta de seu serviço amoroso. Dedicando-se a tal serviço devo­cional puro, até os comedores de cães podem se purificar da contaminação de seu nascimento inferior.” (Śrīmad-Bhāgavatam 11.14.21)

Os devotos da Personalidade de Deus adoram-nO como o refú­gio (niketa) de tudo o que existe (akhila-sattva). Além disso, esses mesmos devotos vaiṣṇavas podem ser chamados akhila-sattva-niketa no sentido de que sua morada e refúgio é a verdade filosófica da rea­lidade (sattvam) dos mundos material e espiritual. Dessa maneira, Śrīpāda Madhvācārya, em seu Vedānta-sūtra-bhāṣya, cita o śruti­-mantra, satyaṁ hy evedaṁ viśvam asṛjata: “Ele criou este mundo como real.” E o sétimo canto do Śrīmad-Bhāgavatam (7.1.11) refere-­se ao Senhor Supremo como pradhāna-pumbhyāṁ naradeva satya-kṛt: “O criador de um universo real de matéria e entidades vivas.”

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura ressalta ainda outro sentido mais confidencial de akhila-sattva-niketa: que as moradas pessoais do Senhor Supremo de modo algum são khila, ou imperfeitas, daí se chamarem Vaikuṇṭha, os reinos livres de ansiedade e restrição. Os vaiṣṇavas cujo serviço devocional o Senhor bondosamente aceitou são tão seguros de Sua proteção que não temem mais a morte, que se torna para eles apenas mais um passo fácil no caminho de volta a seu lar eterno.

Mas apenas os devotos do Senhor Supremo são qualificados para se livrarem do medo da morte? Por que todos os outros místicos e estudiosos eruditos são desqualificados? Aqui, os śrutis respondem: “Qualquer um que seja vimukha, que não voltou seu rosto para o Senhor com a forte expectativa de receber Sua misericórdia, está preso na ilusão pelas mesmas palavras dos Vedas que iluminam os devotos rendi­dos.” Os próprios Vedas advertem que tasya vāk-tantir nāmāni dāmāni; tasyedaṁ vācā tantyā nāmabhir dāmabhiḥ sarvaṁ sitam: “Os fios deste som transcendental formam um cordão de nomes sagrados, mas também um conjunto de cordas enleantes. Com a corda de seus preceitos, os Vedas atam o mundo inteiro, deixando todos os seres agrilhoados por falsas designações.”

A realidade da alma e da Superalma é aparokṣa, perceptível, mas apenas para alguém com visão transcendental. Os filósofos cujos cora­ções são impuros presumem erradamente que essa verdade é, em vez disso, parokṣa, sobre a qual apenas se pode especular, mas nunca ter uma experiência direta. O conhecimento de tais pensadores pode ajudá-los a dissipar certas dúvidas e falsos conceitos sobre os aspectos inferio­res da realidade, mas é inútil quando se trata de transcender a ilusão material e aproximar-Se da Verdade Absoluta. Como regra geral, apenas os devotos que fielmente prestam serviço amoroso ao Senhor Supre­mo até o ponto de purificação completa recebem Sua graça sob a forma de aparokṣa-jñāna, percepção direta de Sua grandeza e maravilhosa compaixão. A Personalidade de Deus, sem dúvida, é livre para conceder Sua misericórdia até a quem não merece, como o faz quando mata pessoalmente demônios ofensivos, mas Ele está muito menos inclinado a abençoar māyāvādīs e outros filósofos ateístas.

Não se deve pensar, porém, que os devotos de Viṣṇu são ignoran­tes porque talvez não sejam versados em análise e argumentação filo­sóficas. A realização perfeita da alma deve ser obtida não através de seus próprios esforços de especulação mental, mas através do favor do Senhor. Ouvimos isso da autoridade védica (Kaṭha Upaniṣad 2.2.23 e Muṇḍaka Upaniṣad 3.2.3):

nāyam ātmā pravacanena labhyo
na medhayā na bahunā śrutena
yam evaiṣa vṛṇute tena labhyas
tasyaiṣa ātmā vivṛṇute tanūṁ svām

“Não se pode alcançar este Eu Supremo pela argumentação, nem pelo uso do poder independente do cérebro, nem pelo estudo de muitas escrituras. Na verdade, apenas pode alcançar o Eu aquele a quem o Eu escolhe favorecer. A essa pessoa, o Eu revela Sua verdadeira forma pessoal.”

Em outra parte, o śruti descreve o sucesso do devoto, dehānte devaḥ paraṁ brahma tārakaṁ vyacaṣṭe: “No final da vida deste corpo, a alma santificada percebe o Senhor Supremo tão claramente quanto alguém vê as estrelas no céu.” E em sua última afirmação, a Śvetāś­vatara Upaniṣad (6.23) oferece esse incentivo aos aspirantes a vaiṣṇavas:

yasya deve parā bhaktir
yathā deve tathā gurau
tasyaite kathitā hy arthāḥ
prakāśante mahātmanaḥ

“Àquelas grandes almas que têm fé inabalável tanto no Senhor quanto no mestre espiritual, todo o conteúdo do conhecimento védico é-lhes automaticamente revelado.”

A esse respeito, Śrīla Jīva Gosvāmī cita outros versos da Śrī Śve­tāśvatara Upaniṣad (4.7-8 e 4.13):

juṣṭaṁ yadā paśyaty anyam īśam
asya mahimānam iti vīta-śokaḥ
ṛco ’kṣare pare vyoman
yasmin devā adhi viśve niṣeduḥ
yas taṁ veda kim ṛcā kariṣyati
ya it tad vidus ta ime samāsate

“O Senhor Supremo é aquele a quem se referem os mantras do Ṛg Veda, que reside no mais elevado céu eterno e que eleva Seus devo­tos santos a essa mesma posição. Quem desenvolve amor puro por Ele e compreende Seu status inigualável, aprecia então Suas glórias e livra-se do pesar. Que outro bem os mantras do Ṛg podem conce­der a quem conhece aquele Senhor Supremo? Todos os que chegam a conhecê-lO alcançam o destino supremo.”

yo vedānām adhipo
yasmiḻ lokā adhiśrītāḥ
ya īśo ’sya dvipadaś catuṣpadas
tasmai devāya haviṣā vidhema

“A Ele que é o mestre de todos os Vedas, em quem repousam todos os planetas, que é o Senhor de todas as criaturas conhecidas, tanto bípedes como quadrúpedes – a Ele, a Personalidade de Deus, oferecemos nossa adoração com oblações de ghī.”

Referindo-se àqueles que desejam a liberação, Śrīla Śrīdhara Svāmī ora:

tapantu tāpaiḥ prapatantu parvatād
aṭantu tīrthāni paṭhantu cāgamān
yajantu yāgair vivadantu vādair
hariṁ vina naiva mṛtiṁ taranti

“Que eles se sujeitem a austeridades, atirem-se do alto das monta­nhas, viajem aos lugares sagrados, estudem as escrituras, executem adoração com sacrifícios de fogo e discutam várias filosofias – mas, sem o Senhor Hari, eles jamais atravessarão a morte.”

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