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VERSO 36

sata idaṁ utthitaṁ sad iti cen nanu tarka-hataṁ
vyabhicarati kva ca kva ca mṛṣā na tathobhaya-yuk
vyavahṛtaye vikalpa iṣito ’ndha-paramparayā
bhramayati bhāratī ta uru-vṛttibhir uktha-jaḍān

sataḥ — daquilo que é permanente; idam — este (universo); utthitam — surgido; sat — permanente; iti — assim; cet — se (alguém propõe); nanu — decerto; tarka — por contradição lógica; hatam — refutado; vya­bhicarati — é inconsistente; kva ca — em alguns casos; kva ca — em outros casos; mṛṣā — ilusão; na — não; tathā — assim; ubhaya — de ambos (o real e a ilusão); yuk — a conjunção; vyavahṛtaye — por causa dos assuntos comuns; vikalpaḥ — uma situação imaginária; iṣitaḥ — desejada; andha — de homens cegos; paramparayā — por uma suces­são; bhramayati — confunde; bhāratī — as palavras de sabedoria; te — Vossas; uru — numerosas; vṛttibhiḥ — com suas funções semânticas; uktha — por frases usadas em rituais; jaḍān — embrutecidos.

Pode-se propor que este mundo é permanentemente real porque é gerado a partir da realidade permanente, mas tal argumento está sujeito à refutação lógica. Algumas vezes, de fato, a não-diferença aparente de uma causa e seu efeito deixa de se confirmar, e outras vezes o produto de algo real é ilusório. Além disso, este mundo não pode ser permanentemente real, pois ele partilha das natu­rezas não somente da realidade absoluta, mas também da ilusão que encobre aquela realidade. Na verdade, as formas visíveis deste mundo são apenas um arranjo imaginário ao qual recorre uma sucessão de pessoas ignorantes a fim de facilitar seus assuntos ma­teriais. Com seus vários sentidos e implicações, as palavras eru­ditas dos Vedas confundem todas as pessoas cujas mentes foram embrutecidas por ouvirem os encantamentos dos rituais sacrificatórios.

SIGNIFICADO—Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, as Upaniṣads ensinam que este mundo criado é real, mas temporário. É esse entendimento que os devotos do Senhor Viṣṇu abraçam. Mas há também filósofos materialistas, como os proponentes do karma-mīmāṁsā, de Jaimini Ṛṣi, que alegam que este mundo é a única realidade e que existe eternamente. Para Jaimini, o ciclo de ações e reações kármicas é perpétuo, sem possibilidade alguma de liberação e de consecução de um reino diferente, transcendental. Mostra-se a falácia desse ponto de vista, porém, mediante o exame cuidadoso dos mantras das Upani­ṣads, que contêm muitas descrições de uma existência espiritual superior. Por exemplo, sad eva saumyedam agra āsīd ekam evādvitīyam: “Meu caro menino, apenas a Verdade Absoluta, única e incompa­rável existia antes desta criação.” (Chāndogya Upaniṣad 6.2.1) Também vijñānam ānandaṁ brahma: “A realidade suprema é conhecimento divino e bem-aventurança.” (Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad 3.9.34)

Nesta oração dos Vedas personificados, resume-se o argumento dos materialistas com as palavras sata idam utthitaṁ sat: “O mundo visível é permanentemente real porque é gerado a partir da realidade perma­nente.” Em geral, segundo o que estabelece este argumento, aquilo que é produzido de algum elemento é composto daquele elemento. Por exemplo, brincos e outros adornos feitos de ouro partilham da substância do ouro. Assim, concluem os lógicos do pensamento mīmāṁsā que, visto que o mundo como o conhecemos é uma manifestação de uma reali­dade eterna, ele também é eternamente real. Mas a expressão ablativa sânscrita sataḥ, “da realidade eterna”, indica uma separação categórica de causa e efeito. Portanto, aquilo que é criado de sat, a realidade permanente, deve ser significativamente diferente dela – em outras palavras, temporário. Dessa maneira, o argumento dos ma­terialistas é falho porque prova exatamente o contrário daquilo que pretende provar (tarka-hatam), isto é, que o mundo tal como o conhecemos é tudo o que existe, que é eterno e que não há realidade transcendental separada.

Em defesa, os mīmāsakas podem alegar que eles não estão tentando provar a não-diferença per se, mas sim tentando refutar a pos­sibilidade da diferença, ou, em outras palavras, a possibilidade de alguma realidade separada do mundo conhecido. Essa tentativa de apoiar o argumento mīmāṁsā é facilmente refutada pela frase vyabhicarati kva ca: quer dizer, há exemplos contrários que se desviam da regra geral. Às vezes, de fato, a fonte é muito diferente do que ela produz, como no caso de um homem e seu jovem filho, ou de um martelo e a destruição de um pote de barro.

Os mīmāṁsakas responderiam: A criação do universo não é da mesma espécie de causalidade dos vossos exemplos contrários: o pai e o martelo são apenas causas eficientes, ao passo que sat é também a causa cons­tituinte deste universo. Essa resposta é antecipada pelas palavras kva ca mṛṣā (“e algumas vezes o efeito é ilusório”). No caso da percepção falsa de uma cobra onde há uma corda no chão, a corda é a causa constituinte da ilusão de se perceber uma cobra, que difere em muitos aspectos da cobra imaginada, mais obviamente no fato de ela ser real.

Os mīmāṁsakas mais uma vez retrucariam: Mas a causa constituinte da cobra ilusória não é apenas a cobra por si mesma; é a corda mais a ignorância (avidyā) do observador. Como avidyā não é uma substância, a cobra que ela produz é chamada de ilusão. Mas o mesmo é ver­dadeiro, respondem os Vedas personificados, no caso da criação do universo a partir de sat em conjunção com a ignorância (tathobhaya-­yuk); aqui o elemento irreal de ilusão, māyā, é o conceito errado de que os seres vivos têm de que seus corpos e outras formas materiais mu­táveis são permanentes.

Os mīmāṁsakas respondem: Mas nossa experiência deste mundo é válida porque as coisas que experimentamos são úteis para a ativida­de prática. Se nossa experiência não fosse válida, jamais poderíamos ter certeza de que nossas percepções correspondiam aos fatos. Seríamos como um homem que, apesar de exame exaustivo, ainda teria de suspeitar que uma corda pudesse ser uma cobra. Não, aqui respondem os śrutis, as configurações temporárias da matéria são, não obstante, uma imitação ilusória da eterna realidade espiritual, habilmente inventadas para satisfazer o desejo que as entidades vivas condicionadas têm de atividade material (vyavahṛtaye vikalpa iṣitaḥ). A ilusão de este mundo ser permanente é sustentada por uma sucessão de cegos que aprendem a ideia materialista de seus predecessores e transmitem essa ilusão a seus descendentes. Qualquer um pode ver que uma ilusão muitas vezes continua pelo impulso de impressões mentais remanescentes, mesmo quando sua base não está mais pre­sente. Assim, através de toda a história, filósofos cegos têm desenca­minhado outros cegos convencendo-os da ideia absurda de que eles podem alcançar a perfeição por ocuparem-se em rituais mundanos. Pes­soas tolas podem estar dispostas a trocar moedas falsas entre si, mas um homem prudente sabe que esse dinheiro é inútil para a atividade prática de comprar comida, remédio e outras necessidades. E se for dado como caridade, o dinheiro falso não gerará crédito piedoso.

Os mīmāṁsakas retrucam: Como o realizador sincero dos rituais védicos pode ser um tolo iludido, já que as Saṁhitās e os Brāhmaṇas das escrituras védicas estabelecem que os frutos do karma são eter­nos? Por exemplo, akṣayyaṁ ha vai cāturmāsya-yājinaḥ su-kṛtaṁ bhavati: “Para quem observa os votos de Cāturmāsya, resulta um bom karma inesgotável”, e apāma somam amṛta babhūma: “Bebe­mos o soma e nos tornamos imortais.” (Ṛg Veda 8.43.3)

Os śrutis respondem ressaltando que as palavras eruditas da Personalidade de Deus, que formam os Vedas, confundem aqueles cuja fraca inteligência foi esmagada pelo peso da fé excessiva no karma. A palavra específica aqui utilizada é uru-vṛttibhiḥ, que indica que os mantras védicos, com sua confusa variedade de sentidos nos modos semânticos de gauṇa, lakṣaṇā etc., guardam seus mistérios sublimes de todos menos daqueles que têm fé no Senhor Viṣṇu. Os Vedas, em verdade, não querem dizer em seus preceitos que os frutos do karma são eternos, mas apenas indiretamente descrevem em metáfo­ras o quão louváveis são os sacrifícios regulados. A Chāndogya Upaniṣad declara em termos inequívocos que os resultados do karma ritualís­tico são impermanentes, tad yatheha karma-cito lokaḥ kṣīyate evam evāmutra puṇya-cito lokaḥ kṣīyate: “Assim como qualquer benefício que a pessoa trabalha arduamente para obter neste mundo acaba se esgotando, da mesma forma, qualquer vida que ela ganhar para si no outro mundo por meio de sua piedade também acabará no final.” (Chāndogya Upaniṣad 8.1.16) Conforme o testemunho de muitos śruti­-mantras, o universo material inteiro não passa de uma emanação temporária da Verdade Suprema; a Muṇḍaka Upaniṣad, por exemplo, diz:

yathorṇa-nābhiḥ sṛjate gṛhṇate ca
yathā pṛthivyām oṣadhayaḥ sambhavanti
yathā sataḥ puruṣāt keśa-lomāni
tathākṣarāt sambhavatīha viśvam

“Assim como a teia é produzida e recolhida pela aranha, assim como as plantas crescem da terra, e assim como os pelos crescem da ca­beça e do corpo de uma pessoa viva, analogamente este universo é gerado a partir do inesgotável Supremo.” (Muṇḍaka Upaniṣad 1.1.7)

Śrīla Śrīdhara Svāmī ora:

udbhūtaṁ bhavataḥ sato ’pi bhuvanaṁ san naiva sarpaḥ srajaḥ
kurvat kāryaṁ apīha kūta-kanakaṁ vedo ’pi naivaṁ paraḥ
advaitaṁ tava sat paraṁ tu paramānandaṁ padaṁ tan mudā
vande sundaram indirānuta hare mā muñca mām ānatam

“Embora tenha surgido de Vós, que sois a própria substância da realidade, este mundo não é eternamente real. A cobra ilusória que surge da impressão causada por uma corda não é uma realidade permanen­te, nem o são as transformações produzidas do ouro. Os Vedas nunca dizem que elas são. A realidade não-dual, transcendental e verdadeira é Vosso sumamente bem-aventurado reino pessoal. A essa bela morada, ofereço minhas reverências. Ó Senhor Hari, a quem a deusa Indirā sempre se prostra, eu também me prostro diante de Vós. Por­tanto, por favor, jamais me deixeis.”

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