VERSO 40
tvad avagamī na vetti bhavad-uttha-śubhāśubhayor
guṇa-viguṇānvayāṁs tarhi deha-bhṛtāṁ ca giraḥ
anu-yugam anv-ahaṁ sa-guṇa gīta-paramparayā
śravaṇa-bhṛto yatas tvam apavarga-gatir manu-jaiḥ
tvat — a Vós; avagamī — quem compreende; na vetti — não presta atenção; bhavat — de Vós; uttha — que surgem; śubha-aśubhayoḥ — da auspiciosidade e inauspiciosidade; guṇa-viguṇa — do bem e do mal; anvayān — às atribuições; tarhi — consequentemente; deha-bhṛtām — de seres vivos corporificados; ca — também; giraḥ — as palavras; anu-yugam — em cada era; anu-aham — cada dia; sa-guṇa — ó Vós que sois dotado de qualidades; gīta — de recitação; paramparayā — pela cadeia de sucessão; śravaṇa — através da audição; bhṛtaḥ — levado; yataḥ — por causa disso; tvam — Vós; apavarga — da liberação; gatiḥ — a meta final; manujaiḥ — por seres humanos, descendentes de Manu.
Quando alguém Vos compreende, ele não se preocupa mais com sua boa ou má fortuna decorrente de atos passados piedosos ou pecaminosos, já que sois Vós apenas que controlais essa boa ou má fortuna. Semelhante devoto realizado também desconsidera o que os seres vivos comuns dizem sobre ele. Todos os dias, ele enche os ouvidos com Vossas glórias, que são recitadas em cada era pela sucessão ininterrupta dos descendentes de Manu, e assim tornais-Vos para ele a salvação última.
SIGNIFICADO—O verso 39 deixa bem claro que os renunciantes impersonalistas continuarão a sofrer nascimento após nascimento. Pode-se perguntar se tal sofrimento é justificado, pois a posição de renunciante deveria eximi-lo do sofrimento, quer ele tenha uma atitude devocional, quer não. Como declara o śruti-mantra, eṣa nityo mahimā brāhmaṇasya na karmaṇā vardhate no kanīyān: “A glória perpétua de um brāhmaṇa nunca aumenta nem diminui como resultado de qualquer de suas atividades.” (Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad 4.4.28) Para refutar semelhante objeção, os Vedas personificados oferecem esta oração.
Jñānīs e yogīs impersonalistas não estão qualificados para obter o alívio completo das reações do karma – um privilégio reservado apenas àqueles que são tvad-avagamī, devotos puros ocupados constantemente em ouvir e cantar assuntos relativos à Personalidade de Deus. Os devotos seguram com firmeza os pés de lótus do Senhor Supremo mediante sua inabalável consciência de Kṛṣṇa e, por isso, não precisam aderir à risca às ordens e proibições dos Vedas. Eles podem ignorar sem temor as reações aparentemente boas ou más do trabalho que executam apenas para o prazer do Senhor Supremo e podem igualmente ignorar qualquer coisa que os outros talvez digam sobre eles, seja louvor, seja censura. Um humilde vaiṣṇava absorto no prazer do saṅkīrtana, glorificação do Senhor, presta pouca atenção ao elogio feito a ele, o qual julga um engano, e aceita de bom grado toda crítica, a qual considera apropriada.
Recebe-se o canto autorizado das glórias do Senhor Supremo quando se ouve com fé “os filhos de Manu”, a sucessão discipular dos vaiṣṇavas santos que vem através das eras até os dias de hoje. Esses sábios seguem bem o exemplo de Svāyambhuva Manu, o ancestral da humanidade:
ayāta-yāmās tasyāsan
yāmāḥ svāntara-yāpanāḥ
śṛṇvato dhyāyato viṣṇoḥ
kurvato bruvataḥ kathāḥ
“Embora a duração da vida de Svāyambhuva gradualmente chegasse ao fim, sua longa vida, que abrangia uma era manvantara, não foi gasta em vão, uma vez que ele sempre se dedicou a ouvir, contemplar, anotar e cantar os passatempos do Senhor.” (Śrīmad-Bhāgavatam 3.22.35)
Mesmo que um devoto neófito caia dos padrões do comportamento adequado devido à força de seus maus hábitos passados, o Senhor todo-misericordioso não o rejeitará. Como declara o Senhor Śrī Kṛṣṇa:
tair ahaṁ pūjanīyo vai
bhadrakṛṣṇa-nivāsibhiḥ
tad-dharma-gati-hīnā ye
tasyāṁ mayi parāyaṇāḥ
kalinā grasitā ye vai
tesāṁ tasyām avasthitiḥ
yathā tvaṁ saha putraiś ca
yathā rudro gaṇaiḥ saha
yathā śrīyābhiyukto ’haṁ
tathā bhakto mama priyaḥ
“Para aqueles que moram em Bhadrakṛṣṇa [o distrito de Mathurā], Eu sou o objeto de toda a adoração. Mesmo que deixem de cultivar de modo correto os princípios religiosos que se devem observar na terra santa, os residentes daquele lugar ainda se tornam devotados a Mim apenas em virtude de morar lá. Ainda que Kali [a presente era de desavenças] os mantenha em seu domínio, eles obtêm crédito por morar nesse lugar. Meu devoto que vive em Mathurā é tão querido como tu [Brahmā] e teus filhos – Rudra e seus seguidores – e a Deusa Śrī e Eu mesmo.”
Śrīla Śrīdhara Svāmī ora:
avagamaṁ tava me diśa mādhava
sphurati yan na sukhāsukha-saṅgamaḥ
śravaṇa-varṇana-bhāvam athāpi vā
na hi bhavāmi yathā vidhi-kiṅkaraḥ
“Ó Mādhava, por favor, deixai-me compreender-Vos para que eu não mais experimente o enredamento do prazer e da dor materiais. Ou então, por favor, concedei-me gosto por ouvir e cantar sobre Vós. Desse modo, já não serei um escravo dos preceitos ritualísticos.”