VERSO 6
sa cintayan dvy-akṣaram ekadāmbhasy
upāśṛṇod dvir-gaditaṁ vaco vibhuḥ
sparśeṣu yat ṣoḍaśam ekaviṁśaṁ
niṣkiñcanānāṁ nṛpa yad dhanaṁ viduḥ
saḥ — ele; cintayan — enquanto pensava assim; dvi — duas; akṣaram — sílabas; ekadā — certa vez; ambhasi — na água; upāśṛṇot — ouviu nas redondezas; dviḥ — duas vezes; gaditam — pronunciadas; vacaḥ — palavras; vibhuḥ — o grande; sparśeṣu — nas letras sparśa; yat — que; ṣoḍaśam — a décima sexta; ekaviṁśam — e a vigésima primeira; niṣkiñcanānām — da ordem de vida renunciada; nṛpa — ó rei; yat — que é; dhanam — riqueza; viduḥ — como ela é conhecida.
Enquanto estava na água, ocupando-se com esse pensamento, duas vezes Brahmājī ouviu nas proximidades uma palavra de duas sílabas. Uma das sílabas foi tirada da décima sexta, e a outra, da vigésima primeira letra dos alfabetos sparśa, e ambas se juntaram para se tornarem a riqueza da ordem da vida renunciada.
SIGNIFICADO—Na língua sânscrita, as consoantes do alfabeto pertencem a dois grupos, a saber, os sparśa-varṇas e os tālavya-varṇas. De ka até ma, as letras são conhecidas como sparśa-varṇas, e a décima sexta do grupo chama-se ta, ao passo que a vigésima primeira letra chama-se pa. Então, quando elas se juntam, constrói-se a palavra tapa, ou penitência. Essa penitência é a beleza e a riqueza dos brāhmaṇas e da ordem de vida renunciada. Segundo a filosofia bhāgavata, todo ser humano se destina a esse tapa e a nenhuma outra ocupação, visto que é apenas pela penitência que ele pode perceber o seu eu; e a autorrealização, e não o gozo dos sentidos, é a ocupação da vida humana. Esse tapa, ou penitência, começou desde o início da criação, e foi primeiramente adotado pelo mestre espiritual supremo, o senhor Brahmā. Somente através da tapasya é que alguém pode tirar proveito da vida humana, e não vivendo numa civilização animal polida. Tudo o que o animal conhece é o gozo dos sentidos, isto é, comer, beber, divertir-se e desfrutar. Porém, o ser humano existe para se submeter a tapasya a fim de voltar ao Supremo, voltar ao lar.
Quando procurava descobrir como construir as manifestações materiais no universo e mergulhou na água para encontrar o meio e a fonte de seu assento de lótus, o senhor Brahmā ouviu a palavra tapa ser vibrada duas vezes. Aceitar o caminho de tapa é o segundo nascimento do aspirante a discípulo. A palavra upāśṛṇot é muito significativa. É semelhante a upanayana, ou colocar o discípulo mais perto do mestre espiritual para que ele trilhe o caminho de tapa. Então, Brahmājī foi iniciado pelo Senhor Kṛṣṇa dessa maneira, e, em seu livro, a Brahma-saṁhitā, o próprio Brahmājī corrobora esse fato. Na Brahma-saṁhitā, o senhor Brahmā canta em cada verso govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi. Assim, Brahmā foi iniciado pelo mantra de Kṛṣṇa, pelo próprio Senhor Kṛṣṇa, tornando-se, assim, um vaiṣṇava, ou devoto do Senhor, antes que fosse capaz de construir o imenso universo. Afirma-se na Brahma-saṁhitā que o senhor Brahmā foi iniciado no mantra de Kṛṣṇa que possui dezoito letras, o qual, em geral, é aceito por todos os devotos do Senhor Kṛṣṇa. Seguimos o mesmo princípio porque pertencemos ao sampradāya de Brahmā, diretamente na corrente discipular de Brahmā a Nārada, de Nārada a Vyāsa, de Vyāsa a Madhva Muni, de Madhva Muni a Mādhavendra Purī, de Mādhavendra Purī a Īśvara Purī, de Īśvara Purī ao Senhor Caitanya e, gradualmente, até chegar a Sua Divina Graça Bhaktisiddhānta Sarasvatī, nosso divino mestre.
Quem recebe essa iniciação na sucessão discipular é capaz de conseguir o mesmo resultado ou poder de criação. Cantar esse mantra sagrado é o único refúgio do abnegado devoto puro do Senhor. Com esse simples tapasya, ou penitência, o devoto do Senhor consegue todas as perfeições, tal qual o senhor Brahmā.