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VERSO 23

sattvaṁ viśuddhaṁ vasudeva-śabditaṁ
yad īyate tatra pumān apāvṛtaḥ
sattve ca tasmin bhagavān vāsudevo
hy adhokṣajo me namasā vidhīyate

sattvam — consciência; viśuddham — pura; vasudeva — Vāsudeva; śabditam — conhecida como; yat — porque; īyate — é revelada; tatra — ali; pumān — a Pessoa Suprema; apāvṛtaḥ — sem cobertura alguma; sattve — em consciência; ca — e; tasmin — nesta; bhagavān — a Supre­ma Personalidade de Deus; vāsudevaḥ — Vāsudeva; hi — porque; adhokṣajaḥ — transcendental; me — por mim; namasā — com reverências; vidhīyate — adorado.

Estou sempre ocupado em oferecer reverências ao Senhor Vāsudeva em pura consciência de Kṛṣṇa. A consciência de Kṛṣṇa é sempre consciência pura, na qual a Suprema Personalidade de Deus, conhe­cida como Vāsudeva, revela-Se sem cobertura alguma.

SIGNIFICADO—A entidade viva é constitucionalmente pura. Asaṅgo hy ayaṁ puruṣaḥ. Na literatura védica, declara-se que a alma é sempre pura e não contaminada pelo apego material. A identificação do corpo com a alma deve-se à má compreensão. Entende-se que quem é plena­mente consciente de Kṛṣṇa está em sua posição constitucional origi­nal e pura. Esta condição de existência se chama śuddha-sattva, denotando o estado transcendental às qualidades materiais. Uma vez que essa existência śuddha-sattva está sob a ação direta da potência interna, nesse estado as atividades da consciência material param. Por exemplo, quando o ferro é posto no fogo, ele fica quente, e quando fica em brasa, embora seja ferro, age como fogo. Analoga­mente, quando o cobre é sobrecarregado com eletricidade, sua ação como cobre descontinua; ele passa a agir como eletricidade. A Bhagavad-­gītā (14.26) também confirma que qualquer pessoa que se ocupe em serviço devocional puro ao Senhor é imediatamente elevada à posi­ção de Brahman puro:

māṁ ca yo ’vyabhicāreṇa
bhakti-yogena sevate
sa guṇān samatītyaitān
brahma-bhūyāya kalpate

Portanto, śuddha-sattva, como se descreve neste verso, é a posição transcendental, tecnicamente denominada vasudeva. Vasudeva é também o nome da pessoa de quem Kṛṣṇa aparece. Este verso explica que o estado puro se chama vasudeva porque, nesse estado, Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus, revela-Se sem cobertura alguma. Para executar serviço devocional puro, portanto, devem-se seguir as regras e regulações do serviço devocional sem desejo de obter lucro material mediante atividades fruitivas ou especulação mental.

No serviço devocional puro, simplesmente servimos à Suprema Personalidade de Deus por questão de dever, sem razão e sem sermos impedidos por condições materiais. Chama-se isso de śuddha-sattva, ou vasudeva, porque, nessa fase, a Pessoa Suprema, Kṛṣṇa, revela-Se no coração do devoto. Śrīla Jīva Gosvāmī descreve de maneira maravilhosa esse vasudeva, ou śuddha-sattva, em seu Bhagavat-sandarbha. Ele explica que se acrescenta aṣṭottara-śata (108) ao nome do mestre espiritual para indicar que ele está situado em śuddha-sattva, ou no estado transcendental de vasudeva. A palavra vasudeva também é usada para outros propósitos. Por exemplo, vasudeva também significa alguém que está em toda parte, ou que é onipenetrante. O sol também se chama vasudeva-śabditam. Pode-se utilizar a palavra vasudeva para diferentes propósitos, mas qualquer que seja o propó­sito adotado, Vāsudeva significa a Suprema Personalidade de Deus, onipenetrante ou localizada. Na Bhagavad-gītā (7.19), também se afirma: vāsudevaḥ sarvam iti. Compreensão verdadeira é compre­ender Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus, e render-se a Ele. Vasudeva é o campo onde Se revela Vāsudeva, a Suprema Per­sonalidade de Deus. Quando alguém se livra da contaminação da natureza material e se situa em consciência de Kṛṣṇa pura, ou no estado vasudeva, Vāsudeva, a Pessoa Suprema, revela-Se. Esse estado também se chama kaivalya, que quer dizer “consciência pura”. Jñānaṁ sāttvikaṁ kaivalyam: “Quem se situa em conhecimento transcendental puro se situa em kaivalya.” Portanto, vasudeva tam­bém significa kaivalya, uma palavra que é geralmente usada pelos impersonalistas. O kaivalya impessoal não é a última fase de com­preensão, mas, no kaivalya consciente de Kṛṣṇa, ao compreendermos a Suprema Personalidade de Deus, então logramos o sucesso. Nesse estado puro, ouvindo, cantando, lembrando-se etc., devido ao desen­volvimento do conhecimento da ciência de Kṛṣṇa, pode-se entender a Suprema Personalidade de Deus. Todas essas atividades estão sob a orientação da energia interna do Senhor Supremo.

A ação da potência interna também é descrita neste verso como apāvṛtaḥ, livre de qualquer cobertura. Visto que a Suprema Personalidade de Deus, Seu nome, Sua forma, Sua qualidade, Sua parafernália etc., sendo transcendentais, estão além da natureza material, não é possível entender nenhum desses aspectos com os sentidos materialistas. Quando os sentidos se purificam pelo desempenho do serviço devocional puro (hṛṣīkeṇa hṛṣīkeśa-sevanaṁ bhaktir ucyate), os sentidos puros podem ver Kṛṣṇa sem coberturas. Então, alguém poderá perguntar, uma vez que de fato o devoto tem o mesmo corpo material existencial, como é possível que os mesmos olhos materialistas se purifiquem através do serviço devocional? O exem­plo, como afirma o Senhor Caitanya, é que o serviço devocional limpa o espelho da mente. Em um espelho limpo, podemos ver nosso rosto bem nitidamente. Do mesmo modo, simplesmente limpando o espelho da mente, pode-se ter uma concepção clara da Suprema Personalidade de Deus. Afirma-se na Bhagavad-gītā (8.8): abhyāsa-­yoga-yuktena. Executando nossos deveres prescritos em serviço devocional, cetasā nānya-gāminā, ou simplesmente ouvindo sobre Deus e cantando sobre Ele, se nossa mente estiver sempre ocupada em cantar e ouvir e não tiver permissão de ir a qualquer outra parte, poderemos compreender a Suprema Personalidade de Deus. Como confirma o Senhor Caitanya, através do processo de bhakti-yoga, começando com ouvir e cantar, podemos purificar o coração e a mente, e assim poderemos ver claramente o rosto da Suprema Personalidade de Deus.

O senhor Śiva disse que, uma vez que seu coração estava sempre tomado pela concepção de Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus, devido à presença do Senhor Supremo dentro de sua mente e de seu coração, ele sempre oferecia reverências a essa Divindade Suprema. Em outras palavras, o senhor Śiva está sempre em transe, samādhi. Esse samādhi não está sob o controle do devoto – está sob o controle de Vāsudeva, pois toda a energia interna da Suprema Personalidade de Deus age sob Sua ordem. Evidentemente, a energia material também age sob Sua ordem, mas Sua vontade direta é especificamente satisfeita através da energia espiritual. Assim, mediante Sua energia espiritual, Ele Se revela. Afirma-se na Bhagavad­-gītā (4.6) que sambhavāmy ātma-māyayā. Ātma-māyayā significa “potên­cia interna”. Por Sua doce vontade, Ele Se revela através de Sua potência interna, estando satisfeito com o transcendental serviço amoroso do devoto. O devoto nunca ordena: “Meu querido Senhor, por favor, vem até mim para que eu possa ver-Te.” Não é a posição do devoto mandar que a Suprema Personalidade de Deus apareça ante ele ou dance para ele. Há muitos supostos devotos que mandam o Senhor aparecer dançando para eles. O Senhor, contudo, não está sujeito à ordem de ninguém. Porém, ficando satisfeito com as atividades devocionais puras de alguém, Ele Se revela. Portanto, uma palavra significativa neste verso é adhokṣaja, pois ela indica que as atividades de nossos sentidos materiais não conseguirão perceber a Suprema Personalidade de Deus. Ninguém pode compreender a Suprema Personalidade de Deus simplesmente com as tentativas de sua mente especulativa, mas, se desejar, poderá subjugar todas as atividades materiais de seus sentidos, e o Senhor, manifestando Sua energia espiritual, poderá revelar-Se ao devoto puro. Quando a Suprema Personalidade de Deus Se revela ao devoto puro, o devoto não tem outro dever além de oferecer-Lhe respeitosas reverências. A Verdade Absoluta revela-Se ao devoto com Sua forma. Ela não é amorfa. Vāsudeva não é amorfo, pois se afirma neste verso que, assim que o Senhor Se revela ao devoto, este Lhe oferece suas reve­rências. Oferecem-se reverências a uma pessoa, e não a algo impessoal. Não se deve aceitar a interpretação māyāvāda de que Vāsudeva é impessoal. Como se afirma na Bhagavad-gītā, prapadyate, a pessoa se rende. Rendemo-nos a uma pessoa, e não à não-dualidade impes­soal. Sempre que se trata de rendição ou reverências, tem que haver um objeto de rendição ou reverências.

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