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VERSO 29

maitreya uvāca
mātuḥ sapatnyā vāg-bāṇair
hṛdi viddhas tu tān smaran
naicchan mukti-pater muktiṁ
tasmāt tāpam upeyivān

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya respondeu; mātuḥ — de sua mãe; sa-patnyāḥ — da co-esposa; vāk-bāaiḥ — pelas flechas das palavras ásperas; hṛdi — no coração; viddhaḥ — trespassado; tu — então; tān — todas elas; smaran — lembrando-se; na — não; aicchat — desejou; mukti-pateḥ — do Senhor, cujos pés de lótus concedem a liberação; muktim — salvação; tasmāt — portanto; tāpam — pesar; upeyivān — ele sofreu.

Maitreya respondeu: O coração de Dhruva Mahārāja, que fora trespassado pelas flechas das palavras ásperas de sua madrasta, estava muito pesaroso, e assim, quando ele se fixou na meta de sua vida, não se esqueceu do mau comportamento dela. Ele não pediu verdadeira liberação deste mundo material, porém, no final de seu serviço devocional, quando a Suprema Personalidade de Deus apareceu diante dele, Dhruva só fez envergonhar-se das necessidades materiais que tinha em sua mente.

SIGNIFICADO—Este importante verso tem sido discutido por muitos comentadores destacados. Por que Dhruva Mahārāja não estava muito satisfeito mesmo após ter obtido a meta de vida que desejava? O devoto puro está sempre livre de qualquer espécie de desejo material. No mundo material, os desejos materiais são todos os mais demoníacos: alguém pensa que outrem é seu inimigo, outro pensa em vingar-se de seus inimigos, outro aspira a tornar-se o líder mais elevado ou a pessoa mais importante neste mundo material, e assim um compete com todos os demais. Descreve-se isso na Bhagavad-gītā, décimo sexto capítulo, como asúrico. O devoto puro não pede nada ao Senhor. Seu único interesse é servir ao Senhor, sincera e seriamente, e ele não se preocupa nem um pouco com o que acontecerá no futuro. No Mukunda-mālā-stotra, o rei Kulaśekhara, autor do livro, afirma em sua oração: “Meu querido Senhor, não quero nenhuma posição de gozo dos sentidos neste mundo material. Desejo apenas ocupar-me em Teu serviço perpetuamente.” De modo semelhante, o Senhor Caitanya, em Seu Śikṣāṣṭaka, também orou: “Meu Senhor, não quero nenhuma quantidade de riqueza material, não quero nenhum número de seguidores materialistas, tampouco desejo alguma esposa atrativa para desfrutar com ela. Tudo o que desejo é poder ocupar-me, vida após vida, a Teu serviço.” Nem mesmo mukti, ou a liberação, o Senhor Caitanya pediu em Sua oração.

Neste verso, Maitreya respondeu a Vidura que Dhruva Mahārāja, influenciado por uma atitude vingativa contra a madrasta que o insultara, não pensou em mukti, nem sabia o que era mukti. Portanto, ele deixou de determinar mukti como sua meta de vida. Mas o devoto puro também não deseja a liberação. Ele é uma alma inteiramente rendida ao Senhor Supremo e não pede nada ao Senhor. Dhruva Mahārāja compreendeu essa posição quando viu a Suprema Personalidade de Deus pessoalmente presente diante dele por ele ter-se elevado à plataforma vasudeva. A plataforma vasudeva refere-se à fase na qual a contaminação material brilha apenas por sua ausência, ou, em outras palavras, onde não há possibilidade de agirem os modos da natureza material – bondade, paixão e ignorância – e, portanto, pode-se ver a Suprema Personalidade de Deus. Como na plataforma vasudeva pode-se ver Deus face a face, o Senhor também é chamado de Vāsudeva.

Dhruva Mahārāja exigiu uma posição tão elevada como jamais fora desfrutada nem mesmo pelo senhor Brahmā, seu bisavô. Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, é tão afetuoso e bondoso com Seu devoto, especialmente com um devoto como Dhruva Mahārāja (o qual foi à floresta prestar serviço devocional ao Senhor, sozinho, com apenas cinco anos de idade) que, embora a motivação possa ser impura, o Senhor não considera a motivação: Ele está interessado no serviço. Porém, se um devoto tem uma motivação em particular, o Senhor direta ou indiretamente sabe disso, de modo que não deixa que os desejos materiais do devoto fiquem insatisfeitos. Essas são algumas das graças especiais que o Senhor concede ao devoto.

Dhruva Mahārāja recebeu Dhruvaloka, um planeta que jamais fora habitado por nenhuma alma condicionada. O próprio Brahmā, embora seja a criatura mais elevada deste universo, não tinha permissão de entrar em Dhruvaloka. Sempre que há uma crise dentro deste universo, os semideuses vão ter com a Suprema Personalidade de Deus Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu, e permanecem na praia do Oceano de Leite. Assim, a realização do pedido de Dhruva Mahārāja – uma posição mais elevada inclusive do que a de seu bisavô, Brahmā – foi-lhe concedida.

Neste verso, descreve-se o Senhor como mukti-pati, que significa “uma pessoa sob cujos pés de lótus existem todas as classes de mukti”. Há cinco espécies de muktisāyujya, sārūpya, sālokya, sāmīpya e sārṣṭi. Desses cinco muktis, que podem ser obtidos por qualquer pessoa ocupada em serviço devocional ao Senhor, aquela conhecida como sāyujya geralmente é pedida pelos filósofos māyāvādīs; eles querem tornar-se unos com a refulgência Brahman impessoal do Senhor. Na opinião de muitos eruditos, esse sāyujya-mukti, embora incluído entre as cinco espécies de mukti, não é realmente mukti, visto que, de sāyujya-mukti, pode-se cair novamente neste mundo material. Essa informação obtemos a partir do Śrīmad-Bhāgavatam (10.2.32), onde se diz que patanty adhaḥ: “Eles caem novamente.” O filósofo monista, após executar rigorosas austeridades, funde-se na refulgência impessoal do Senhor, mas a entidade viva sempre deseja correspondência em intercâmbios amorosos. Portanto, embora o filósofo monista seja elevado ao estado de se tornar uno com a refulgência do Senhor, ele novamente cai neste mundo material por não existirem aí facilidades para associar-se com o Senhor e prestar-Lhe serviço, e então ele satisfaz sua propensão a servir através de atividades beneficentes materialistas, tais como humanitarismo, altruísmo e filantropia. Há muitos casos de semelhantes quedas, inclusive de grandes sannyāsīs da escola māyāvāda.

Portanto, os filósofos vaiṣṇavas não aceitam que sāyujya-mukti se enquadre na categoria de mukti. Segundo eles, mukti significa transferir-se da posição de servir a māyā para a posição de serviço amoroso ao Senhor. O Senhor Caitanya também diz a esse respeito que a posição constitucional da entidade viva é prestar serviço ao Senhor. Isso é verdadeira mukti. Alguém que esteja situado em sua posição original, tendo abandonado todas as posições artificiais, é chamado de mukta, ou liberado. Na Bhagavad-gītā, confirma-se isto: qualquer pessoa que se dedique a prestar transcendental serviço amoroso ao Senhor é considerada mukta, ou brahma-bhūta. A Bhagavad-gītā diz que se considera um devoto como situado na plataforma brahma-bhūta quando ele não tem mais contaminação material. No Padma Purāṇa, confirma-se isto também: mukti significa ocupar-se a serviço do Senhor.

O grande sábio Maitreya explicou que, a princípio, Dhruva Mahārāja não desejava ocupar-se em serviço ao Senhor, senão que desejava uma posição elevada, melhor do que a de seu bisavô. Isso, mais ou menos, é servir, não ao Senhor, mas aos sentidos. Mesmo que alguém obtenha a posição de Brahmā, a posição mais elevada neste mundo material, ele é uma alma condicionada. Śrīla Prabodhānanda Sarasvatī diz que quem se eleva ao verdadeiro serviço devocional puro considera inclusive grandes semideuses como Brahmā e Indra em nível de igualdade com um inseto insignificante. A razão disso é que, assim como o inseto insignificante deseja gozo dos sentidos, uma grande personalidade como o senhor Brahmā também quer dominar esta natureza material.

Gozo dos sentidos significa domínio sobre a natureza material. Toda a competição entre as almas condicionadas baseia-se no domínio desta natureza material. Os cientistas modernos orgulham-se de seu conhecimento por estarem descobrindo novos métodos de dominar as leis da natureza material. Eles acham que isso é avanço de civilização humana – quanto mais podem dominar as leis materiais, mais avançados acham que são. A princípio, assim era a propensão de Dhruva Mahārāja. Ele queria dominar este mundo material numa posição superior à do senhor Brahmā. Portanto, em outra passagem, descreve-se que, após o aparecimento do Senhor, ao refletir e comparar sua determinação com a recompensa final, Dhruva Mahārāja compreendeu que havia desejado cacos de vidro, mas, ao invés disso, recebera muitos diamantes. Logo que viu a Suprema Personalidade de Deus face a face, ele imediatamente conscientizou-se da pouca importância do que pedira ao Senhor, ou seja, ter uma posição mais elevada do que a do senhor Brahmā.

Ao situar-se na plataforma vasudeva por ter visto o Senhor face a face, Dhruva Mahārāja purificou-se de toda a contaminação material. Assim, ele envergonhou-se do que eram suas exigências e do que obtivera mesmo assim. Ele estava muito envergonhado de pensar que, embora tivesse ido a Madhuvana, abandonando o reino de seu pai, e tivesse obtido um mestre espiritual como Nārada Muni, ainda assim pensava em vingar-se de sua madrasta e queria ocupar um posto elevado dentro deste mundo material. Essas eram as causas de sua tristeza mesmo após receber do Senhor todas as bênçãos desejadas.

Quando Dhruva Mahārāja viu de fato a Suprema Personalidade de Deus, já estava fora de cogitação a atitude vingativa que ele assumira contra sua madrasta ou qualquer aspiração a assenhorear-se do mundo material. Porém, a Suprema Personalidade de Deus é tão bondosa que sabia que Dhruva Mahārāja queria essas coisas. Falando perante Dhruva Mahārāja, Ele usou a palavra vedāham porque, quando Dhruva Mahārāja pedira benefícios materiais, o Senhor estava presente dentro de seu coração e, deste modo, sabia de tudo. O Senhor sempre sabe de tudo que um homem está pensando. Na Bhagavad-gītā, confirma-se isto também: vedāhaṁ samatītāni.

O Senhor satisfez todos os desejos de Dhruva Mahārāja. Sua atitude vingativa contra sua madrasta e seu meio-irmão foi satisfeita, seu desejo de uma posição mais elevada que a de seu bisavô também foi satisfeito e, ao mesmo tempo, foi determinada a sua posição eterna em Dhruvaloka. Embora a conquista por parte de Dhruva Mahārāja de um planeta eterno não fosse concebida por ele, Kṛṣṇa pensou: “O que fará Dhruva com uma posição elevada dentro deste mundo material?” Por isso, Ele deu a Dhruva a oportunidade de governar este mundo material por trinta e seis mil anos com sentidos incorruptíveis e a possibilidade de executar inúmeros grandes sacrifícios, tornando-se, assim, o mais famoso rei neste mundo material. E, após acabar com todo este gozo material, Dhruva seria promovido ao mundo espiritual, que inclui Dhruvaloka.

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