VERSO 4
yat tad viśuddhānubhava-mātram ekaṁ
sva-tejasā dhvasta-guṇa-vyavastham
pratyak praśāntaṁ sudhiyopalambhanaṁ
hy anāma-rūpaṁ nirahaṁ prapadye
yat — a qual; tat — a essa verdade suprema; viśuddha — transcendentalmente pura, sem contaminação com a natureza material; anubhava — experiência; mātram — esse transcendental corpo sac-cidānanda; ekam — o único; sva-tejasā — através de Sua própria potência espiritual; dhvasta — subjugada; guṇa-vyavastham — a influência dos modos da natureza material; pratyak — transcendental, invisível aos olhos materiais; praśāntam — não perturbado por agitações materiais; sudhiyā — mediante a consciência de Kṛṣṇa, ou consciência purificada, incontaminada por desejos materiais, atividades fruitivas ou filosofia especulativa; upalambhanam — que pode ser alcançado; hi — na verdade; anāma-rūpam — sem nome ou forma materiais; niraham — sem ego material; prapadye — ofereço minhas respeitosas reverências.
O Senhor, cuja forma pura [sac-cid-ānanda-vigraha] não se contamina com os modos da natureza material, pode ser percebido por alguém cuja consciência seja pura. No Vedānta, Ele é descrito como inigualável. Devido à Sua potência espiritual, Ele não é tocado pela contaminação da natureza material e, como não está sujeito à visão material, é tido como transcendental. Ele não exerce atividades materiais, tampouco traz forma ou nome materiais. Apenas em consciência pura, consciência de Kṛṣṇa, é que alguém pode perceber a forma transcendental do Senhor. Fixemo-nos firmemente aos pés de lótus do Senhor Rāmacandra, e ofereçamos nossas respeitosas reverências a esses transcendentais pés de lótus.
SIGNIFICADO—Como afirma a Brahma-saṁhitā (5.39), Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, aparece em várias expansões:
rāmādi-mūrtiṣu kalā-niyamena tiṣṭhan
nānāvatāram akarod bhuvaneṣu kintu
kṛṣṇaḥ svayaṁ samabhavat paramaḥ pumān yo
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi
“Adoro Govinda, a Suprema Personalidade de Deus, que está sempre situado em várias encarnações, tais como Rāma, Nṛsiṁha, e também em muitas sub-encarnações, mas que é a original Personalidade de Deus, conhecido como Kṛṣṇa, e que também encarna pessoalmente.” Kṛṣṇa, que é viṣṇu-tattva, expande-Se em muitas formas de Viṣṇu, uma das quais é o Senhor Rāmacandra. Sabemos que o viṣṇu-tattva é carregado pelo pássaro transcendental Garuḍa e que, nas quatro mãos, está munido de várias espécies de armas. Portanto, já que é transportado por Hanumān, e não por Garuḍa, e não tem quatro braços bem como não porta o śaṅkha, o cakra, o gadā e o padma, poderíamos questionar se o Senhor Rāmacandra estaria nessa mesma categoria. Consequentemente, este verso esclarece que Rāmacandra está no mesmo nível de Kṛṣṇa (rāmādi-mūrtiṣu kalā). Embora Kṛṣṇa seja a original Suprema Personalidade de Deus, Rāmacandra não é diferente dEle. Rāmacandra não é afetado pelos modos da natureza material, daí Ele ser praśānta, alguém nunca perturbado por esses modos.
Só pode apreciar o valor transcendental do Senhor Rāmacandra quem transborda de amor pela Suprema Personalidade de Deus; a ninguém é facultado vê-lO com olhos materiais. Porque não têm visão espiritual, demônios como Rāvaṇa consideram o Senhor Rāmacandra um rei kṣatriya comum. Rāvaṇa, portanto, tentou raptar Sītādevī, a consorte eterna do Senhor Rāmacandra. Na verdade, contudo, Rāvaṇa não pôde levar Sītādevī em sua forma original. Logo que foi tocada pelas mãos de Rāvaṇa, ela lhe entregou uma forma material, e preservou, além do alcance da visão dele, a sua forma original. Portanto, neste verso, a expressão pratyak praśāntam especifica que o Senhor Rāmacandra e Sua potência, a deusa Sītā, mantêm-se afastados da influência da energia material.
Nas Upaniṣads, afirma-se: yam evaiṣa vṛṇute tena labhyaḥ. (Kaṭha Upaniṣad 1.2.23) O Senhor Supremo, Paramātmā, a Personalidade de Deus, só pode ser visto ou percebido por pessoas imersas em serviço devocional. Como se afirma na Brahma-saṁhitā (5.38):
premāñjana-cchurita-bhakti-vilocanena
santaḥ sadaiva hṛdayeṣu vilokayanti
yaṁ śyāmasundaram acintya-guṇa-svarūpaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi
“Adoro Govinda, o Senhor primordial, a quem contemplam sempre os devotos cujos olhos estão untados com o bálsamo do amor. Ele é visto sob Sua forma eterna de Śyāmasundara, situado no coração do devoto.” Igualmente, na Chāndogya Upaniṣad, afirma-se: etās tisro devatā anena jīvena. Neste verso da Chāndogya Upaniṣad, utiliza-se a palavra anena com o propósito de definir ātmā e Paramātmā como duas entidades distintas. As palavras tisro devatā indicam que o corpo da entidade viva é feito de três elementos materiais – fogo, terra e água. Embora entre no coração do jīvātmā, que sofre a influência e designação do corpo material, o Paramātmā nada tem a ver com o corpo do jīvātmā. Porque não tem ligações materiais, o Paramātmā é descrito aqui como anāma-rūpaṁ niraham. Ao contrário do que ocorre com o jīvātmā, o Paramātmā não tem identidade material. Talvez o jīvātmā se apresente como um indivíduo indiano, americano, alemão e assim por diante, mas, ao Paramātmā, não se aplicam essas designações materiais, de modo que Ele não tem nome material. O jīvātmā é diferente de seu nome, mas o mesmo não se aplica a Paramātmā; Ele e Seu nome são a mesma coisa. Esse é o significado de niraham, que quer dizer “sem designações materiais”. Não podemos distorcer essa palavra e tentar empregá-la na acepção de que o Paramātmā não tem ahaṅkāra, ou seja, ego ou identidade. Ele tem Sua identidade transcendental como o Supremo. Essa explicação é dada por Śrīla Jīva Gosvāmī. De acordo com outra interpretação, dada por Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, niraham significa nirniścayena aham. Niraham não significa que o Senhor Supremo não tem identidade. Ao contrário, a ênfase da palavra aham é prova cabal de que Ele tem Sua identidade pessoal, visto que niraham significa não apenas “negativo”, mas também “forte comprovação”.