VERSO 9
jyotir-ādir ivābhāti
saṅghātān na vivicyate
vidanty ātmānam ātma-sthaṁ
mathitvā kavayo ’ntataḥ
jyotiḥ — fogo; ādiḥ — e outros elementos; iva — assim como; ābhāti — aparecem; saṅghātāt — dos corpos dos semideuses e de outros; na — não; vivicyate — se distinguem; vidanti — percebem; ātmānam — a Superalma; ātma-stham — situada no coração; mathitvā — discernindo; kavayaḥ — pensadores habilidosos; antataḥ — internamente.
A onipenetrante Personalidade de Deus existe dentro do corações de todos os seres vivos, e um pensador habilidoso pode, em maior ou menor intensidade, perceber essa Sua presença. Assim como alguém pode depreender a quantidade de fogo na madeira, a quantidade de água em um cântaro ou a quantidade de ar em um pote, ele pode também entender se uma entidade viva é um demônio ou um semideus através das atividades devocionais dessa entidade viva. Ao ver as ações de determinada pessoa, um homem inteligente pode entender até que ponto ela é favorecida pelo Senhor Supremo.
SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (10.41), o Senhor diz:
yad yad vibhūtimat sattvaṁ
śrīmad ūrjitam eva vā
tat tad evāvagaccha tvaṁ
mama tejo-’ṁśa-sambhavam
“Fica sabendo que todas as criações opulentas, belas e gloriosas emanam de uma mera centelha do Meu esplendor.” Vemos na prática que uma pessoa é capaz de fazer coisas muito maravilhosas, ao passo que outra não consegue fazer as mesmas coisas e talvez não consiga fazer nem mesmo as coisas que exigem apenas um pouco de bom senso. Portanto, pode-se saber até que ponto um devoto é favorecido pela Suprema Personalidade de Deus examinando as atividades que o devoto realiza. Na Bhagavad-gītā (10.10), o Senhor também diz:
teṣāṁ satata-yuktānāṁ
bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
yena mām upayānti te
“Àqueles que estão constantemente devotados e que Me adoram com amor, Eu dou a compreensão mediante a qual eles podem vir a Mim.” Isso é muito prático. O professor instrui o aluno à medida que este se torna capaz de receber mais e mais instruções. Caso contrário, apesar de ser instruído pelo professor, o aluno não pode avançar em sua compreensão. Isso nada tem a ver com parcialidade. Quando Kṛṣṇa diz teṣāṁ satata-yuktānāṁ bhajatāṁ prīti-pūrvakam/ dadāmi buddhi-yogaṁ tam, isso indica que Kṛṣṇa está disposto a conferir bhakti-yoga a todos, mas a pessoa deve preparar-se para recebê-la. Esse é o segredo. Assim, quando alguém apresenta maravilhosas atividades devocionais, um homem circunspecto compreende que Kṛṣṇa mostrou-Se mais favorável a esse devoto.
Isso não é difícil de entender, mas pessoas invejosas não aceitam que Kṛṣṇa tenha concedido Seu favor a um determinado devoto, de acordo com sua avançada posição. Semelhantes tolos se tornam invejosos e tentam minimizar as atividades avançadas do devoto. Isso não é vaiṣṇavismo. O vaiṣṇava deve apreciar o serviço que os outros vaiṣṇavas prestam ao Senhor. Portanto, o Śrīmad-Bhāgavatam descreve que o vaiṣṇava é nirmatsara. Os vaiṣṇavas jamais invejam outros vaiṣṇavas ou alguma outra pessoa, daí serem chamados de nirmatsarāṇāṁ satām.
Como nos informa a Bhagavad-gītā, pode-se entender como alguém está imbuído de sattva-guṇa, rajo-guṇa ou tamo-guṇa. Nos exemplos dados neste verso, o fogo representa o modo da bondade. Pode entender o quanto de madeira, petróleo ou outras substâncias inflamáveis existem em um recipiente quem analisa o fogo daí produzido. Do mesmo modo, a água representa rajo-guṇa, o modo da paixão. Tanto um pequeno odre quanto o vasto Oceano Atlântico contêm água, e, observando a quantidade de água em um recipiente, a pessoa pode entender o tamanho do recipiente. O ar representa o modo da ignorância. O ar está presente em um pequeno pote de barro e, também, no espaço exterior. Assim, através de um julgamento adequado, e tomando como base a predominância de sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa, pode-se ver quem é devatā, ou semideus, e quem é asura, Yakṣa ou Rākṣasa. Não se pode julgar se alguém é devatā, asura ou Rākṣāsa simplesmente o vendo, mas um homem sensato pode chegar a uma conclusão através da avaliação das atividades que essa pessoa executa. No Padma-Purāṇa, apresenta-se uma descrição geral: viṣṇu-bhaktaḥ smṛto daiva āsuras tad-viparyayaḥ. O devoto do Senhor Viṣṇu é um semideus, ao passo que um asura ou Yakṣa é exatamente o oposto. Um asura não é devoto do Senhor Viṣṇu; ao contrário, em troca de gozo dos seus sentidos, ele se torna devoto dos semideuses, bhūtas, pretas e assim por diante. Assim, de acordo com a maneira pela qual as atividades são executadas, pode-se julgar quem é devatā, Rākṣasa ou asura.
A palavra ātmānam encontrada neste verso significa paramātmānam. O Paramātmā, ou a Superalma, está no âmago do coração de todos (antataḥ). Confirma isso a Bhagavad-gītā (18.61): īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati. O īśvara, a Suprema Personalidade de Deus, estando situado no coração de todos, dá orientações a todos em grau proporcional às suas capacidades de receber as instruções. As instruções da Bhagavad-gītā estão abertas a todos, mas algumas pessoas as entendem apropriadamente, enquanto outras as compreendem tão inapropriadamente que não podem nem mesmo acreditar na existência de Kṛṣṇa, embora leiam o livro de Kṛṣṇa. Mesmo que a Gītā diga śrī-bhagavān uvāca, indicando que Kṛṣṇa falou, elas não podem entender Kṛṣṇa. Isso se deve ao seu infortúnio ou incapacidade, os quais são causados por rajo-guṇa e tamo-guṇa, os modos da paixão e da ignorância. É devido a esses modos que elas não podem nem mesmo entender Kṛṣṇa, ao passo que um devoto avançado como Arjuna O compreende e O glorifica, dizendo que paraṁ brahma paraṁ dhāma pavitraṁ paramaṁ bhavān: “Sois o Brahman Supremo, a morada suprema e o purificador supremo.” Kṛṣṇa está ao alcance de todos, mas é preciso que se tenha capacidade para compreendê-lO.
Através dos aspectos externos, ninguém pode entender quem é favorecido por Kṛṣṇa e quem não o é. De acordo com a atitude de alguém, Kṛṣṇa torna-Se seu conselheiro direto, ou Kṛṣṇa torna-Se um desconhecido para ele. Isso não é parcialidade da parte de Kṛṣṇa; é Sua resposta proporcional ao esforço empreendido por alguém que queira habilitar-se a compreendê-lO. De acordo com a receptividade de alguém – seja ele um devatā, asura, Yakṣa ou Rākṣasa –, a qualidade de Kṛṣṇa se manifesta proporcionalmente. Os homens menos inteligentes têm o falso conceito de que esta demonstração proporcional de poder por parte de Kṛṣṇa é parcialidade de Kṛṣṇa, mas a verdade não é essa. Kṛṣṇa é igual com todos, e, de acordo com a nossa capacidade de receber o favor de Kṛṣṇa, avançamos em consciência de Kṛṣṇa. A esse respeito, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura fornece um exemplo prático. No céu, existem muitos luzeiros. À noite, mesmo na escuridão, a Lua brilha com intensidade e pode ser percebida diretamente. O Sol também possui um brilho intenso. Entretanto, quando estão cobertos pelas nuvens, esses luzeiros não são visíveis distintamente. Do mesmo modo, quanto mais alguém avança em sattva-guṇa, mais seu brilho se manifesta através do serviço devocional; contudo, quanto mais a pessoa é coberta por rajo-guṇa e tamo-guṇa, menos visível é seu brilho, pois ela fica encoberta por essas qualidades. A visibilidade das qualidades de alguém não decorre da parcialidade da Suprema Personalidade de Deus; deve-se às diferentes proporções de encobrimento a que a pessoa está submetida. Assim, cada um pode entender até que ponto avançou em termos de sattva-guṇa ou quanto está encoberto por rajo-guṇa e tamo-guṇa.