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Capítulo Doze

O Devoto

A pessoa em consciência de Kṛṣṇa, plenamente devotada ao transcendental serviço amoroso ao Senhor, desenvolve todas as qualidades piedosas dos semideuses. Há muitas qualidades divinas, mas o Senhor Caitanya descreve apenas algumas delas a Sanātana Gosvāmī.

O devoto do Senhor é sempre bondoso com todos, e não provoca brigas. Seu interesse está na essência da vida, que é espiritual. Ele é igual com todos, e ninguém pode encontrar defeitos nele. Sua mente magnânima está sempre fresca, limpa e desprovida de obsessões materiais. Ele é um benfeitor de todas as entidades vivas, é pacífico e sempre rendido a Kṛṣṇa. Não tem desejos materiais. É muito humilde e fixo em seu propósito. Ele é vitorioso sobre as seis qualidades materiais, tais como a luxúria e ira, e não come mais do que necessita. É sempre sensato, é respeitoso com os outros, mas não exige respeito para si mesmo. É grave, misericordioso, amigável, poético, competente e silencioso.

No Śrīmad-Bhāgavatam (3.25.21), também há uma descrição do devoto do Senhor, na qual se diz que ele é sempre tolerante e misericordioso. Ele é amigo de todas as entidades vivas e não tem nem um inimigo. É pacífico e possui todas as boas qualidades. Essas são apenas algumas das qualidades de quem é consciente de Kṛṣṇa.

Também se diz no Śrīmad-Bhāgavatam que, se a pessoa obtém uma oportunidade de servir uma grande alma – um mahātmā –, o seu caminho para a liberação está aberto. Todavia, aqueles que são apegados a pessoas materialistas estão no caminho da escuridão. Aqueles que são realmente santos são transcendentais, calmos, pacíficos, amigáveis para todas as entidades vivas e não sujeitos à ira. Pelo simples fato de se associar com tais homens santos a pessoa pode tornar-se um devoto consciente de Kṛṣṇa. Na realidade, para se desenvolver amor por Deus, a associação com devotos santos é compulsória. O caminho do avanço na vida espiritual abre-se para qualquer um que entre em contato com um homem santo. Quem segue o caminho trilhado pelo devoto, com certeza desenvolverá consciência de Kṛṣṇa e serviço devocional pleno.

No Śrīmad-Bhāgavatam (11.2.28), Vasudeva, o pai de Kṛṣṇa, perguntou a Nārada Muni sobre o bem-estar de todas as entidades vivas, e, como resposta, Nārada Muni citou uma passagem da conversa transcorrida entre Mahārāja Nimi e os nove sábios: “Ó santos eruditos!”, disse o rei Nimi, “estou justamente tentando encontrar o caminho conducente ao bem-estar para todas as entidades vivas. Um momento de associação com um homem santo é o que há de mais valioso na vida, pois este momento abre o caminho do avanço na vida espiritual”. Isto também é confirmado em outra parte do Śrīmad-Bhāgavatam (3.25.25). Através da associação com pessoas santas e da discussão sobre assuntos transcendentais, a pessoa se convence do valor da vida espiritual. Muito breve, ouvir sobre Kṛṣṇa se torna agradável aos ouvidos e satisfaz o coração. Depois de receber tais mensagens espirituais de pessoas santas ou devotos puros, se alguém tentar aplicá-las em sua própria vida, o caminho da consciência de Kṛṣṇa naturalmente se desenvolverá em fé, apego e serviço devocional.

O Senhor informou então a Sanātana Gosvāmī sobre o comportamento de um devoto. A esse respeito, o ponto principal é que uma pessoa deve manter-se afastada da companhia ímpia. Esta é a essência do comportamento de um devoto. E o que é companhia ímpia? É a associação com quem é muito apegado a mulheres e com quem não é um devoto do Senhor Kṛṣṇa. Estas são pessoas ímpias. Aconselha-se que a pessoa se associe com devotos santos do Senhor e evite cuidadosamente a companhia dos ímpios não-devotos. Aqueles que são devotos puros de Kṛṣṇa são muito cuidadosos em manter-se longe das duas classes de não-devotos. No Śrīmad-Bhāgavatam (3.31.33-35), declara-se que a pessoa deve abandonar toda associação com aqueles que servem de marionete nas mãos de mulheres, pois, associando-se com tais pessoas ímpias fica-se despojado de todas as boas qualidades, tais como veracidade, limpeza, misericórdia, gravidade, inteligência, timidez, beleza, fama, perdão, controle da mente e dos sentidos e todas as opulências que são automaticamente obtidas por um devoto. Um homem nunca se degrada tanto como quando se associa a pessoas muito apegadas a mulheres.

Em relação a isso, o Senhor Caitanya também cita um verso da Kātyāyana-saṁhitā: “Seria melhor tolerar as misérias de ser trancado numa jaula em chamas do que associar-se com aqueles que não são devotos do Senhor”. Também se aconselha que a pessoa nem mesmo olhe para o rosto daqueles que são irreligiosos ou desprovidos de devoção pelo Senhor Supremo. O Senhor Caitanya recomenda que se deve escrupulosamente renunciar à associação de pessoas indesejáveis e abrigar-se completamente no Supremo Senhor Kṛṣṇa. Esta mesma instrução é dada a Arjuna nos últimos versos da Bhagavad-gītā (18.66), nos quais Kṛṣṇa diz: “Simplesmente abandona tudo e rende-Te a Mim. Cuidarei de ti e te protegerei contra todas as reações às atividades pecaminosas”. O Senhor é muito bondoso para com Seus devotos, e também é muito grato, hábil e magnânimo. É nosso dever acreditar em Suas palavras, e se formos bastante inteligentes e instruídos, seguiremos Suas instruções sem hesitação. No Śrīmad-Bhāgavatam (10.48.26), Akrūra falou a Kṛṣṇa:

kaḥ paṇḍitas tvad aparaṁ śaraṇaṁ samīyād
  bhakta-priyād ṛta-giraḥ suhṛdaḥ kṛta-jñāt
sarvān dadāti suhṛdo bhajato ’bhikāmān
  ātmānam apy upacayāpacayau na yasya

“Quem pode se render a qualquer pessoa senão a Vós? Quem é tão querido, veraz, amigável e grato como Vós? Sois tão perfeito e completo que mesmo que Vos entregueis a Vosso devoto, ainda continuais pleno e perfeito. Podeis satisfazer todos os desejos de Vosso devoto ou mesmo entregar-Vos a ele.”

Quem é inteligente e consegue entender a filosofia da consciência de Kṛṣṇa naturalmente abandona tudo e aceita o refúgio de Kṛṣṇa. Em relação a isso, o Senhor Caitanya recitou um verso falado por Uddhava no Śrīmad-Bhāgavatam (3.2.23): “Como pode alguém refugiar-se em outra pessoa além de Kṛṣṇa? Ele é tão bondoso! Embora a irmã de Bakāsura tivesse planejado matar Kṛṣṇa quando Ele era um bebê untando seus seios com veneno e oferecendo-os para Kṛṣṇa mamar e assim morrer, ainda assim, esta mulher hedionda foi salva e elevada à mesma posição que a própria mãe de Kṛṣṇa”. Este verso refere-se à vez em que Pūtanā planejou matar Kṛṣṇa. Kṛṣṇa aceitou os seios envenenados dessa mulher demoníaca, e, ao sugar o seu leite, Ele também sugou sua vida. Não obstante, Pūtanā foi elevada à mesma posição que a própria mãe de Kṛṣṇa.

Não há diferença essencial entre uma alma plenamente rendida e uma pessoa na ordem de vida renunciada. A única diferença é que uma alma plenamente rendida tem completa dependência de Kṛṣṇa. Existem seis diretrizes básicas para a rendição. A primeira é que se deve aceitar tudo o que seja favorável para a execução do serviço devocional, e deve-se estar determinado a aceitar o processo. A segunda: deve-se abandonar tudo que seja desfavorável para a execução do serviço devocional, e deve-se estar determinado a abandonar tudo isto. A terceira: deve-se estar convencido de que apenas Kṛṣṇa pode proteger alguém, e ter total fé que o Senhor dará proteção. O impersonalista pensa que sua verdadeira identidade é ser uno com Kṛṣṇa, mas o devoto não destrói sua identidade dessa maneira. Ele vive com plena fé em que Kṛṣṇa o protegerá em todos os casos. A quarta: o devoto deve sempre aceitar Kṛṣṇa como seu mantenedor. Aqueles que estão interessados nos frutos de suas atividades em geral esperam a proteção dos semideuses, porém, o devoto de Kṛṣṇa não busca a proteção de nenhum semideus. Ele tem completa convicção de que Kṛṣṇa o protegerá em todas as circunstâncias desfavoráveis. A quinta: o devoto está sempre consciente de que seus desejos não são independentes; a menos que Kṛṣṇa os satisfaça, eles não podem ser satisfeitos. E a última: a pessoa deve sempre considerar-se a alma mais caída, e, sendo assim, Kṛṣṇa tomará conta dela.

Semelhante alma rendida deve refugiar-se em um lugar sagrado como Vṛndāvana, Mathurā, Dvārakā, Māyāpur, etc., e deve se render ao Senhor, dizendo: “Meu Senhor, a partir de hoje sou Vosso. Podeis proteger-me ou matar-me a Vosso bel-prazer”. O devoto puro refugia-se em Kṛṣṇa dessa maneira, e Kṛṣṇa é tão grato que o aceita e lhe dá toda proteção. Isso é confirmado no Śrīmad-Bhāgavatam (11.29.34), onde se diz que, se alguém prestes a morrer refugia-se plenamente no Senhor Supremo, colocando-se sem ressalvas a Seus cuidados, ele de fato alcança a imortalidade e se qualifica para associar-se com o Senhor Supremo e desfrutar bem-aventurança transcendental.

O Senhor, então, explicou a Sanātana Gosvāmī as diversas classes e sintomas do serviço devocional prático. Quando o serviço devocional é executado com nossos sentidos atuais, ele chama-se serviço devocional prático. Na verdade, serviço devocional é a vida eterna da entidade viva, e está latente nos corações de todos. O processo que desperta esse serviço devocional latente chama-se serviço devocional prático. O significado é que a entidade viva é constitucionalmente parte integrante do Senhor Supremo; o Senhor pode ser comparado ao Sol, e as entidades vivas podem ser comparadas às moléculas do brilho do sol. Sob o encanto da energia ilusória, a centelha espiritual está quase extinta, porém, através do serviço devocional prático ela pode reviver sua posição constitucional natural. Quando alguém pratica serviço devocional, deve-se entender que ele está retornando à sua posição liberada e normal. O serviço devocional pode ser praticado com os sentidos atuais, porém, deve estar sob a direção de um mestre espiritual autêntico.

A pessoa começa suas atividades espirituais para o avanço na consciência de Kṛṣṇa através do ouvir. Ouvir é o método mais importante para avançar, e deve-se estar muito desejoso de ouvir favoravelmente sobre Kṛṣṇa. Abandonando toda especulação e atividade fruitiva, simplesmente deve-se adorar Deus e desejar alcançar amor por Ele. Este amor por Deus existe eternamente em todos; deve-se apenas evocá-lo mediante o processo de ouvir. Ouvir e cantar são os principais métodos do serviço devocional.

O serviço devocional pode ser regulado ou afetuoso. Quem não desenvolveu transcendental afeição por Kṛṣṇa, deve conduzir sua vida segundo as direções e regulações das escrituras e do mestre espiritual. No Śrīmad-Bhāgavatam (2.1.5), Śukadeva Gosvāmī aconselha Mahārāja Parīkṣit:

tasmād bhārata sarvātmā
  bhagavān īśvaro hariḥ
śrotavyaḥ kīrtitavyaś ca
  smartavyaś cecchatābhayam

“Ó melhor entre os Bhāratas! O dever primordial de quem deseja se tornar destemido, é ouvir sobre a Suprema Personalidade de Deus, Hari, cantar sobre Ele e sempre lembrá-lO. O Senhor Viṣṇu deve ser sempre lembrado; deveras, Ele não deve ser esquecido nem mesmo por um momento. Ele é a essência de todos os princípios reguladores.” Conclui-se, portanto, que, ao considerarmos todas as regras, regulações, atividades recomendadas e proibidas que são reveladas nas escrituras, lembrarmo-nos do Senhor Supremo é invariavelmente a essência de tudo. Lembrar-se da Suprema Personalidade de Deus que se encontra no coração é a meta do serviço devocional. Quando o serviço devocional é executado pura e afetuosamente, não se cogita em princípios reguladores. Não existem os “faças” e os “não-faças”.

Todavia, em regra devem-se aceitar os seguintes princípios para a execução adequada do serviço devocional: (1) refugiar-se em um mestre espiritual genuíno, (2) receber iniciação do mestre espiritual, (3) servir o mestre espiritual, (4) indagar do mestre espiritual e aprender dele a amar, (5) seguir os passos das pessoas santas devotadas ao transcendental serviço amoroso ao Senhor, (6) estar pronto para abandonar toda espécie de desfrute e miséria em favor da satisfação de Kṛṣṇa, (7) viver num lugar onde Kṛṣṇa mostrou Seus passatempos, (8) satisfazer-se com o que quer que Kṛṣṇa proveja para a manutenção do corpo e não ansiar por nada mais, (9) observar jejum no dia de ekādaśī (isto ocorre no décimo primeiro dia depois da lua cheia e no décimo primeiro dia depois da lua nova. Nestes dias não se comem cereais, grãos ou leguminosas; aceitam-se moderadamente apenas vegetais e leite, e incrementam-se o cantar de Hare Kṛṣṇa e a leitura das escrituras.) e (10) mostrar respeito aos devotos, vacas e árvores sagradas tais como a figueira-da-bengala.

É essencial que o devoto neófito, que está começando a seguir os caminhos do serviço devocional, observe esses dez princípios.

Deve-se também tentar evitar ofensas ao servir o Senhor e ao cantar Seus santos nomes. Existem dez ofensas que devem ser evitadas enquanto se canta o santo nome. Estas ofensas são: (1) blasfemar o devoto do Senhor, (2) considerar que o Senhor e os semideuses estão no mesmo nível, ou pensar que há muitos deuses, (3) negligenciar as ordens do mestre espiritual, (4) minimizar a autoridade das escrituras (os Vedas), (5) interpretar os santos nomes de Deus, (6) cometer pecados apoiando-se no cantar, (7) instruir aos infiéis sobre as glórias dos nomes do Senhor, (8) comparar o santo nome à piedade material, (9) permanecer desatento enquanto se canta o santo nome e (10) manter-se apegado às coisas materiais a despeito de cantar os santos nomes.

Dez regulações adicionais são as seguintes: (1) deve-se tentar evitar ofensas contra o serviço ao Senhor e contra o cantar dos santos nomes do Senhor; (2) deve-se evitar a associação com não-devotos ímpios; (3) não se deve procurar ter muitos discípulos; (4) não se deve dar-se o trabalho de entender muitos livros, ou entender parcialmente algum livro específico, e deve-se evitar discutir diferentes doutrinas; (5) deve-se permanecer calmo tanto no ganho quanto na perda; (6) não se deve estar sujeito a nenhum tipo de lamentação; (7) não se deve desrespeitar os semideuses nem as outras escrituras; (8) não se deve tolerar blasfêmias ao Senhor Supremo e a Seus devotos; (9) deve-se evitar discutir tópicos ordinários relacionados com novelas e ficções, mas não há nenhum preceito que condene ouvir notícias comuns; e (10) não se deve causar problemas a nenhuma criatura viva, inclusive um pequeno inseto.

No Bhakti-rasāmṛta-sindhu, compilado por Śrī Rūpa Gosvāmī, afirma-se que a pessoa deve ser muito liberal no comportamento e deve evitar qualquer atividade indesejável. Os pontos positivos mais importantes são que a pessoa deve aceitar o refúgio do mestre espiritual genuíno, ser iniciada por ele e servi-lo.

Além disso, existem trinta e cinco itens no serviço devocional, que podem ser analisados como segue: (1) ouvir, (2) cantar, (3) lembrar, (4) adorar, (5) orar, (6) servir, (7) ocupar-se como um servo, (8) ser amistoso, (9) oferecer tudo, (10) dançar diante da Deidade, (11) cantar, (12) informar, (13) oferecer reverências, (14) postar-se em respeito aos devotos, (15) seguir o devoto quando ele se levanta indo em direção à porta, (16) entrar no templo do Senhor, (17) circum-ambular o templo do Senhor, (18) ler orações, (19) vibrar hinos, (20) executar saṅkīrtana, ou canto congregacional, (21) cheirar incensos e flores oferecidos à Deidade, (22) aceitar prasāda (alimentos oferecidos a Kṛṣṇa), (23) participar da cerimônia de ārātrika, (24) ver a Deidade, (25) oferecer alimentos saborosos ao Senhor, (26) meditar, (27) oferecer água para a árvore de tulasī, (28) oferecer respeitos aos vaiṣṇavas ou devotos avançados, (29) viver em Mathurā ou Vṛndāvana, (30) entender o Śrīmad-Bhāgavatam, (31) esforçar-se ao máximo para alcançar Kṛṣṇa, (32) esperar a misericórdia de Kṛṣṇa, (33) executar funções cerimoniais com os devotos de Kṛṣṇa, (34) render-se em todos os aspectos e (35) observar diferentes funções cerimoniais.

A estes trinta e cinco itens, podem-se acrescentar outros quatro: (1) marcar o corpo com polpa de sândalo para mostrar que se é um vaiṣṇava, (2) pintar o corpo com os santos nomes do Senhor, (3) cobrir o corpo com ornamentos já usados pela Deidade e (4) aceitar caraṇāmṛta, água que banha a Deidade. Estes quatro itens adicionais formam, ao todo, trinta e nove itens de serviço devocional, e destes, os cinco seguintes são os mais importantes: (1) associar-se com devotos, (2) cantar os santos nomes do Senhor, (3) ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam, (4) viver num lugar sagrado tal como Mathurā ou Vṛndāvana e (5) servir a Deidade com grande devoção. Esses itens são mencionados sobretudo por Rūpa Gosvāmī em seu livro Bhakti-rasāmṛta-sindhu. Os trinta e nove itens supracitados, mais estes cinco, totalizam quarenta e quatro itens. Acrescentam-se estes às vinte ocupações preliminares, e haverá um total de sessenta e quatro itens para conduzir o serviço devocional. Podem-se adotar os sessenta e quatro itens com o corpo, a mente e os sentidos e assim, pouco a pouco, purificar o próprio serviço devocional. Alguns itens são totalmente diferentes; alguns, idênticos; e outros, parecem estar combinados.

Śrīla Rūpa Gosvāmī recomenda que se viva na companhia daqueles que tenham a mesma mentalidade; portanto, é necessário formar uma associação para a consciência de Kṛṣṇa e viver juntos para cultivar o conhecimento sobre Kṛṣṇa e o serviço devocional. O mais importante item para viver nesta associação é a compreensão da Bhagavad-gītā e do Śrīmad-Bhāgavatam. Quando fé e devoção se desenvolvem, transformam-se em adoração à Deidade, no cantar do santo nome e no viver num lugar sagrado, como Mathurā e Vṛndāvana.

Os últimos cinco itens – mencionados após os primeiros trinta e nove – são muito importantes e essenciais. Quem cumpre apenas estes cinco itens, pode se elevar à mais elevada etapa de perfeição, mesmo que não os execute perfeitamente. Talvez ele efetue um ou muitos itens, segundo sua capacidade, mas é o principal fator – o apego completo ao serviço devocional – que a faz avançar nesse caminho. Existem muitos devotos na história que alcançaram a perfeição no serviço devocional, por cumprirem com os deveres de um item, e há muitos outros, como Mahārāja Ambarīṣa, que executaram todos os itens. Alguns dos devotos que alcançaram a perfeição do serviço devocional executando apenas um item são: Mahārāja Parīkṣit, que se liberou e alcançou a perfeição plena só por ouvir; Śukadeva Gosvāmī, que se liberou e alcançou a perfeição no serviço devocional apenas por cantar; Prahlāda Mahārāja, que alcançou a perfeição por lembrar; Lakṣmī, que alcançou a perfeição por servir aos pés de lótus do Senhor; o rei Pṛthu, que alcançou a perfeição pelo simples fato de adorar; Akrūra, que alcançou a perfeição apenas por orar; Hanumān, que alcançou a perfeição apenas por se tornar servo do Senhor Rāma; Arjuna, que alcançou a perfeição apenas por ser amigo de Kṛṣṇa; e Bali Mahārāja, que atingiu a perfeição apenas por oferecer tudo o que possuía.

Com relação a Mahārāja Ambarīṣa, ele de fato executou todos os itens do serviço devocional. Ele ocupou sua mente em meditar nos pés de lótus de Kṛṣṇa. Ocupou suas palavras, ou o poder da fala, em descrever as qualidades transcendentais da Suprema Personalidade de Deus. Ocupou suas mãos em lavar o templo da Deidade; seus ouvidos, em ouvir as palavras sobre Kṛṣṇa; e seus olhos, em contemplar a Deidade. Ocupou seu tato, servindo os devotos; e seu olfato, cheirando a fragrância das flores oferecidas a Kṛṣṇa. Ocupou sua língua em saborear as folhas de tulasī oferecidas aos pés de lótus de Kṛṣṇa; suas pernas, em ir ao templo de Kṛṣṇa; e sua cabeça, em oferecer reverências à Deidade de Kṛṣṇa. Porque ocupou todos os seus desejos e ambições no serviço devocional ao Senhor, Mahārāja Ambarīṣa é considerado o líder na execução de serviço devocional de todos os modos possíveis.

Qualquer um que se ocupe em serviço devocional ao Senhor, em completa consciência de Kṛṣṇa, livra-se de todo débito para com os sábios, semideuses e antepassados, aos quais, em geral, todos estão endividados. Confirma isto o Śrīmad-Bhāgavatam (11.5.41):

devarṣi-bhūtāpta-nṛṇāṁ pitṛṇāṁ
  na kiṅkaro nāyam ṛṇī ca rājan
sarvātmanā yaḥ śaraṇaṁ śaraṇyaṁ
  gato mukundaṁ parihṛtya kartam

“Qualquer um que se ocupe completamente em serviço ao Senhor, ó rei, não mais está endividado com os semideuses, sábios, outras entidades vivas, parentes, antepassados ou qualquer pessoa.” Todo homem, logo após seu nascimento, fica endividado com muitas pessoas, e espera-se que execute diversas espécies de funções ritualísticas por causa desta dívida. Todavia, se alguém é totalmente rendido a Kṛṣṇa, não tem outra obrigação. Livra-se de todos os débitos.

Contudo, deve-se observar com tento que, quando alguém abandona todos os outros deveres e simplesmente aceita o serviço transcendental a Kṛṣṇa, ele não tem desejo de cometer atividades pecaminosas, nem está sujeito a cometê-las. Todavia, se ele executar atividades pecaminosas (não de propósito, senão que por acaso), Kṛṣṇa lhe dará toda a proteção. Ele não tem de purificar-se através de nenhum outro método, e isto se confirma no Śrīmad-Bhāgavatam (11.5.42): “O devoto ocupado plenamente no transcendental serviço amoroso ao Senhor é protegido pela Pessoa Suprema, porém, se porventura comete alguma atividade pecaminosa, ou é obrigado a agir pecaminosamente sob certas circunstâncias, Deus, situado em seu coração, lhe dá toda a proteção”.

Os processos de conhecimento especulativo e renúncia não são, de fato, os itens principais conducentes a elevação no serviço devocional. Não é necessário adotar os princípios de não-violência e controle dos sentidos, embora existam regras e regulações para se adquirir estas qualidades nos outros processos. Sem nem mesmo praticar estes processos, o devoto desenvolve todas as boas qualidades pelo simples fato de executar serviço devocional ao Senhor. No Décimo Primeiro Canto do Śrīmad-Bhāgavatam (11.20.31), o próprio Senhor diz que não há necessidade de cultivar conhecimento especulativo e renúncia se alguém está realmente ocupado em serviço devocional ao Senhor.

Devido a uma questão de mero mal-entendido, alguns transcendentalistas pensam que conhecimento e renúncia são necessários para ascender-se à plataforma do serviço devocional. Não é assim. O cultivo de conhecimento e a renúncia às atividades fruitivas podem ser necessários ao entendimento da existência espiritual da pessoa, apenas enquanto ela estiver sob o conceito de vida material, porém, eles não são partes integrantes do serviço devocional. Os resultados do conhecimento e das atividades fruitivas são, respectivamente, liberação e gozo dos sentidos materiais. Em consequência, eles não podem ser partes integrantes do serviço devocional; ao contrário, eles não têm valor intrínseco no desempenho do serviço devocional. Ao libertar-se do cativeiro dos resultados do conhecimento e atividades fruitivas, a pessoa pode alcançar o serviço devocional. Porque o devoto do Senhor Kṛṣṇa, por natureza, é não-violento, e porque sua mente e sentidos são controlados, ele não precisa fazer um esforço extraordinário para adquirir as boas qualidades resultantes do cultivo do conhecimento e da execução de atividades fruitivas.

Ao perguntar a Kṛṣṇa sobre as regras e regulações estabelecidas segundo os preceitos védicos, Uddhava disse: “Por que os hinos védicos encorajam o desfrute material, enquanto que, ao mesmo tempo, as instruções védicas também nos libertam de todas as ilusões e nos encorajam a atingirmos a liberação?” Supõe-se que os preceitos védicos foram ordenados pela Suprema Personalidade de Deus, mas, aparentemente, existem contradições, e Uddhava estava ansioso para saber como se libertar destas contradições. Como resposta, o Senhor Kṛṣṇa informou-o sobre a sobre-excelência do serviço devocional. “É imprático e desnecessário para quem já está ocupado em serviço devocional a Mim e cuja mente está fixa em Mim, esforçar-se no cultivo de conhecimento e renúncia.”

Dessa maneira, o Senhor conclui que o serviço devocional é independente de qualquer outro processo. Talvez o cultivo de conhecimento, renúncia ou meditação ajudem um pouco no começo, porém, não são necessários ao desempenho do serviço devocional. Em outras palavras, o serviço devocional pode ser desempenhado sem depender do cultivo de conhecimento e renúncia. A esse respeito, existe também um verso do Skanda Purāṇa no qual Parvata Muni disse a um caçador bárbaro: “Ó caçador, as qualificações que você acaba de adquirir – tais como não-violência e outras – não são espantosas, pois quem se ocupa no serviço devocional ao Senhor Supremo, não pode em nenhuma circunstância, ser uma fonte de problemas”.

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