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Capítulo Quatorze

O Êxtase do Senhor e de Seus Devotos

Os sintomas do serviço devocional muitíssimo desenvolvido, exibidos pelos devotos puros, são, às vezes, imitados por aqueles que, na verdade, não são devotos puros. Isto é descrito no Bhakti-rasāmṛta-sindhu. Sem serviço devocional a Kṛṣṇa, talvez alguém tenha algum motivo para exibir esses sintomas, porém, deve-se saber que esses sintomas não são verdadeiros. Às vezes, quem não é versado na ciência do serviço devocional cativa-se pela exibição de sintomas extáticos, mas quem está informado sobre a ciência do serviço devocional não aceita tais sintomas como o mais importante. Esses sintomas só demarcam o início do serviço devocional. Isto é aceito pelos devotos eruditos.

Segundo as várias divisões e gradações de devotos, as situações devocionais permanentes podem ser divididas em cinco categorias: (1) paz, (2) serviço a Kṛṣṇa, (3) amizade com Kṛṣṇa, (4) afeição parental por Kṛṣṇa e (5) amor conjugal por Kṛṣṇa. Cada divisão tem seu próprio sabor, e o devoto situado numa divisão particular está feliz nesta posição. Os sintomas característicos exibidos pelo devoto puro são, em geral, rir e chorar; quando as emoções são favoráveis, o devoto puro ri, e, quando as emoções não são favoráveis, ele chora.

Acima dessas duas emoções está o amor permanente, chamado sthāyi-bhāva. Em outras palavras, o apego por Kṛṣṇa é permanente. Às vezes, essa atitude amorosa permanente mescla-se a diversas espécies de gostos, chamados vibhāva, anubhāva e vyabhicārī. Vibhāva é um gosto específico pelo apego a Kṛṣṇa, e pode ser dividido em duas categorias subsequentes – ālambana e uddīpana. No Agni Purāṇa e em outras escrituras autorizadas, afirma-se que aquilo que aumenta nosso amor por Kṛṣṇa chama-se vibhāva, e quando Kṛṣṇa é o objetivo, vibhāva eleva-se à fase de ālambana. Uddīpana é induzido pelas qualidades transcendentais de Kṛṣṇa, Suas atividades, Seu belo rosto sorridente, a fragrância de Seu corpo, o som de Sua flauta, o som de Seu búzio, as marcas nas solas de Seus pés, Sua morada e Sua parafernália de serviço devocional (tais como folhas de tulasī, devotos, práticas cerimoniais e ekādaśī). Anubhāva ocorre quando se exibem os sentimentos e emoções internos. Na atitude de anubhāva a pessoa ora dança, ora cai, ora canta alto, ora exibe convulsões e bocejos, e ora respira muito pesadamente – sem se importar com as circunstâncias.

Os aspectos externos exibidos nos corpos dos devotos chamam-se udbhāsvara. Os sintomas vyabhicārī são em número de trinta e três, e, a princípio, envolvem as palavras proferidas pelo devoto e diferentes aspectos corpóreos. Esses aspectos – tais como dançar, tremer e rir – misturados com os sintomas vyabhicārī chamam-se sañcārī. Quando os sintomas de bhāva, anubhāva e vyabhicārī se combinam, eles fazem o devoto mergulhar no oceano da imortalidade. Este oceano chama-se Bhakti-rasāmṛta-sindhu, o oceano do néctar puro do serviço devocional, e quem mergulha neste oceano permanece arrebatado pelo prazer transcendental de suas ondas e sons.

Conhecem-se as rāsas (aromas ou sabores) específicos dos devotos que mergulham neste oceano de bhakti-rasāmṛta como: neutralidade, servidão, amizade, paternidade e amor conjugal. O amor conjugal é muito preeminente, e seu sintoma é que o devoto enfeita o corpo para atrair Kṛṣṇa. O sabor da servidão aumenta até incluir afeição, ira, fraternidade e apego. O sabor da amizade aumenta até incluir afeição, ira, fraternidade, apego e devoção, e na paternidade o apego aumenta até incluir afeição, ira, fraternidade, apego e devoção. Também existem sabores especiais experimentados na amizade com o Senhor Supremo, os quais são manifestados por amigos como Subala, cuja devoção aumenta até o ponto de bhāva. As diferentes rāsas também são divididas em duas classes de êxtase, chamadas yoga e viyoga, ou seja, encontro e separação. Na amizade e paternidade, são vários os sentimentos de encontro e separação.

As situações conhecidas como rūḍha e adhirūḍha são possíveis na relação de amor conjugal. O amor conjugal exibido pelas rainhas de Dvārakā chama-se rūḍha, e o amor conjugal exibido em Vṛndāvana pelas donzelas de Vraja chama-se adhirūḍha. A perfeição mais elevada da afeição adhirūḍha em amor conjugal envolve o encontro (mādana) e a separação (mohana). No êxtase de mādana, encontro, ocorrem beijos; e no êxtase de mohana, separação, há udghūrṇā e citrajalpa. Quanto à citrajalpa, há no Śrīmad-Bhāgavatam um trecho conhecido como Bhramara-gītā no qual se mencionam várias classes de citrajalpa. Udghūrṇā é um sintoma de separação, e também existe um sintoma chamado insanidade transcendental. Nesta insanidade transcendental a pessoa pensa que ela própria se tornou a Suprema Personalidade de Deus. Neste êxtase, ela imita os sintomas de Kṛṣṇa de diferentes maneiras.

Existem dois trajes usados nesta relação de amor conjugal, e chamam-se sambhoga e vipralambha. Na plataforma de sambhoga, os trajes são ilimitados, e, na de vipralambha, são quatro. Chamam-se vipralambha o êxtase exibido antes do encontro entre amante e amada, o êxtase experimentado por eles após se encontrarem, o estado mental experimentado por não se encontrarem e o estado mental experimentado após se encontrarem temendo a separação. Este vipralambha serve como nutriente para futuros encontros. Ao se encontrarem de repente e se abraçarem, o amante e a amada sentem um êxtase de felicidade, e o estado mental que experimentam neste êxtase chama-se sambhoga. De acordo com a situação, o êxtase sambhoga também é conhecido por quatro nomes: (1) saṅkṣipta, (2) saṅkīrṇa, (3) sampanna e (4) samṛddhimān. Esses sintomas também são visíveis durante os sonhos.

O estado mental experimentado antes do encontro chama-se pūrvarāga. Os obstáculos que por vezes impedem o encontro entre amante e amada chamam-se māna, ou ira. Quando amante e amada estão separados, o estado mental experimentado chama-se pravāsa. Os sentimentos de separação presentes sob certas condições, mesmo quando os amantes se encontram, chamam-se ansiedades amorosas (prema-vaicittya). Estas ansiedades amorosas são exibidas no Śrīmad-Bhāgavatam (10.90.15) pelas princesas que ficavam noites e noites acordadas a observar Kṛṣṇa dormindo. Elas temiam separarem-se de Kṛṣṇa, viviam falando entre si sobre como tinham sido afetadas pelos belos olhos e sorriso de Kṛṣṇa.

O amante supremo é Kṛṣṇa, que permanece em Vṛndāvana, e a amada suprema é Rādhārāṇī. Kṛṣṇa tem sessenta e quatro qualificações importantes, e Seu devoto sente prazer transcendental em ouvi-las. Como se explica no Bhakti-rasāmṛta-sindhu, as características são as seguintes: (1) Seu corpo é bem dotado; (2) Seu corpo tem todos os sintomas auspiciosos; (3) Seu corpo é belo; (4) Seu corpo é muito glorioso; (5) Seu corpo é muito forte; (6) Ele sempre parece um rapaz de dezesseis anos; (7) é versadíssimo em várias línguas; (8) é veraz; (9) está decorado com palavras agradáveis; (10) é perito no falar; (11) é muito erudito; (12) é muito inteligente; (13) é influente; (14) é jubiloso; (15) é astuto; (16) é perito; (17) é grato; (18) é firmemente convicto; (19) sabe como lidar com diferentes circunstâncias; (20) é sempre versado nos preceitos das escrituras; (21) é limpo; (22) é controlado por Seus devotos; (23) é estável; (24) é autocontrolado; (25) é clemente; (26) é grave; (27) é meditativo; (28) é justo em Sua conduta; (29) é magnânimo; (30) é religioso; (31) é um grande herói; (32) é misericordioso; (33) é respeitoso; (34) é competente; (35) é gentil; (36) é modesto; (37) é o protetor das almas rendidas a Ele; (38) é libertador; (39) é o amigo dos devotos; (40) é submisso ao amor; (41) é todo-auspicioso; (42) é poderosíssimo; (43) é famoso; (44) é devotado a todas as entidades vivas; (45) é adorável por todos; (46) é muito atrativo para todas as mulheres; (47) é parcial com Seus devotos; (48) é pleno de toda a opulência; (49) é o controlador supremo; (50) possui toda a honra.

Essas cinquenta qualidades ou características estão presentes em pequenas partes em todos os seres vivos. Quando eles alcançam a liberdade espiritual completa e situam-se em sua condição original, podem-se perceber todas essas características em quantidade diminuta. Em Kṛṣṇa, contudo, elas existem em plenitude. Existem outras cinco qualidades transcendentais (mencionadas abaixo) que podem ser vistas em Viṣṇu, o Senhor Supremo, e também, parcialmente, no Senhor Śiva, mas elas não são visíveis nas entidades vivas comuns. Essas características são as seguintes: (1) Ele permanece sempre em Sua condição original; (2) é onisciente; (3) é sempre viçoso ou sempre saudável; (4) é eternamente bem-aventurado; e (5) é conhecedor e mestre de toda a perfeição. Além dessas cinco características transcendentais, existem outras cinco que podem ser vistas no céu espiritual, sobretudo nos planetas Vaikuṇṭhas onde Nārāyaṇa é a Deidade predominante. Elas são: (1) Ele tem qualidades inconcebíveis; (2) é capaz de sustentar inúmeros universos; (3) é a semente de todas as encarnações; (4) concede perfeição máxima aos inimigos que mata; e (5) é a mais atrativa das pessoas autorrealizadas.

As qualidades e características supracitadas, que totalizam um número de sessenta, são visíveis até a plataforma de Nārāyaṇa. Contudo, Kṛṣṇa tem quatro qualidades especiais, que são: (1) Ele é capaz de manifestar passatempos maravilhosos; (2) é perito na transcendental arte de tocar flauta; (3) está cercado por devotos amorosos; e (4) possui beleza pessoal sem paralelo.

Portanto, Kṛṣṇa tem sessenta e quatro qualidades transcendentais. Śrīmatī Rādhārāṇī tem vinte e cinco qualidades transcendentais, porém, com elas pode controlar até mesmo Kṛṣṇa. Suas qualidades transcendentais são as seguintes: (1) Ela é a doçura personificada; (2) é uma jovem saudável; (3) Seus olhos estão sempre irrequietos; (4) Ela tem sempre um sorriso brilhante; (5) possui no Seu corpo todas as marcas auspiciosas; (6) pode agitar Kṛṣṇa mediante Sua fragrância; (7) é perita na arte de cantar; (8) pode falar muito bem e docemente; (9) é perita em apresentar atrativos femininos; (10) é modesta e gentil; (11) é sempre muito misericordiosa; (12) é transcendentalmente astuta; (13) sabe como vestir-se bem; (14) é sempre tímida; (15) é sempre respeitosa; (16) é sempre paciente; (17) é muito grave; (18) é desfrutada por Kṛṣṇa; (19) está sempre situada na máxima plataforma devocional; (20) é a morada do amor dos habitantes de Gokula; (21) pode dar refúgio a todas as classes de devotos; (22) é sempre afetuosa com superiores e inferiores; (23) fica sempre agradecida pelas atitudes de Suas companheiras; (24) é a mais preeminente entre as namoradas de Kṛṣṇa; e (25) sempre mantém Kṛṣṇa sob Seu controle.

Dessa maneira, Kṛṣṇa e Rādhārāṇī são ambos transcendentalmente qualificados, e ambos Se atraem mutuamente. Todavia, nesta atração transcendental, Rādhārāṇī é mais preeminente que Kṛṣṇa, pois a atratividade de Rādhārāṇī é o sabor transcendental em amor conjugal. Da mesma forma, existem sabores transcendentais em servidão, amizade e outras relações com Kṛṣṇa. Podem-se descrevê-las com referência ao contexto do Bhakti-rasāmṛta-sindhu.

As pessoas completamente purificadas através do serviço devocional, sempre jubilosas, situadas em consciência elevada, muito apegadas ao estudo do Śrīmad-Bhāgavatam, sempre alegres na companhia dos devotos, que aceitaram os pés de lótus de Kṛṣṇa como o refúgio último de suas vidas, e satisfeitas em praticar todos os detalhes do serviço devocional, têm em seus corações puros o transcendental êxtase do apego. Quando esta condição existencial extática é enriquecida com amor a Kṛṣṇa e com experiência transcendental, a pessoa alcança gradualmente a maturidade da vida espiritual. Semelhante vida espiritual não é possível para aqueles que não estão situados em consciência de Kṛṣṇa e serviço devocional. Este fato também é corroborado no Bhakti-rasāmṛta-sindhu, onde se diz: “É muito difícil para os não-devotos entender o sabor do serviço devocional. Só quem se refugiou por completo nos pés de lótus de Kṛṣṇa e cuja vida está imersa no oceano do serviço devocional, pode entender este prazer transcendental”.

O Senhor Caitanya explicou sucintamente a situação transcendental e o desfrute espiritual da vida, e ensinou que a primeira etapa perfectiva é tornar-se um homem religioso no sentido ordinário do termo, como se conhece no mundo material. A segunda etapa perfectiva é tornar-se rico em bens materiais. A terceira etapa da perfeição material é obter completo gozo dos sentidos, e na quarta etapa ocorre o conhecimento sobre a liberação. Acima desta plataforma, situados na quinta etapa, estão aqueles que já se liberaram e se estabeleceram em consciência de Kṛṣṇa ou serviço devocional ao Senhor. Na perfeição máxima do serviço devocional em consciência de Kṛṣṇa, a pessoa experimenta o sabor do êxtase espiritual.

O Senhor então disse a Sanātana Gosvāmī que outrora havia instruído seu irmão mais novo, Rūpa Gosvāmī, em Prayāga (Allahabad). O Senhor assegurou a Sanātana Gosvāmī que Ele dotara Rūpa Gosvāmī de poder para difundir o conhecimento que lhe havia dado. O Senhor também ordenou a Sanātana Gosvāmī que escrevesse livros sobre o transcendental serviço amoroso ao Senhor, e autorizou-o a escavar os diversos locais dos passatempos de Kṛṣṇa no distrito de Mathurā. Além disso, Sanātana Gosvāmī foi aconselhado a construir templos em Vṛndāvana e a escrever livros sobre os princípios do vaiṣṇavismo, conforme foram prescritos pelo próprio Senhor Caitanya. Sanātana Gosvāmī executou todos esses desejos do Senhor – construiu o templo de Madana-mohana em Vṛndāvana e escreveu livros sobre os princípios do serviço devocional, tais como o Hari-bhakti-vilāsa.

O Senhor Caitanya em seguida instruiu Sanātana Gosvāmī sobre como se pode viver no mundo material enquanto se está em completa relação com Kṛṣṇa, e também lhe ensinou que não há necessidade de renúncia árida. O significado dessas instruções é que, na era atual, existem muitas pessoas que aceitaram a ordem de vida renunciada, mas que não denotam proficiência espiritual. O Senhor Caitanya não aprovava que alguém aceitasse sannyāsa sem ter conhecimento perfeito da consciência de Kṛṣṇa. De fato, observa-se que existem muitos pretensos sannyāsīs cujas ações estão abaixo das dos homens comuns, mas que posam como membros da ordem de vida renunciada. O Senhor Caitanya Mahāprabhu não aceitava tal hipocrisia. Ele instruiu Sanātana Gosvāmī a escrever elaboradamente sobre o serviço devocional em seus diversos livros.

No Décimo Segundo Capítulo da Bhagavad-gītā, descreve-se a etapa perfectiva da vida espiritual, que se pode experimentar mesmo enquanto se está no mundo material, da seguinte maneira: “A pessoa que não é invejosa, mas, sim, um amigo gentil para todas as entidades vivas, que não se julga proprietária, que está livre do falso ego e permanece equilibrada tanto na felicidade quanto na aflição, que está sempre satisfeita e ocupada em serviço devocional com determinação, e cuja mente e inteligência estão em harmonia coMigo – é muito querida para Mim. Aquele que não coloca ninguém em dificuldade, que não é perturbado pela ansiedade, que é estável na felicidade e na aflição, é muito querido para Mim. O devoto que não depende do curso ordinário das atividades, que é puro, perito, sem apreensões, livre de todas as dores, e que não luta por algum resultado, é muito querido para Mim. Aquele que não se aferra ao prazer nem à dor, que não se lamenta nem deseja, e que renuncia tanto aos elementos auspiciosos quanto aos inauspiciosos, é muito querido para Mim. Aquele que é igual com amigos e inimigos, que permanece equilibrado na honra e na desonra, no calor e no frio, na felicidade e na infelicidade, na fama e na infâmia, que está sempre livre de contaminação, sempre silencioso e satisfeito com qualquer coisa, que não se importa em ter residência alguma, que está fixo em conhecimento e ocupado em serviço devocional, é muito querido para Mim. Aquele que segue este caminho imperecível do serviço devocional e que, com fé, se ocupa por completo, fazendo de Mim a meta suprema, é muitíssimo querido para Mim”. (Bhagavad-gītā 12.13-20)

Mesmo que alguém não esteja nesta posição transcendental, caso simplesmente aprecie essa vida transcendental, também se torna muito querido por Kṛṣṇa. No Śrīmad-Bhāgavatam (2.2.5), afirma-se que o devoto deve sempre permanecer dependente da misericórdia do Senhor Supremo e que, no tocante a suas necessidades materiais, deve estar satisfeito com qualquer coisa obtida sem esforço. A esse respeito, Śukadeva Gosvāmī aconselhou que o devoto nunca deve aproximar-se de uma pessoa materialista em busca de qualquer espécie de ajuda. Quanto às necessidades corpóreas, podem-se pegar roupas rasgadas jogadas nas ruas, comer frutas oferecidas pelas árvores, beber água que flui dos rios, e viver numa caverna construída pela própria natureza. Mesmo que alguém seja incapaz de fazer todas essas coisas, deve depender por completo do Senhor Supremo, compreendendo que o Senhor Supremo provê todos de abrigo e alimento. Deve-se entender que o Senhor nunca falhará em cuidar dos devotos que estão plenamente rendidos a Ele. O devoto sempre é protegido, motivo pelo qual não deve ficar ansioso por seu sustento.

Sanātana Gosvāmī indagou, então, acerca de todas as fases do serviço devocional, e o Senhor Caitanya instruiu-lhe muito confidencialmente, com base nas escrituras autorizadas como o Śrīmad-Bhāgavatam. O Senhor também se referiu à literatura védica conhecida como Harivaṁśa, que dá informação sobre a morada transcendental de Kṛṣṇa. Essa informação foi revelada por Indra quando ele ofereceu suas orações após ser derrotado ao desafiar a potência de Kṛṣṇa. No Harivaṁśa, afirma-se que, embora possam voar, os pássaros e aviões não conseguem chegar aos sistemas planetários superiores. Os sistemas planetários superiores começam com o planeta Sol, que está situado no meio do Universo. Acima do Sol, existem outros sistemas planetários onde vivem as pessoas que se elevaram através de grandes austeridades e penitências. Todo o universo material chama-se Devīdhāma, e acima dele está Śivadhāma, onde o Senhor Śiva e sua esposa Pārvatī residem eternamente. Acima deste sistema planetário, está o céu espiritual com inúmeros planetas espirituais, conhecidos como Vaikuṇṭhas. Acima desses planetas Vaikuṇṭhas, está o planeta de Kṛṣṇa conhecido como Goloka Vṛndāvana. A palavra goloka significa “planeta das vacas”. Porque Kṛṣṇa gosta muito de vacas, Sua morada é conhecida como Goloka. Goloka Vṛndāvana é maior que todos os planetas materiais e espirituais juntos.

Na oração contida no Harivaṁśa, Indra admitiu que, nem sequer indagando de Brahmā, conseguiria entender a situação de Goloka. Aqueles que são devotos da expansão Nārāyaṇa de Kṛṣṇa alcançam os planetas Vaikuṇṭhas, porém, é muito difícil alcançar Goloka Vṛndāvana. Na verdade, só os devotos do Senhor Caitanya ou do Senhor Śrī Kṛṣṇa podem alcançar esse planeta. O próprio Indra admitiu isso diante do Senhor Kṛṣṇa: “Vós descestes do planeta Goloka no mundo espiritual, e a perturbação que criei foi toda devida a minha tolice”. Portanto, Indra implorou ao Senhor Kṛṣṇa que o perdoasse.

A última fase dos passatempos do Senhor Kṛṣṇa é descrita no Śrīmad-Bhāgavatam como mauṣala-līlā. Nesse texto, inclui-se o mistério do desaparecimento de Kṛṣṇa deste mundo material. Neste passatempo o Senhor simulou ser morto por um caçador. Existem muitas explicações impróprias da última parte dos passatempos do Senhor Kṛṣṇa (tais como descrições da encarnação do cabelo de Kṛṣṇa), mas o Senhor Caitanya descreveu adequadamente esses passatempos e deu-lhes a interpretação correta. Quanto à encarnação do cabelo de Kṛṣṇa, há menções no Śrīmad-Bhāgavatam, Viṣṇu Purāṇa e Mahābhārata, que afirmam que o Senhor arrancou de Sua cabeça um fio de cabelo grisalho e um fio de cabelo negro e que esses dois fios de cabelo entraram nos ventres de duas rainhas da dinastia Yadu, a saber, Rohiṇī e Devakī. Também se afirma que o Senhor Kṛṣṇa desce ao mundo material para derrotar todos os demônios, porém, alguns dizem que Kṛṣṇa é a encarnação do Viṣṇu que repousa no oceano de leite dentro deste universo. Śrīla Rūpa Gosvāmī, em seu Laghu-bhāgavatāmṛta, e seu comentador, Śrī Baladeva Vidyābhūṣaṇa, discutiram esses pontos por completo e estabeleceram a verdade insofismável. Śrī Jīva Gosvāmī também discutiu esses pontos no Kṛṣṇa-sandarbha.

Quando o Senhor Caitanya terminou Suas instruções a Śrī Sanātana Gosvāmī, este, sendo autorizado e iluminado, obteve tanta satisfação transcendental que, de imediato, caiu aos pés do Senhor Caitanya e disse: “Eu nasci numa família muito ignóbil, e sempre me associei com pessoas desprezíveis; portanto, sou o mais desprezível dos pecadores. Ainda assim és tão bondoso que me ensinaste lições que não são compreendidas nem mesmo pelo Senhor Brahmā, o ser mais ilustre do Universo. Por Tua graça apreciei as conclusões que me ensinaste, mas sou tão desprezível que não posso sequer tocar em uma gota do oceano de Tuas instruções. Assim, se quiseres que eu, que não passo de um aleijado, dance, então, por favor, dá-me Tua bênção colocando Teus pés sobre minha cabeça”.

Dessa maneira, Sanātana Gosvāmī orou ao Senhor para receber a confirmação de que por Sua graça, esses ensinamentos iriam deveras desenvolver-se em seu coração. Caso contrário, Sanātana sabia que lhe seria impossível descrever os ensinamentos do Senhor. Portanto, conclui-se que os ācāryas (mestres espirituais) recebem a sanção das autoridades superiores. Só a instrução não pode fazer de ninguém um perito. A menos que seja abençoado pelo mestre espiritual, ou o ācārya, esses ensinamentos não podem manifestar-se plenamente. Portanto, deve-se buscar a misericórdia do mestre espiritual para que as instruções dele possam desenvolver-se dentro de si. Após aceitar as orações de Sanātana Gosvāmī, o Senhor Caitanya colocou Seus pés na cabeça de Sanātana e deu-lhe Suas bênçãos para que todas as Suas instruções se desenvolvessem a contento.

Desse modo, o Senhor descreveu a fase última do amor a Deus. O Senhor Caitanya disse que essa descrição não pode ser dada muito elaboradamente, mas que Ele lhe informara tanto quanto o possível. Logo, qualquer pessoa que ouça atentamente esses discursos e instruções do Senhor Caitanya em breve alcança a consciência de Kṛṣṇa e ocupa-se no serviço devocional ao Senhor.

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