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Capítulo Dezesseis

Conclusão dos Ensinamentos Dados a Sanātana Gosvāmī

Existem aqueles que desejam apenas a liberação; aqueles que já estão liberados, mesmo enquanto nesta existência material; e aqueles que realmente são autorrealizados. Há muitas pessoas neste mundo que desejam a liberação, e, às vezes, ocupam-se em serviço devocional com este propósito. No Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.26), corrobora-se que aqueles que, de fato, desejam a liberação abandonam a adoração a semideuses, e, sem inveja, concentram suas mentes na adoração a Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Ao entrarem em contato com um devoto puro, essas pessoas ocupam-se no serviço devocional a Kṛṣṇa e abandonam a ideia de liberação. No Hari-bhakti-sudhodaya, afirma-se:

aho mahātman bahu-doṣa-duṣṭo
  ’py ekena bhāty eṣa bhavo guṇena
sat-saṅgamākhyena āsukhāvahena
  kṛtādya no yena kṛśā mumukṣā

“Ó grande alma, embora haja muitas falhas nesta vida miserável, há, contudo, uma glória – a associação com devotos puros. Cultiva essa associação. Através dela nosso desejo de alcançar a liberação diminui.”

No Śrīmad-Bhāgavatam (11.2.37), declara-se que o medo sentido pelo homem se deve ao seu conceito de vida material e ao esquecimento de sua relação eterna com o Senhor Supremo. Consequentemente ele acaba tendo apenas lembranças pervertidas. Isso ocorre devido ao encanto da energia material. Quem possui suficiente inteligência ocupar-se-á em pleno serviço devocional e tratará o Senhor Supremo como seu mestre espiritual e Deus adorável. A conclusão é que ninguém pode consumar uma revolução na consciência sem se ocupar no serviço devocional ao Senhor. Quando está realmente livre da contaminação material, a pessoa pode ocupar-se por completo em consciência de Kṛṣṇa.

No Śrīmad-Bhāgavatam (10.14.4), também se diz que quem se ocupa em vida espiritual para entender as coisas como elas são, mas que não tem nenhuma intenção de ocupar-se em consciência de Kṛṣṇa, só obtém problemas em seu empreendimento. Sua vida não tem substância. Toda entidade viva é parte integrante do Senhor Supremo, em virtude do que é seu dever servir ao todo supremo. Sem tal serviço, a entidade viva cai na contaminação material.

O Senhor Caitanya concluiu Seus ensinamentos a Sanātana Gosvāmī salientando que as seis classes de ātmārāmas ocupam-se em algum serviço devocional a Kṛṣṇa. Em outras palavras, mais cedo ou mais tarde todos os transcendentalistas chegam a entender a necessidade de prestar serviço devocional a Kṛṣṇa e de tornar-se plenamente consciente de Kṛṣṇa. Mesmo que alguém seja muito erudito ou extravagante, ainda assim pode ocupar-se no serviço devocional ao Senhor.

Podem-se categorizar os transcendentalistas em seis classes básicas: o transcendentalista neófito, o transcendentalista absorto, o que de fato está situado em transcendência, o que realmente deseja liberação, o que já é liberado e o que está deveras ocupado em atividades próprias de sua posição constitucional. Todos eles são chamados de ātmārāma. Quando alguém se torna um ātmārāma, ou seja, um grande pensador em consciência de Kṛṣṇa, ocupa-se por completo em serviço devocional. Segundo as regras gramaticais, existem muitos ātmārāmas, porém, um sentido da palavra é suficiente para representar os demais. No sentido coletivo, todos os ātmārāmas apresentam inclinação a adorar o Supremo Senhor Kṛṣṇa.

O místico que adora a Superalma dentro de si mesmo também se chama ātmārāma. Os yogīs ātmārāmas pertencem a duas classes: sagarbha e nigarbha. No Śrīmad-Bhāgavatam (2.2.8), afirma-se: “Alguns yogīs meditam em Viṣṇu localizado dentro de seus corações, o qual possui quatro braços e porta quatro símbolos: búzio, disco, maça e lótus”. O yogī que medita no Viṣṇu de quatro braços absorve-se em êxtase devocional e demonstra os sintomas deste estado. Ora ele chora, ora sente saudades. Dessa maneira, ele mergulha em bem-aventurança transcendental. Resulta de tudo isso que ele se torna enredado como um peixe.

Os yogīs sagarbha e nigarbha podem ainda ser divididos em três categorias: o iniciante, o ascendente, e o que já alcançou a perfeição. Esses yogīs são descritos no Sexto Capítulo da Bhagavad-gītā. Aqueles que estão tentando ascender no caminho do yoga místico chamam-se ārurukṣu. No yoga ārurukṣu, praticam-se várias espécies de posturas sentadas, e a mente fica concentrada. Porém, quando a pessoa já se elevou ao caminho do yoga, as metas são meditação e desapego, e quando já não está apegada a trabalhar para o gozo dos sentidos, aos poucos ela torna-se livre. Neste momento ela também alcança o êxtase chamado yoga ārūḍha. Se, de uma ou outra forma, esses yogīs místicos entram em contato com uma pessoa santa, tornam-se devotos de Kṛṣṇa.

A palavra urukrama indica o Senhor Supremo. Todos os ātmārāmas ocupam-se no serviço devocional a Urukrama. Antes de se ocuparem em serviço devocional, esses transcendentalistas chamam-se śāntas, ou devotos pacíficos.

A palavra ātmā, ou eu, em alguns casos é traduzida como “mente”. Às vezes, os especuladores mentais apresentam diversas teorias filosóficas, porém, ao entrarem em contato com pessoas santas ocupadas em serviço devocional, eles também se tornam devotos.

O Śrīmad-Bhāgavatam (10.87.18) descreve as duas classes de yogīs (sagarbha e nigarbha) da seguinte maneira: “Os yogīs começam sua prática de yoga adorando o abdômen e tentam concentrar a atenção nos intestinos. Aos poucos, sua meditação eleva-se ao coração e concentra-se na mente e no coração. Depois a atenção deles eleva-se ao topo da cabeça, e considera-se que quem consegue elevar-se a esta posição tornou-se perfeito e não está mais sujeito a nascimentos e mortes”. Mesmo que entrem em contato com devotos puros, esses yogīs também prestam serviço devocional imotivado ao Senhor.

A palavra ātmā também significa “esforço”. Em toda prática existe algum esforço, e o esforço final é o esforço para alcançar o nível máximo de perfeição do serviço devocional. No Śrīmad-Bhāgavatam (1.5.18), afirma-se que a pessoa deve tentar alcançar a meta suprema, que é inalcançável mesmo nos sistemas planetários superiores ou inferiores. A ideia é que a felicidade e a miséria materiais estão disponíveis em todos os sistemas planetários no decurso do tempo, porém, a conquista máxima, o serviço devocional, não pode ser obtida em parte alguma sem esforço. Portanto, no Bṛhan-nāradīya Purāṇa, afirma-se que quem leva a sério a compreensão da suprema etapa perfectiva do serviço devocional pode ser bem-sucedido em tudo apenas através de seu esforço. Ninguém pode atingir a etapa perfectiva máxima do serviço devocional sem esforço pessoal. Como Kṛṣṇa afirma na Bhagavad-gītā (10.10):

teṣāṁ satata-yuktānāṁ
  bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
  yena mām upayānti te

“Àqueles que, sendo constantemente devotados, adoram-Me com amor, Eu dou a compreensão com o qual eles podem vir a Mim.”

A palavra ātmā também significa paciência e perseverança. Através da paciência e perseverança pode-se atingir a etapa suprema do serviço devocional.

No que diz respeito à palavra muni, existem significados adicionais. A palavra também se refere a um pássaro e a uma grande abelha negra. Outro significado da palavra nirgrantha é “uma pessoa tola”. Logo, mesmo os pássaros, abelhas e pessoas tolas ocupam-se no serviço ao Senhor Supremo quando são favorecidos pelo devoto puro. De fato, afirma-se no Śrīmad-Bhāgavatam (10.21.14) que os pássaros são devotados a servir o Senhor Supremo. Em outra passagem deste livro (10.15.6), também se afirma que as abelhas negras sempre seguem Kṛṣṇa e Balarāma. Em relação a isso, Śrī Kṛṣṇa chegou a descrever o serviço devocional que as abelhas e vespas estavam prestando à Suprema Personalidade de Deus. O Senhor Kṛṣṇa disse:

ete ’linas tava yaśo ’khila-loka-tīrthaṁ
  gāyanta ādi-puruṣānupathaṁ bhajante
prāyo amī muni-gaṇā bhavadīya-mukhyā
  gūḍhaṁ vane ’pi na jahaty anaghātma-daivam

“Ó supremamente virtuoso, ó Personalidade de Deus [Balarāma], vê só como essas abelhas e vespas estão Te seguindo, glorificando Tua fama transcendental e adorando-Te. Na verdade, essas vespas e abelhas não são o que parecem; elas são grandes sábios que estão aproveitando esta oportunidade para adorar a Alma Suprema. Embora não sejas conhecido por pessoas comuns, elas Te conhecem, e estão seguindo e glorificando a Ti.”

Existe um verso semelhante no Śrīmad-Bhāgavatam (10.15.7), que descreve a recepção que os pavões de Vṛndāvana deram a Balarāma e Kṛṣṇa. “Ó adorável, vê só como os pavões que estão retornando a seus ninhos estão Te recebendo com pleno prazer. Esses pavões são como as donzelas de Vraja. Os cucos nos galhos das árvores também estão Te recebendo a seu próprio modo. Os habitantes de Vṛndāvana são tão gloriosos que todos estão preparados para prestar serviço devocional ao Senhor.” Em outro verso do Śrīmad-Bhāgavatam (10.35.11), afirma-se: “Oh! vê só como os grous e cisnes na água estão cantando as glórias do Senhor! Na verdade, eles permanecem na água meditando nEle e adorando-O”. Em outra passagem do Śrīmad-Bhāgavatam (2.4.18), afirma-se: “Mesmo os aborígenes e homens incivilizados como os Kirātas, Hūṇas, Andhra, Pulinda, Pulkaśa, Ābhīra, Śumbha, Yavana e Khasa, bem como muitos outros seres humanos nas espécies inferiores, podem ser todos purificados pelo simples fato de se refugiarem nos devotos puros”. Portanto, Śukadeva Gosvāmī ofereceu suas respeitosas reverências ao Senhor Viṣṇu, cujos devotos podem atuar tão maravilhosamente.

Outro significado da palavra dhṛti é “compreender que se é elevado”. Quando alguém compreende sua própria elevação, sente que está livre de todas as misérias e eleva-se à plataforma máxima da vida. Todos os devotos de Kṛṣṇa em plena consciência de Kṛṣṇa estão livres de toda classe de prazeres e misérias materiais. Eles estão plenamente absortos no serviço ao Senhor, e são sempre joviais em virtude de sua ocupação em Seu serviço transcendental. Eles são homens com experiência da felicidade. De fato, eles são tão felizes que nem sequer desejam ser promovidos aos planetas espirituais, pois estão felizes em qualquer esfera de vida. Sendo completos no transcendental serviço ao Senhor, eles não desejam objetos materiais nem prazeres sensuais. Como afirmaram os Gosvāmīs: “As pessoas cujos sentidos estão fixos no serviço ao Senhor Supremo podem ser chamadas de pacíficas”.

Portanto, a palavra ātmārāma indica que mesmo pássaros, animais e tolos – em suma, todos – podem ser atraídos pelas qualidades transcendentais de Kṛṣṇa, ocupar-se no serviço a Ele e liberarem-se.

Ainda outro significado de ātmā é “inteligência”. Quem possui inteligência especial também é chamado de ātmārāma. Os ātmārāmas com inteligência especial são de duas classes. Um é o sábio erudito, e o outro é o tolo sem conhecimento livresco. Ambos podem ter oportunidade de se associar com o devoto puro. Mesmo os ātmārāmas tolos podem abandonar tudo e ocupar-se em consciência de Kṛṣṇa, em serviço devocional puro. No Śrīmad-Bhāgavatam, afirma-se que o Senhor é a origem de tudo e que tudo emana dEle. Qualquer pessoa deveras inteligente pode entender que o Supremo Senhor Kṛṣṇa é a fonte de tudo e assim ocupar-se no serviço a Ele. Como afirma o Śrīmad-Bhāgavatam (2.7.45): “Se mesmo as pessoas menos inteligentes, como as mulheres, trabalhadores, os hūṇas, śabaras, e os pássaros e animais, podem alcançar a suprema plataforma perfectiva da vida, que se dizer, então, das pessoas que são bastante inteligentes para estudar os Vedas”. Como foi citado antes, a Bhagavad-gītā (10.10) também indica que, quando a pessoa se torna muitíssimo inteligente e se ocupa em consciência de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa reciproca dando-lhe a inteligência através da qual ela pode ser promovida à morada do Senhor Supremo.

O Senhor, então, disse a Sanātana Gosvāmī que se associar com bons devotos, ocupar-se no serviço transcendental ao Senhor, compreender o Śrīmad-Bhāgavatam, cantar o santo nome do Senhor, e residir num lugar sagrado como Vṛndāvana ou Mathurā, são todos muito importantes para a elevação ao plano transcendental. Não é necessário preencher todos estes cinco requisitos; se alguém for perito em apenas um deles, ele será, sem falta, elevado à fase de amor a Deus. Quem, de fato, é inteligente, abandona todos os desejos materiais e ocupa-se no transcendental serviço a Kṛṣṇa. A influência do serviço devocional é tamanha que, ao se ocupar nele, a pessoa abandona todos os desejos materiais e apega-se plenamente a Kṛṣṇa, sendo inspirada pelas qualidades transcendentais do Senhor. Tal é a beleza do Senhor aos olhos do Seu devoto.

Outro significado da palavra ātmā é “natureza”. Neste caso, a palavra ātmārāma indica que todos estão desfrutando a natureza específica que adquiriram. Contudo, a natureza final, ou a natureza perpétua da entidade viva, é servir ao Senhor Supremo. Quem alcança a perfeição de entender sua verdadeira natureza – como servo eterno do Senhor – abandona seu conceito designativo (material, ou corpóreo) de vida. Isto é verdadeiro conhecimento. Aqueles que estão em busca de conhecimento e que obtêm a oportunidade de se associar com o devoto puro também se ocupam em serviço devocional ao Senhor. Sábios como os quatro Kumāras, bem como os tolos e pássaros, podem ocupar-se no transcendental serviço ao Senhor. Sendo favorecida com a misericórdia imotivada de Kṛṣṇa, toda e qualquer pessoa pode elevar-se à plataforma da consciência de Kṛṣṇa.

Ao se sentir atraída pelas qualidades transcendentais de Kṛṣṇa, a pessoa começa o serviço devocional. O Śrīmad-Bhāgavatam (10.15.8) glorifica a terra de Vṛndāvana desta maneira:

dhanyeyam adya dharaṇī tṛṇa-vīrudhas tvat-
  pāda-spṛśo druma-latāḥ karajābhimṛṣṭāḥ
nadyo ’drayaḥ khaga-mṛgāḥ sadayāvalokair
  gopyo ’ntareṇa bhujayor api yat-spṛhā śrīḥ

“Esta terra de Vrajabhūmi é glorificada pelo toque de Vossos pés. Sendo tocadas por Vossos dedos, as trepadeiras também Vos glorificam. Quando olhais as colinas, rios e animais inferiores, todos se tornam gloriosos, e as gopīs, sendo abraçadas por Vossos braços transcendentais, também são gloriosas.” As gopīs (vaqueirinhas) glorificaram Vṛndāvana com as seguintes palavras: “Queridas amigas, todos os habitantes de Vrajabhūmi – inclusive os pássaros, animais e árvores – são glorificados ao verem o Senhor Kṛṣṇa indo ao pasto com Seus amigos e Balarāma”.

A palavra ātmā também significa “este corpo”. Os yogīs que praticam exercícios corpóreos, considerando o corpo como o eu, também são elevados ao transcendental serviço ao Senhor, caso se associem com devotos puros. Há muita gente que, acreditando que o corpo é o eu, ocupa-se em muitas atividades fruitivas, incluindo rituais de ablução e outras atividades mundanas comuns. Entretanto, ao entrarem em contato com o devoto puro, elas também se ocupam no transcendental serviço ao Senhor.

No Śrīmad-Bhāgavatam (1.18.12), afirma-se: “Ó meu querido Sūta Gosvāmī, muito embora tenhamos sido obscurecidos pela fumaça sacrificatória das atividades fruitivas, concedeste-nos o néctar dos pés de lótus de Kṛṣṇa”. Também se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (4.21.31): “As águas do Ganges fluem da ponta dos pés de lótus de Kṛṣṇa, e banhando-se nesta água, todos – inclusive os trabalhadores fruitivos e os sábios – podem lavar as sujeiras da mente”.

Mesmo aqueles que acreditam que o corpo é o eu, ou os que estão cheios de desejos materiais, também são, num sentido, ātmārāma. Ao se associarem com devotos puros do Senhor, eles abandonam seus desejos materiais e aperfeiçoam-se no serviço ao Senhor. O melhor exemplo disso encontra-se no Hari-bhakti-sudhodaya (7.28), onde Dhruva Mahārāja disse:

sthānābhilāṣī tapasi sthito ’haṁ
  tvāṁ prāptavān deva-munīndra-guhyam
kācaṁ vicinvann api divya-ratnaṁ
  svāmin kṛtārtho ’smi varaṁ na yāce

“Meu querido Senhor, vim adorar-Vos porque desejava alguma terra neste planeta, mas felizmente alcancei a Vós, que estais além da percepção até dos grandes sábios e pessoas santas. Vim em busca de algumas partículas de vidro colorido, porém, ao invés disso, encontrei uma pedra muito preciosa como Vós. Estou satisfeito e não desejo pedir-Vos nada.”

Existe ainda outro significado para a palavra nirgrantha. A palavra também pode significar “caçador tolo”, ou “pobre miserável”. Há o exemplo de um caçador que obteve a salvação e ocupou-se no serviço devocional ao Senhor pelo simples fato de se associar com Nārada, um devoto puro. Na verdade, o Senhor Caitanya contou a Sanātana Gosvāmī a seguinte história atinente ao encontro do caçador com Nārada.

Certa vez, havia um caçador na floresta de Prayāga, o qual teve a grande sorte de encontrar-se com Nārada Muni quando o grande sábio regressava de Vaikuṇṭha após visitar o Senhor Nārāyaṇa. Nārada foi a Prayāga para banhar-se na confluência do Ganges com o Yamunā. Enquanto passava pela floresta, Nārada viu um pássaro caído no chão. O pássaro estava semimorto, atravessado por uma flecha, piando pateticamente. Em seguida, Nārada viu um veado debatendo-se em agonia. Adiante, viu que um javali também estava sofrendo, e, em outro lugar, viu um coelho contorcendo-se com dores. Tudo isso o deixou muito compassivo e o fez pensar: “Quem é o tolo que cometeu tamanhos pecados?” Se mesmo os devotos neófitos são compassivos com as misérias das entidades vivas, que se dizer, então, do grande sábio Nārada? Ele ficou muito pesaroso com esta cena, e, após dar alguns passos adiante, viu um caçador, com arco e flechas, ocupado em caçar. Sua tez era muito escura, e seus olhos, vermelhos. O simples fato de vê-lo postado ali com seu arco e flechas, assemelhando-se a um sequaz de Yamarāja, a Morte, causava temor. Ao vê-lo, Nārada Muni adentrou a floresta para encontrar-se com ele. Conforme Nārada Muni passou pela floresta, todos os animais apanhados nas armadilhas do caçador fugiram. O caçador ficou muito irado com isso, e estava prestes a insultar Nārada, porém, devido à santidade de Nārada, o caçador não pôde proferir tais blasfêmias. Pelo contrário, com comportamento gentil, perguntou a Nārada: “Meu querido senhor, por que vieste aqui enquanto estou caçando? Por acaso te desviaste da trilha principal? Porque vieste aqui, todos os animais em minhas armadilhas fugiram”.

“Sim, sinto muito”, respondeu Nārada. “Vim a ti para encontrar meu próprio caminho e para perguntar-te algo. Vi que há muitos javalis, veados e coelhos no caminho. Eles jazem debatendo-se semimortos no chão da floresta. Quem cometeu estes atos pecaminosos?”

“O que viste está correto”, respondeu o caçador. “Fui eu que fiz isso.”

“Se estás caçando todos esses pobres animais, por que não os matas de uma vez?”, perguntou Narada. “Tu os deixas semimortos, e eles estão sofrendo as torturas da morte. Isso é um grande pecado. Se queres matar um animal, por que não o matas de vez? Por que os deixas semimortos e permites que morram contorcendo-se?”

“Meu caro senhor”, respondeu o caçador. “Meu nome é Mṛgāri, inimigo dos animais. Estou apenas seguindo os ensinamentos de meu pai, que me ensinou a deixar os animais semimortos contorcendo-se de agonia. Quando um animal semimorto sofre, sinto grande prazer nisso.”

“Peço-te apenas uma coisa”, implorou Nārada. “Por favor, aceita isto.”

“Oh! Sim, te darei o que quiseres”, disse o caçador. “Se queres algumas peles de animais, vem até minha casa. Tenho muitas peles de animais, incluindo tigres e veados. Te darei o que quiseres.”

“Não desejo tais coisas”, respondeu Nārada. “Entretanto, tenho um pedido. Se, por bondade, o concederes para mim, te direi do que se trata. Por favor, de amanhã em diante, quando matares um animal, por favor, mata-o de vez. Não o deixes semimorto.”

“Meu querido senhor, o que estás me pedindo? Qual a diferença entre deixar um animal semimorto ou matá-lo de vez?”

“Se deixas os animais semimortos, eles sofrem grande dor”, explicou Nārada. “E se infliges demasiada dor a outras entidades vivas, cometes grande pecado. Cometes uma grande ofensa ao matares um animal, porém, a ofensa é muito maior quando os deixas semimortos. Na verdade, num futuro nascimento, terás de aceitar a dor que causas aos animais semimortos.”

Embora o caçador fosse muito pecaminoso, seu coração abrandou-se e em virtude da associação com um grande devoto como Nārada, ficou temeroso em ter de sofrer por seus pecados. Os pecadores grosseiros não têm nenhum medo de cometer pecados, mas aqui podemos ver que, devido à associação com um grande devoto como Nārada, o caçador purificou-se e receou por ter cometido tantas atividades pecaminosas. O caçador, portanto, respondeu: “Meu querido senhor, desde minha infância fui ensinado a matar animais desta maneira. Por favor, dize-me como posso livrar-me de todas as ofensas e atividades pecaminosas que acumulei. Rendo-me a teus pés de lótus. Por favor, salva-me de todas as reações a minhas atividades pecaminosas cometidas no passado, e, por favor, orienta-me ao caminho adequado conducente a liberação”.

“Se, de fato, queres seguir minhas orientações, eu poderia mostrar-te o verdadeiro caminho através do qual poderás ficar livre de todas as reações pecaminosas.”

“Seguirei tudo o que disseres sem hesitação”, concordou o caçador.

Nārada mandou-o primeiro quebrar seu arco; só então revelaria o caminho da liberação.

“Estás pedindo que eu quebre meu arco”, protestou o caçador, “mas, se o quebro, quais serão meus meios de subsistência?”

“Não te preocupes com tua subsistência”, disse Nārada. “Eu te enviarei cereais suficientes às tuas necessidades.”

O caçador, então, quebrou seu arco e prostrou-se aos pés de Nārada. Este pediu-lhe que se levantasse, e instruiu-o: “Vai a tua casa e distribui aos devotos e brāhmaṇas todo o dinheiro e objeto de valor que acaso possuas. Depois, vem e segue-me, usando apenas um trapo. Constrói uma pequena cabana de sapé à margem do rio e semeia uma planta de tulasī perto da casa. Circum-ambula a planta de tulasī, e todos os dias saboreia uma folha que cair. Acima de tudo, sempre canta Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. Com relação a seu sustento, vou mandar-te cereais, mas aceitarás apenas o necessário para ti e tua esposa”.

Nārada então reviveu os animais semimortos, que, vendo-se livres da terrível condição, fugiram. Ao ver Nārada executar este milagre, o caçador negro ficou estupefato. Depois de levar Nārada a sua casa, voltou a prostrar-se a seus pés.

Nārada retornou a seu lugar, e o caçador, depois de voltar para casa, passou a executar as instruções que Nārada havia lhe dado. Neste ínterim, a notícia de que o caçador se tornara um devoto espalhou-se por todas as aldeias. Consequentemente, os residentes destas aldeias vieram ver o novo vaiṣṇava. É um costume védico levar cereais e frutas quando se visita uma pessoa santa, e como todos os aldeãos viram que o caçador havia se tornado um grande devoto, trouxeram comestíveis para ele. Assim, todos os dias, ofereciam-lhe cereais e frutas, tanto que dava para dez ou vinte pessoas. De acordo com as instruções de Nārada, ele não aceitava nada mais que o necessário ao seu sustento e de sua esposa.

Depois de alguns dias, Nārada falou a seu amigo Parvata Muni: “Eu tenho um discípulo. Vamos vê-lo e verificar se ele está indo bem”.

Quando os dois sábios, Nārada e Parvata, chegaram à casa do caçador, este, ao ver seu mestre espiritual vindo de longe, pôs-se a caminhar em sua direção com grande respeito. A caminho para saudar os grandes sábios, o caçador viu que havia formigas no chão impedindo sua passagem. Quando alcançou os sábios, tentou prostrar-se diante deles, mas viu que havia tantas formigas que ele não poderia prostrar-se sem esmagá-las. Então, ele suavemente as tirou com sua roupa. Ao ver que o caçador estava tentando salvar a vida das formigas desta maneira, Nārada lembrou-se de um verso do Skanda Purāṇa: “Não é maravilhoso que um devoto do Senhor não tem inclinação a causar nenhuma espécie de dor a ninguém, nem mesmo a uma formiga?” Ainda que, outrora, sentisse grande prazer em deixar animais semimortos, ao se tornar um grande devoto do Senhor, não estava disposto a machucar nem mesmo uma formiga.

O caçador recebeu os dois sábios em sua casa e ofereceu-lhes um assento, trouxe água, lavou seus pés, ofereceu-lhes água para beber, e por fim, ele e sua esposa, tocaram com suas cabeças a água que lavara os seus pés. Depois disto, eles ficaram em êxtase e começaram a dançar e a cantar Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. Eles levantavam os braços e dançavam com suas roupas esvoaçantes. Quando os dois grandes sábios viram o êxtase de amor a Deus manifesto no corpo do caçador, Parvata Muni falou a Nārada: “És uma pedra filosofal, pois, por associar-se contigo, mesmo um grande caçador converteu-se num grande devoto”.

Há um verso no Skanda Purāṇa que afirma: “Meu querido Devarṣi [Nārada], és glorioso, e, mediante tua misericórdia, mesmo a mais baixa criatura, um caçador de animais, também se elevou ao caminho da devoção e alcançou transcendental apego a Kṛṣṇa”.

Afinal, Nārada inquiriu ao devoto-caçador: “Estás recebendo alimentos regularmente?”

“Envias tantas pessoas”, respondeu o caçador, “e eles trazem tantos comestíveis que nem sequer podemos dar conta de comê-los.”

“Está bem”, respondeu Nārada. “Qualquer coisa que estejas ganhando está ótimo. Agora, basta continuares teu serviço devocional da mesma maneira.”

Depois disto, Nārada e Parvata Muni desapareceram da casa do caçador. O Senhor Caitanya contou esta história para mostrar que mesmo um caçador pode se ocupar em serviço devocional a Kṛṣṇa através da influência do devoto puro.

Continuando a explicar o verso ātmārāma, o Senhor Caitanya ressaltou que a palavra ātmā também indica todas as variedades da Personalidade de Deus. Em geral, a própria Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, e Suas diferentes expansões são todas conhecidas como a Personalidade de Deus.

Qualquer um ocupado no serviço devocional a qualquer forma ou extensão da Suprema Personalidade de Deus também é chamado ātmārāma. Todos estes devotos estão ocupados ou nos princípios reguladores do serviço devocional ou no serviço devocional em amor transcendental. Estes devotos também são divididos em três categorias: os companheiros, os que são perfeitos em serviço devocional, e os que se ocuparam recentemente em serviço devocional. Os devotos iniciantes podem ser divididos em dois: aqueles que já desenvolveram apego ao Senhor e aqueles que não desenvolveram tal apego. Quando considerados em relação às duas divisões de serviço devocional (isto é, regulado e com apego em amor transcendental), estas classes de devotos perfazem o número de oito. Ao seguirem os princípios reguladores da devoção, os associados perfeitos do Senhor são em seguida divididos em quatro classes: os servos, os amigos, os superiores parentais e as noivas.

Enquanto alguns devotos aperfeiçoam-se mediante a execução do serviço devocional, outros já são eternamente perfeitos. Entre aqueles que seguem os princípios reguladores do serviço devocional, existem os adiantados e os principiantes; e no transcendental serviço amoroso ao Senhor, existem dezesseis classes de devotos. Assim, podem-se classificar os ātmārāmas em trinta e duas divisões. Se aplicamos as palavras muni, nirgrantha, ca e api às trinta e duas classes haverá, então, cinquenta e oito classes distintas de devotos. Todos estes podem ser descritos por uma palavra: ātmārāma. Talvez haja diferentes espécies de árvores numa floresta, mas a palavra “árvore” descreve a todas.

Deste modo, o Senhor deu sessenta significados diferentes da palavra ātmārāma. Além disso, Ele explicou que a palavra ātmā significa “a entidade viva, desde a primeira criatura viva, Brahmā, até a formiga”. Ele citou um verso do Sexto Capítulo do Viṣṇu Purāṇa no qual se afirma que todas as energias do Senhor são espirituais. Embora seja este o caso, a energia conhecida como a fonte das entidades vivas chama-se espiritual, mas a outra energia, que é cheia de ignorância e manifesta-se em atividades materiais, chama-se natureza material. Mesmo na criação material, as entidades vivas são inumeráveis. Se, por acaso, a entidade viva no mundo material se associa com o devoto puro, ela consegue se ocupar em serviço devocional puro a Kṛṣṇa. “Outrora pensei em sessenta significados distintos para a palavra ātmārāma”, disse o Senhor a Sanātana Gosvāmī, “mas agora, devido a tua companhia, outro significado vem a Minha mente.”

Depois de ouvir as diversas explicações da palavra ātmārāma, Sanātana Gosvāmī ficou atônito, e, em devoção, prostrou-se aos pés do Senhor Caitanya. “Eu compreendo que és a própria Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa”, disse Sanātana, “e através da Tua respiração muitas manifestações da literatura védica vêm a existir. És o mestre do Śrīmad-Bhāgavatam, e sabeis melhor do que ninguém os significados de seus versos. Não é possível que, sem a Tua misericórdia, outros consigam entender os significados confidenciais do Śrīmad-Bhāgavatam.

“Não tentes Me agradar desta maneira”, disse o Senhor a Sanātana. “Apenas tenta compreender a verdadeira natureza do Śrīmad-Bhāgavatam. O Śrīmad-Bhāgavatam é a representação sonora do Supremo Senhor Kṛṣṇa; portanto, o Śrīmad-Bhāgavatam não é diferente de Kṛṣṇa. Kṛṣṇa é ilimitado, e, da mesma forma, cada palavra e letra do Śrīmad-Bhāgavatam tem ilimitados significados. Podem-se compreender estes significados através da companhia dos devotos. Não digas, então, que o Śrīmad-Bhāgavatam é uma mera coleção de perguntas e respostas.”

Os sábios de Naimiṣāraṇya apresentaram a Sūta Gosvāmī seis questões, e Sūta Gosvāmī explicou ou respondeu às seis questões no Śrīmad-Bhāgavatam. Há um verso na literatura védica no qual o Senhor Śiva diz: “Com relação ao Bhāgavatam, talvez eu o conheça, ou talvez Śukadeva ou Vyāsadeva o conheçam, ou talvez nós não o conheçamos – porém, na realidade, o Bhāgavatam é para ser entendido através do serviço devocional e de parte de um devoto, e não pela própria inteligência ou comentários acadêmicos”. No começo do Śrīmad-Bhāgavatam (1.1.23), os sábios de Naimiṣāraṇya perguntaram:

brūhi yogeśvare kṛṣṇe
  brahmaṇye dharma-varmaṇi
svāṁ kāṣṭhām adhunopete
  dharmaḥ kaṁ śaraṇaṁ gataḥ

“Meu caro Senhor, por favor, dize-nos se os princípios da religião se foram com o Senhor, depois que Ele partiu para Sua própria morada. Como poderemos encontrar esses princípios após Sua partida?”

A resposta foi dada em Śrīmad-Bhāgavatam (1.3.43):

kṛṣṇe sva-dhāmopagate
  dharma-jñānādibhiḥ saha
kalau naṣṭa-dṛśām eṣa
  purāṇārko ’dhunoditaḥ

“Depois que Kṛṣṇa partiu para Sua morada acompanhado de todos os princípios religiosos, Seu representante, o Śrīmad-Bhāgavatam, o Mahā-purāṇa, permanece como o Sol refulgente e iluminante.”

O Senhor Caitanya disse então a Sanātana Gosvāmī: “Eu estava exatamente como um louco descrevendo este verso ātmārāma de tantas maneiras. Não te preocupes se disse alguma loucura. Porém, caso alguém se torne louco como Eu, poderá entender o verdadeiro significado do Śrīmad-Bhāgavatam tal qual o tenho explicado”.

Então, Sanātana Gosvāmī, de mãos postas, prostrou-se aos pés do Senhor Caitanya e orou. “Meu querido Senhor”, disse, “Pediste-me que preparasse os princípios reguladores do serviço devocional, porém, eu pertenço à casta mais baixa. Não tenho conhecimento. Não sei como posso cumprir missão tão importante. Se bondosamente me deres algumas sugestões de como preparar semelhante livro sobre o serviço devocional, talvez eu possa escrevê-lo.”

O Senhor o abençoou, então, dizendo: “Tudo que escreveres, pela graça de Kṛṣṇa, virá de teu coração e será aceito como solicitaste. Dar-te-ei também algumas informações que deverás anotar. O primeiro e mais importante ponto é que se deve aceitar um mestre espiritual genuíno. Este é o começo da vida espiritual”. O Senhor Caitanya, então, pediu a Sanātana Gosvāmī que anotasse os sintomas de um verdadeiro guru e de um verdadeiro devoto. O Padma Purāṇa descreve os sintomas do devoto: a pessoa que é um brāhmaṇa qualificado e que, ao mesmo tempo, tem todos os sintomas de um devoto, pode tornar-se mestre espiritual para todas as classes de homens. Semelhante devoto e mestre espiritual deve ser respeitado como o próprio Deus. Mesmo que alguém tenha nascido numa família de brāhmaṇas muito respeitável, ele não poderá ser um mestre espiritual genuíno caso não seja um devoto do Senhor. Ninguém deve pensar erroneamente que um mestre espiritual genuíno precisa ter nascido numa suposta família de brāhmaṇas. A ideia é que um mestre espiritual deve ser um brāhmaṇa qualificado; isto é, ele deve ser qualificado através de suas atividades.

No Śrīmad-Bhāgavatam, Nārada confirma isto ao falar dos diversos sintomas característicos das quatro divisões da vida social. Nārada resumiu nessa passagem que brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras devem ser selecionados mediante suas qualificações individuais. Em seu comentário, Śrīdhara Svāmī mencionou que nascer numa família de brāhmaṇas não significa necessariamente que alguém é brāhmaṇa. Deve-se estar qualificado com os sintomas de um brāhmaṇa, tais como são descritos nos śāstras. Na sucessão discipular da sampradāya gauḍīya vaiṣṇava, existem dois grandes ācāryas (Ṭhākura Narottama e Śyāmānanda Gosvāmī) que não nasceram em famílias de brāhmaṇas, mas que foram aceitos como mestres espirituais por muitos brāhmaṇas famosos, inclusive Gaṅgānārāyaṇa, Rāma-Kṛṣṇa etc.

Dessa maneira, há sintomas evidenciados pelo devoto em perspectiva; e o discípulo e o mestre espiritual devem ver se ambos são qualificados, um para ser o mestre espiritual genuíno e o outro para ser o estudante genuíno. Deve-se saber então que o único objeto adorável é a Suprema Personalidade de Deus, e devem-se aprender os vários mantras e canções sagradas.

O Senhor então instruiu Sanātana a descrever os sintomas das pessoas qualificadas para aceitar os mantras e como os mantras devem ser entendidos e aperfeiçoados através de procedimentos ritualísticos. Em seguida, o Senhor descreveu a iniciação, os deveres matutinos e os deveres de limpeza – lavar o rosto e escovar os dentes –, o processo de trabalho e as orações recitadas no amanhecer e entardecer. O Senhor também expôs como se deve adorar o mestre espiritual e marcar o próprio corpo com gopī-candana. Também descreveu como coletar folhas de tulasī e lavar o quarto e templo do Senhor, e ensinou como acordar Kṛṣṇa de Seu sono. O Senhor Caitanya apresentou diversos métodos de adorar o Senhor, a saber, os métodos da parafernália de cinco e da de cinquenta itens. Descreveu como se deve adorar o Senhor oferecendo-Lhe ārati cinco vezes ao dia, como oferecer alimentos a Kṛṣṇa e deitá-lO na cama. O Senhor Caitanya também falou sobre o efeito de ir a lugares sagrados onde existem muitos templos do Senhor e de ver a forma do Senhor no templo. Falou da glorificação ao transcendental nome do Senhor e das diversas ofensas que devem ser evitadas enquanto se executa a adoração. Na adoração ao Senhor, usa-se determinada parafernália, tal como búzio, água, flores fragrantes, orações e hinos, e há também circum-ambulação e oferecimento de reverências. Devem-se seguir os princípios reguladores de puraścaraṇa e aceitar Kṛṣṇa prasāda, rejeitando alimentos não oferecidos a Kṛṣṇa. O Senhor Caitanya advertiu que ninguém deve difamar aquele que tenha os verdadeiros sintomas de um devoto.

O Senhor Caitanya também explicou os sintomas de uma pessoa santa e o processo de satisfazer o sábio e de rejeitar a companhia de pessoas indesejáveis. O Senhor aconselhou que se deve ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam constantemente. Devem-se seguir os deveres diários e os deveres quinzenais, bem como o jejum no dia de ekādaśī. Devem-se cumprir os deveres mensais e observar cerimônias como ekādaśī, Janmāṣṭamī, Vāmanadvādaśī, Śrī Rāmanavamī e Nṛsiṁhacaturdaśī. Quando coincidem com os outros dias (viddhā), as datas de jejum auxiliam no avanço do serviço devocional. Depois, o Senhor Caitanya instruiu Sanātana Gosvāmī a mostrar evidências documentais dos Purāṇas a cada passo. Mencionou como estabelecer templos do Senhor, e descreveu o comportamento geral, sintomas, deveres e ocupações de um vaiṣṇava. Em suma, o Senhor explicou todos os detalhes necessários para se escrever um livro sobre princípios reguladores vaiṣṇavas.

Sanātana Gosvāmī foi um grande devoto do Senhor, e recebeu a instrução específica de espalhar o culto de bhakti escrevendo muitos livros. Existe uma descrição de Sanātana Gosvāmī no Caitanya-candrodaya, onde se menciona que Sanātana Gosvāmī foi uma das mais importantes personalidades no governo do nababo Hussain. Seu irmão, Rūpa Gosvāmī, também foi um ministro do governo, mas ambos abandonaram seus lucrativos postos governamentais para se tornarem mendicantes e servir ao Senhor Supremo. Externamente, os irmãos pareciam mendigos comuns, porém seus corações estavam saturados de transcendental serviço amoroso e de grande amor pelo vaqueirinho de Vṛndāvana. De fato, Sanātana Gosvāmī era benquisto por todos os devotos puros de seu tempo.

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