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Capítulo Vinte

O Objetivo do Estudo do Vedānta

Conclui-se que o Senhor Kṛṣṇa, ou Viṣṇu, não pertence a este mundo material. Ele pertence ao mundo espiritual. Quem O considera um semideus mundano é um grande ofensor e blasfemo. O Senhor Viṣṇu não está sujeito à percepção dos sentidos materiais, nem pode ser compreendido através da especulação mental. Embora no mundo material sempre haja diferença entre o corpo e a alma, não há diferença entre o corpo e a alma do Supremo Senhor Viṣṇu.

Os objetos materiais são desfrutados pelas entidades vivas porque estas são superiores, ao passo que a natureza material é de qualidade inferior. Assim, a qualidade superior, as entidades vivas, pode desfrutar da qualidade inferior, a matéria. Porque não é tocado pela matéria de maneira alguma, o Senhor Viṣṇu não está sujeito a desfrutar da natureza material como o fazem as entidades vivas. Desfrutando seus hábitos de especulação mental, as entidades vivas não podem adquirir conhecimento sobre Viṣṇu. As entidades vivas infinitesimais não são desfrutadoras de Viṣṇu, senão que são desfrutadas por Viṣṇu. Apenas um grandessíssimo ofensor pensa que Viṣṇu fé desfrutado. A maior blasfêmia é considerar Viṣṇu e a entidade viva no mesmo nível.

A Suprema Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, é comparada a um fogo ardente, e as inumeráveis entidades vivas são comparadas a centelhas que emanam desse fogo. Embora, em qualidade, o Senhor Supremo e as entidades vivas sejam fogo, existe ainda uma distinção. O Viṣṇu Supremo é infinito, enquanto as entidades vivas, que não são mais que centelhas, são infinitesimais. As entidades vivas infinitesimais são emanações do espírito infinito original. Em sua posição constitucional como espíritos infinitesimais, não há vestígio de matéria.

As entidades vivas não são tão grandiosas quanto Nārāyaṇa, Viṣṇu, que está além desta criação material. Mesmo Śaṅkarācārya aceita que Nārāyaṇa está situado além da criação material. Já que Viṣṇu e a entidade viva não pertencem à criação material, pode-se argumentar: “Afinal, por que as pequenas partículas espirituais foram criadas?” A resposta é que a Suprema Verdade Absoluta é completa em Sua perfeição devido ao fato de ser tanto infinita quanto infinitesimal. Se Ela fosse apenas infinita e não infinitesimal, Ela não seria perfeita. A porção infinita é o viṣṇu-tattva, ou a Suprema Personalidade de Deus, e a porção infinitesimal é a entidade viva.

Devido aos infinitos desejos da Suprema Personalidade de Deus, ocorre a existência do mundo espiritual, e devido aos desejos infinitesimais da entidade viva, ocorre a existência do mundo material. Ao se ocuparem em seus desejos infinitesimais de gozo material, as entidades vivas infinitesimais são chamadas de jīva-śakti, porém, ao se harmonizarem com o infinito, são chamadas de almas liberadas. Portanto, não é necessário perguntar por que Deus criou as porções infinitesimais; elas são apenas o complemento do Supremo. Sem dúvida, é essencial que o infinito tenha porções infinitesimais que são partes integrantes inseparáveis da alma suprema. Porque as entidades vivas são partes integrantes infinitesimais do Supremo, há uma reciprocação de sentimentos entre o infinito e o infinitesimal. Se não houvesse entidades vivas infinitesimais, o Senhor Supremo teria ficado inativo, e não haveria variedade na vida espiritual. Não tem sentido um rei não ter súditos, de igual modo, não há sentido para o Deus Supremo se não existirem entidades vivas infinitesimais. Que sentido tem a palavra “senhor” se não há ninguém para ser dominado? Logo, conclui-se que as entidades vivas são consideradas expansões da energia do Senhor Supremo, e o Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, é o energético.

Em todos os textos védicos, inclusive na Bhagavad-gītā e no Viṣṇu Purāṇa, há muitas evidências para distinguir entre a energia e o energético. Na Bhagavad-gītā (7.4), afirma-se claramente que terra, água, fogo, ar e éter são os cinco principais elementos grosseiros do mundo material e que mente, inteligência e falso ego são os três elementos sutis. A natureza material em sua totalidade é formada por estes oito elementos, que juntos compreendem a natureza inferior, ou energia, do Senhor. Outro nome para esta natureza inferior é māyā, ou ilusão. Além destes oito elementos inferiores, há uma energia superior, chamada parā-prakṛti. Esta parā-prakṛti é a entidade viva, que se encontra em grande quantidade por todo o mundo material. Ela é indicada na Bhagavad-gītā (7.5) como jīva-bhūtām. Isto significa que o Senhor Supremo é a Verdade Absoluta, o energético, e como tal, Ele tem Suas energias. Quando Sua energia não se manifesta adequadamente, ou quando é coberta por alguma sombra, chama-se māyā-śakti. A manifestação cósmica material é um produto desta māyā-śakti encoberta.

De fato, as entidades vivas estão além desta energia inferior encoberta. Elas têm existência espiritual pura, identidade pura, bem como atividades mentais puras. Todas elas estão além da manifestação deste cosmos. Embora a mente, inteligência e identidade do ser vivo estejam além do limite deste mundo material, quando, devido a seu desejo de dominar a matéria, ele entra neste mundo material, sua mente, inteligência e corpo originais ficam encobertos pela energia material. Quando outra vez se remove dela essas coberturas compostas de energias materiais ou inferiores, ela é chamada liberada. Ao se liberar, ela abandona o falso ego, e seu ego verdadeiro volta a existir. Especuladores mentais tolos pensam que, após a liberação, a identidade da pessoa se perde, mas isso não é verdade. Porque a entidade viva é eternamente parte integrante de Deus, quando se libera, ela revive sua identidade como parte integrante, original e eterna. Compreender que ahaṁ brahmāsmi (não sou este corpo) não significa que a entidade viva perde sua identidade. Agora, a pessoa pode considerar-se matéria, porém, em seu estado liberado ela entenderá que não é matéria, senão alma espiritual, parte do infinito. Tornar-se consciente de Kṛṣṇa ou consciente do espírito e ocupar-se no transcendental serviço amoroso a Kṛṣṇa assinalam a fase liberada.

No Viṣṇu Purāṇa (6.7.61), afirma-se claramente:

viṣṇu-śaktiḥ parā prokta
  kṣetra-jñākhyā tathā parā
avidyā-karma-saṁjñānyā
  tṛtīyā śaktir iṣyate

“A energia do Senhor Supremo divide-se em três: parā, kṣetrajña e avidyā.” A energia parā é, na verdade, a energia do próprio Senhor Supremo; a energia kṣetrajña é a entidade viva; e a energia avidyā é o mundo material ou māyā. Ela é chamada avidyā, ou ignorância, porque, sob o encanto desta energia material, a pessoa esquece sua posição verdadeira e seu relacionamento com o Senhor Supremo. Portanto, as entidades vivas representam uma das energias do Senhor Supremo, e, como partes integrantes infinitesimais do Supremo, chamam-se jīvas. Se as jīvas forem colocadas artificialmente no mesmo nível que o Supremo infinito – pois ambos são Brahman, ou espírito – o resultado seguro será desorientação.

De modo geral, os filósofos māyāvādīs ficam perplexos diante de um vaiṣṇava erudito, porque não podem explicar a causa do cativeiro das entidades vivas. Dizem apenas: “É devido à ignorância”, porém, não podem explicar por que as entidades vivas, que eles consideram supremas, são cobertas pela ignorância. A verdadeira razão é que as entidades vivas, embora, em qualidade, sejam iguais ao Supremo, são infinitesimais e não infinitas. Se elas fossem infinitas, não haveria possibilidade de serem cobertas pela ignorância. Porque a entidade viva é infinitesimal, ela é coberta por uma energia inferior. A tolice e ignorância dos māyāvādīs se revelam quando tentam explicar como o infinito fica coberto pela ignorância. É ofensivo tentar atribuir ao infinito a qualidade de subordinado ao encanto da ignorância.

Embora estivesse tentando encobrir o Senhor Supremo com sua filosofia māyāvādī, Śaṅkara só estava cumprindo Sua ordem. Deve-se entender que seus ensinamentos eram uma necessidade temporária e não um fato permanente. O Vedānta-sūtra, desde o começo, aceita a distinção entre energia e energético. No Vedānta-sūtra, o primeiro aforismo (janmādy asya) explica claramente que a Suprema Verdade Absoluta é a origem ou fonte de todas as emanações. Dessa maneira, as emanações são a energia do Supremo, ao passo que o próprio Supremo é o energético. Śaṅkara argumentou falsamente que, se for aceita a transformação de energia, a Suprema Verdade Absoluta não pode permanecer imutável. Mas isto não é verdade. Apesar de ilimitada quantidade de energia estar sempre sendo gerada, a Suprema Verdade Absoluta permanece a mesma. Ela não é afetada pela emanação de energias ilimitadas. Śaṅkarācārya, portanto, estabeleceu incorretamente sua teoria da ilusão.

Rāmānujācārya tratou muito bem este ponto: “Se você argumentar que antes da criação deste mundo material havia somente uma Verdade Absoluta, então como é possível que a entidade viva tenha emanado dEla? Se Ela estava só, como poderia ter produzido ou gerado as entidades vivas infinitesimais?” Em resposta a esta pergunta, os Vedas afirmam que tudo é gerado a partir da Verdade Absoluta, tudo é mantido pela Verdade Absoluta, e, após a aniquilação, tudo entra na Verdade Absoluta. Desta afirmação fica claro que as entidades vivas, ao se liberarem, entram na existência suprema, e não mudam sua posição constitucional original.

Devemos lembrar sempre que o Senhor Supremo tem Sua função criativa e que as entidades vivas infinitesimais também têm suas funções criativas. Elas não perdem sua função criativa quando se liberam e entram no Supremo, após a dissolução do corpo material. Ao contrário, a função criativa da entidade viva se manifesta apropriadamente no estado liberado. Se as atividades do ser vivo se manifestam mesmo quando ele está condicionado à matéria, então, como é possível que essas atividades cessem quando ele atinge a liberação? A entrada da entidade viva no estado de liberação pode ser comparada ao pássaro que entra na árvore, ou ao animal que entra na floresta, ou ao avião que entra no céu. Em nenhum caso, ocorre perda de identidade.

Ao explicar o primeiro aforismo do Vedānta-sūtra, Śaṅkara, sem muito escrúpulo, tentou explicar que Brahman, ou a Suprema Verdade Absoluta, é impessoal. Ele também tentou astutamente alterar a doutrina do subproduto para a doutrina da mudança. Para a Suprema Verdade Absoluta, não há mudança. Acontece simplesmente que de Seus inconcebíveis poderes de ação resulta um subproduto. Em outras palavras, uma verdade relativa é produzida da Verdade Suprema. Quando da madeira tosca se faz uma cadeira, afirma-se que foi gerado um subproduto. A Suprema Verdade Absoluta, Brahman, é imutável, e ao encontrarmos um subproduto – a entidade viva ou esta manifestação cósmica –, deduzimos que ele é uma transformação, ou um subproduto do Supremo. É como o leite sendo transformado em iogurte. Deste modo, se estudarmos as entidades vivas desta manifestação cósmica, ficará evidente que elas não são distintas da Verdade Absoluta original; porém, entendemos pelos textos védicos que a Verdade Absoluta possui variadas energias e que as entidades vivas e a manifestação cósmica são apenas uma demonstração de Suas energias. As energias não são separadas do energético; portanto, a entidade viva e a manifestação cósmica são verdades inseparáveis, partes da Verdade Absoluta. Qualquer pessoa sensata deve aceitar esta conclusão referente à Verdade Absoluta e à verdade relativa.

A Suprema Verdade Absoluta tem Sua potência inconcebível, a partir da qual este cosmo se manifestou. Em outras palavras, a Suprema Verdade Absoluta é o ingrediente, e a entidade viva e a manifestação cósmica são os subprodutos. No Taittirīya Upaniṣad, afirma-se claramente que yato vā imāni bhūtāni jāyante: “A Verdade Absoluta é o reservatório original de todos os ingredientes, e este mundo material e as entidades vivas são produzidos daqueles ingredientes”.

Pessoas sem inteligência, que não podem entender esta doutrina dos subprodutos, não conseguem compreender como a manifestação cósmica e a entidade viva são simultaneamente iguais à Verdade Absoluta e diferentes dEla. Não entendendo isto, concluem, por medo, que esta manifestação cósmica e a entidade viva são falsas. Śaṅkarācārya cita o exemplo de alguém que confunde uma corda com uma cobra, e, às vezes, dá-se o exemplo de alguém que toma uma ostra por ouro, porém, com certeza, estes argumentos são maneiras de trapacear. Conforme são mencionados no Māṇḍūkya Upaniṣad, os exemplos da corda pela cobra e da ostra por ouro têm suas diferentes aplicações e podem ser entendidos da seguinte maneira: a entidade viva em sua posição constitucional original é espírito puro. Quando um ser humano se identifica com o corpo material, pode-se dizer que ele está confundindo uma corda com uma cobra, ou uma ostra com ouro. Aceita-se a doutrina da transformação quando se confunde uma coisa com outra. Na verdade, o corpo não é a entidade viva, mas a doutrina da transformação aceita o corpo como a entidade viva. Toda alma condicionada, sem dúvida, está contaminada por esta doutrina da transformação.

O estado condicionado da entidade viva é sua condição doentia. Originalmente, a entidade viva e a causa original desta manifestação cósmica existem fora do estado de transformação. Todavia, pensamentos e argumentos equivocados podem dominar a pessoa quando ela esquece as energias inconcebíveis do Senhor Supremo. Mesmo no mundo material há muitos exemplos. O Sol vem gerando ilimitada energia desde tempos imemoriais, e tantos subprodutos resultam do Sol; mesmo assim, não ocorre mudança no calor e temperatura do próprio Sol. Apesar de ser um produto material, se o Sol pode manter sua temperatura original e ainda assim produzir tantos subprodutos, será difícil para a Suprema Verdade Absoluta permanecer inalterada, apesar de produzir tantos subprodutos através de Sua energia inconcebível? Assim, no que se refere à Suprema Verdade Absoluta, não há possibilidade de transformação.

Nos textos védicos, há informação de um produto material chamado “pedra filosofal” que, pelo simples toque, pode transformar ferro em ouro. A pedra filosofal pode produzir quantidade ilimitada de ouro e ainda assim permanecer a mesma. Só em estado de ignorância pode-se aceitar a conclusão māyāvādī de que esta manifestação cósmica e as entidades vivas são falsas ou ilusórias. Nenhum homem sensato imporia ignorância e ilusão à Suprema Verdade Absoluta, que é absoluta em tudo. Está fora de cogitação haver nEle mudança, ignorância ou ilusão. O Brahman Supremo é transcendental e difere por completo de todas as concepções materiais. Na Suprema Verdade Absoluta, manifesta-se toda a energia possível, inconcebível e existente. No Śvetāśvatara Upaniṣad, afirma-se que a Suprema Absoluta Personalidade de Deus é plena de energias inconcebíveis e que ninguém mais possui estas energias.

Compreendendo mal as inconcebíveis energias do Supremo, pode-se chegar à falsa conclusão de que a Suprema Verdade Absoluta é impessoal. Semelhante conclusão equivocada é experimentada pelo ser vivo quando ele está numa fase aguda de doença. No Śrīmad-Bhāgavatam (3.33.3), também existem afirmações que corroboram que o ātmā supremo, o Senhor, tem potências inconcebíveis e inumeráveis. Também se afirma no Brahma-sūtra que o espírito supremo possui muitas energias variadas e inconcebíveis. Ninguém deve pensar que há qualquer possibilidade de existir ignorância na Verdade Absoluta. Ignorância e conhecimento são concepções ligadas a este mundo de dualidade, mas no Absoluto não há dualidade. É mera tolice considerar que o Absoluto fica coberto pela ignorância. Se a Verdade Absoluta pode ser coberta pela ignorância, como se pode dizer que Ela é Absoluta?

Compreender natureza inconcebível do Absoluto é a única solução para a questão da dualidade. Isto porque a dualidade surge da energia inconcebível do Absoluto. Por meio de Suas energias inconcebíveis, a Suprema Verdade Absoluta pode ficar inalterada e ainda assim produzir esta manifestação cósmica com todas as suas entidades vivas, da mesma forma que a pedra filosofal pode produzir ilimitadas quantidades de ouro e ainda assim continuar inalterada. Porque a Verdade Absoluta possui estas energias inconcebíveis, a qualidade material da ignorância não pode pertencer a Ela. A verdadeira variedade que existe na Verdade Absoluta é um produto de Sua energia inconcebível. De fato, pode-se concluir com certeza que esta manifestação cósmica é um subproduto de Suas energias inconcebíveis. Uma vez que aceitemos as energias inconcebíveis do Senhor Supremo, acharemos que não existe dualidade em absoluto. A expansão da energia do Senhor Supremo é tão verdadeira quanto Ele próprio. A respeito da manifestação da energia suprema, não há possibilidade de transformação. Pode-se dar o mesmo exemplo: apesar de produzir quantidades ilimitadas de ouro, a pedra filosofal continua a mesma. Portanto, ouvimos alguns sábios dizerem que o Supremo é o ingrediente ou causa dessa manifestação cósmica.

Na verdade, o exemplo da corda e da cobra não é irregular por completo. Quando achamos que uma corda é uma cobra, deve-se entender que já tivemos experiência de uma cobra antes. Senão, por que confundiríamos uma corda com uma cobra? Logo, a concepção da cobra, em si, não é incorreta ou irreal. É a falsa identidade que é incorreta ou irreal. Quando, por engano, consideramos a corda como uma cobra, é ignorância nossa. Mas a própria ideia da cobra não é, em si mesma, ignorância. No deserto, ao tomarmos uma miragem por água, é incorreto concluirmos que a água é um conceito falso. A água é um fato, mas é um erro pensar que existe água no deserto.

Assim, esta manifestação cósmica não é falsa, como sustenta Śaṅkarācārya. De fato, não há nada falso aqui. Os māyāvādīs dizem que este mundo é falso por causa de sua ignorância. A conclusão da filosofia vaiṣṇava é que esta manifestação cósmica é um subproduto das energias inconcebíveis do Senhor Supremo.

A principal palavra dos Vedas, praṇava oṁkāra, é a representação sonora do Senhor Supremo. Portanto, o oṁkāra deve ser considerado o som supremo. Śaṅkarācārya, porém, pregou erroneamente que tat tvam asi são as vibrações supremas. O oṁkāra é o reservatório de todas as energias do Senhor Supremo. Śaṅkara está errado ao sustentar que as palavras tat tvam asi são as vibrações supremas dos Vedas, pois tat tvam asi são apenas palavras secundárias. Tat tvam asi sugerem apenas uma representação parcial. Em muitas passagens da Bhagavad-gītā (8.13, 9.17, 17.24), o Senhor deu importância ao oṁkāra. Da mesma forma, o Atharva Veda e o Māṇḍūkya Upaniṣad dão importância ao oṁkāra. Em seu Bhagavat-sandarbha, Śrīla Jīva Gosvāmī diz: “O oṁkāra é a mais confidencial representação sonora do Senhor Supremo”. A representação sonora ou o nome do Senhor Supremo estão no mesmo nível que o próprio Senhor Supremo. Vibrando o som do oṁkāra ou de Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare, a pessoa pode salvar-se da contaminação deste mundo material. Porque estas vibrações do som transcendental podem salvar a alma condicionada, elas são conhecidas como tāra, ou salvadoras.

É um fato que a representação sonora do Senhor Supremo é idêntica a Ele. Confirma isto o Nārada-pañcarātra:

vyaktaṁ hi bhagavān eva
  sākṣān-nārāyaṇaḥ svayam
aṣṭākṣara-svarūpeṇa
  mukheṣu parivartate

“Quando a alma condicionada entoa a vibração sonora transcendental, o Senhor Supremo está presente em sua língua.” No Māṇḍūkya Upaniṣad, afirma-se que quando o oṁkāra é cantado, tudo o que é visto como material passa a ser visto perfeitamente como espiritual. No mundo espiritual ou na visão espiritual, não há nada senão o oṁkāra, ou seu único substituto – om. Infelizmente, Śaṅkara abandonou esta palavra principal, oṁkāra, e, por capricho, aceitou tat tvam asi como a vibração suprema dos Vedas. Aceitando esta palavra secundária e deixando de lado a vibração principal, ele abandonou a interpretação das escrituras em favor de sua própria interpretação indireta.

Fabricando uma interpretação indireta e abandonando a interpretação direta, Śrīpāda Śaṅkarācārya inescrupulosamente obscureceu a consciência de Kṛṣṇa descrita no Puruṣa-vedānta-sūtra. A menos que tomemos todas as afirmações do Vedānta-sūtra como evidentes por si mesmas, não adianta estudar o Vedānta-sūtra. Interpretar os versos do Vedānta-sūtra de acordo com o próprio capricho é o maior desserviço aos evidentes Vedas.

Quanto ao oṁkāra praṇava, ele é considerado a encarnação sonora da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, o oṁkāra é eterno, ilimitado, transcendental, supremo e indestrutível. Ele (oṁkāra) é o início, o meio e o fim e também é sem-princípio. Ao compreender o oṁkāra como ele é, a pessoa torna-se imortal. Assim, deve-se entender que o oṁkāra é uma representação do Supremo situado no coração de todos. Quem entende que o oṁkāra e Viṣṇu são idênticos e todo-penetrantes, nunca se lamenta no mundo material, nem permanece um śūdra.

Embora não tenha forma material, o oṁkāra expande-se ilimitadamente e tem forma ilimitada. Mediante a compreensão do oṁkāra, a pessoa pode livrar-se da dualidade do mundo material e atingir o conhecimento absoluto. Portanto, o oṁkāra é a mais auspiciosa representação do Senhor Supremo. Esta é a descrição dada pelo Māṇḍūkya Upaniṣad. Não se deve interpretar tolamente uma descrição dos Upaniṣads e dizer que, devido a “incapacidade” de aparecer pessoalmente em Sua própria forma neste mundo material, a Suprema Personalidade de Deus manda, em Seu lugar, Sua representação sonora (oṁkāra). Devido a esta falsa interpretação, o oṁkāra chega a ser considerado algo material, e, em consequência, ele é mal compreendido e louvado como sendo apenas uma exibição ou símbolo do Senhor. De fato, o oṁkāra está em nível de igualdade com qualquer outra encarnação do Senhor Supremo.

O Senhor tem inúmeras encarnações, e o oṁkāra é uma delas. Como Kṛṣṇa afirma na Bhagavad-gītā (9.17): “Entre as vibrações, Eu sou a sílaba om”. Isto significa que o oṁkāra não é diferente de Kṛṣṇa. Os impersonalistas, contudo, dão mais importância ao oṁkāra do que à Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. O fato, porém, é que qualquer encarnação representativa do Senhor Supremo não é diferente dEle. Semelhante encarnação ou representação está em nível espiritual igual ao do Senhor Supremo. Portanto, o oṁkāra é a representação última de todos os Vedas. Na realidade, os mantras ou hinos védicos têm valor transcendental porque são precedidos pela sílaba om (A-U-M). Os vaiṣṇavas interpretam o oṁkāra da seguinte maneira: a letra A indica Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus; a letra U indica Śrīmatī Rādhārāṇī, a consorte eterna de Kṛṣṇa; e a letra M indica o ser vivo, o servo eterno do Senhor Supremo. Śaṅkara não deu semelhante importância ao oṁkāra. Todavia, os Vedas, o Rāmāyaṇa, os Purāṇas e o Mahābhārata do princípio ao fim, dão importância a esse fato. Dessa maneira, declaram-se as glórias do Senhor Supremo, a Suprema Personalidade de Deus.

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