Capítulo Vinte e Um
Os Filósofos Māyāvādīs São Convertidos
Desta maneira, o Senhor Caitanya condenou as tentativas de interpretação indireta do Vedānta-sūtra, e todos os sannyāsīs presentes ficaram maravilhados com Sua explicação. Logo após ouvir a interpretação direta, um dos sannyāsīs declarou: “Ó Śrīpāda Caitanya, tudo o que explicaste em Tua condenação da interpretação indireta do oṁkāra é muito útil. Só uma pessoa afortunada pode aceitar Tua interpretação como a correta. De fato, cada um de nós agora sabe que as interpretações de Śaṅkara são todas artificiais e imaginárias, porém, porque pertencemos à seita de Śaṅkarācārya, aceitamos que sua interpretação é a correta. Ficaremos muito satisfeitos em Te ouvir explicar mais sobre o Vedānta-sūtra mediante a interpretação direta”.
Sendo assim solicitado, o Senhor Caitanya explicou cada um dos versos do Vedānta-sūtra segundo a interpretação direta. Também explicou a palavra Brahman, indicando que Brahman significa o maior, a Suprema Personalidade de Deus. Brahman denota que o maior é pleno de seis opulências; a Suprema Personalidade de Deus é o reservatório de toda a riqueza, toda a fama, toda a força, toda a beleza, todo o conhecimento e toda a renúncia. Quando estava presente em pessoa na Terra, o Senhor Kṛṣṇa exibiu em plenitude estas seis opulências. Ninguém era mais rico do que o Senhor Kṛṣṇa, ninguém era mais erudito que Ele, ninguém era mais belo, ninguém era mais forte, ninguém era mais famoso e ninguém era mais renunciado. Portanto, a Suprema Personalidade de Kṛṣṇa é o Brahman Supremo. Arjuna confirma isto na Bhagavad-gītā (10.12). Paraṁ brahma paraṁ dhāma: “Sois o Brahman Supremo, o definitivo, a morada suprema”. Portanto, Brahman indica o maior, e o maior é a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Ele é o refúgio da Verdade Absoluta (para-tattva) porque é paraṁ brahma. Não há nada material em Suas opulências e exibições de riqueza, fama, força, beleza, conhecimento e renúncia. Todos os versos e hinos védicos indicam que tudo a respeito dEle é espiritual e transcendental. Nos Vedas, onde quer que apareça a palavra Brahman, deve-se entender que ela indica Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. A pessoa inteligente logo substitui a palavra Brahman pelo nome de Kṛṣṇa.
A Suprema Personalidade de Deus é transcendental aos modos da natureza material, porém, Ele é qualificado com atributos transcendentais plenos. Aceitar o Supremo como impessoal é negar a manifestação de Suas energias espirituais. Quando alguém aceita apenas a exibição impessoal de energia espiritual com exclusão da Suprema Personalidade de Deus, ele não aceita a plenitude da Verdade Absoluta. Aceitar plenamente o Supremo é aceitar a variedade espiritual, que é transcendente aos modos da natureza material. Porque deixam de indicar a Suprema Personalidade de Deus, os impersonalistas ficam com uma concepção incompleta.
O método aprovado para compreender a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, é o caminho do serviço devocional, e isto se confirma em todas as escrituras védicas. O serviço devocional ao Senhor começa por ouvir sobre Ele. Existem nove diferentes métodos no serviço devocional, entre os quais ouvir é o principal. Ouvir, cantar, lembrar, adorar – todos estes processos são usados para alcançar a mais elevada perfeição: compreender a Suprema Personalidade de Deus. Este processo através do qual pode-se compreender a Suprema Personalidade de Deus chama-se abhidheya, ou seja, prática do serviço devocional na vida condicionada.
Experimenta-se na prática que, quando alguém adota a consciência de Kṛṣṇa, não gosta de se desviar para outra forma de consciência. Consciência de Kṛṣṇa significa desenvolver amor por Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, e este é o interesse de quinta dimensão do ser humano. Ao adotar de fato este processo de serviço transcendental, a pessoa saboreia esta relação direta com Kṛṣṇa. Quando existe reciprocação dos relacionamentos transcendentais com Kṛṣṇa, aos poucos Ele Se torna um companheiro pessoal do devoto. Então o devoto desfruta de vida eterna e bem-aventurada. Por isso, o propósito do Vedānta-sūtra é restabelecer o relacionamento perdido da entidade viva com o Supremo Senhor Kṛṣṇa, capacitá-la a executar serviço devocional e, por fim, elevá-la a meta suprema da vida: amor por Deus. Este é o verdadeiro objetivo do Vedānta-sūtra.
Depois que o Senhor Caitanya explicou o Vedānta-sūtra dando a interpretação direta dos versos, o principal discípulo de Prakāśānanda Sarasvatī levantou-se na assembleia e passou a louvar o Senhor Caitanya como a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa. Ele não só apreciou muitíssimo a explicação do Vedānta-sūtra apresentada pelo Senhor Caitanya, como também afirmou de público que a explicação direta dos Upaniṣads e do Vedānta-sūtra “é tão agradável que nos esquecemos de nós mesmos e de que pertencemos à seita māyāvādī”. Dessa maneira, aqui se admite que todas as explicações de Śaṅkarācārya sobre os Upaniṣads e o Vedānta-sūtra são imaginárias. Às vezes, podemos aceitar estas explicações imaginárias por causa de contendas sectárias, porém, na verdade, estas explicações não nos satisfazem. Ninguém se livra dos enredamentos materiais pela simples aceitação da ordem de sannyāsa. Contudo, se entendermos de fato as explicações dadas pelo Senhor Caitanya, seremos ajudados. Por exemplo, quando o Senhor Caitanya explica o significado de harer nāma harer nāma harer nāmaiva kevalam, todos apreciam, pois é um fato que não existe alternativa para o serviço devocional.
Sem serviço devocional, ninguém conseguirá libertar-se das garras materiais. Sobretudo nesta era, pode-se alcançar a mais elevada plataforma de liberação pelo simples fato de cantar Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. No Śrīmad-Bhāgavatam (10.14.4), afirma-se que ao abandonar o caminho do serviço devocional e apenas se esforçar para adquirir conhecimento, a pessoa não obtém vantagem alguma senão o trabalho de entender a diferença entre espírito e matéria. É um esforço inútil tentar tirar grãos de palhas vazias. Por isso, o Śrīmad-Bhāgavatam (10.2.32) afirma que a pessoa que abandona o transcendental serviço amoroso ao Senhor Supremo e superficialmente se considera liberada, jamais atinge a liberação. Mediante enorme esforço, austeridade e penitência, talvez ela se eleve à plataforma liberada, porém, porque não se refugia aos pés de lótus do Senhor Supremo, ela volta a cair na contaminação material.
O Brahman Supremo não pode ser aceito como impessoal, senão as seis opulências, que pertencem à Suprema Personalidade de Deus, não podem ser atribuídas ao Brahman. Todos os Vedas e Purāṇas afirmam que a Suprema Personalidade de Deus é plena de energias espirituais, mas os tolos simplesmente rejeitam isto e ridicularizam Suas atividades. Eles interpretam erroneamente que o corpo transcendental de Kṛṣṇa é uma criação da natureza material, e considera-se isto a maior ofensa e o maior pecado. Devem-se apenas aceitar as palavras do Senhor Caitanya como Ele as falou perante Prakāśānanda Sarasvatī e os sannyāsīs māyāvādīs.
A personalidade individual da Suprema Verdade Absoluta é explicada no Śrīmad-Bhāgavatam (3.9.3-4): “Ó Senhor Supremo, a forma transcendental que estou vendo é a corporificação do prazer transcendental. É eterna e livre da contaminação dos modos materiais. É a mais grandiosa manifestação da Verdade Absoluta, e é plena de refulgência. Ó alma de todos, sois o criador desta manifestação cósmica e de todos os elementos materiais. Rendo-me a Vós em Vossa forma transcendental, ó Kṛṣṇa! Ó auspiciosíssimo universo! Vindes em Vossa original forma pessoal para serdes adorado por nós, e Vos percebemos ou através da meditação ou da adoração direta. Os tolos, contaminados pela natureza material, não dão muita importância a Vossa forma transcendental, e em consequência deslizam para o inferno”. Isto também se confirma na Bhagavad-gītā (9.11):
avajānanti māṁ mūḍhā
mānuṣīṁ tanum āśritam
paraṁ bhāvam ajānanto
mama bhūta-maheśvaram
“Os tolos zombam de Mim quando desço sob forma humana. Eles não conhecem Minha natureza transcendental e Meu supremo domínio em tudo o que existe.” A Bhagavad-gītā (16.19) também afirma que tais pessoas tolas e demoníacas vão para os planetas infernais:
tān ahaṁ dviṣataḥ krūrān
saṁsāreṣu narādhamān
kṣipāmy ajasram aśubhān
āsurīṣv eva yoniṣu
āsurīṁ yonim āpannā
mūḍhā janmani janmani
mām aprāpyaiva kaunteya
tato yānty adhamāṁ gatim
“Aqueles que são invejosos e malévolos, que são os mais baixos entre os homens, Eu os lanço no oceano da existência material, onde passarão por várias espécies de vida demoníaca.”
Desde o começo do Vedānta-sūtra, apoia-se a doutrina dos subprodutos, pariṇāma-vāda, porém, Śaṅkarācārya tentou escondê-la superficialmente e estabelecer a doutrina da transformação, vivarta-vāda. Ele também teve a audácia de dizer que Vyāsa estava enganado. Todos os textos védicos, incluindo os Purāṇas, confirmam que o Senhor Supremo é o centro de toda a energia e variedade espirituais. O enfatuado e incompetente filósofo māyāvādī não consegue entender a variedade da energia espiritual. Portanto, ele acredita na falsa teoria de que a variedade espiritual não é diferente da variedade material. Iludidos por esta falsa crença, os māyāvādīs ridicularizam os passatempos da Suprema Personalidade de Deus. Esses tolos, incapazes de compreender as atividades espirituais do Senhor Supremo, consideram Kṛṣṇa como um produto desta natureza material. Esta é a maior ofensa que qualquer ser humano pode cometer. O Senhor Caitanya, portanto, estabelece que Kṛṣṇa é sac-cid-ānanda-vigraha, a forma de eternidade, conhecimento e bem-aventurança, e que Ele está sempre ocupado em Seus passatempos transcendentais nos quais existe toda a variedade espiritual.
O discípulo de Prakāśānanda resumiu as explicações do Senhor Caitanya e concluiu: “Praticamente abandonamos o caminho da realização espiritual. Apenas nos ocupamos em conversas absurdas. Os filósofos māyāvādīs que se esforçam seriamente para alcançar a graça divina devem ocupar-se no serviço devocional a Kṛṣṇa, mas, ao contrário, sentem prazer apenas em argumentações inúteis. Admitimos, portanto, que a explicação de Śaṅkarācārya esconde o verdadeiro significado da literatura védica. Apenas a explicação dada por Caitanya é aceitável. Todas as outras explicações são inúteis”.
Dessa maneira, depois de explicar sua posição, o principal discípulo de Prakāśānanda Sarasvatī passou a cantar Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. Ao presenciar isto, Prakāśānanda Sarasvatī também admitiu o erro de Śaṅkarācārya e disse: “Como queria estabelecer a doutrina do monismo, Śaṅkarācārya não tinha outra alternativa senão interpretar o Vedānta-sūtra de modo diferente. Desde que se aceite a Suprema Personalidade de Deus, não é possível estabelecer a doutrina do monismo. Portanto, em virtude de sua erudição mundana, Śaṅkarācārya tentou obscurecer o verdadeiro sentido do Vedānta-sūtra. Não só Śaṅkarācārya fez isto, como também todos os autores que tentam dar suas próprias opiniões, necessariamente interpretam mal o Vedānta-sūtra”.
Assim, o Senhor Caitanya deu o significado direto do Vedānta-sūtra. Nenhuma escritura védica deve ser usada para especulação indireta. Além de Śaṅkarācārya, outros filósofos materialistas como Kapila, Gautama, Aṣṭāvakra e Patañjali propuseram especulação filosófica de várias maneiras. De fato, o filósofo Jaimini e seus seguidores, que, de certo modo, são todos lógicos, abandonaram o verdadeiro significado dos Vedas (serviço devocional) e tentaram estabelecer que a Verdade Absoluta é subordinada ao mundo material. A opinião deles é que, se existe um Deus, Ele ficará satisfeito com o homem e lhe dará todos os resultados desejados caso este apenas execute bem suas atividades materiais. Da mesma forma, o ateísta Kapila tentou provar que não existe um Deus que criou o mundo material. Kapila tentou até mesmo provar que uma combinação de elementos materiais causou a criação. De igual modo, Gautama e Kaṇāda enfatizaram a teoria de que a criação resultou de uma afortunada combinação de elementos materiais, e tentaram demonstrar que a energia atômica é a origem da criação. Igualmente, impersonalistas e monistas como Aṣṭāvakra tentaram estabelecer a refulgência impessoal (brahmajyoti) como o Supremo. E Patañjali, uma das maiores autoridades no sistema de yoga, tentou conceber uma forma imaginária do Senhor Supremo.
Em resumo, devemos entender que, propondo suas próprias filosofias inventadas, todos esses filósofos materialistas tentaram excluir a Suprema Personalidade de Deus. Todavia, Vyāsadeva, o eminente sábio e encarnação de Deus, estudou na íntegra todas estas especulações filosóficas. Em resposta, compilou o Vedānta-sūtra, que estabelece o relacionamento entre o ser vivo e a Suprema Personalidade de Deus, e a importância do serviço devocional para se atingir o amor a Deus. O verso janmādy asya yataḥ, que aparece bem no começo do Vedānta-sūtra, é explicado no Śrīmad-Bhāgavatam de Vyāsadeva. No Śrīmad-Bhāgavatam, Vyāsadeva estabelece desde o começo que a fonte suprema de tudo é uma pessoa transcendental e consciente.
O impersonalista tenta explicar que a refulgência impessoal do Senhor Supremo (brahmajyoti) está além dos modos da natureza material, porém, ao mesmo tempo, tenta demonstrar que a Suprema Personalidade de Deus é contaminada por esses modos. O Vedānta-sūtra declara que a Suprema Personalidade de Deus não só é transcendental aos modos da natureza material, como também possui inúmeras qualidades e energias transcendentais. Todos estes diversos filósofos especuladores são unânimes em negar a existência do Supremo Senhor Viṣṇu, e estão entusiasmadíssimos em propagar suas próprias teorias e ser reconhecidos pelo povo. Pessoas desafortunadas ficam encantadas com estes filósofos ateístas e por isso jamais conseguem entender a verdadeira natureza da Verdade Absoluta. Muito melhor é seguir os passos das grandes almas (mahājanas). Segundo o Śrīmad-Bhāgavatam, existem doze mahājanas, ou grandes almas, que são: 1) Brahmā, 2) o Senhor Śiva, 3) Nārada, 4) Vaivasvata Manu, 5) Kapila (não o ateísta, mas o Kapila original), 6) os Kumāras, 7) Prahlāda, 8) Bhīṣma, 9) Janaka, 10) Bali, 11) Śukadeva Gosvāmī e 12) Yamarāja. Segundo o Mahā-bhārata, não adianta discutir sobre a Verdade Absoluta, pois há tantas diferentes escrituras védicas e interpretações filosóficas que nenhum filósofo pode concordar com outro. Já que todos estão tentando apresentar seu próprio ponto de vista e rejeitar os demais, é muito difícil compreender a necessidade de princípios religiosos. Portanto, é melhor seguir os passos dos grandes mahājanas, grandes almas; então, poderemos conseguir o sucesso desejado. Os ensinamentos do Senhor Caitanya são como néctar, e contêm tudo o que é necessário. O melhor sistema é aceitar este caminho e segui-lo.