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Capítulo Trinta

Os Passatempos Transcendentais de Rādhā e Kṛṣṇa

Existe uma diferença enorme entre a execução de atividades religiosas ordinárias e o serviço devocional. Mediante a execução de rituais religiosos, pode-se alcançar desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos ou liberação (fundir-se na existência do Supremo), porém, os resultados do transcendental serviço devocional são completamente diferentes de tais benefícios temporários. O serviço devocional ao Senhor é sempre viçoso, e cada vez mais transcendental e agradável. Sendo assim, existe um abismo de diferença entre os resultados derivados do serviço devocional e os resultados derivados dos rituais religiosos. A magnífica energia espiritual conhecida como jaḍādhiṣṭhātrī, ou mahāmāyā, a superintendente do mundo material, e os diretores departamentais, os semideuses, bem como os produtos da energia externa do Senhor Supremo, nada mais são que reflexos pervertidos da Sua opulência. Os semideuses, na verdade, são mensageiros do Senhor Supremo, e ajudam a dirigir a criação material. A Brahmā-saṁhitā afirma que as atividades da supremamente poderosa superintendente, Durgā, são apenas vagas indicações das atividades do Senhor Supremo. O Sol trabalha apenas como os olhos do Senhor Supremo, e Brahmā trabalha apenas como a luz refletida do Senhor Supremo. Logo, todos os semideuses, bem como a própria energia externa, Durgādevī, e todos os diferentes diretores departamentais, são apenas servos do Senhor Supremo no mundo material.

No mundo espiritual, existe outra energia, a energia espiritual superior, ou energia interna, que age sob a direção de yogamāyā. Yogamāyā é a potência interna do Senhor Supremo; ela também trabalha sob a direção do Senhor, mas trabalha no mundo espiritual. Ao se colocar sob a direção de yogamāyā ao invés de mahāmāyā, a entidade viva, pouco a pouco, torna-se devoto de Kṛṣṇa. Contudo, aqueles que buscam opulência e felicidade materiais colocam-se sob os cuidados da energia material, mahāmāyā, ou sob os cuidados de semideuses materiais como o Senhor Śiva e outros. No Śrīmad-Bhāgavatam, encontramos que, ao desejarem ter Kṛṣṇa como esposo, as gopīs de Vṛndāvana oraram à energia espiritual, yoga-māyā, para que satisfizesse esse desejo. No Sapta-śatī, encontramos que o rei Suratha e um mercador chamado Samādhi adoraram mahāmāyā para obterem opulência material. Sendo assim, não se deve erroneamente igualar yogamāyā a mahāmāyā.

Porque o Senhor está na plataforma absoluta, não existe diferença entre Seu santo nome e Ele mesmo. O Senhor Supremo possui diferentes nomes, e estes nomes têm diferentes propósitos e significados. Por exemplo, Ele é conhecido como Paramātmā, a Superalma; Brahman, o Absoluto Supremo; Sṛṣṭikartā, o criador; Nārāyaṇa, o Senhor transcendental; Rukmiṇī-ramaṇa, o esposo de Rukmiṇī; Gopīnātha, o desfrutador das gopīs; e Kṛṣṇa. Deste modo, o Senhor tem diferentes nomes, que indicam diferentes funções. O aspecto do Senhor Supremo como criador é diferente de Seu aspecto como Nārāyaṇa. Alguns dos nomes do Senhor, como, por exemplo, criador, são concebidos por homens materialistas. Não se pode compreender em plenitude a essência da Suprema Personalidade de Deus mediante o entendimento do nome “criador”, pois esta criação material é uma função da energia externa do Senhor Supremo. Assim, a concepção de Deus como criador inclui apenas o aspecto externo. De igual modo, ao chamarmos o Senhor Supremo de Brahman, não podemos ter nenhum entendimento das seis opulências do Senhor Supremo. Na compreensão de Brahman, não há um entendimento completo das seis opulências; portanto, essa não é a compreensão completa do Senhor Supremo. Tampouco a compreensão de Paramātmā, a Superalma, é a compreensão completa da Suprema Personalidade de Deus, porque a natureza todo-penetrante do Senhor Supremo é apenas uma representação parcial de Sua opulência.

Mesmo o relacionamento transcendental experimentado por um devoto de Nārāyaṇa em Vaikuṇṭha é incompleto, pois carece da compreensão de um relacionamento com Kṛṣṇa em Goloka Vṛndāvana. Os devotos de Kṛṣṇa não saboreiam o serviço devocional a Nārāyaṇa. Porque o serviço devocional a Kṛṣṇa é tão atrativo, os devotos de Kṛṣṇa não desejam adorar nenhuma outra forma. Deste modo, as gopīs de Vṛndāvana não gostavam de ver Kṛṣṇa como o esposo de Rukmiṇī, nem se dirigiam a Ele como Rukmiṇī-ramaṇa. Em Vṛndāvana, Kṛṣṇa é chamado de RādhāKṛṣṇa, ou Kṛṣṇa, a propriedade de Rādhārāṇī. Embora, no sentido usual, o esposo de Rukmiṇī e o Kṛṣṇa de Rādhā estejam no mesmo nível, ainda assim, no mundo espiritual, os nomes indicam diferentes compreensões dos vários aspectos da transcendental personalidade de Kṛṣṇa. Se alguém coloca Rukmiṇīramaṇa, Rādhāramaṇa, Nārāyaṇa ou qualquer outro nome do Senhor Supremo no mesmo nível, comete a transgressão da sobreposição de sabores, tecnicamente chamada rasābhāsa. Os devotos peritos não aceitam tais amalgamações que são contrárias às conclusões do serviço devocional puro.

Embora Śrī Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, corporifique toda a sobre-excelência e beleza, quando Ele está entre as donzelas de Vraja, é conhecido como Gopī-jana-vallabha. Os devotos não podem saborear a beleza do Senhor Supremo mais do que as donzelas de Vraja. No Śrīmad-Bhāgavatam (10.33.7), confirma-se que, embora Kṛṣṇa, o filho de Devakī, seja a palavra última em sobre-excelência e beleza, quando Ele está entre as gopīs, parece que Ele é uma joia sublime engastada no meio de um divino ornamento de ouro. Embora aceitasse que a compreensão do Senhor Supremo como amante conjugal é a mais elevada, o Senhor Caitanya, todavia, pediu que Rāmānanda Rāya continuasse.

Ao ouvir este pedido, Rāmānanda Rāya observou que esta foi a primeira vez que tinha sido solicitado a ir além desse tema na tentativa de explicar quem é Kṛṣṇa. Existe decerto uma intimidade transcendental no relacionamento entre as donzelas de Vraja e Kṛṣṇa, ressaltou Rāmānanda; porém, o relacionamento entre Rādhārāṇī e Kṛṣṇa em amor conjugal é o mais perfeito. Nenhum homem comum pode entender o êxtase de amor transcendental entre Rādhārāṇī e Kṛṣṇa, tampouco pode ele entender o sabor transcendental do amor entre Kṛṣṇa e as gopīs. Contudo, se alguém tenta seguir os passos das gopīs, talvez chegue a situar-se na plataforma suprema do amor transcendental. Deste modo, quem quiser ser elevado ao nível transcendental da perfeição, deve seguir os passos das donzelas de Vraja como uma assistente das gopīs.

O Senhor Caitanya exibiu o humor de Śrīmatī Rādhārāṇī quando Ela Se encontrou com Kṛṣṇa em Dvārakā. Semelhante amor transcendental não é possível para nenhum homem comum; portanto, ninguém deve imitar o grau de perfeição supremo exibido por Caitanya Mahāprabhu. Se, todavia, alguém deseja estar nesta companhia, deve seguir os passos das gopīs. No Padma Purāṇa, afirma-se que, assim como Rādhārāṇī é querida por Kṛṣṇa, da mesma forma, o kuṇḍa conhecido como Rādhā-kuṇḍa também é muito querido por Ele. Rādhārāṇī é, dentre as gopīs, a mais querida por Kṛṣṇa. No Śrīmad-Bhāgavatam (10.30.28), também se afirma que Rādhārāṇī e as gopīs prestam ao Senhor o supremo serviço devocional perfeito e que o Senhor está tão satisfeito com elas que não deseja deixar a companhia de Śrīmatī Rādhārāṇī.

Ao ouvir Rāmānanda Rāya falar sobre os casos amorosos entre Kṛṣṇa e Rādhārāṇī, o Senhor Caitanya disse: “Por favor, segue em frente. Segue mais e mais”. O Senhor também disse que estava desfrutando com grande prazer as descrições dos casos amorosos entre Kṛṣṇa e as gopīs. “É como se um rio de néctar fluísse de teus lábios”, disse Ele. Rāmānanda Rāya continuou a salientar que, quando Kṛṣṇa dançou entre as gopīs, Ele pensava: “Eu não estou dando nenhuma atenção especial a Rādhārāṇī”. Porque Rādhārāṇī, entre as outras gopīs, não era um objeto de amor tão especial, Kṛṣṇa A tirou da área da dança da rāsa e mostrou-Lhe favor especial.

Depois de explicar isto ao Senhor Caitanya, Rāmānanda Rāya disse: “Vamos, agora, saborear os transcendentais casos amorosos entre Kṛṣṇa e Rādhā. Neste mundo material, não há nada que se lhes compare”. Rāmānanda Rāya continuou, pois, suas narrações. Durante uma execução da dança da rāsa, Rādhārāṇī subitamente deixou o local, como se estivesse irada por não estar recebendo atenção especial. Kṛṣṇa estava desejoso de ver Rādhārāṇī, a fim de cumprir o propósito da dança da rāsa, porém, não vendo Rādhārāṇī lá, ficou muito aflito e foi procurá-lA. No Gīta-govinda, um verso afirma que o inimigo de Kaṁsa, Kṛṣṇa, também queria estar envolvido em casos amorosos com mulheres, e, dessa maneira, simplesmente tomou Rādhārāṇī e deixou a companhia das outras donzelas de Vraja. Kṛṣṇa ficou muito aflito com a ausência de Rādhārāṇī, e, estando com a mente angustiada, começou a procurá-lA às margens do Yamunā. Não A encontrando, entrou nos bosques de Vṛndāvana e pôs-Se a lamentar. Rāmānanda Rāya salientou que ao discutir os significados destes dois versos específicos do Gīta-govinda (3.1-2), pode-se saborear o supremo néctar dos casos amorosos entre Kṛṣṇa e Rādhā. Ainda que houvesse muitas gopīs para dançar com Kṛṣṇa, Ele queria dançar especialmente com Rādhārāṇī. Na dança da rāsa, Kṛṣṇa Se expandiu e ficou entre cada duas gopīs, porém, Ele estava presente em especial com Rādhārāṇī. Todavia, Rādhārāṇī não estava satisfeita com o comportamento de Kṛṣṇa. Como se descreve no Ujjvala-nīlamaṇi: “O caminho dos casos amorosos é tal qual os movimentos de uma serpente. Entre jovens amantes existem duas espécies de mentalidade – imotivada e motivada”. Logo, quando Rādhārāṇī deixou o local da dança da rāsa, irada por não estar recebendo um tratamento especial, Kṛṣṇa ficou muito aflito ao notar Sua ausência. A perfeição da dança da rāsa era considerada completa devido à presença de Rādhārāṇī, e, em Sua ausência, Kṛṣṇa considerou a dança interrompida. Por isso, deixou o local para procurá-lA. Como não pôde encontrar Rādhārāṇī, mesmo após tê-lA procurado em vários locais, Ele ficou muito desolado. Assim, podemos entender que Kṛṣṇa não podia desfrutar Sua potência de prazer, mesmo em meio a todas as gopīs. Mas na presença de Rādhārāṇī, Ele ficava satisfeito.

Quando Rāmānanda Rāya descreveu este amor transcendental entre Rādhārāṇī e Kṛṣṇa, o Senhor Caitanya admitiu: “Vim a ti para entender os transcendentais casos amorosos entre Kṛṣṇa e Rādhā, e agora estou muito satisfeito que os tenhas descrito tão bem. Através de tua versão, posso entender que este é o supremo estado de amor entre Kṛṣṇa e Rādhā”. Ainda assim, o Senhor Caitanya pediu a Rāmānanda Rāya que explicasse algo mais: “Quais são as características transcendentais de Kṛṣṇa e Rādhārāṇī, quais são as características transcendentais da reciprocidade dos sentimentos dEles, e como é o amor entre Eles? Se fizeres o favor de descrever tudo isto para Mim, ficarei muito agradecido. Além de ti, ninguém mais pode descrever tais coisas”.

“Eu não sei nada”, respondeu Rāmānanda Rāya com toda humildade. “Estou dizendo apenas o que me fazes dizer. Sei que és o próprio Kṛṣṇa, e mesmo assim estás saboreando ouvir-me falar sobre Kṛṣṇa. Por favor, desculpa-me essa apresentação defeituosa. Estou apenas tentando expressar o que me fazes expressar.”

“Sou um sannyāsī māyāvādī”, protestou o Senhor Caitanya. “Não tenho conhecimento sobre as características transcendentais do serviço devocional. Mediante a grandeza de Sārvabhauma Bhaṭṭācārya, Minha mente se tornou clara, e agora estou tentando compreender a natureza do serviço devocional ao Senhor Kṛṣṇa. Bhaṭṭācārya recomendou que Eu viesse ver-te para compreender Kṛṣṇa. Na realidade, ele disse que Rāmānanda Rāya é a única pessoa que sabe algo sobre o amor a Kṛṣṇa. Portanto, vim procurar-te devido à recomendação de Sārvabhauma Bhaṭṭācārya. Então, por favor, não hesite em relatar-Me todos os casos confidenciais entre Rādhā e Kṛṣṇa.”

Deste modo, o Senhor Caitanya aceitou uma posição subordinada diante de Rāmānanda Rāya. Isto tem um significado muito especial. Se alguém leva a sério o entendimento da natureza transcendental de Kṛṣṇa, ele deve se aproximar de uma pessoa realmente enriquecida de consciência de Kṛṣṇa. Ninguém deve ser orgulhoso de seu nascimento, opulência, educação e beleza materiais, e com estas coisas tentar conquistar a mente de um estudante proficiente da consciência de Kṛṣṇa. Quem assim vai a uma pessoa consciente de Kṛṣṇa, pensando que ela será favoravelmente induzida, está enganado sobre esta ciência. Devemos nos aproximar da pessoa consciente de Kṛṣṇa com toda a humildade e fazer-lhe perguntas relevantes. Se alguém vai desafiá-lo, essa pessoa elevadíssima em consciência de Kṛṣṇa não estará disponível para nenhum serviço. Uma pessoa desafiadora e orgulhosa não pode obter nada do devoto consciente de Kṛṣṇa; ela simplesmente continuará em consciência material. Embora tivesse nascido numa elevada família de brāhmaṇas e estivesse situado no nível de perfeição máximo de sannyāsa, o Senhor Caitanya mostrou, através de Seu comportamento, que mesmo uma pessoa elevada não deve hesitar em aceitar instruções de Rāmānanda Rāya, embora ele parecesse um chefe de família situado numa posição social inferior à de um brāhmaṇa.

Assim, o Senhor Caitanya mostrou claramente que um estudante sincero jamais fica preocupado se seu mestre espiritual nasceu numa elevada família de brāhmaṇas ou de kṣatriyas, ou se ele é sannyāsī, brahmacārī ou o que quer que seja. Qualquer um que possa ensinar a ciência de Kṛṣṇa deve ser aceito como guru.

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