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Capítulo Cinco

Como Aproximar-se de Deus

Toda a literatura védica, na realidade, orienta o ser humano rumo à plataforma de devoção perfeita. Atividades fruitivas, conhecimento especulativo e meditação são caminhos que não levam à plataforma perfectiva, mas o processo de serviço devocional torna o Senhor realmente acessível. Portanto, toda a literatura védica recomenda que se aceite este processo. A este respeito, Caitanya Mahāprabhu citou as instruções dadas pelo Senhor a Uddhava, no Śrīmad-Bhāgavatam (11.14.20):

na sādhayati māṁ yogo
  na sāṅkhyaṁ dharma uddhava
na svādhyāyas tapas tyāgo
  yathā bhaktir mamorjitā

bhaktyāham ekayā grāhyaḥ
  śraddhayātmā priyaḥ satām
bhaktiḥ punāti man-niṣṭhā
  śva-pākān api sambhavāt

“Meu querido Uddhava, nem a especulação filosófica, nem o yoga meditativo, nem as penitências, podem dar-Me tanto prazer como o serviço devocional praticado pelas entidades vivas.” Kṛṣṇa é querido apenas pelos devotos, e Ele só pode ser alcançado através do serviço devocional. Se alguém de nascimento humilde é um devoto, livra-se automaticamente de toda a contaminação. O serviço devocional é o único caminho através do qual se pode alcançar a Pessoa Suprema.

O serviço devocional é a única perfeição aceita em toda a literatura védica. Assim como um homem pobre fica feliz recebendo algum tesouro, quem alcança o serviço devocional supera de imediato as dores materiais. À medida que alguém progride em serviço devocional, alcança o amor por Deus, e, à medida que progride neste amor, livra-se de todo o cativeiro material. Entretanto, ninguém deve pensar que o desaparecimento da pobreza e a libertação do cativeiro são os resultados finais do amor por Kṛṣṇa. Amor por Kṛṣṇa significa saborear a reciprocidade de serviço amoroso. Encontramos em todos os textos védicos que a consecução deste relacionamento amoroso entre o Senhor Supremo e as entidades vivas é a função do serviço devocional. Nossa verdadeira função é o serviço devocional, e nossa meta última é o amor por Deus. Em todos os textos védicos pode-se encontrar que Kṛṣṇa é o centro, pois, através do conhecimento a respeito de Kṛṣṇa, solucionam-se todos os problemas da vida.

Caitanya Mahāprabhu assinalou que, embora (de acordo com o Padma Purāṇa) haja diferentes escrituras para adorar diferentes classes de semideuses, essas instruções apenas confundem as pessoas, fazendo-as pensar que os semideuses são supremos. Contudo, se esmiuçarmos e estudarmos cuidadosamente os Purāṇas, veremos que Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, é o único objeto digno de adoração. Por exemplo, no Mārkaṇḍeya Purāṇa, menciona-se a adoração a Devī, ou a adoração à deusa Durgā ou Kālī, mas no mesmo caṇḍikā também se afirma que todos os semideuses – mesmo sob a forma de Durgā ou Kālī – nada mais são que diferentes energias do Viṣṇu Supremo. Logo, o estudo dos Purāṇas revela que Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus, é o único objeto digno de adoração.

Enfim, direta ou indiretamente, todas as espécies de adoração destinam-se à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. A Bhagavad-gītā confirma que quem adora os semideuses está, na verdade, somente adorando Kṛṣṇa, porque os semideuses são apenas diferentes partes do corpo de Viṣṇu, ou Kṛṣṇa. Também se afirma na Bhagavad-gītā (7.20-23, 9.23) que semelhante adoração a semideuses é irregular. O Śrīmad-Bhāgavatam confirma esta irregularidade através da seguinte pergunta: “Qual é o propósito da adoração às diferentes classes de semideuses?” Na literatura védica, existem várias divisões de atividades ritualísticas; uma é karma-kāṇḍa, ou atividades puramente ritualísticas, e outra é jñāna-kāṇḍa, ou especulação a respeito da Suprema Verdade Absoluta. Qual é, então, o propósito dos seguimentos ritualísticos dos textos védicos, e qual é o propósito dos diferentes mantras ou hinos que indicam a adoração a diversos semideuses? E qual é o propósito da especulação filosófica concernente à Verdade Absoluta? O Śrīmad-Bhāgavatam responde que, na realidade, todos esses métodos definidos nos Vedas indicam a adoração ao Supremo Senhor Viṣṇu. Em outras palavras, todos eles são meios indiretos de adorar a Suprema Personalidade de Deus. Os sacrifícios prescritos nas porções ritualísticas destes textos destinam-se à satisfação do Supremo Senhor Viṣṇu. Na verdade, com yajña, sacrifício, deve-se especificamente satisfazer Viṣṇu, cujo outro nome é Yajñeśvara, ou seja, o Senhor dos sacrifícios.

Visto que não estão todos no mesmo nível transcendental, os neófitos são aconselhados a adorar diversas classes de semideuses de acordo com sua situação nos diferentes modos da natureza material. O propósito é, aos poucos, elevar esses neófitos ao plano transcendental e ocupá-los no serviço a Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus. Por exemplo, os Purāṇas aconselham alguns neófitos apegados a comer carne a que o façam após oferecê-la à deidade Kālī.

Os segmentos filosóficos dos hinos védicos destinam-se a capacitar a pessoa a distinguir o Senhor Supremo de māyā. Depois que entende a posição de māyā, ela pode aproximar-se do Senhor Supremo mediante o serviço devocional puro. Este é o verdadeiro propósito da especulação filosófica, como se confirma na Bhagavad-gītā (7.19): “Após muitos nascimentos e mortes, aquele que tem verdadeiro conhecimento rende-se a Mim, sabendo que Eu sou a causa de todas as causas e de tudo que existe. É muito raro encontrar semelhante grande alma.” Deste modo, pode-se ver que todos os rituais védicos e diversas classes de adoração e especulação filosófica visam, em última análise, a alcançar Kṛṣṇa.

Caitanya Mahāprabhu falou então a Sanātana Gosvāmī sobre as múltiplas formas de Kṛṣṇa e sobre Sua opulência ilimitada. Descreveu também a natureza da manifestação espiritual, da manifestação material e da manifestação da entidade viva. A seguir, informou a Sanātana Gosvāmī que os planetas no céu espiritual, conhecidos como Vaikuṇṭhas, e os universos da manifestação material são, na verdade, classes distintas de manifestações, pois são criados a partir de duas categorias de energia – a energia material e a espiritual. No que diz respeito ao próprio Kṛṣṇa, Ele está diretamente situado em Sua energia espiritual, ou melhor, em Sua potência interna.

Para ajudar-nos a entender a diferença entre as energias material e espiritual, há, no Segundo Canto do Śrīmad-Bhāgavatam, uma clara análise de ambas. Śrīdhara Svāmī, em seu comentário sobre o primeiro verso do Décimo Canto do Śrīmad-Bhāgavatam, também faz um claro estudo analítico. O Senhor Caitanya aceitou que Śrīdhara Svāmī é um comentador autorizado do Śrīmad-Bhāgavatam. Ele citou seus escritos e explicou que o Décimo Canto do Bhāgavatam descreve a vida e as atividades de Kṛṣṇa porque Kṛṣṇa é o refúgio de todas as manifestações. Portanto, Śrīdhara Svāmī adorou Kṛṣṇa e ofereceu-Lhe suas reverências, pois Ele é o refúgio de tudo.

Neste mundo, existem dois princípios operantes: um é a origem ou refúgio de tudo, e o outro é proveniente desse princípio original. A Verdade Suprema é o refúgio de todas as manifestações e chama-se āśraya. Todos os outros princípios, que permanecem sob o controle do āśraya-tattva, ou a Verdade Absoluta, chamam-se āśrita, ou corolários e reações subordinados. O propósito da manifestação material é dar à alma condicionada uma oportunidade de alcançar a liberação e retornar ao āśraya-tattva, ou à Verdade Absoluta. Visto que tudo na criação cósmica é dependente do āśraya-tattva – a manifestação criadora ou manifestação de Viṣṇu –, os diversos semideuses, as manifestações de energia, as entidades vivas e todos os elementos materiais são dependentes de Kṛṣṇa, pois Kṛṣṇa é a Verdade Suprema. Dessa maneira, o Śrīmad-Bhāgavatam indica que Kṛṣṇa é, direta e indiretamente, o refúgio de tudo. Logo, só podemos ter conhecimento perfeito mediante o estudo analítico acerca de Kṛṣṇa, como se confirma na Bhagavad-gītā.

Continuando, o Senhor Caitanya descreveu diversos aspectos de Kṛṣṇa e pediu a Sanātana Gosvāmī que ouvisse atentamente. Informou-lhe então que Kṛṣṇa, o filho de Nanda Mahārāja, é a Suprema Verdade Absoluta, a causa de todas as causas e a origem de todas as emanações e encarnações. Contudo, em Vraja, ou Goloka Vṛndāvana, Ele é exatamente como um jovem e é o filho de Nanda Mahārāja. Mas Sua forma é eterna, plena de bem-aventurança e de conhecimento absoluto. Ele é tanto o refúgio quanto o proprietário de tudo.

Caitanya Mahāprabhu também apresenta evidência da Brahma-saṁhitā (5.1), a qual confirma as qualidades transcendentais do corpo do Senhor Kṛṣṇa:

īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ
  sac-cid-ānanda-vigrahaḥ
anādir ādir govindaḥ
  sarva-kāraṇa-kāraṇam

“Kṛṣṇa, conhecido como Govinda, é a Divindade Suprema. Ele tem um corpo espiritual eterno e bem-aventurado. Ele é a origem de tudo. Ele não tem origem extrínseca, e Ele é a causa primordial de todas as causas.” Dessa maneira, Caitanya Mahāprabhu dá evidência de que Kṛṣṇa é a Personalidade de Deus original, pleno de todas as seis opulências. E Sua morada, conhecida como Goloka Vṛndāvana, situa-se no sistema planetário mais elevado do céu espiritual.

Além disso, o Senhor Caitanya também cita um verso do Śrīmad-Bhāgavatam (1.3.28):

ete cāṁśa-kalāḥ puṁsaḥ
  kṛṣṇas tu bhagavān svayam
indrāri-vyākulaṁ lokaṁ
  mṛḍayanti yuge yuge

Todas as encarnações são expansões diretas de Kṛṣṇa ou, indiretamente, expansões das expansões de Kṛṣṇa. Contudo, o nome de Kṛṣṇa indica a Personalidade de Deus original. Ele aparece nesta Terra, neste universo ou em qualquer outro universo, quando há um distúrbio criado pelos demônios, que estão sempre tentando tumultuar a administração dos semideuses.

Existem três processos distintos através dos quais se pode compreender Kṛṣṇa: o processo empírico de especulação filosófica, o processo de meditação de acordo com o sistema de yoga místico e o processo da consciência de Kṛṣṇa, ou serviço devocional. Através do método de especulação filosófica, compreende-se o aspecto de Kṛṣṇa como Brahman impessoal. Através do processo de meditação ou yoga místico, compreende-se o aspecto da Superalma, a expansão onipenetrante de Kṛṣṇa. E através do serviço devocional com plena consciência de Kṛṣṇa, compreende-se a original Personalidade de Deus. O Senhor Caitanya também cita o seguinte verso do Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.11):

vadanti tat tattva-vidas
  tattvaṁ yaj jñānam advayam
brahmeti paramātmeti
  bhagavān iti śabdyate

“Aqueles que conhecem a Verdade Absoluta descrevem-na em três aspectos: o Brahman impessoal, a onipenetrante Superalma localizada e a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa.” Em outras palavras, Brahman, a manifestação impessoal; Paramātmā, a manifestação localizada; e Bhagavān, a Suprema Personalidade de Deus; são o mesmo. Contudo, de acordo com o processo adotado, Ele é compreendido como Brahman, Paramātmā ou Bhagavān.

Mediante o conhecimento do Brahman impessoal, compreende-se apenas a refulgência que emana do corpo transcendental de Kṛṣṇa. Esta refulgência compara-se ao brilho do sol. Existe o deus do Sol, o próprio Sol e o brilho do sol, que é a refulgência brilhante desse original deus do Sol. Do mesmo modo, a refulgência espiritual (brahmajyoti), o Brahman impessoal, nada mais é que a refulgência pessoal de Kṛṣṇa. Para sustentar esta análise, o Senhor Caitanya cita um importante verso da Brahma-saṁhitā (5.40), no qual o Senhor Brahmā diz:

yasya prabhā prabhavato jagad-aṇḍa-koṭi-
  koṭiṣv aśeṣa-vasudhādi-vibhūti-bhinnam
tad brahma niṣkalam anantam aśeṣa-bhūtaṁ
  govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Adoro a Suprema Personalidade de Deus, em virtude de cuja refulgência pessoal manifesta-se o ilimitado brahmajyoti. Nesse brahmajyoti, existem inúmeros universos e cada um deles está repleto de inúmeros planetas.”

Em seguida, o Senhor Caitanya assinala que o Paramātmā, o aspecto onipenetrante situado em todos os corpos, nada mais é que uma manifestação parcial ou expansão de Kṛṣṇa, mas, porque é a alma de todas as almas, Kṛṣṇa é chamado de Paramātmā, o Eu Supremo. A este respeito, Caitanya citou outro verso do Śrīmad-Bhāgavatam concernente às conversas entre Mahārāja Parīkṣit e Śukadeva Gosvāmī. Enquanto ouvia os passatempos transcendentais que Kṛṣṇa realizara em Vṛndāvana, Mahārāja Parīkṣit perguntou a seu mestre espiritual, Śukadeva Gosvāmī, por que os habitantes de Vṛndāvana eram tão apegados a Kṛṣṇa. A esta pergunta, Śukadeva Gosvāmī respondeu:

kṛṣṇam enam avehi tvam
  ātmānam akhilātmanām
jagad-dhitāya so ’py atra
  dehīvābhāti māyayā

“Deve-se conhecer Kṛṣṇa como a alma de todas as almas, pois Ele é a alma de todas as almas individuais e também do Paramātmā localizado. Em Vṛndāvana, Ele agia tal qual um ser humano a fim de atrair as pessoas e revelar que Ele não é amorfo.” (Śrīmad-Bhāgavatam 10.14.55) O Senhor Supremo é tão individual como os outros seres vivos, mas Ele é diferente porque é o Supremo e todos os outros seres vivos são subordinados a Ele. Todos os outros seres vivos também podem desfrutar bem-aventurança espiritual, vida eterna e conhecimento completo em Sua companhia.

Em seguida, o Senhor Caitanya cita um verso da Bhagavad-gītā no qual Kṛṣṇa, ao explicar a Arjuna Suas diferentes opulências, destaca que Ele próprio entra neste universo mediante uma de Suas porções plenárias, Garbhodakaśāyī Viṣṇu, e também entra em cada universo como o Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu, após o que Se expande como a Superalma nos corações de todos. O próprio Senhor Kṛṣṇa indica que, se alguém deseja entender perfeitamente a Suprema Verdade Absoluta, deve adotar o processo de serviço devocional com plena consciência de Kṛṣṇa. Então, ser-lhe-á possível compreender na íntegra a Verdade Absoluta.

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