Capítulo 18
Serviço Devocional: A Perfeição Derradeira
Verso 43
jñāna-vairāgya-yuktena
bhakti-yogena yoginaḥ
kṣemāya pāda-mūlaṁ me
praviśanty akuto-bhayam
Os yogīs, munidos de conhecimento transcendental e renúncia, e ocupados em serviço devocional para seu benefício eterno, refugiam-se a Meus pés de lótus, e, como Eu sou o Senhor, eles são desse modo aptos a entrar no reino de Deus, sem temor.
SIGNIFICADO—Aquele que quer libertar-se do enredamento deste mundo material e voltar ao lar, voltar ao Supremo, é realmente um yogī místico. As palavras explicitamente usadas aqui são yuktena bhakti-yogena. Esses yogīs, ou místicos, que se ocupam em serviço devocional são yogīs de primeira classe. Os yogīs de primeira classe, como se descreve na Bhagavad-gītā, são aqueles que pensam constantemente no Senhor, a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Esses yogīs não são desprovidos de conhecimento e renúncia. Tornar-se um bhakti-yogī significa alcançar automaticamente conhecimento e renúncia. Esse é o resultado consequente de bhakti-yoga. No Bhāgavatam, primeiro canto, segundo capítulo, confirma-se também que quem se ocupa no serviço devocional a Vāsudeva, Kṛṣṇa, tem pleno conhecimento transcendental e renúncia, e não há explicação para essas conquistas. Ahaitukī – sem razão, elas acontecem. Mesmo que uma pessoa seja completamente iletrada, o conhecimento transcendental das escrituras lhe é revelado simplesmente por ela se ocupar em serviço devocional. Isso também se afirma na literatura védica. Todo o significado dos textos védicos é revelado a quem tem plena fé na Suprema Personalidade de Deus e no mestre espiritual. Não é preciso buscar separadamente; os yogīs que se ocupam em serviço devocional são plenos de conhecimento e renúncia. Se há falta de conhecimento e renúncia, deve-se entender que não se está em pleno serviço devocional. A conclusão é que não se pode ter certeza de entrar no reino espiritual – seja na refulgência impessoal do brahmajyoti do Senhor, seja nos planetas Vaikuṇṭha dentro dessa refulgência – a menos que se esteja rendido aos pés de lótus do Senhor Supremo. As almas rendidas são chamadas de akuto-bhaya. Elas não têm dúvidas nem temores, tendo garantida a sua entrada no reino espiritual.
O serviço devocional é muito importante, pois, neste mundo material, existe perigo a cada passo. Nossa vida pode terminar a qualquer momento. Podemos estar satisfeitos passeando pela rua e, de repente, escorregar e quebrar o pescoço, daí este planeta ser chamado de Martyaloka, o planeta da morte, o lugar onde a morte é certa. A despeito de quão forte ou saudável alguém seja, ele não pode evitar a morte. Talvez alguém faça ginástica na praia todo dia, mas, ainda assim, pode morrer a qualquer momento. Não existem garantias. Todos desejam saúde e segurança, mas, de fato, não há segurança. Só existe a luta pela existência. As pessoas estão lutando por segurança, mas, na verdade, tudo isso é tolice. Elas estão sempre amedrontadas, porque esqueceram ou rejeitaram Kṛṣṇa. Esquecemos que somos servos eternos de Kṛṣṇa, que somos Suas eternas partes integrantes e que temos uma relação muito íntima com Ele. No mundo material, encontramo-nos em asat, uma situação temporária. Quando uma criança se perde de seus pais, ela fica amedrontada. Ela chora na rua: “Onde está meu pai? Onde está minha mãe?” Se não queremos mais permanecer nesta situação amedrontadora, temos de nos abrigar aos pés de lótus de Kṛṣṇa. Kṛṣṇa está pedindo que voltemos para Ele, porque todos somos Seus filhos. Ele diz: “Vocês estão apodrecendo aqui em consequência de seus repetidos pecados. Vocês estão mudando de um corpo a outro e pensando que são seres humanos, americanos, isto e aquilo. No momento seguinte, talvez se tornem um cão ou um inseto.” Todos sempre pensam que estão seguros, e isso se chama māyā, ilusão.
Conhecimento, jñāna, significa compreender nossa relação com Kṛṣṇa. Um homem sábio pergunta: “Qual é meu dever em relação a Kṛṣṇa?” Tão logo compreendemos nossa relação com Kṛṣṇa e nosso dever para com Ele, naturalmente relutamos em nos ocupar em atividades materiais. Isso se chama vairāgya, desapego das atividades materiais. Jñāna e vairāgya podem ser despertadas através de bhakti-yoga. Bhakti significa rendição a Kṛṣṇa. Sem nos rendermos a Kṛṣṇa, não podemos compreender nossa situação. Kṛṣṇa Se reserva o direito de não Se expor aos tolos e patifes. Ele Se entrega unicamente aos devotos. Não podemos compreender Kṛṣṇa sem nos tornarmos devotos.
Vida material significa sexo. As pessoas trabalham duramente o dia inteiro para desfrutar de um pouco de sexo à noite. No mundo material, todos estão sofrendo devido às flechas afiadas de Cupido. Madana, o Cupido, atira suas flechas nos homens e mulheres e os faz loucos uns pelos outros; entretanto, quando alguém vê Kṛṣṇa realmente, ele vê Madana-mohana, o encantador do Cupido. Então, a flecha do Cupido não o atinge mais. Isso significa que a pessoa perde todo o temor. Ela, então, pode adentrar bhakti-yoga e renunciar o mundo material. De acordo com os śāstras, existem śreyas e preyas. Śreyas é o objetivo último. Devemos agir de tal maneira que, no final, lograremos a felicidade. Porém, se queremos felicidade imediata e não nos importamos com o futuro, isso é preyas. Preyas se destina aos homens ininteligentes e às crianças. A criança gosta de brincar o dia todo; ela não quer ir para a escola para ser educada. Educação é śreyas, o objetivo último. Ninguém se interessa por isso. Os śāstras nos ensinam a aspirarmos por śreyas e a não nos deixarmos cativar por preyas. O śreyas supremo é bhakti-yoga.
No mundo material, estamos lutando pela existência com a esperança de que, algum dia no futuro, seremos felizes. Ainda assim, estamos confusos. Um animal no deserto vê uma miragem e corre atrás dessa miragem. Ele corre continuamente e, dessa maneira, enquanto atravessa a areia escaldante, ele fica cada vez mais sedento e acaba por morrer. Nossa luta pela existência é assim. Estamos pensando: “Deixe-me seguir um pouco mais. Acabarei encontrando água. Por fim, eu serei feliz.” Todavia, não existe água no deserto. Aqueles que não têm inteligência, que são como animais, buscam a felicidade no deserto do mundo material. Deve-se abandonar esse falso apego através do processo de bhakti-yoga. Isso deve ser levado muito a sério, e não de maneira artificial. Kṛṣṇa deseja com toda seriedade ver se a pessoa acabou de fato com seus desejos materiais. Quando Kṛṣṇa vê isso, Ele fica muito satisfeito. Estamos ocupados com dharma, artha, kāma e mokṣa, mas, quando transcendemos a essas plataformas, começa bhakti.
Se estudamos a história do mundo, vemos que tudo não passa de uma história de lutas. A humanidade tenta aliviar-se de sua condição de sofrimento, mas isso simplesmente ocasiona outra situação de sofrimento. Enquanto tentamos resolver um problema, outro problema aparece. A determinação de renunciar à associação com este mundo material chama-se mukti. Mukti significa alcançar a plataforma espiritual. Visto que pertencemos à atmosfera espiritual, é impossível para nós sermos felizes na atmosfera material. Se um animal terrestre é colocado na água, ele simplesmente lutará pela existência, a despeito de ser um nadador hábil. Viemos a este mundo material para desfrutar os sentidos, mas nossas tentativas nunca serão bem-sucedidas. Se desejamos realmente alcançar uma plataforma que transcenda ao medo, temos de aceitar este processo de bhakti-yoga apresentado pelo Senhor Kapiladeva.
Verso 44
etāvān eva loke ’smin
puṁsāṁ niḥśreyasodayaḥ
tīvreṇa bhakti-yogena
mano mayy arpitaṁ sthiram
Portanto, as pessoas cujas mentes estão fixas no Senhor ocupam-se na prática intensiva de serviço devocional. Esse é o único meio de alcançar a perfeição final da vida.
SIGNIFICADO—Neste verso, são significativas as palavras mano mayy arpitam, que querem dizer “a mente que está fixa em Mim”. Devemos fixar a mente nos pés de lótus de Kṛṣṇa ou de Sua encarnação. Estar estavelmente fixo nessa liberdade é o meio de alcançar a liberação. Ambarīṣa Mahārāja é um exemplo disso. Ele fixou a mente nos pés de lótus do Senhor, ele falava somente sobre os passatempos do Senhor, cheirava somente as flores e folhas de tulasī oferecidas ao Senhor, caminhava somente para ir ao templo do Senhor, utilizava as mãos para limpar o templo, a língua para saborear o alimento oferecido ao Senhor, e os ouvidos para ouvir os grandiosos passatempos do Senhor. Dessa maneira, ocupava todos os seus sentidos. Antes de qualquer coisa, a mente deve ser ocupada aos pés de lótus do Senhor, muito estável e naturalmente. Como a mente é a mestra dos sentidos, ao se ocupar a mente, todos os sentidos ficam ocupados. Isso é bhakti-yoga. Yoga significa controlar os sentidos. Não é possível controlar os sentidos na definição própria do termo; eles sempre estarão agitados. O mesmo se aplica a uma criança – por quanto tempo pode-se forçá-la a ficar sentada em silêncio? Isso é impossível. Mesmo Arjuna disse que cañcalaṁ hi manaḥ kṛṣṇa: “A mente está sempre agitada.” A melhor coisa a fazer é fixar a mente nos pés de lótus do Senhor. Mano mayy arpitaṁ sthiram. Se nos ocupamos seriamente em consciência de Kṛṣṇa, essa é a fase perfectiva mais elevada. Todas as atividades conscientes de Kṛṣṇa estão no mais elevado nível de perfeição da vida humana.
Este verso apresenta a conclusão de bhakti-yoga, conforme descrita pelo Senhor Kapiladeva à Sua mãe. Bhakti-yoga é a ocupação de alguém avançado em jñāna-vairāgya, conhecimento e renúncia. Sārvabhauma Bhaṭṭācārya explicou bhakti-yoga como vairāgya-vidyā-nija-bhakti-yoga. Bhakti-yoga começa quando aceitamos as instruções de Kṛṣṇa:
sarva-dharmān parityajya
mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja
“Abandona todas as variedades de religião e simplesmente rende-te a Mim.” (Bhagavad-gītā 18.66)
Temos de renunciar todas as ocupações materiais e aceitar os pés de lótus de Kṛṣṇa. Elaboramos uma série de planos para sermos felizes no mundo material, mas a Suprema Personalidade de Deus já garantiu que esse lugar é duḥkhālayam aśāśvatam, um lugar de sofrimentos. Este mundo material se destina a provocar o sofrimento, assim como um presídio se destina a aplicar a punição. Assim que alcançamos nossa posição constitucional de brahma-bhūta, podemos entrar no reino de Deus, o mundo espiritual. Através de karma-yoga, tentamos sair do corpo grosseiro, e, através de jñāna-yoga, tentamos nos livrar do corpo sutil, mas, através de bhakti-yoga, podemos transcender diretamente ambos, o corpo sutil (mente, inteligência e ego) e o corpo material grosseiro. Então, podemos nos situar na plataforma espiritual, em nosso corpo espiritual, original. Enquanto estamos nos corpos sutil e grosseiro, sofremos a influência dos três modos da natureza material. Logo que entramos no serviço devocional ao Senhor, situamo-nos de imediato na plataforma de brahma-bhūta. Ahaṁ brahmāsmi (“Eu sou Brahman”) é apenas conhecimento teórico, mas, quando presta serviço devocional, o ser vivo se situa em conhecimento prático. Ele, então, não se encontra mais na plataforma material e, sim, na plataforma de Brahman.
Prahlāda Mahārāja prestou o melhor serviço a seu pai, Hiraṇyakaśipu, fazendo com que o Senhor Nṛsiṁhadeva o matasse. Superficialmente, parece que Prahlāda Mahārāja não ajudou seu pai, mas esse não foi o caso. Nos śāstras, afirma-se que se alguém, mesmo que seja um demônio, é morto por Deus, ele se libera de imediato. Prahlāda Mahārāja pensava: “Meu pai é tão pecaminoso e tão contrário à consciência de Deus que acho que não vai se liberar.” Depois que o Senhor Nṛsiṁha matou Hiraṇyakaśipu, Prahlāda disse ao Senhor: “Meu querido Senhor, posso Lhe pedir algo? Meu pai era um ateu inveterado e cometeu muitas ofensas a Seus pés de lótus. Agora, o Senhor o matou. Peço-Lhe que ele seja perdoado e alcance a liberação.” Na verdade, Hiraṇyakaśipu já se liberara, mas, ainda assim, seu afetuoso filho estava ansioso para saber se ele tinha se liberado ou não. O Senhor confirma que não só o pai de um vaiṣṇava, mas vinte e uma gerações antes do vaiṣṇava, recebem a liberação. Logo, por servir ao Senhor, presta-se o melhor serviço à família, pois vinte e uma gerações se liberam se alguém se torna um vaiṣṇava puro.
O verdadeiro objetivo do yogī é fixar a mente em Kṛṣṇa. Esse é o verdadeiro sistema de yoga. Há muitos exercícios físicos realizados por certos yogīs, mas tudo isso é recomendado para aqueles que são por demais preocupados com o corpo. Prestar serviço a Kṛṣṇa vinte e quatro horas por dia chama-se bhakti-yoga, e isso é o verdadeiro samādhi. As pessoas trabalham dia e noite para desfrutar alguns resultados. O devoto em bhakti-yoga trabalha dia e noite, mas oferece o resultado a Kṛṣṇa. Há uma enorme diferença entre um bhakti-yogī e um karmī comum. Os karmīs comuns não conseguem compreender que os bhaktas estão na plataforma transcendental.
Como dissemos antes, há inumeráveis formas de Deus – Rāma, Nṛsiṁha, Varāha, Kṛṣṇa, Kapiladeva, Balarāma e assim por diante. Às vezes, homens tolos perguntam: “Vocês adoram Kṛṣṇa. Por que não adoram Rāma?” Na realidade, não há diferença entre Kṛṣṇa e Rāma, mas cada um tem sua preferência. Por exemplo, Hanumān era particularmente devotado ao Senhor Rāmacandra. As gopīs são exclusivamente devotadas ao Senhor Kṛṣṇa. Isso não faz nenhuma diferença. O Senhor aparece em diferentes formas, mas, em todos os casos, Ele é o Senhor. Certa vez, Kṛṣṇa deixou as gopīs e assumiu Sua forma de Viṣṇu com quatro braços. As gopīs saíram à procura de Kṛṣṇa e, ao verem a forma de Viṣṇu com quatro braços, elas não ofereceram muito respeito. Elas só queriam ver Kṛṣṇa. Na verdade, não há diferença entre Kṛṣṇa e Viṣṇu, mas cada devoto tem uma inclinação particular. No sampradāya vaiṣṇava, alguns devotos adoram Rādhā-Kṛṣṇa, outros adoram Sītā-Rāma e, ainda outros, Lakṣmī-Nārāyaṇa. Alguns adoram também Rukmiṇī-Kṛṣṇa. Todos esses devotos são vaiṣṇavas. Quer se cante Hare Kṛṣṇa, quer se cante Hare Rāma, isso não é muito importante. Não se recomenda, contudo, a adoração aos semideuses. De qualquer modo, bhakti-yoga começa com o ouvir – śravaṇaṁ kīrtanam. Depois que alguém ouve da parte de uma fonte correta e se convence, ele automaticamente realizará kīrtana. Kīrtana significa glorificação. Kīrtana é pregação, glorificação, falar sobre o Senhor. Parīkṣit Mahārāja logrou a perfeição só por ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam. Isso é śravaṇaṁ kīrtanam. Parīkṣit Mahārāja ouvia, e Śukadeva Gosvāmī realizou kīrtana, descrevendo as glórias do Senhor. Pṛthu Mahārāja apenas adorou ao Senhor, e Lakṣmīdevī massageou os pés de lótus de Viṣṇu. Arjuna fez amizade com o Senhor, e Hanumān executou as ordens do Senhor Rāmacandra. Bali Mahārāja ofereceu tudo o que possuía ao Senhor, que assumira a forma de Vāmanadeva, e, depois que ofereceu todas as suas posses, entregou também o seu corpo. Há muitos exemplos, mas, por ora, se apenas ouvirmos sobre Kṛṣṇa, isso será o suficiente. Deus nos deu ouvidos, e basta que procuremos uma alma realizada e a ouçamos falar sobre Kṛṣṇa. Esse é o processo recomendado para esta era, pois todos são muito caídos e mal-educados.
Caitanya Mahāprabhu recomenda que, a despeito de nossa posição, procuremos um devoto. Não há necessidade de mudar de posição; é melhor permanecermos onde estamos e simplesmente ouvir sobre Kṛṣṇa. O propósito do movimento da consciência de Kṛṣṇa é oferecer a todos a oportunidade de ouvir sobre Kṛṣṇa. Kṛṣṇa está no coração de todos, e assim que vê alguém interessado nEle, Ele o ajuda. Esse é o começo de bhakti.
Mesmo que não compreendamos esta filosofia, nós nos purificaremos apenas por ouvir o que Kṛṣṇa diz. Esse é todo o processo de hari-saṅkīrtana. Nem mesmo é necessário compreender o que significa Hare Kṛṣṇa. Basta ouvir que a purificação acontecerá. A menos que nos purifiquemos, não podemos compreender Deus. Existem muitas contaminações dentro do coração, e as pessoas nesta era estão ocupadas em muitas atividades pecaminosas – sexo ilícito, consumo de carne, intoxicação e jogos de azar. O mundo inteiro gira em torno dessas coisas, ainda assim temos de difundir este movimento da consciência de Kṛṣṇa. Talvez haja muitos obstáculos, mas, pela misericórdia de Kṛṣṇa, podem-se superar todos eles. Temos apenas de ser determinados em nossa devoção. O resto virá. Esta é a essência das instruções do Senhor Kapila à Sua mãe.