VERSO 128
kibā vipra, kibā nyāsī, śūdra kene naya
yei kṛṣṇa-tattva-vettā, sei ‘guru’ haya
kibā — quer; vipra — um brāhmaṇa; kibā — quer; nyāsī — um sannyāsī; śūdra — um śūdra; kene — por que; naya — não; yei — qualquer pessoa que; kṛṣṇa-tattva-vettā — um conhecedor da ciência de Kṛṣṇa; sei — tal pessoa; guru — o mestre espiritual; haya — é.
“Quer alguém seja brāhmaṇa, sannyāsī ou śūdra – independentemente do que seja –, pode tornar-se mestre espiritual caso conheça a ciência de Kṛṣṇa.”
SIGNIFICADO—Este verso é muito importante para o movimento da consciência de Kṛṣṇa. Como Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura explica em seu Amṛta-pravāha-bhāṣya, não se deve pensar que, por ter nascido brāhmaṇa e por Se encontrar na ordem espiritual mais elevada, a ordem de sannyāsa, era inapropriado para Śrī Caitanya Mahāprabhu receber instruções de Śrīla Rāmānanda Rāya, que pertencia à casta śūdra. Para esclarecer este assunto, Śrī Caitanya Mahāprabhu informou a Rāmānanda Rāya que o conhecimento da consciência de Kṛṣṇa é mais importante do que a casta. O sistema de varṇāśrama-dharma estabelece diversos deveres para os brāhmaṇas, os kṣatriyas e os śūdras. Na realidade, supõe-se que o brāhmaṇa seja o mestre espiritual de todos os outros varṇas ou setores, mas, no que diz respeito à consciência de Kṛṣṇa, todos são capazes de tornarem-se mestres espirituais, pois o conhecimento em consciência de Kṛṣṇa está na plataforma da alma espiritual. Para difundir a consciência de Kṛṣṇa, basta ter conhecimento da ciência da alma espiritual. Não importa se alguém é brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya, śūdra, sannyāsī, gṛhastha ou o que seja. Se alguém simplesmente compreende esta ciência, pode tornar-se mestre espiritual.
Como se afirma no Hari-bhakti-vilāsa, não se deve aceitar iniciação de alguém que não esteja na ordem bramânica caso esteja presente um representante idôneo da ordem bramânica. Esta instrução destina-se àqueles que dependem inteiramente da ordem social mundana, sendo adequada para quem deseja permanecer na vida mundana. Se alguém compreende a verdade da consciência de Kṛṣṇa e seriamente deseja obter conhecimento transcendental para aperfeiçoar sua vida, pode aceitar um mestre espiritual de qualquer status social, contanto que o mestre espiritual seja plenamente versado na ciência de Kṛṣṇa. Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura também afirma que, mesmo estando alguém na posição de brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya, śūdra, brahmacārī, vānaprastha, gṛhastha ou sannyāsī, caso seja versado na ciência de Kṛṣṇa, pode tornar-se mestre espiritual como vartma-pradarśaka-guru, dīkṣā-guru ou śīkṣā-guru. O mestre espiritual que primeiro fornece informações sobre a vida espiritual chama-se vartma-pradarśaka-guru. O mestre espiritual que dá iniciação de acordo com as regulações dos śāstras chama-se dīkṣā-guru, e o mestre espiritual que dá instruções para a elevação chama-se śikṣā-guru. De fato, as qualificações de um mestre espiritual dependem de seu conhecimento da ciência de Kṛṣṇa. Não importa se ele é brāhmaṇa, kṣatriya, sannyāsī ou śūdra. Esse preceito dado por Śrī Caitanya Mahāprabhu não é de forma alguma contrário aos preceitos dos śāstras. No Padma Purāṇa, declara-se:
na śūdrā bhagavad-bhaktās
te ’pi bhāgavatottamāḥ
sarva-varṇeṣu te śūdrā
ye na bhaktā janārdane
Aquele que realmente é avançado em conhecimento espiritual de Kṛṣṇa não é śūdra de forma alguma, mesmo que tenha nascido em família de śūdras. No entanto, mesmo se um vipra ou brāhmaṇa é muito perito nas seis atividades bramânicas (paṭhana, pāṭhana, yajana, yājana, dāna e pratigraha) e também é bem versado nos hinos védicos, não pode tornar-se mestre espiritual a menos que seja um vaiṣṇava. Porém, se alguém nasce em família de caṇḍālas e é, todavia, bem versado na consciência de Kṛṣṇa, pode tornar-se guru. Estes preceitos são śāstricos, e, seguindo-os estritamente, Śrī Caitanya Mahāprabhu, como um gṛhastha chamado Śrī Viśvambhara, foi iniciado por um sannyāsī-guru chamado Īśvara Purī. De forma semelhante, Śrī Nityānanda Prabhu foi iniciado por Mādhavendra Purī, um sannyāsī. Entretanto, segundo outros, Ele foi iniciado por Lakṣmīpati Tīrtha. Advaita Ācārya, embora fosse gṛhastha, foi iniciado por Mādhavendra Purī, e Śrī Rasikānanda, embora nascido em família de brāhmaṇas, foi iniciado por Śrī Śyāmānanda Prabhu, que não nascera em família de brāhmaṇas de casta. Há muitos exemplos de brāhmaṇas de nascença que aceitaram iniciação de pessoas não nascidas em famílias de brāhmaṇas. Os sintomas bramânicos são explicados no Śrīmad-Bhāgavatam (7.11.35), onde se afirma:
yasya yal-lakṣaṇaṁ proktaṁ
puṁso varṇābhivyañjakam
yad anyatrāpi dṛśyeta
tat tenaiva vinirdiśet
Se alguém nasce em família de śūdras, mas tem todas as qualidades de um mestre espiritual, não apenas deve-se aceitá-lo como brāhmaṇa, mas também como mestre espiritual qualificado. Essa é também a instrução de Śrī Caitanya Mahāprabhu. Portanto, Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura introduziu a cerimônia do cordão sagrado para todos os vaiṣṇavas, segundo as regras e regulações.
Às vezes, um vaiṣṇava bhajanānandī não aceita sāvitra-saṁskāra (iniciação do cordão sagrado), mas isso não quer dizer que se deva utilizar esse sistema no trabalho de pregação. Há duas classes de vaiṣṇavas – o bhajanānandī e o goṣṭhyānandī. O bhajanānandī não se interessa em pregar, mas o goṣṭhyānandī está interessado em difundir a consciência de Kṛṣṇa para beneficiar as pessoas e aumentar o número de vaiṣṇavas. Subentende-se que um vaiṣṇava está acima da posição de um brāhmaṇa. Como pregador, ele deve ser reconhecido como brāhmaṇa; caso contrário, poderá haver mal-entendido quanto à sua posição como vaiṣṇava. Contudo, não se classifica um brāhmaṇa vaiṣṇava com base em seu nascimento, mas sim segundo suas qualidades. Infelizmente, aqueles que não são inteligentes não conhecem a diferença entre um brāhmaṇa e um vaiṣṇava. Eles acham que alguém só pode ser mestre espiritual caso seja um brāhmaṇaḥ. É apenas por este motivo que Śrī Caitanya Mahāprabhu afirma neste verso:
kibā vipra, kibā nyāsī, śūdra kene naya
yei kṛṣṇa-tattva-vettā, sei ‘guru’ haya
Se alguém se torna guru, é automaticamente um brāhmaṇa. Às vezes, os gurus de casta dizem que ye kṛṣṇa-tattva-vettā, sei guru haya significa que quem não é brāhmaṇa talvez possa tornar-se śikṣā-guru ou vartma-pradarśaka-guru, mas não guru iniciador. Segundo tais gurus de casta, consideram-se mais importantes os laços de nascimento e família. Contudo, os vaiṣṇavas não levam em consideração a hereditariedade. A palavra guru aplica-se igualmente ao vartma-pradarśaka-guru, ao śikṣā-guru e ao dīkṣā-guru. A menos que aceitemos o princípio enunciado por Śrī Caitanya Mahāprabhu, este movimento da consciência de Kṛṣṇa não poderá difundir-se por todo o mundo. Segundo as intenções de Śrī Caitanya Mahāprabhu: pṛthivīte āche yata nagarādi-grāma sarvatra pracāra haibe mora nāma. Deve-se pregar o culto de Śrī Caitanya Mahāprabhu em todo o mundo. Isso não quer dizer que as pessoas devam adotar Seus ensinamentos e permanecer śūdras ou caṇḍālas. Tão logo alguém seja treinado como um vaiṣṇava puro, deve-se aceitá-lo como um brāhmaṇa genuíno. Essa é a essência das instruções de Śrī Caitanya Mahāprabhu neste verso.