VERSO 193
eta bali’ āpana-kṛta gīta eka gāhila
preme prabhu sva-haste tāṅra mukha ācchādila
eta bali’ — dizendo isto; āpana-kṛta — composta por ele; gīta — canção; eka — uma; gāhila — cantou; preme — em amor a Deus; prabhu — Śrī Caitanya Mahāprabhu; sva-haste — com Sua própria mão; tāṅra — dele (de Rāmānanda Rāya); mukha — boca; ācchādila — cobriu.
Dizendo isto, Rāmānanda Rāya começou a cantar uma canção composta por ele, mas Śrī Caitanya Mahāprabhu, no êxtase de amor a Deus, imediatamente cobriu a boca de Rāmānanda com Sua mão.
SIGNIFICADO—Os tópicos que passarão a ser abordados pelo Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu e Rāmānanda Rāya não podem ser entendidos por um poeta materialista, tampouco pela inteligência ou pela percepção material. Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura afirma que só podemos compreender a doçura espiritual ao situarmo-nos na plataforma transcendental, além da fase de bondade material. Chama-se esta plataforma de viśuddha-sattva (sattvaṁ viśuddhaṁ vasudeva-śabditam). A compreensão de viśuddha-sattva está além do âmbito do mundo material, não sendo percebida pelos sentidos físicos ou pela especulação mental. Nossa identificação com o corpo grosseiro e a mente sutil difere da compreensão espiritual. Como a inteligência e a mente são materiais, os casos amorosos de Śrī Rādhā e Kṛṣṇa estão além da percepção delas. Sarvopādhi-vinirmuktaṁ tat-paratvena nirmalam: livrando-nos de todas as designações materiais e purificando nossos sentidos completamente mediante o processo de bhakti, poderemos compreender as atividades sensoriais da Verdade Absoluta (hṛṣīkeṇa hṛṣīkeśa-sevanaṁ bhaktir ucyate).
Os sentidos espirituais estão além dos sentidos materiais. O materialista pode pensar apenas na negação da variedade material; não é possível que ele entenda a variedade espiritual. Ele acha que a variedade espiritual simplesmente contradiz a variedade material, sendo negação ou vazio. Porém, tais concepções não podem alcançar sequer os arredores da percepção espiritual. As maravilhosas atividades do corpo grosseiro e da mente sutil são sempre imperfeitas. Elas estão abaixo do grau de compreensão espiritual e são efêmeras. A doçura espiritual é eternamente maravilhosa e é descrita como pūrṇa, śuddha, nitya-mukta – isto é, purificada por completo e eternamente liberada de todas as concepções materiais. Quando não conseguimos satisfazer nossos desejos materiais, ficamos pesarosos e confusos. Pode-se descrever isso como vivarta. Na vida espiritual, no entanto, não há pesar, inebriamento nem imperfeição. Śrīla Rāmānanda Rāya era perito em compreender as atividades espirituais de Śrīmatī Rādhārāṇī e Kṛṣṇa, e ele apresentou sua experiência espiritual a Śrī Caitanya Mahāprabhu perguntando se o Senhor aprovava sua percepção da verdade espiritual.
Há três livros importantes sobre este assunto. Um deles foi escrito por Bhakta Dāsa Bāula, e chama-se Vivarta-vilāsa. Outro foi escrito por Jagadānanda, e chama-se Prema-vivarta. O livro de Śrī Rāmānanda Rāya chama-se Prema-vilāsa-vivarta. O Vivarta-vilāsa, de Bhakta Dāsa Bāula, é inteiramente diferente dos outros dois livros. Às vezes, estudantes ou professores universitários tentam estudar esses textos transcendentais e tentam fazer análise crítica do ponto de vista mundano com o fim de receber títulos, como o de Ph.D. Por certo que tal compreensão é diferente da de Rāmānanda Rāya. Se alguém realmente quiser receber um título de Ph.D. de Śrī Caitanya Mahāprabhu e ser aprovado por Rāmānanda Rāya, primeiro deverá livrar-se de todas as designações materiais (sarvopādhi-vinirmuktaṁ tat-paratvena nirmalam). Uma pessoa que se identifica com o corpo material não pode compreender estas conversas entre Śrī Rāmānanda Rāya e Śrī Caitanya Mahāprabhu. Escrituras religiosas inventadas pelo homem e conversas filosóficas transcendentais são coisas bem diferentes. Na verdade, há um abismo de diferença entre as duas. Śrīman Madhvācārya fez uma descrição cuidadosa deste assunto. Por estarem situados no conceito material de vida, os filósofos materiais são incapazes de perceber o prema-vilāsa-vivarta espiritual. Eles não conseguem colocar um elefante sobre um prato. Da mesma forma, os especuladores mundanos não podem encerrar o elefante espiritual dentro de sua concepção limitada. O esforço deles é como o esforço da rã que tenta medir o oceano Atlântico imaginando-o tantas vezes maior do que seu poço. Filósofos materialistas e sahajiyās não podem compreender as conversas entre Rāmānanda Rāya e Śrī Caitanya Mahāprabhu a respeito dos passatempos de Śrī Rādhā e Kṛṣṇa. A única tendência dos impersonalistas ou dos prākṛta-sahajiyās é voltar-se para a plataforma do impersonalismo. Eles não conseguem compreender a variedade espiritual. Consequentemente, quando Rāmānanda Rāya tentou cantar seus próprios versos, Śrī Caitanya Mahāprabhu o interrompeu, cobrindo-lhe a boca com Sua própria mão.