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Capítulo 35

Os Sentimentos de Saudade das Gopīs

As gopīs de Vṛndāvana eram tão apegadas a Kṛṣṇa que não se satisfaziam só com a dança da rāsa à noite. De dia também, elas queriam se associar com Ele e gozar-Lhe a companhia. Quando Kṛṣṇa ia para a floresta com Seus amigos pastores e as vacas, as gopīs não participavam fisicamente, mas seus corações iam com Ele. E porque seus corações iam, elas eram capazes de desfrutar a companhia dEle por meio de intenso sentimento de separação. Adquirir esse intenso sentimento de separação é o ensinamento do Senhor Caitanya e de Sua sucessão discipular direta, os Gosvāmīs. Quando não temos contato físico com Kṛṣṇa, podemos nos associar com Ele através do sentimento de separação, da mesma forma como as gopīs. A forma, a qualidade, os passatempos e o séquito transcendentais de Kṛṣṇa são idênticos a Ele. Há nove diferentes espécies de serviço devocional. O serviço devocional em sentimento de separação eleva o devoto ao nível mais alto da perfeição, ao nível das gopīs.

Śrīnivāsācārya, em sua oração em louvor aos seis Gosvāmīs, afirma que os Gosvāmīs abandonaram a opulência material do serviço do governo e a nobreza e foram para Vṛndāvana, onde viviam como pedintes comuns, mendigando de porta em porta. Contudo, estavam tão enriquecidos com os sentimentos de saudade das gopīs que sentiam prazer transcendental a cada momento. Igualmente, quando o Senhor Caitanya estava em Jagannātha Purī, Ele fazia o papel de Rādhārāṇī, sentindo a separação de Kṛṣṇa. Aqueles que estão na sucessão discipular da Mādhva-Gauḍīya-sampradāya também devem sentir saudades de Kṛṣṇa, adorar Sua forma transcendental e discutir Seus transcendentais ensinamentos, passatempos, qualidades e séquito. Isso enriquecerá os devotos com a mais elevada perfeição devocional, pois sentir constante separação ao se ocupar no serviço do Senhor é a perfeição da consciência de Kṛṣṇa.

As gopīs costumavam falar sobre Kṛṣṇa entre si, e suas conversas eram assim: “Minhas queridas amigas”, dizia uma gopī, “vocês sabem que, quando Kṛṣṇa Se deita no chão, Ele Se apoia sobre o cotovelo esquerdo e Sua cabeça repousa sobre a mão esquerda? Ele mexe as atraentes sobrancelhas enquanto toca flauta com Seus dedos delicados, e o som produzido cria uma atmosfera tão agradável que os moradores dos planetas celestes, que viajam no espaço com suas esposas e entes queridos, param seus aeroplanos por estarem atônitos com a vibração da flauta. As esposas dos semideuses que estão nos aeroplanos ficam, então, muito envergonhadas de suas qualificações para o canto e a música. Não só isso, mas elas se afligem com amor conjugal, e seu cabelo se solta e seus vestidos justos logo se afrouxam”.

Outra gopī disse: “Minhas queridas amigas, Kṛṣṇa é tão belo que a deusa da fortuna permanece sempre em Seu peito, e Ele está sempre adornado com um colar de ouro. O belo Kṛṣṇa toca a flauta para animar os corações de muitos devotos. Ele é o único amigo das entidades vivas sofredoras. Quando toca a flauta, todas as vacas e outros animais de Vṛndāvana, embora estejam comendo, apenas tomam um bocado de comida em sua boca e param de mastigar. Suas orelhas ficam eretas e eles ficam aturdidos. Eles não parecem vivos, mas, sim, animais pintados. O toque da flauta de Kṛṣṇa é tão atraente que até mesmo os animais ficam encantados, para não dizer de nós mesmas!”

Outra gopī disse: “Minhas queridas amigas, não só os animais vivos, mas até mesmo os objetos inanimados, como os rios e lagos de Vṛndāvana, também ficam aturdidos quando Kṛṣṇa passa com penas de pavão na cabeça e com o corpo untado com os corantes minerais de Vṛndāvana. Com folhas e flores enfeitando Seu corpo, Ele parece um herói. Quando toca flauta e, com Balarāma, chama as vacas, o rio Yamunā para de correr e espera que o ar traga a poeira de Seus pés de lótus. O rio Yamunā é infeliz como nós; ele não consegue a misericórdia de Kṛṣṇa. O rio simplesmente fica aturdido, parando suas ondas assim como nós também paramos na expectativa da chegada de Kṛṣṇa”. Na ausência de Kṛṣṇa, as gopīs derramavam constantes lágrimas, mas, às vezes, quando esperavam que Kṛṣṇa viesse, elas paravam de chorar. Contudo, quando viam que Kṛṣṇa não vinha, elas ficavam frustradas de novo e voltavam a chorar.

Kṛṣṇa é a Personalidade de Deus original, a origem de todas as formas de Viṣṇu, e os vaqueirinhos são todos semideuses. O Senhor Viṣṇu está sempre cercado de diferentes semideuses adoradores de Sua personalidade, como o senhor Śiva, o senhor Brahmā, Indra, Candra e outros. Quando Kṛṣṇa viajava através da floresta de Vṛndāvana ou andava na colina Govardhana, Ele era acompanhado pelos vaqueirinhos. Enquanto andava, Ele tocava Sua flauta para chamar as vacas. Só pela companhia dEle, as árvores e as plantas da floresta tornavam-se imediatamente conscientes de Kṛṣṇa. Uma pessoa consciente de Kṛṣṇa sacrifica tudo para Kṛṣṇa. Embora as árvores e as plantas não sejam muito avançadas em consciência, elas, pela associação com Kṛṣṇa e com os amigos dEle, também podem se tornar conscientes de Kṛṣṇa e, assim, desejar entregar tudo o que têm – seus frutos, as flores e o mel que cai sem cessar de seus galhos – a Kṛṣṇa.

Quando Kṛṣṇa andava na margem do Yamunā, Ele era visto belamente decorado com tilaka em Sua testa. Usava guirlandas de diferentes espécies de flores silvestres, e Seu corpo estava untado com polpa de sândalo e folhas de tulasī. Os abelhões enlouqueciam por causa da fragrância e doçura da atmosfera. Estando satisfeito com o zumbir das abelhas, Kṛṣṇa tocava flauta, e, juntos, os sons ficavam tão doces que os animais aquáticos e os grous, cisnes, patos e outras aves se encantavam. Ao invés de nadar ou voar, eles ficavam atordoados – fechavam os olhos e entravam em transe de meditação adorando Kṛṣṇa.

Uma gopī disse: “Minhas queridas amigas, Kṛṣṇa e Balarāma estão usando roupas elegantes e brincos e colares de pérolas. Eles Se divertem no cume da colina Govardhana, e tudo fica absorto em prazer transcendental quando Kṛṣṇa toca Sua flauta, encantando toda a manifestação criada. Quando Ele toca, as nuvens param seu alto ribombar por sentirem medo dEle. Em vez de perturbar a vibração de Sua flauta, elas respondem com uma suave trovoada e, assim, felicitam Kṛṣṇa, seu amigo”.

Kṛṣṇa é tido como o amigo da nuvem porque tanto a nuvem quanto Kṛṣṇa satisfazem as pessoas quando estas estão perturbadas. Quando estão se queimando devido ao calor excessivo, as pessoas se satisfazem com chuva trazida pelas nuvens. Assim também, quando as pessoas na vida materialista se perturbam com o fogo ardente dos sofrimentos materiais, Kṛṣṇa lhes dá alívio. A nuvem e Kṛṣṇa, sendo da mesma cor, são considerados amigos. Desejando congratular-se com seu amigo superior, a nuvem derramou não água, mas pequenas flores, e cobriu a cabeça de Kṛṣṇa para protegê-lO dos raios ardentes do Sol.

Uma das gopīs falou a mãe Yaśodā: “Minha querida mãe, seu filho é muito habilidoso entre os vaqueirinhos. Ele conhece todas as diferentes artes de como cuidar das vacas e de como tocar flauta. Ele compõe Suas próprias canções e, para entoá-las, Ele leva a flauta à boca. Quando toca, ou de manhã ou de tarde, todos os semideuses, como o senhor Śiva, Brahmā, Indra e Candra, baixam a cabeça e ouvem com grande atenção. Embora sejam muito eruditos e habilidosos, eles não podem entender o arranjo musical da flauta de Kṛṣṇa. Eles apenas escutam com atenção e esforçam-se por entender, mas ficam confusos e nada mais”.

Outra gopī disse: “Minha querida amiga, quando Kṛṣṇa volta para casa com as vacas, as marcas das solas de Seus pés – com bandeira, raio, tridente e flor de lótus – aliviam a dor que a terra sente quando as vacas a atravessam. Ele anda em um passo muito atraente e leva conSigo a flauta. Só de olhar para Ele, sentimos o desejo de gozar Sua companhia. Nesse momento, nossos movimentos cessam. Tornamo-nos como árvores e ficamos perfeitamente imóveis. Até esquecemos nossa aparência”.

Kṛṣṇa tinha muitos milhares de vacas, divididas em grupos de acordo com suas cores. Elas também tinham nomes diferentes conforme a cor. Quando Ele voltava do pasto, encontrava todas as vacas reunidas. Assim como os vaiṣṇavas contam 108 contas, que representam as 108 gopīs individuais, assim também Kṛṣṇa cantava em 108 contas para contar os diferentes grupos de vacas.

“Quando Kṛṣṇa volta, Ele tem uma guirlanda de folhas de tulasī”, uma gopī descreveu-O a uma amiga. “Ele coloca a mão no ombro de um vaqueirinho e começa a soprar Sua flauta transcendental. As esposas do veado negro ficam encantadas ao ouvir a vibração de Sua flauta, que se assemelha à vibração da vīṇā. As corças vão até Kṛṣṇa e ficam tão encantadas que ficam imóveis, esquecidas de seus esposos e casa. Assim como nós, que ficamos encantadas com o oceano das qualidades transcendentais de Kṛṣṇa, a corça se encanta com a vibração da flauta dEle”.

Outra gopī disse a mãe Yaśodā: “Minha querida mãe, quando seu filho volta para casa, Ele Se enfeita com os botões da flor kunda e toca flauta só para iluminar e alegrar Seus amigos. A brisa que sopra do sul, sendo perfumada e muito fresca, torna agradável a atmosfera. Semideuses menores, como os gandharvas e siddhas, aproveitam-se desta atmosfera e oferecem orações a Kṛṣṇa soando seus clarins e tambores. Kṛṣṇa é muito gentil com os habitantes de Vrajabhūmi, Vṛndāvana, e, quando Ele volta do pasto, com Suas vacas e amigos, Ele é lembrado como aquele que ergueu a colina Govardhana. Aproveitando esta oportunidade, os semideuses mais importantes, como o senhor Brahmā e o senhor Śiva, descem para oferecer suas orações vespertinas e acompanham os vaqueirinhos na glorificação das qualidades de Kṛṣṇa.

“Kṛṣṇa, nascido no oceano do ventre de Devakī, é comparado à Lua. Quando volta de tarde, Ele parece cansado, mas, assim mesmo, tenta alegrar os habitantes de Vṛndāvana com Sua presença auspiciosa. Quando Kṛṣṇa volta, usando guirlandas de flores, Seu rosto parece belíssimo. Ele chega a Vṛndāvana com um andar parecido com o do elefante, e entra devagar em casa. Com Sua volta, os homens, mulheres e vacas de Vṛndāvana logo se esquecem do calor abrasante do dia”.

Estas descrições dos passatempos e das atividades transcendentais de Kṛṣṇa eram lembradas pelas gopīs enquanto Ele estava ausente de Vṛndāvana. Elas nos dão alguma ideia de quão atrativo Kṛṣṇa é, não apenas para os seres humanos, mas também para todos os objetos animados e inanimados. Em Vṛndāvana, as árvores, as plantas, a água e os animais, como os veados e vacas – tudo e todos – são atraídos por Kṛṣṇa. Essa é a descrição perfeita da atração de Kṛṣṇa. O exemplo das gopīs é muito instrutivo para quem está tentando absorver-se em consciência de Kṛṣṇa. É muito fácil alguém se associar com Kṛṣṇa simplesmente lembrando-se de Seus passatempos transcendentais. Todos têm uma tendência a amar alguém. Kṛṣṇa ser o objeto do amor é o ponto central da consciência de Kṛṣṇa. Pelo canto constante do mantra Hare Kṛṣṇa e pela lembrança dos passatempos transcendentais de Kṛṣṇa, podemos estar em plena consciência de Kṛṣṇa e, assim, tornar a nossa vida sublime e fecunda.

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo trinta e cinco de Kṛṣṇa, intitulado “Os Sentimentos de Saudade das Gopīs”.

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