Capítulo 39
Akrūra Viaja de Volta e Visita Viṣṇuloka Situado no Rio Yamunā
Akrūra foi recebido calorosamente pelo Senhor Kṛṣṇa e Nanda Mahārāja, que lhe ofereceram um lugar para descansar de noite. Enquanto isso, os dois irmãos, Balarāma e Kṛṣṇa, foram jantar. Akrūra sentou-se em sua cama e colocou-se a refletir que todos os desejos que ele contemplara enquanto vinha de Mathurā para Vṛndāvana tinham se cumprido. O Senhor Kṛṣṇa é o esposo da deusa da fortuna; estando satisfeito com Seu devoto puro, Ele pode oferecer qualquer coisa que o devoto deseje. Todavia, o devoto puro não pede nada ao Senhor para seu benefício pessoal.
Depois de jantarem, Kṛṣṇa e Balarāma foram dar boa noite a Akrūra. Kṛṣṇa perguntou sobre Seu tio materno, Kaṁsa: “Como ele trata seus amigos?” E perguntou: “Como vão Meus parentes?” Também perguntou sobre os planos de Kaṁsa. A Suprema Personalidade de Deus, então, informou a Akrūra que sua presença era muito bem-vinda. Perguntou-lhe se todos os seus parentes e amigos estavam bem e livres de todo tipo de aflição. Kṛṣṇa disse que sentia muito que Seu tio materno Kaṁsa fosse o chefe do reino; Ele disse que Kaṁsa era a maior anomalia em todo o sistema de governo e que não podiam esperar nenhum bem-estar para os cidadãos enquanto ele governasse. Então, Kṛṣṇa disse: “Meu pai passou por muitas tribulações pelo simples fato de Eu ser seu filho. Por essa razão também, ele perdeu muitos outros filhos. Eu Me considero muito afortunado por você ter vindo como Meu amigo e parente. Meu querido tio Akrūra, por favor, conte-Me qual a finalidade de sua vinda a Vṛndāvana”.
Depois desta pergunta, Akrūra, que pertencia à dinastia Yadu, explicou os eventos recentes de Mathurā, incluindo a tentativa de Kaṁsa de matar Vasudeva, o pai de Kṛṣṇa. Ele relatou as coisas acontecidas depois da revelação feita por Nārada de que Kṛṣṇa era filho de Vasudeva, e que tinha sido escondido por Vasudeva na casa de Nanda Mahārāja. Akrūra narrou todas as histórias a respeito de Kaṁsa. Ele contou como Nārada encontrou-se com Kaṁsa e como ele mesmo fora encarregado por Kaṁsa de ir a Vṛndāvana. Akrūra explicou a Kṛṣṇa que Nārada contara a Kaṁsa tudo sobre a transferência de Kṛṣṇa de Mathurā para Vṛndāvana logo depois de Seu nascimento e sobre Ele ter matado todos os demônios enviados por Kaṁsa. Akrūra, então, explicou a Kṛṣṇa o propósito de sua ida a Vṛndāvana: levá-lO de volta a Mathurā. Depois de ouvirem sobre esses arranjos, Balarāma e Kṛṣṇa, que são muito hábeis em matar adversários, deram uma leve risada por causa dos planos de Kaṁsa.
Eles pediram a Nanda Mahārāja que convidasse todos os vaqueirinhos a irem a Mathurā para participarem da cerimônia conhecida como dhanur-yajña. Kaṁsa queria que todos eles fossem até lá para participarem da cerimônia. A pedido de Kṛṣṇa, Nanda Mahārāja logo mandou chamar os vaqueirinhos e pediu-lhes que recolhessem todas as espécies de preparações lácteas e leite para presentear o rei durante a cerimônia. Também mandou instruções ao chefe de polícia de Vṛndāvana para que dissesse a todos os habitantes sobre a grande cerimônia de dhanur-yajña de Kaṁsa e os convidasse a participar. Nanda Mahārāja informou aos vaqueirinhos que eles partiriam na manhã seguinte. Eles, então, providenciaram que vacas e touros levassem todos para Mathurā.
Quando as gopīs ouviram que Akrūra viera para levar Kṛṣṇa e Balarāma embora para Mathurā, elas se encheram de ansiedade. Algumas delas se afligiram tanto que seus rostos se enegreceram e começaram a respirar acaloradamente e a ter palpitações no coração. Elas viram que seus cabelos e vestidos imediatamente se soltaram. Ouvindo a notícia de que Kṛṣṇa e Balarāma estavam partindo para Mathurā, outras, que estavam ocupadas nos deveres domésticos, pararam de trabalhar, como se tivessem se esquecido de tudo, assim como uma pessoa chamada pela morte é obrigada a deixar este mundo de imediato. Outras logo desmaiaram devido à separação de Kṛṣṇa. Lembrando-se de Seu sorriso atraente e de Suas conversas com elas, as gopīs se encheram de pesar. Todas elas se lembravam das características da Personalidade de Deus, como Ele Se movimentava dentro da área de Vṛndāvana e como, com gracejos, Ele atraía todos os seus corações. Pensando em Kṛṣṇa e em Sua iminente separação, as gopīs se reuniram com os corações batendo pesadamente. Elas estavam completamente absortas em pensar em Kṛṣṇa, e lágrimas caíam de seus olhos. Elas começaram a conversar como segue.
“Ó Providência, você é tão cruel! Parece que não sabe mostrar misericórdia para com os outros. Por seu arranjo, amigos se encontram, mas, sem satisfazer seus desejos, você os separa. Isso é tão sem sentido quanto brincadeiras de crianças. É muito abominável que primeiro você arranje para nos mostrar o belo Kṛṣṇa e, então, arranje para separá-lO de nós. Kṛṣṇa tem cabelo azulado e cacheado, o qual embeleza Sua testa larga e Seu nariz agudo, e está sempre sorrindo para minimizar toda a discórdia deste mundo material. Ó Providência, você é tão cruel! Contudo, muito espantosamente aparece agora como Akrūra, que quer dizer ‘não cruel’. No início, apreciávamos seu trabalho em nos dar estes olhos para ver o belo rosto de Kṛṣṇa, mas agora, exatamente como uma criatura tola, você está tentando tirar nossos olhos para que não possamos ver Kṛṣṇa aqui de novo. Kṛṣṇa, o filho de Nanda Mahārāja, também é muito cruel! Ele sempre tem que ter novos amigos; Ele não gosta de conservar a amizade por muito tempo com uma pessoa. Nós, gopīs de Vṛndāvana, tendo deixado nossos lares, amigos e parentes, tornamo-nos servas de Kṛṣṇa, mas Ele está nos desprezando e indo embora. Ele nem mesmo olha para nós, embora estejamos completamente rendidas a Ele. Agora, todas as jovens de Mathurā terão a oportunidade. Elas estão esperando a chegada de Kṛṣṇa, e elas desfrutarão Sua doce face sorridente, da qual beberão o mel. Embora saibamos que Kṛṣṇa é muito constante e determinado, estamos temerosas do fato de que, logo que vir os belos rostos das moças de Mathurā, Ele Se esquecerá de Si. Tememos que Ele Se deixe controlar por elas e nos esqueça, pois somos simples meninas de vila. Ele não mais será bondoso conosco. Portanto, não esperamos que Kṛṣṇa regresse a Vṛndāvana. Ele não deixará a companhia das meninas de Mathurā”.
As gopīs começaram a imaginar as grandes cerimônias na cidade de Mathurā. Kṛṣṇa passaria pelas ruas, e as damas e as jovens da cidade iriam vê-lO das sacadas de suas respectivas casas. A cidade de Mathurā continha diferentes comunidades, conhecidas, então, como Daśārha, Bhoja, Andhaka e Sātvata. Todas essas comunidades eram diferentes ramos da mesma família na qual Kṛṣṇa aparecera, ou seja, a dinastia Yadu. Eles também estavam esperando a chegada de Kṛṣṇa. Já estava determinado que Kṛṣṇa, que é o repouso da deusa da fortuna e o reservatório de todo o prazer e das qualidades transcendentais, visitaria a cidade de Mathurā.
As gopīs, então, começaram a condenar as atividades de Akrūra. Elas disseram que Akrūra estava levando Kṛṣṇa, que era mais querido que o mais querido para elas e que era o prazer de seus olhos. Ele estava sendo tirado de sua vista sem que elas fossem informadas ou consoladas por Akrūra. Akrūra não devia ser tão sem misericórdia, mas devia ter tido compaixão delas.
As gopīs continuaram dizendo: “A característica mais espantosa é que Kṛṣṇa, o filho de Nanda, sem consideração, já Se sentou na quadriga. Daí parece que Kṛṣṇa não é muito inteligente. Talvez Ele até seja inteligente – mas não é muito civilizado. Não só Kṛṣṇa, mas todos os vaqueiros são tão insensíveis que já estão atrelando os touros e vacas para a viagem a Mathurā. As pessoas mais velhas em Vṛndāvana também não têm misericórdia; não levam em consideração nossa situação e não param a viagem de Kṛṣṇa para Mathurā. Mesmo os semideuses são muito rudes conosco; eles não estão impedindo a ida dEle para Mathurā”.
As gopīs oraram aos semideuses para que estes criassem algum distúrbio natural, tal como um furacão, tempestade ou aguaceiro pesado, para que Kṛṣṇa não pudesse ir para Mathurā. Então, começaram a considerar: “A despeito de nossos pais e guardiões mais velhos, devemos pessoalmente impedir Kṛṣṇa de ir a Mathurā. Não temos alternativa a essa ação direta. Todos ficaram contra nós para tirar Kṛṣṇa de nossas vistas. Sem Ele, não podemos viver nem por um momento”. As gopīs, então, decidiram obstruir a passagem por onde se supunha que passaria a quadriga de Kṛṣṇa. Começaram a falar entre si: “Passamos uma noite muito comprida – que pareceu apenas um instante – entretidas na dança da rāsa com Kṛṣṇa. Olhávamos Seu doce sorriso e nos abraçávamos e conversávamos. Agora, como vamos viver, ainda que por um só instante, se Ele for para longe de nós? No final do dia, ao anoitecer, junto com Seu irmão mais velho Balarāma, Kṛṣṇa costumava voltar para casa com Seus amigos. Seu rosto estava sempre sujo da poeira levantada pelos cascos das vacas, e Ele sorria e tocava flauta e olhava para nós com muita bondade. Como seremos capazes de esquecê-lO? Como poderemos esquecer Kṛṣṇa, que é nossa vida e alma? Ele já roubou nossos corações de tantas maneiras em nossos dias e noites que não há possibilidade de continuarmos a viver se Ele for embora”. Pensando assim, as gopīs ficavam cada vez mais aflitas e pesarosas com a partida de Kṛṣṇa de Vṛndāvana. Elas não podiam controlar suas mentes e começaram a chorar alto, chamando pelos diferentes nomes de Kṛṣṇa: “Ó querido Dāmodara! Querido Mādhava!”
As gopīs choraram a noite inteira antes da partida de Kṛṣṇa. Logo que nasceu o Sol, Akrūra terminou seu banho matinal, entrou na quadriga e se colocou a caminho de Mathurā com Kṛṣṇa e Balarāma. Nanda Mahārāja e os vaqueiros subiram em carros de boi depois de carregá-los com preparações lácteas, como iogurte, leite e ghī, colocados em grandes vasilhas de barro, e começaram a seguir a quadriga de Kṛṣṇa e Balarāma. Apesar de Kṛṣṇa lhes pedir que não obstruíssem o caminho, todas as gopīs rodearam a quadriga e se levantaram para ver Kṛṣṇa com olhos de despertar piedade. Kṛṣṇa ficou muito comovido ao ver o estado das gopīs, mas Seu dever era partir para Mathurā, pois isso fora predito por Nārada. Por isso, Kṛṣṇa consolou as gopīs. Ele lhes disse que elas não deviam se afligir, pois Ele voltaria muito em breve, tão logo terminasse Seu trabalho, mas elas não se deixaram persuadir a dispersar. A quadriga, porém, começou a se dirigir rumo ao oeste, e, conforme prosseguia, as mentes das gopīs seguiram-na até onde era possível. Elas olharam para a bandeira da quadriga enquanto era visível; por fim, elas só podiam ver a poeira da quadriga à distância. As gopīs não se afastaram de seus lugares, senão que ficaram ali até o momento em que não era possível ver mais nenhum sinal da quadriga. Elas permaneceram imóveis de pé, como se fossem pinturas em um quadro. Todas as gopīs compreenderam que Kṛṣṇa não voltaria imediatamente e, com corações muito desapontados, regressaram às suas respectivas casas. Estando muito perturbadas pela ausência de Kṛṣṇa, elas simplesmente pensavam todo dia e noite sobre os passatempos dEle, e assim conseguiam algum consolo.
O Senhor, acompanhado por Akrūra e Balarāma, viajou na quadriga em grande velocidade até a margem do Yamunā. Somente por se tomar banho no Yamunā, é possível diminuir as reações das atividades pecaminosas. Kṛṣṇa e Balarāma tomaram banho no rio e lavaram o rosto. Depois de beberem a água transparente e cristalina do Yamunā, Eles voltaram a sentar-Se na quadriga. A quadriga estava sob a sombra de grandes árvores, e os dois irmãos estavam sentados ali. Akrūra, então, pediu-Lhes permissão para também tomar banho no Yamunā. Segundo o ritual védico, depois de tomar banho em um rio, a pessoa deve ficar pelo menos meio submersa e murmurar o mantra Gāyatrī. Enquanto estava de pé no rio, Akrūra, de repente, viu Balarāma e Kṛṣṇa dentro da água. Ficou surpreso de vê-lOs ali porque tinha certeza de que Eles estavam sentados na quadriga. Confuso, ele saiu imediatamente da água e foi ver onde estavam os meninos, e ficou muito surpreso ao ver que eles estavam sentados na quadriga como antes. Quando Os viu na quadriga, ele começou a se perguntar se Os tinha visto na água. Então, Akrūra voltou para o rio e, desta vez, não só viu Balarāma e Kṛṣṇa, mas muitos semideuses e todos os siddhas, cāraṇas e gandharvas. Eles estavam todos de pé diante do Senhor, que estava deitado. Também viu Śeṣa Nāga, com milhares de capelos. O Senhor Śeṣa Nāga estava coberto com roupas azuladas, e Seus pescoços eram todos brancos. Os pescoços brancos de Śeṣa Nāga pareciam cumes de montanhas cobertos de neve. No colo anelado de Śeṣa Nāga, Akrūra viu Kṛṣṇa sentado muito tranquilamente, com quatro mãos. Seus olhos eram como a pétala avermelhada da flor de lótus.
Em outras palavras, depois de voltar para o Yamunā, Akrūra viu Balarāma transformado em Śeṣa Nāga, e Kṛṣṇa transformado em Mahā-Viṣṇu. Ele viu a Suprema Personalidade de Deus de quatro braços, sorrindo muito belamente. Muito agradável, Kṛṣṇa olhava para todos com muita misericórdia. Parecia belo com Seu nariz arrebitado, testa larga, orelhas estendidas e lábios avermelhados. Seus braços, que alcançavam os joelhos, eram muito fortemente construídos. Seus ombros eram altos, Seu peito muito largo e formado como o búzio. Seu umbigo era muito profundo, e Seu abdome era marcado com três linhas. Sua cintura era larga e grande, semelhante aos quadris de uma mulher, e Suas coxas pareciam as trombas de elefantes. As outras partes de Suas pernas, as juntas e extremidades inferiores, eram todas muito belas, as unhas de Seus pés eram deslumbrantes, e Seus dedos eram tão belos como a flor de lótus. Seu capacete era ornado de joias muito valiosas. Havia um belo cinturão em volta de Sua cintura, e Ele usava um cordão sagrado atravessando o peito. Havia pulseiras em Suas mãos e braceletes nas porções superiores de Seus braços, e usava sinos em Seus tornozelos. Possuía beleza ofuscante, e as palmas de Suas mãos eram como flores de lótus. Ele estava ainda mais bonito com os diferentes emblemas de viṣṇu-mūrti – o búzio, a maça, o disco e a flor de lótus –, que Ele trazia em Suas quatro mãos. Seu peito era marcado com os sinais particulares de Viṣṇu e usava guirlandas de flores frescas. Em resumo, Ele era muito belo de se olhar. Akrūra também O viu rodeado de companheiros íntimos, como os quatro Kumāras – Sanaka, Sanātana, Sananda e Sanat-kumāra –, e outros companheiros, como Sunanda e Nanda, bem como semideuses, como Brahmā e o senhor Śiva. Os nove grandes sábios eruditos estavam lá, e devotos como Prahlāda, Nārada e os oito Vasus. Todos ofereciam orações ao Senhor com corações limpos e palavras puras. Depois de ver a transcendental Personalidade de Deus, Akrūra imediatamente se encheu de grande devoção, e, em todo o seu corpo, havia um estremecimento transcendental. Embora no momento estivesse confuso, ele manteve a consciência lúcida e inclinou a cabeça diante do Senhor. Com mãos postas e voz hesitante, ele começou a oferecer orações ao Senhor.
Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo trinta e nove de Kṛṣṇa, intitulado “Akrūra Viaja de Volta e Visita Viṣṇuloka Situado no Rio Yamunā”.