Capítulo 49
O Mal-Intencionado Dhṛtarāṣṭra
Tendo recebido a ordem da Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, Akrūra visitou Hastināpura, que é onde está hoje Nova Délhi. A parte de Nova Délhi ainda conhecida como Indraprastha é aceita pelas pessoas em geral como a antiga capital dos Pāṇḍavas. O próprio nome Hastināpura sugere que lá havia muitos hastīs, ou elefantes; porque os Pāṇḍavas tinham muitos elefantes na capital, ela se chamava Hastināpura. Criar elefantes é muito caro; para criar muitos elefantes, portanto, o reino deveria ser muito rico, e Hastināpura, como Akrūra viu quando chegou lá, estava cheia de elefantes, cavalos, quadrigas e outras opulências. Os reis de Hastināpura eram considerados os governantes do mundo todo. Sua fama se difundia por todo o reino, e sua administração se conduzia sob o bom conselho de brāhmaṇas eruditos.
Depois de ver a opulentíssima capital, Akrūra encontrou-se com o rei Dhṛtarāṣṭra. Também viu o avô Bhīṣma sentado com ele. Depois de encontrar-se com eles, Akrūra foi ver Vidura e, em seguida, a irmã de Vidura, Kuntī. Um após outro, ele viu o rei Bāhlīka e seu filho Somadatta, e Droṇācārya, Kṛpācārya, Karṇa e Suyodhana. (Suyodhana é outro nome de Duryodhana.) Ele também viu o filho de Droṇācārya, Aśvatthāmā, os cinco irmãos Pāṇḍavas e outros amigos e parentes que moravam na cidade. Akrūra era conhecido como filho de Gāndinī, de modo que todos os que ele encontrava ficavam muito contentes em recebê-lo e perguntavam sobre o bem-estar de seus respectivos parentes. Ofereciam-lhe um bom assento nas recepções, e ele perguntava tudo sobre o bem-estar e atividades de seus parentes.
Visto ter sido encarregado de visitar Hastināpura pelo Senhor Kṛṣṇa, deduz-se que ele era muito inteligente quando em situações diplomáticas. Dhṛtarāṣṭra estava ocupando o trono ilegitimamente depois da morte do rei Pāṇḍu, apesar da presença dos filhos de Pāṇḍu. Akrūra queria ficar em Hastināpura para estudar toda a situação. Ele pôde entender muito bem que o mal-intencionado Dhṛtarāṣṭra estava muito inclinado em favor de seus próprios filhos. De fato, Dhṛtarāṣṭra já havia usurpado o reino e, agora, planejava livrar-se dos cinco irmãos Pāṇḍavas. Akrūra sabia que todos os filhos de Dhṛtarāṣṭra, liderados por Duryodhana, eram políticos muito desonestos. Dhṛtarāṣṭra não agia de acordo com as boas instruções de Bhīṣma e Vidura; ao contrário, ele era levado pelos maus conselhos de pessoas tais como Karṇa e Śakuni. Akrūra decidiu permanecer em Hastināpura durante alguns meses para avaliar toda a situação política.
Aos poucos, Akrūra foi informado por Kuntī e Vidura que Dhṛtarāṣṭra era intolerante e tinha inveja dos cinco irmãos Pāṇḍavas por causa de sua extraordinária cultura na ciência militar e de sua força física muito desenvolvida. Eles agiam como verdadeiros heróis cavalheirescos, exibiam todas as boas qualidades dos kṣatriyas e eram príncipes muito responsáveis, pensando sempre no bem-estar dos cidadãos. Akrūra também ficou sabendo que o invejoso Dhṛtarāṣṭra, em acordo com seu mal-intencionado filho, havia tentado matar os Pāṇḍavas, envenenando-os.
Akrūra era um dos primos de Kuntī, em virtude do que, depois de encontrar-se com ele, Kuntī começou a perguntar sobre seus parentes paternos. Pensando em sua terra natal e pondo-se a chorar, ela perguntou a Akrūra se seu pai, sua mãe, seus irmãos, suas irmãs e outros amigos em casa ainda se lembravam dela. Ela perguntou especialmente sobre Kṛṣṇa e Balarāma, seus gloriosos sobrinhos. Ela perguntou: “Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, que é muito carinhoso com Seus devotos, lembra-Se de meus filhos? Balarāma lembra-Se de nós?” Em seu íntimo, Kuntī sentia-se como uma corça no meio de tigres, e realmente sua situação era assim. Depois da morte de seu marido, o rei Pāṇḍu, ela devia tomar conta de seus cinco filhos Pāṇḍavas, mas Dhṛtarāṣṭra estava sempre planejando matá-los. Ela era, sem dúvidas, como um pobre animal inocente no meio de diversos tigres. Sendo devota do Senhor Kṛṣṇa, ela sempre pensava nEle e esperava que, algum dia, Kṛṣṇa viesse salvá-la de sua perigosa situação. Ela indagou de Akrūra se Kṛṣṇa planejava ir aconselhar os Pāṇḍavas órfãos de pai a como se livrarem das intrigas de Dhṛtarāṣṭra e de seus filhos. Falando com Akrūra sobre todos esses assuntos, ela se sentiu desamparada e exclamou: “Meu querido Kṛṣṇa, meu querido Kṛṣṇa! Você é o místico supremo, a Superalma do Universo, o verdadeiro benquerente de todo o universo. Meu querido Govinda, neste momento, Você está muito longe de mim, mas eu oro a fim de me render a Seus pés de lótus. Agora estou muito aflita com meus cinco filhos sem pai. Posso entender muito bem que, fora de Seus pés de lótus, não há abrigo ou proteção. Seus pés de lótus podem salvar todas as almas aflitas porque Você é a Suprema Personalidade de Deus. A pessoa pode se salvar das garras dos repetidos nascimentos e mortes somente por Sua misericórdia. Meu querido Kṛṣṇa, Você é a pureza suprema, a Superalma e senhor de todos os yogīs. O que posso dizer? Posso apenas oferecer-Lhe minhas respeitosas reverências. Aceite-me como Sua devota completamente rendida”.
Embora Kṛṣṇa não estivesse presente diante dela, Kuntī ofereceu-Lhe suas orações como se Ele estivesse presente face a face com ela. Isso é possível a qualquer um que siga os passos de Kuntī. Kṛṣṇa não precisa estar fisicamente presente em toda parte. Ele está de fato presente em toda parte pela potência espiritual, e a pessoa apenas deve render-se sinceramente a Ele.
Quando oferecia suas orações com muito sentimento a Kṛṣṇa, Kuntī não conseguiu se controlar e chorou alto diante de Akrūra. Vidura também estava presente, e ambos tiveram muita compaixão dela e puseram-se a consolá-la glorificando seus filhos, Yudhiṣṭhira, Arjuna e Bhīma. Eles a acalmaram dizendo que seus filhos eram extremamente poderosos; ela não devia se perturbar por causa deles, pois eles tinham nascido dos grandes semideuses Yamarāja, Indra e Vāyu.
Akrūra decidiu regressar e relatar sobre as circunstâncias tensas em que havia encontrado Kuntī e seus cinco filhos. Primeiro, ele quis dar um bom conselho a Dhṛtarāṣṭra, que tinha uma inclinação muito favorável para seus próprios filhos e desfavorável para os Pāṇḍavas. Quando o rei Dhṛtarāṣṭra estava sentado entre amigos e parentes, Akrūra começou a falar com ele chamando-o de “Vaicitravīrya”. Vaicitravīrya quer dizer “filho de Vicitravīrya”. Vicitravīrya era o nome do pai de Dhṛtarāṣṭra, mas, na verdade, Dhṛtarāṣṭra era filho gerado não de Vicitravīrya, mas de Vyāsadeva. O sistema antigo era que, se um homem fosse incapaz de gerar um filho, seu irmão podia gerar um filho no ventre da esposa do irmão (devareṇa sutotpattiḥ). Agora, na era de Kali, esse sistema é proibido. Akrūra chamou sarcasticamente Dhṛtarāṣṭra de “Vaicitravīrya” porque, de fato, ele não fora gerado por seu pai. Ele era filho de Vyāsadeva. Quando o irmão do marido gerava um filho na esposa deste, o marido dizia ser seu o filho, mas é claro que não fora o marido que o gerara. Essa observação sarcástica indicava que ele reivindicava o trono baseando-se em razões hereditárias falsas. De fato, Pāṇḍu fora o rei legítimo, e, na presença dos Pāṇḍavas, os filhos de Pāṇḍu, Dhṛtarāṣṭra não devia ter ocupado o trono.
Akrūra disse: “Meu querido filho de Vicitravīrya, você usurpou ilegitimamente o trono dos Pāṇḍavas. De qualquer forma, de um modo ou de outro, você está agora no trono. Por isso, quero aconselhá-lo a que, por favor, governe de acordo com os princípios morais e éticos. Se fizer assim e tentar ensinar seus súditos dessa maneira, seu nome e sua fama serão perpétuos”. Akrūra deu a entender que, embora ele estivesse tratando mal seus sobrinhos, os Pāṇḍavas, eles eram seus súditos. “Mesmo que os trate não como donos do trono, mas como seus súditos, você deve pensar imparcialmente no bem deles como se fossem seus próprios filhos. Todavia, se não seguir esse princípio e agir exatamente da maneira oposta, você será impopular entre seus súditos e, na próxima vida, terá de viver em uma condição infernal. Espero, por isso, que trate seus próprios filhos e os filhos de Pāṇḍu igualmente”. Akrūra sugeriu que, se Dhṛtarāṣṭra não tratasse os Pāṇḍavas e os próprios filhos como iguais, certamente haveria luta entre os dois grupos de primos. Como a causa dos Pāṇḍavas era justa, eles sairiam vitoriosos, e os filhos de Dhṛtarāṣṭra seriam mortos. Essa foi a profecia que Akrūra fez a Dhṛtarāṣṭra.
Akrūra continuou aconselhando Dhṛtarāṣṭra: “Neste mundo material, ninguém pode ficar eternamente na companhia de outra pessoa. É só por acaso que nos reunimos em uma família, sociedade, comunidade ou nação, mas, no final, devemos nos separar, porque cada um de nós tem de abandonar o corpo. Não se deve, portanto, ter afeição exagerada pelos membros familiares”. O amor de Dhṛtarāṣṭra também era ilegítimo e não mostrava muita inteligência. Falando claramente, Akrūra sugeriu a Dhṛtarāṣṭra que seu dedicado amor familiar se devia à ignorância grosseira dos fatos ou à cegueira aos princípios morais. Embora apareçamos em uma família, sociedade ou nação, cada um de nós tem seu destino individual. Cada um nasce de acordo com o trabalho passado individual, daí cada um dever gozar ou sofrer individualmente o resultado do prório karma. Não há possibilidade de melhorar seu própio destino por meio da vida em cooperação. Às vezes, assim como um peixe pequeno come o corpo material de um grande peixe velho no oceano, acontece de o filho levar embora a riqueza do pai, acumulada por meios ilegais, mas ganha com muito sacrifício. Não é possível acumular riquezas ilegalmente para o prazer de sua família, sociedade, comunidade ou nação. O fato de muitos grandes impérios que se desenvolveram no passado não existirem mais porque sua riqueza foi esbanjada pelos últimos descendentes é uma ilustração desse princípio. Quem não conhece esta lei sutil das atividades fruitivas e, assim, abandona os princípios morais e éticos leva consigo somente as reações às suas atividades pecaminosas. Sua riqueza e bens mal-adquiridos são tomados por alguma outra pessoa, e ele vai para a região mais escura da vida infernal. Não se deve, portanto, acumular mais riqueza do que aquela que lhe foi atribuída pelo destino, se não se estará, de fato, cego ao próprio interesse. Em vez de satisfazer seu interesse pessoal, a pessoa estará agindo exatamente da maneira oposta, para a sua própria queda.
Akrūra continuou: “Meu querido Dhṛtarāṣṭra, tomo a liberdade de aconselhá-lo a que não seja cego aos fatos da existência material. A vida condicionada material, quer em sofrimento, quer em felicidade, deve ser aceita como um sonho. Deve-se tentar controlar a mente e os sentidos e viver em paz para o avanço espiritual em consciência de Kṛṣṇa”. No Caitanya-caritāmṛta, afirma-se que, exceto as pessoas na consciência de Kṛṣṇa, todos têm sempre o espírito perturbado e estão cheios de ansiedade. Nem mesmo aqueles que se esforçam por alcançar a libertação, ou fundir-se na refulgência Brahman, ou os yogīs que procuram alcançar a perfeição no poder místico, podem ter paz de espírito. Os devotos puros de Kṛṣṇa não fazem nenhum pedido a Kṛṣṇa. Eles se satisfazem simplesmente com o serviço prestado a Ele. A verdadeira paz e tranquilidade de espírito só podem ser alcançadas em perfeita consciência de Kṛṣṇa.
Depois de ouvir as instruções morais de Akrūra, Dhṛtarāṣṭra respondeu: “Meu querido Akrūra, você é muito caridoso em me dar boas instruções, mas, infelizmente, não as posso aceitar. Uma pessoa destinada a morrer não absorve os efeitos do néctar, embora esse possa ser-lhe administrado. Posso compreender que suas instruções são valiosas. Infelizmente, elas não permanecem em minha mente inquieta, assim como o raio flamejante no céu não se fixa em uma nuvem. Posso entender apenas que ninguém pode deter o progresso contínuo da vontade suprema. Entendo que a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, apareceu na família dos Yadus para diminuir o fardo que sobrecarrega esta Terra”.
Dhṛtarāṣṭra sugeriu a Akrūra que ele tinha fé completa em Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Ao mesmo tempo, ele era muito parcial com os membros de sua família. Em um futuro muito próximo, Kṛṣṇa venceria todos os membros de sua família e, em uma condição desamparada, Dhṛtarāṣṭra se abrigaria nos pés de Kṛṣṇa. Para mostrar favor especial a um devoto, Kṛṣṇa leva embora todos os objetos de sua afeição material, forçando, assim, o devoto a ficar desamparado materialmente, sem alternativa senão aceitar os pés de lótus de Kṛṣṇa. Isso aconteceu de fato a Dhṛtarāṣṭra depois do término da batalha de Kurukṣetra. Dhṛtarāṣṭra podia perceber dois fatores opostos agindo diante dele. Ele podia entender que Kṛṣṇa estava ali para remover todos os fardos desnecessários do mundo. Seus filhos eram um fardo desnecessário, e, portanto, ele imaginava que seriam mortos. Ao mesmo tempo, ele não conseguia se livrar de sua afeição ilegítima por seus filhos. Entendendo esses dois fatores contraditórios, ele ofereceu suas respeitosas reverências à Suprema Personalidade de Deus. “É muito difícil entender os caminhos contraditórios da existência material; eles podem ser considerados apenas como a execução inconcebível do plano do Supremo, que, por meio de Sua energia inconcebível, cria este mundo material e entra nele e aciona os três modos da natureza. Quando tudo é criado, Ele entra em cada uma das entidades vivas e no menor átomo. Ninguém pode entender os planos incalculáveis do Senhor Supremo”.
Depois de ouvir esta declaração, Akrūra pôde entender com clareza que Dhṛtarāṣṭra não mudaria sua política de discriminação contra os Pāṇḍavas e a favor de seus filhos. Ele se despediu imediatamente de seus amigos em Hastināpura e regressou à sua casa no reino dos Yadus. Depois de voltar, ele relatou vividamente ao Senhor Kṛṣṇa e Balarāma a verdadeira situação em Hastināpura e as intenções de Dhṛtarāṣṭra. Akrūra fora mandado a Hastināpura por Kṛṣṇa para investigar. Pela graça do Senhor, ele teve sucesso e informou Kṛṣṇa sobre a verdadeira situação.
Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo quarenta e nove de Kṛṣṇa, intitulado “O Mal-Intencionado Dhṛtarāṣṭra”.