Capítulo 70
As Atividades Diárias do Senhor Kṛṣṇa
A partir dos mantras védicos, aprendemos que a Suprema Personalidade de Deus nada tem a fazer: na tasya kāryaṁ karaṇaṁ ca vidyate. Contudo, se o Senhor Supremo nada tem a fazer, como nós podemos falar das atividades do Senhor Supremo? Com o capítulo anterior, ficou claro que ninguém pode agir do modo com que o Senhor Kṛṣṇa age. Deveríamos perceber nitidamente este fato: as atividades do Senhor devem ser seguidas, mas elas não podem ser imitadas. Por exemplo, a vida ideal de Kṛṣṇa como um pai de família pode ser seguida, mas, se a pessoa quer imitar Kṛṣṇa, expandindo-Se em muitas formas, isso não é possível. Deveríamos sempre nos lembrar, então, de que o Senhor Kṛṣṇa, embora desempenhando o papel de um ser humano, simultaneamente mantém a posição de Suprema Personalidade de Deus. Podemos seguir os procedimentos do Senhor Kṛṣṇa com Suas esposas como um ser humano comum, mas Seus procedimentos com mais de dezesseis mil esposas de uma vez não podem ser imitados. A conclusão é que, para sermos pais de família ideais, deveríamos seguir o exemplo do Senhor Kṛṣṇa em Suas atividades diárias, mas não O podemos imitar em nenhuma fase de nossa vida.
O Senhor Kṛṣṇa costumava deitar-Se com Suas dezesseis mil esposas, mas Ele também Se levantava da cama muito cedo de manhã, três horas antes do amanhecer. Por arranjo da natureza, o canto dos galos anuncia a hora do brāhma-muhurta. Não há nenhuma necessidade de despertadores: assim que os galos cantam cedo pela manhã, deve-se entender que é hora de se levantar da cama. Ouvindo esse som, Kṛṣṇa levantava-Se da cama, mas Suas esposas não apreciavam muito que Ele Se levantasse cedo. As esposas de Kṛṣṇa eram tão apegadas a Ele que elas ficavam deitadas na cama, abraçando-O, e, assim que os galos cantavam, as esposas de Kṛṣṇa ficavam deveras entristecidas e condenavam imediatamente aquele canto.
No jardim dentro dos domínios de cada palácio, havia flores pārijāta. A pārijāta não é uma flor artificial. Nós lembramos que Kṛṣṇa trouxe as árvores pārijāta do céu e as plantou em todos os Seus palácios. Cedo pela manhã, uma brisa moderada levava o aroma da flor pārijāta e Kṛṣṇa cheirava-o logo após levantar-Se da cama. Devido a essa fragrância, as abelhas começavam a zumbir e os pássaros também começavam seus doces gorjeios. No conjunto, parecia o cântico de cantores profissionais a oferecerem orações a Kṛṣṇa. Embora Śrīmati Rukmiṇī-devī, a primeira rainha do Senhor Kṛṣṇa, soubesse que o brāhma-muhurta é a hora mais auspiciosa em todo o dia, ela lhe tinha certa aversão, pois não se alegrava muito por Kṛṣṇa ter de sair da cama ao seu lado. Apesar do desgosto de Śrīmati Rukmiṇī-devī, o Senhor Kṛṣṇa imediatamente levantava-Se da cama no exato aparecimento do brāhma-muhurta. Um pai de família ideal deve aprender do comportamento do Senhor Kṛṣṇa a levantar-se cedo pela manhã, por mais confortável que ele possa estar deitado na cama abraçado por sua esposa.
Após levantar da cama, o Senhor Kṛṣṇa lavava a boca, as mãos e os pés e Se sentava imediatamente e meditava nEle mesmo. Isso não significa, porém, que nós também deveríamos nos sentar e meditar em nós mesmos. Nós temos de meditar em Kṛṣṇa, Rādhā-Kṛṣṇa. Isso é verdadeira meditação. Kṛṣṇa é o próprio Kṛṣṇa, de modo que Ele estava nos ensinando que o brāhma-muhurta deveria ser utilizado para meditação em Rādhā-Kṛṣṇa. Através de tal meditação, Kṛṣṇa sentia-Se muito satisfeito, e, de igual modo, nós também nos sentiremos transcendentalmente felizes e satisfeitos se utilizarmos o período do brāhma-muhurta para meditar em Rādhā e Kṛṣṇa e pensar em Śrī Rukmiṇī-devī e Kṛṣṇa ao atuarem como donos de casa ideais para ensinar a sociedade humana inteira a levantar-se cedo de manhã e, imediatamente, ocupar-se em consciência de Kṛṣṇa. Não há nenhuma diferença entre meditar nas formas eternas de Rādhā-Kṛṣṇa e cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Quanto a Kṛṣṇa, Ele não tinha alternativa alguma senão meditar nEle mesmo. O objeto da meditação é Brahman, Paramātmā ou a Suprema Personalidade de Deus, mas o próprio Kṛṣṇa é todos os três: Ele é a Suprema Personalidade de Deus, Bhagavān; o Paramātmā localizado é Sua expansão parcial plenária, e a refulgência do Brahman onipenetrante são os raios pessoais do Seu corpo transcendental. Assim, Kṛṣṇa sempre é um e, para Ele, não há nenhuma diferenciação. Eis a diferença entre um ser vivo comum e Kṛṣṇa. Para um ser vivo comum, há muitas distinções. Ele é diferente de seu corpo e ele é diferente de outra sorte de entidades vivas. Um ser humano é diferente de outros seres humanos e diferente dos animais. Até mesmo em seu próprio corpo, há membros completamente diferentes. Nós temos nossas mãos e pernas, mas nossas mãos são diferentes de nossas pernas. A mão não pode agir como a perna, nem pode a perna agir como a mão. Os ouvidos podem ouvir, mas os olhos não podem, e os olhos podem ver, mas os ouvidos não. Todas essas diferenças são tecnicamente chamadas svajātīya-vijātīya.
A limitação corpórea, por meio da qual uma parte do corpo não pode agir como outra parte, está totalmente ausente na Suprema Personalidade de Deus. Não há qualquer diferença entre Seu corpo e Ele. Ele é completamente espiritual e, destarte, não há qualquer diferença entre Seu corpo e Sua alma. Semelhantemente, Ele não é diferente das milhões de Suas encarnações e expansões plenárias. Baladeva é a primeira expansão de Kṛṣṇa, e, de Baladeva, Se expandem Saṅkarṣana, Vāsudeva, Pradyumna e Aniruddha. De Saṅkarṣana, há uma expansão de Nārāyaṇa, e de Nārāyaṇa há uma segunda expansão quádrupla de Saṅkarṣana, Vāsudeva, Pradyumna e Aniruddha. De igual modo, há outras inumeráveis expansões de Kṛṣṇa, mas todas são um. Kṛṣṇa tem muitas encarnações, como o Senhor Nrisimha, o Senhor Javali, o Senhor Peixe e o Senhor Tartaruga, mas não há nenhuma diferença entre as formas originais de Kṛṣṇa com dois braços, aquelas semelhantes à de um ser humano, e aquelas encarnações de formas de animais gigantescos. Nem há qualquer diferença entre a ação de uma parte do Seu corpo e de outra. Suas mãos podem agir como as pernas, Seus olhos podem agir como ouvidos, ou Seu nariz pode agir como outra parte do Seu corpo. Os atos de Kṛṣṇa de cheirar, comer e ouvir são todos o mesmo. Nós, entidades vivas limitadas, temos de usar uma parte específica do corpo para um propósito específico, mas não há tal distinção para Kṛṣṇa. A Brahmā-samhita diz, aṅganī yasya sakalendriya-vṛtti-manti: Kṛṣṇa pode executar as atividades de um membro com qualquer outro membro. Assim, por estudo analítico de Kṛṣṇa e a pessoa dEle, conclui-se que Ele é o todo completo. Então, quando Ele medita, Ele medita nEle. Automeditação realizada por homens comuns, designada em sânscrito como so ’ham, é simples imitação. Kṛṣṇa pode meditar nEle porque Ele é o todo completo, mas nós não podemos imitá-lO e meditar em nós mesmos. Nosso corpo é uma designação sobreposta em nosso ego, a alma. O corpo de Kṛṣṇa não é uma designação: o corpo de Kṛṣṇa também é Kṛṣṇa. Nada extrínseco existe em Kṛṣṇa. Tudo o que há em Kṛṣṇa também é Kṛṣṇa. Ele é, então, a existência suprema, indestrutível e completa, ou seja, a Verdade Suprema.
A existência de Kṛṣṇa não é relativa. Tudo mais, exceto Kṛṣṇa, é verdade relativa, mas Kṛṣṇa é a Suprema Verdade Absoluta. Kṛṣṇa não depende de nada além dEle mesmo para a Sua existência. Nossa existência, contudo, é relativa. Por exemplo, somente quando há luz do Sol, da Lua ou da eletricidade é que somos capazes de ver. Então, nossa capacidade de visão é relativa, e a luz do Sol, da Lua ou a eletricidade também é relativa; é chamada iluminadora porque nós a vemos como tal. Dependência e relatividade, porém, não existem em Kṛṣṇa. As atividades dEle não dependem da apreciação de ninguém, tampouco Ele depende da ajuda de alguém. Ele está além da existência do tempo e do espaço limitados e, porque Ele é transcendental ao tempo e ao espaço, Ele não pode ser coberto pela ilusão de māyā, cujas atividades são limitadas. Na literatura védica, encontramos que a Suprema Personalidade de Deus tem múltiplas potências. Considerando que todas essas potências são emanações dEle, não há nenhuma diferença entre Ele e Suas potências. Porém, certos filósofos dizem que, quando Kṛṣṇa vem, Ele aceita um corpo material. Não obstante, mesmo se aceitarmos que, quando vem ao mundo material, Ele assume um corpo material, também devemos concluir que, porque a energia material não é diferente dEle, este corpo não age materialmente. O Bhagavad-gītā diz, então, que Ele aparece pela própria potência interna dEle, ātma-māyā.
Kṛṣṇa é chamado o Brahman Supremo porque Ele é a causa da criação, a causa da manutenção e a causa da dissolução. O senhor Brahmā, o Senhor Viṣṇu e o senhor Śiva são diferentes expansões dessas qualidades materiais. Todas essas qualidades materiais podem agir sobre as almas condicionadas, mas não há qualquer ação e reação em Kṛṣṇa, porque essas qualidades são, simultaneamente, unas e diferentes dEle. O próprio Kṛṣṇa é sac-cid-ānanda-vigraha, a forma eterna de felicidade e conhecimento, e, por causa de Sua grandeza inconcebível, Ele é chamado de Brahman Supremo. A meditação dEle em Brahman ou Paramātmā ou Bhagavān é apenas nEle mesmo, em nada mais além dEle. Essa meditação não pode ser imitada pela entidade viva comum.
Após Sua meditação, o Senhor banhava-Se regularmente cedo pela manhã com água cristalina e santificada. Em seguida, Ele trocava-Se com roupas frescas, cobria-Se com uma manta e Se ocupava em Suas funções religiosas diárias. De Seus muitos deveres religiosos, o primeiro era oferecer oblações no fogo sacrificatório e cantar em voz baixa o mantra Gāyatrī. O Senhor Kṛṣṇa, como o pai de família ideal, executou sem desvio todas as funções religiosas de um pai de família. Quando chegava o amanhecer, o Senhor oferecia orações específicas ao deus do Sol. O deus do Sol e outros semideuses são mencionados nas escrituras védicas como diferentes membros do corpo do Senhor Kṛṣṇa, e é dever do pai de família oferecer cumprimento aos semideuses e aos grandes sábios, assim como aos antepassados.
Como o Bhagavad-gītā assinala, o Senhor não tem qualquer dever específico a executar neste mundo e, ainda assim, Ele age exatamente como um homem comum que vive uma vida ideal dentro deste mundo material. Conforme os princípios ritualísticos védicos, o Senhor oferecia Seus cumprimentos aos semideuses. O princípio regulador pelo qual os semideuses e os antepassados são adorados é chamado tarpaṇa, que significa “agradar”. Os antepassados de uma pessoa talvez tenham de aceitar um corpo em outro planeta, mas, por desempenho deste sistema de tarpaṇa, eles ficam muito felizes onde quer que possam estar. É dever do pai de família tornar seus membros familiares felizes, e, seguindo este sistema de tarpaṇa, ele pode fazer felizes também seus antepassados. Como o pai de família exemplar perfeito, o Senhor Śrī Kṛṣṇa seguiu esse sistema de tarpaṇa e ofereceu respeitosas reverências aos membros superiores idosos da Sua família.
Seu dever seguinte era dar vacas em caridade aos brāhmaṇas. Diariamente, o Senhor Kṛṣṇa dava muitos grupos de 13 mil e 84 vacas. Cada vaca era decorada com uma capa de seda e colar de pérolas, os chifres eram recobertos com ouro e os cascos com prata. Todas elas estavam cheias de leite por terem os bezerros primogênitos consigo, e eram muito domésticas e pacíficas. Quando as vacas eram dadas em caridade aos brāhmaṇas, eles também recebiam primorosas vestimentas de seda, e cada um recebia uma pele de veado e quantidade suficiente de sementes de gergelim. O Senhor é conhecido como go-brāhmaṇa-hitāya ca, o que significa que o primeiro dever dEle é olhar pelo bem-estar das vacas e dos brāhmaṇas. Assim, Ele dava vacas em caridade aos brāhmaṇas, com decorações e parafernálias opulentas. Então, desejando o bem-estar de todas as entidades vivas, Ele tocava em artigos auspiciosos como leite, mel, ghī (manteiga clarificada), ouro, joias e fogo. Embora o Senhor seja por natureza muito belo devido à figura perfeita do Seu corpo transcendental, Ele Se vestia com roupas amarelas e usava Seu colar de joias Kaustubha. Ele usava guirlandas de flores, cobria o corpo com polpa de sândalo e Se decorava com cosméticos e ornamentos semelhantes. É dito que os próprios ornamentos ficavam mais bonitos ao serem colocados no corpo transcendental do Senhor. Após decorar-Se desse modo, o Senhor, então, olhava para estátuas de mármore de vacas e bezerros e visitava os templos de Deus ou de semideuses, como o senhor Śiva. Havia muitos brāhmaṇas que iam ver o Senhor Supremo antes de tomar o café da manhã diariamente; eles ficavam ansiosos para vê-lO, e Ele lhes dava boas-vindas.
Seu dever seguinte era agradar todos os tipos de homens que pertenciam às diversas castas, tanto na cidade quanto dentro dos domínios do palácio. Ele os fazia felizes satisfazendo seus diferentes desejos e, quando o Senhor os via felizes, Ele também ficava muito contente. As guirlandas de flores, nozes de betel, polpa de sândalo e outros artigos cosméticos aromáticos oferecidos ao Senhor eram distribuídos por Ele, primeiro para os brāhmaṇas e membros idosos da família; então, para as rainhas, e, depois, para os ministros, e, se ainda houvesse algum remanescente, Ele usaria para Si mesmo. Quando o Senhor terminava todos essas atividades e deveres diários, Seu cocheiro Dāruka chegava com sua maravilhosa quadriga para se colocar diante do Senhor de mãos postas, indicando que a quadriga estava pronta, e o Senhor saía do palácio para viajar. Então, o Senhor, acompanhado por Uddhava e Sātyaki, montava na quadriga da mesma maneira que o deus Sol monta de manhã em sua carruagem e aparece com seus raios resplandecentes na superfície do mundo. Quando o Senhor estava para deixar Seus palácios, todas as rainhas contemplavam-nO com gestos femininos. O Senhor respondia às saudações com sorrisos, atraindo tanto os seus corações que elas sentiam intensa saudade dEle.
Em seguida, o Senhor dirigia-Se para o salão de assembleias conhecido como Sudharmā. É válido lembrar que o salão de assembleias Sudharmā fora trazido dos planetas divinos e estabelecido na cidade de Dvārakā. O significado específico do salão de assembleias era que qualquer um que entrasse nele se livraria dos seis tipos de aflições materiais, isto é, fome, sede, lamentação, ilusão, velhice e morte. Esses são os açoites da existência material, e, enquanto a pessoa permanecesse naquele salão de assembleias, Sudharmā, ela não seria afetada por esses seis açoites materiais. O Senhor dizia adeus a todos os dezesseis mil palácios e, novamente, Se tornava um e entrava no salão de assembleias Sudharmā em procissão com outros membros da dinastia Yadu. Depois de entrar no salão de assembleias, Ele Se sentava no elevado trono real e era visto emanando brilhantes raios de refulgência transcendental. No meio de todos os grandes heróis da dinastia Yadu, Kṛṣṇa Se assemelhava à Lua cheia no céu, cercada por múltiplos luzeiros. No salão de assembleias, estavam palhaços profissionais, dançarinos, músicos e bailarinas, e, assim que o Senhor Se sentava em Seu trono, eles davam início às suas respectivas funções para agradar e alegrar o Senhor. Em primeiro lugar, os palhaços falavam de tal modo que o Senhor e Seus associados desfrutavam os gracejos, que refrescavam o ânimo matutino. Os atores dramáticos encenavam seus papeis, e as bailarinas exibiam separadamente seus movimentos artísticos. Todas essas funções eram acompanhadas pela batida de tambores mṛdaṅgas, som de viṇā, flautas e sinos, seguidos pelo som de muraja, outro tipo de tambor. A essas vibrações musicais, era adicionado o som auspicioso do búzio. Os cantores profissionais chamados sūtas e māgadhas cantavam, e outros executavam sua arte da dança. Deste modo, como devotos, eles ofereciam respeitosas orações à Suprema Personalidade de Deus. Às vezes, os brāhmaṇas instruídos presentes naquela assembleia cantavam hinos védicos e os explicavam à audiência para melhor entendimento e, às vezes, alguns deles recitavam antigos episódios históricos das atividades de reis proeminentes. O Senhor, acompanhado por Seus associados, agradava-Se bastante ao ouvi-los.
Certa vez, uma pessoa desconhecida a todos os membros da assembleia chegou ao portal do salão de assembleias e, com a permissão do Senhor Kṛṣṇa, foi admitida no recinto pelo porteiro. O porteiro foi ordenado a apresentá-la ante o Senhor, e o homem entrou e ofereceu, de mãos juntas, suas respeitosas reverências ao Senhor. Tinha acontecido que, quando o rei Jarāsandha conquistara todos os outros reinos, muitos reis não curvaram suas cabeças diante de Jarāsandha, e, por conseguinte, todos eles, totalizando o número de vinte mil, haviam sido aprisionados. O homem levado perante o Senhor Kṛṣṇa pelo porteiro era um mensageiro de todos esses reis encarcerados. Sendo apresentado apropriadamente diante do Senhor, o homem começou a retransmitir uma mensagem dos reis como segue:
“Querido Senhor, Você é a forma eterna de felicidade transcendental e conhecimento igualmente transcendental. Assim sendo, Você está além do alcance da especulação mental ou descrição oral de qualquer homem materialista dentro deste mundo. Uma leve porção de Suas glórias pode ser conhecida completamente por pessoas rendidas a Seus pés de lótus, e, somente por Sua graça, tais pessoas são libertadas de todas as ansiedades materiais. Querido Senhor, nós não estamos entre essas almas rendidas; nós ainda estamos dentro da dualidade e da ilusão desta existência material. Portanto, refugiamo-nos a Seus pés de lótus, porque temos medo do ciclo de nascimentos e mortes. Querido Senhor, julgamos que há muitas entidades vivas como nós que estão eternamente enredadas em atividades fruitivas e em suas reações. Elas nunca são inclinadas a seguir Suas instruções, executando serviço devocional, embora isso seja agradável ao coração e assaz auspicioso para a existência da pessoa. Ao contrário, elas são contra o caminho da vida consciente de Kṛṣṇa e estão vagando dentro dos três mundos, impelidas pela energia ilusória da existência material”.
“Querido Senhor, quem pode estimar Sua misericórdia e Suas poderosas atividades? Você sempre está presente como a força insuperável do tempo eterno, sufocando os desejos infatigáveis dos materialistas, que, destarte, são repetidamente desorientados e frustrados. Dessa forma, oferecemos-Lhe nossas respeitosas reverências em Sua forma como o tempo eterno. Querido Senhor, Você é o proprietário de todos os mundos e encarnou com Sua expansão plenária, o Senhor Balarāma. É dito que Seu aparecimento nesta encarnação é com a finalidade de proteger os fiéis e destruir os degradados. Dadas as circunstâncias, como é possível que homens perversos como Jarāsandha possam nos colocar em tais condições deploráveis de vida, contra a Sua autoridade? Nós estamos perplexos com a situação e não podemos entender como isso é possível. Pode ser que Jarāsandha tenha recebido a incumbência de nos causar tal dificuldade por causa de nossos malfeitos passados, mas nós tomamos conhecimento a partir de escrituras reveladas que qualquer um que se renda a Seus pés de lótus torna-se imediatamente imune às reações da sua vida pecaminosa. Assim, oferecemo-nos de todo o coração ao Seu abrigo, e esperamos que Sua Onipotência nos dê agora plena proteção. Nesse momento, chegamos à verdadeira conclusão de nossas vidas. Nossas posições reais eram nada mais do que a recompensa de nossas atividades piedosas passadas, da mesma maneira que nossa aflição no encarceramento causado por Jarāsandha é o resultado de nossas atividades impiedosas passadas. Agora, percebemos que as reações de atividades piedosas e ímpias são temporárias e que nunca podemos ser felizes nesta vida condicionada. O corpo material nos é concedido pelos modos da natureza material e, por causa disso, estamos cheios de ansiedades. A condição material de vida envolve simplesmente suportar o fardo deste corpo morto. Como resultado de atividades fruitivas, ficamos assim sujeitos a ser bestas de carga para estes corpos e, sendo forçados pela vida condicionada, deixamos a prazerosa vida da consciência de Kṛṣṇa. Nesse instante, percebemos que somos as pessoas mais tolas. Ficamos emaranhados na cadeia de reações materiais devido à nossa ignorância. Recorremos, então, ao abrigo de Seus pés de lótus, que podem erradicar imediatamente todos os resultados das ações fruitivas e, assim, podem nos livrar da contaminação das dores e dos prazeres materiais”.
“Querido Senhor, porque nós agora somos almas rendidas a Seus pés de lótus, Você pode nos dar alívio do enredamento da ação fruitiva, que foi possibilitado pela forma de Jarāsandha. Querido Senhor, Você já sabe que Jarāsandha possui o poder de dez mil elefantes, e, com esse poder, ele nos encarcerou da mesma maneira como um leão hipnotiza um rebanho de ovelhas. Querido Senhor, Você já lutou consecutivamente com Jarāsandha dezoito vezes, das quais Você o derrotou dezessete, superando a posição extraordinariamente poderosa dele. Em Sua décima oitava luta, porém, Você exibiu Seu comportamento humano e, assim, pareceu ter sido derrotado. Querido Senhor, nós sabemos muito bem que Jarāsandha não pode derrotá-lO em momento algum, pois Seu poder, força, recursos e autoridade são todos ilimitados. Ninguém pode se igualar a Você ou ultrapassá-lO. Sua aparente derrota pelas mãos de Jarāsandha no décimo oitavo combate foi nada mais do que uma exibição de comportamento humano. Infelizmente, o tolo Jarāsandha não pôde entender Seus truques e, desde então, ficou presunçoso devido ao seu poder material e prestígio. Especificamente, ele prendeu-nos e encarcerou-nos, sabendo bem que, como Seus devotos, nós somos subordinados à Sua soberania”.
O mensageiro concluiu: “Agora que expliquei a terrível posição dos reis, Sua Onipotência pode considerar e fazer o que Lhe agradar. Como o mensageiro e representante de todos estes reis encarcerados, submeti minhas palavras a Sua Onipotência e apresentei-Lhe as orações deles. Todos os reis estão muito ansiosos para vê-lO, de forma que eles possam se render pessoalmente a Seus pés de lótus. Meu querido Senhor, seja misericordioso com eles e faça algo para a boa fortuna deles”.
No mesmo momento em que o mensageiro dos reis encarcerados estava apresentando sua súplica diante do Senhor, o grande sábio Nārada chegou. Porque era um grande santo, ele brilhava como ouro e, quando entrou na assembleia, parecia que o deus do Sol estava pessoalmente presente no meio do salão. O Senhor Kṛṣṇa é o mestre adorável até mesmo do senhor Brahmā e do senhor Śiva, contudo, assim que o sábio Nārada chegou, Ele automaticamente levantou-Se com Seus ministros e secretários para recebê-lo e oferecer-lhe Suas respeitosas reverências, curvando a cabeça. O grande sábio Nārada sentou-se confortavelmente, e o Senhor Kṛṣṇa adorou-o com toda a parafernália requerida para a recepção digna de uma pessoa santa. Enquanto tentava agradar Nāradajī, o Senhor Kṛṣṇa falou as seguintes palavras em Sua voz doce e natural:
“Meu querido grande sábio entre os semideuses, acredito que agora tudo esteja bem dentro dos três mundos. Você é perfeitamente apto a viajar por todos os lugares do espaço – nos sistemas planetários superior, intermediário e inferior deste universo. Afortunadamente, quando nós o encontramos, podemos muito facilmente receber informação de Sua Santidade acerca de todas as notícias dos três mundos, pois, dentro desta manifestação cósmica do Senhor Supremo, não há nada oculto de seu conhecimento. Você sabe de tudo, e, assim, desejo perguntar-lhe. Os Pāṇḍavas estão bem? E qual é o plano atual do rei Yudhiṣṭhira? Poderia informar-Me o que eles pretendem fazer no momento?”
O grande sábio Nārada falou as seguintes palavras: “Meu querido Senhor, Você falou sobre a manifestação cósmica criada pelo Senhor Supremo, mas eu sei que Você é o criador onipresente. Suas energias são tão extensas e inconcebíveis que até mesmo personalidades poderosas como Brahmā, o senhor deste universo particular, não podem medir o Seu poder inconcebível. Meu querido Senhor, Você está presente como a Superalma no coração de todos por intermédio de Sua potência inconcebível, exatamente como o fogo, que está presente em todos, mas que ninguém pode ver diretamente. Na vida condicionada, todas as entidades vivas estão dentro da jurisdição dos três modos da natureza material. Como tal, elas estão impossibilitadas de ver Sua presença em todos os lugares com os olhos materiais. Por Sua graça, porém, eu vi muitas vezes a ação de Sua potência inconcebível. Portanto, quando Você me pede notícias dos Pāṇḍavas, que não Lhe são desconhecidas, não me surpreendo com Sua pergunta”.
“Meu querido Senhor, por Suas potências inconcebíveis, Você cria esta manifestação cósmica, mantém-na e novamente a dissolve. Só por meio de Sua inconcebível potência, este mundo material, embora uma representação da sombra do mundo espiritual, parece ser efetivo. Ninguém pode entender o que planeja fazer no futuro. Sua posição transcendental sempre é inconcebível ao mundo inteiro. Quanto a mim, posso apenas oferecer-Lhe reiteradas vezes minhas respeitosas reverências. No conceito corpóreo de existência, o mundo inteiro é dirigido através de desejos materiais, e, assim, todos desenvolvem novos corpos materiais, um após o outro, no ciclo de nascimento e morte. Absorta em tal conceito de existência, a pessoa não sabe sair deste encarceramento do corpo material. Por Sua misericórdia sem causa, meu Senhor, Você veio para exibir Seus vários passatempos transcendentais, que são radiantes e plenos de glória. Logo, não tenho alternativa a oferecer-Lhe minhas respeitosas reverências”.
“Meu querido Senhor, Você é o Supremo Parabrahman, e Seus passatempos como um humano comum são outro recurso tático, exatamente como uma peça no palco, na qual o ator encena diferentes papéis a partir de sua própria identidade. Porque os Pāṇḍavas são Seus primos, Você inquiriu sobre eles no papel de seu benquerente. Agora vou Lhe falar sobre as intenções deles. Por favor, escute-me”.
“Primeiro, devo informar-Lhe que o rei Yudhiṣṭhira dispõe de todas as opulências materiais que são possíveis de serem alcançadas no sistema planetário superior Brahmaloka. Ele não tem nenhuma opulência material a que aspirar e, ainda assim, ele deseja executar o sacrifício rājasūya somente para adquirir Sua associação e agradar-Lhe. O rei Yudhiṣṭhira é tão opulento que ele atingiu todas as opulências de Brahmaloka mesmo neste planeta terrestre. Ele está completamente satisfeito e não precisa de nada mais. Ele está pleno de tudo, mas, agora, ele quer adorá-lO e obter Sua misericórdia sem causa, em razão do que imploro que Você cumpra os desejos dele. Meu querido Senhor, nesses grandes sacrifícios por parte do rei Yudhiṣṭhira, haverá uma assembleia de todos os semideuses e todos os reis famosos do mundo”.
“Meu querido Senhor, Você é o Brahman Supremo, a Personalidade de Deus. Alguém que se ocupe em Seu serviço devocional pelos métodos prescritos de ouvir, cantar e lembrar certamente se purificará da contaminação dos modos da natureza material. E o que falar daqueles que têm a oportunidade de vê-lO e tocá-lO diretamente? Meu querido Senhor, Você é o símbolo de tudo o que é auspicioso. Seu nome e fama transcendentais espalharam-se por todas as partes do universo, inclusive nos sistemas planetários superior, intermediário e inferior. A água transcendental que lava Seus pés de lótus é conhecida no sistema planetário superior como Mandākinī, no sistema planetário inferior como Bhogavatī e neste sistema planetário terrestre como o Ganges. Essa água sagrada e transcendental corre ao longo do universo inteiro, purificando onde quer que passe”.
Antes de o grande sábio Nārada chegar ao salão de assembleias Sudharmā de Dvārakā, o Senhor Kṛṣṇa e Seus ministros e secretários estavam considerando como atacar o reino de Jarāsandha. Porque eles estavam considerando seriamente este assunto, a proposta de Nārada de que o Senhor Kṛṣṇa fosse até Hastināpura para o grande sacrifício rājasūya de Mahārāja Yudhiṣṭhira não os atraiu muito. O Senhor Kṛṣṇa pôde compreender as intenções dos Seus associados porque Ele é o regente até mesmo do senhor Brahmā. Em vista disso, para apaziguá-los, Ele disse a Uddhava, sorrindo: “Meu querido Uddhava, você é sempre Meu amigo confidencial e muito amado. Portanto, desejo ver tudo através de você, pois acredito que seu conselho é sempre correto. Creio que você entende toda a situação perfeitamente. Então, pergunto sua opinião. O que Eu deveria fazer? Tenho fé em você e, assim, farei tudo o que Me aconselhar”. Era conhecido a Uddhava que, embora o Senhor Kṛṣṇa estivesse agindo como um homem comum, Ele sabia tudo – passado, presente e futuro. Porém, porque o Senhor desejou consultar-Se com ele, Uddhava, para prestar serviço ao Senhor, começou a falar.
Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo setenta de Kṛṣṇa, intitulado “As Atividades Diárias do Senhor Kṛṣṇa”.