Capítulo 74
A Libertação de Śiśupāla
O rei Yudhiṣṭhira ficou muito feliz depois de ouvir os detalhes do episódio de Jarāsandha e falou as seguintes palavras: “Meu querido Kṛṣṇa, ó forma eterna de felicidade e conhecimento, todos os elevados diretores dos assuntos deste mundo material, inclusive o senhor Brahmā, o senhor Śiva e o rei Indra, estão sempre ávidos por receber e cumprir Suas ordens e, sempre que são afortunados o bastante para receber tais injunções, eles as tomam imediatamente e as mantêm em pensamento. Ó Kṛṣṇa, Você é ilimitado. Embora às vezes nos consideremos os reis e governantes deste mundo e nos tornemos presunçosos por causa de nossas posições vis, somos muito pobres de coração. De fato, merecemos receber Seu castigo, mas a maravilha é que, em vez de nos castigar, Você, tão amável e misericordiosamente, aceita nossas ordens e as cumpre de acordo. Estamos todos muito surpresos que Sua Onipotência possa desempenhar o papel de um ser humano, apesar do que podemos entender que Você somente executa essas atividades como um artista dramático. Sua verdadeira posição é sempre elevada, exatamente como a do Sol, que sempre permanece à mesma temperatura, tanto na hora de seu alvorecer, quanto na de seu crepúsculo. Apesar de sentirmos a diferença de temperatura entre o alvorecer e o crepúsculo do Sol, a temperatura do Sol nunca muda. Você está sempre em equilíbrio, nem satisfeito, nem perturbado por qualquer condição dos assuntos materiais. Você é o Brahman Supremo, a Personalidade de Deus, e, para Você, não há qualquer relatividade. Meu querido Mādhava, Você jamais é derrotado por alguém. Designações materiais – ‘sou isto’, ‘você é aquilo’, ‘isto é meu’, ‘aquilo é seu’ – são todas evidentes por estarem ausentes em Você. Tais designações são visíveis nas vidas de todos, até mesmo nos animais, mas os devotos puros estão livres dessas falsas designações. Visto que essas designações estão ausentes em Seus devotos, elas não podem estar presentes em Você”.
Depois de satisfazer Kṛṣṇa desse modo, o rei Yudhiṣṭhira fez arranjos para executar o sacrifício rājasūya. Ele convidou todos os brāhmaṇas e sábios qualificados para participarem e os designou para diferentes posições como sacerdotes encarregados da arena de sacrifício. Ele convidou os brāhmaṇas mais experientes e sábios, cujos nomes são os seguintes: Kṛṣṇa-dvaipāyana Vyāsadeva, Bharadvāja, Sumantu, Gautama, Asita, Vasiṣṭha, Cyavana, Kaṇva, Maitreya, Kavaṣa, Trita, Viśvāmitra, Vāmadeva, Sumati, Jaimini, Kratu, Paila, Parāśara, Garga, Vaiśampāyana, Atharvā, Kaśyapa, Dhaumya, Paraśurāma, Śukrācārya, Āsuri, Vitihotra, Madhucchandā, Vīrasena e Akṛtavraṇa. Além de todos esses brāhmaṇas e sábios, ele convocou homens idosos respeitáveis, tais como Droṇācārya, Bhīṣma (o avô dos Kurus), Kṛpācārya e Dhṛtarāṣṭra. Ele também convidou todos os filhos de Dhṛtarāṣṭra, encabeçados por Duryodhana, além do grande devoto Vidura. Ainda foram convidados os reis de variadas partes do mundo, junto de seus ministros e secretários, para verem o grande sacrifício; todos os cidadãos, incluindo brāhmaṇas eruditos, kṣatriyas cavalheirescos, vaiśyas prósperos e śūdras fiéis, presenciaram a cerimônia.
Os sacerdotes brāhmaṇas e sábios encarregados da cerimônia de sacrifício construíram a arena sacrificial como de praxe, com um arado de ouro, e iniciaram o rei Yudhiṣṭhira como o executor do grande yajña, conforme os rituais védicos. Há muitíssimos anos, quando Varuṇa executou um sacrifício semelhante, todos os utensílios do sacrifício foram feitos de ouro. Semelhantemente, no rājasūya do rei Yudhiṣṭhira, todos os utensílios requeridos para a cerimônia eram de ouro.
Presentes em virtude do convite do rei Yudhiṣṭhira, para participar do grande sacrifício, estavam todos os semideuses elevados, até mesmo o senhor Brahmā, o senhor Śiva e Indra, o rei dos céus, acompanhados pelos seus associados, como também as deidades predominantes dos sistemas planetários superiores, inclusive Gandharva-loka, Siddhaloka, Janaloka, Tapoloka, Nāgaloka, Yakṣaloka, Rākṣasa-loka, Pakṣiloka e Cāraṇa-loka, bem como os reis famosos e suas rainhas. Todos os sábios respeitáveis, reis e semideuses que lá se reuniram concordaram por unanimidade que o rei Yudhiṣṭhira era bastante competente para assumir a responsabilidade de executar o sacrifício rājasūya; ninguém estava em discordância desse fato. Todos conheciam perfeitamente a posição do rei Yudhiṣṭhira; porque ele era um grande devoto do Senhor Kṛṣṇa, nenhum feito era extraordinário para ele. Os brāhmaṇas eruditos e os sacerdotes atentaram para que o sacrifício de Mahārāja Yudhiṣṭhira fosse executado exatamente do mesmo modo que fora realizado em eras antigas pelo semideus Varuṇa. De acordo com o sistema védico, sempre que há um arranjo para sacrifício, é oferecido aos membros participantes o suco da planta soma, que é um tipo de bebida que dá vida. No dia da extração do suco soma, o rei Yudhiṣṭhira recebeu muito respeitosamente o sacerdote especial que tinha sido encarregado de descobrir algum erro nas formalidades do procedimento do sacrifício. A ideia é que os mantras védicos devem ser enunciados perfeitamente e cantados com a entonação padrão; se os sacerdotes que estão comprometidos nesse afazer cometem qualquer erro, o supervisor, ou o sacerdote de arbitragem, de imediato corrige o procedimento, e, assim, os desempenhos ritualísticos são executados com perfeição. A menos que precisamente executado, um sacrifício não pode proporcionar o resultado desejado. Nesta era de Kali, não há tal brāhmaṇa erudito ou sacerdote disponível, razão pela qual todos os sacrifícios do tipo são proibidos. O único sacrifício recomendado nos śāstras é o canto do mantra Hare Kṛṣṇa.
Outro procedimento adotado é que a personalidade mais importante na assembleia de tal cerimônia de sacrifício deve receber a primeira adoração. Depois que todos os arranjos para o sacrifício de Yudhiṣṭhira haviam sido providenciados, a próxima consideração era quem deveria ser primeiramente adorado na cerimônia. Essa cerimônia particular é chamada agra-pūja. Agra quer dizer “primeiro”, e pūja significa “adoração”. Esse agra-pūja é semelhante à eleição de um presidente. Todos os membros daquela assembleia de sacrifício eram muito elevados. Alguns propuseram eleger certa pessoa como o candidato perfeito para aceitar o agra-pūja, enquanto outros propuseram outrem.
Enquanto o assunto permanecia sem ser decidido, Sahadeva começou a falar a favor do Senhor Kṛṣṇa. Ele disse: “O Senhor Kṛṣṇa, o melhor entre os membros da dinastia Yadu e o protetor de Seus devotos, é a personalidade mais elevada nesta assembleia. Portanto, julgo que Ele deva, sem qualquer objeção, receber a honra de ser adorado em primeiro lugar. Embora semideuses como o senhor Brahmā, o senhor Śiva, Indra e muitas outras personalidades elevadas estejam presentes nesta assembleia, ninguém pode ser igual ou superior a Kṛṣṇa em termos de tempo, espaço, riquezas, força, reputação, sabedoria, renúncia ou qualquer outra consideração. Qualquer coisa considerada como uma opulência está completamente presente em Kṛṣṇa. Assim como uma alma individual é o princípio básico para o crescimento do seu corpo material, Kṛṣṇa é a Superalma desta manifestação cósmica. Todas as cerimônias ritualísticas védicas, tais como o desempenho de sacrifícios, o oferecimento de oblações no fogo, o canto dos hinos védicos e a prática de yoga místico, destinam-se a compreender Kṛṣṇa. Quer a pessoa siga o caminho das atividades fruitivas, quer siga o caminho da especulação filosófica, a meta última é Kṛṣṇa; todos os métodos autênticos de autorrealização visam compreender Kṛṣṇa. Senhoras e senhores, é supérfluo falar sobre Kṛṣṇa, porque todos vocês, dentre as elevadas personalidades, conhecem o Brahman Supremo, o Senhor Kṛṣṇa, para quem não há nenhuma diferença material entre o corpo e a alma, entre a energia e o energético, ou entre uma parte do corpo e outra. Como todos são partes integrantes fragmentárias de Kṛṣṇa, não há qualquer diferença qualitativa entre Kṛṣṇa e todas as entidades vivas. Tudo é uma emanação das energias de Kṛṣṇa, material e espiritual. As energias de Kṛṣṇa são como o calor e a luz do fogo; não há nenhuma diferença entre a qualidade do calor e da luz e o próprio fogo”.
“Além disso, Kṛṣṇa pode fazer qualquer coisa que queira com qualquer parte do Seu corpo. Podemos executar uma determinada ação com a ajuda de uma parte específica de nosso corpo, mas Ele pode fazer qualquer coisa com qualquer parte do Seu corpo. E porque o corpo transcendental dEle é cheio de conhecimento e felicidade eternos, Ele não sofre os seis tipos de mudanças materiais – nascimento, existência, crescimento, produção, definhamento e desaparecimento. Não compelido por qualquer energia externa, Ele é a causa suprema da criação, manutenção e dissolução de tudo o que existe. Unicamente pela graça de Kṛṣṇa, todos estão ocupados na prática religiosa, no desenvolvimento das condições econômicas, na satisfação dos sentidos e, em última instância, na obtenção da libertação da escravidão material. Esses quatro princípios de vida progressiva podem ser executados apenas pela misericórdia de Kṛṣṇa. Logo, Ele deveria receber a primeira adoração neste grande sacrifício, e ninguém deveria discordar disso. Da mesma maneira que, ao regarmos a raiz de uma árvore, automaticamente estaremos regando os galhos, ramos, folhas e flores, ou ao provermos comida ao estômago automaticamente estaremos nutrindo todas as partes do corpo, assim também, oferecendo a primeira adoração a Kṛṣṇa, satisfaremos todos os presentes nesta reunião, inclusive os grandes semideuses. Se alguém tende a fazer caridade, será muito bom para ele dar caridade apenas para Kṛṣṇa, que é a Superalma de todos, independente de seu corpo específico ou personalidade individual. Kṛṣṇa está presente como a Superalma em todo ser vivo, motivo pelo qual, se pudermos satisfazê-lO, todos os seres vivos serão satisfeitos automaticamente”.
Sahadeva era afortunado por conhecer as glórias de Kṛṣṇa e, depois de descrevê-las em resumo, ele parou de falar. Depois desse discurso, todos os membros presentes naquela grande assembleia de sacrifício aplaudiram e confirmaram as palavras dele, repetindo: “Tudo o que você disse está completamente perfeito. Tudo o que você disse está completamente perfeito”. O rei Yudhiṣṭhira, após ouvir a confirmação por todos os presentes, especialmente pelos brāhmaṇas e sábios eruditos, adorou o Senhor Kṛṣṇa conforme os princípios reguladores dos preceitos védicos. Em primeiro lugar, o rei Yudhiṣṭhira, junto de seus irmãos, esposas, filhos, outros parentes e ministros, lavou os pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa e borrifou a água nas cabeças deles. Em seguida, ele ofereceu ao Senhor Kṛṣṇa vários tipos de vestimentas de seda amarela e ofertou uma grande quantidade de joias e ornamentos diante dEle para Seu uso pessoal.
O rei Yudhiṣṭhira sentiu tanto êxtase honrando Kṛṣṇa, seu único objeto amável, que lágrimas rolaram de seus olhos e, embora desejasse ver o Senhor Kṛṣṇa, ele não O podia ver muito bem devido ao seu choro de emoção. Quando o Senhor Kṛṣṇa foi assim adorado pelo rei Yudhiṣṭhira, todos os membros presentes na assembleia levantaram-se de mãos juntas e começaram a cantar: “Jaya! Jaya! Namaḥ! Namaḥ!” Todos se uniram para oferecer suas respeitosas reverências a Kṛṣṇa, e houve chuvas de flores do céu.
Naquela reunião, o rei Śiśupāla também estava presente. Ele era inimigo declarado de Kṛṣṇa por muitas razões, especialmente por Kṛṣṇa ter roubado Rukmiṇī de sua pretendida cerimônia de casamento. Em vista disso, ele não pôde tolerar tal honra a Kṛṣṇa e glorificação de Suas qualidades. Em vez de ficar feliz ao ouvir as glórias do Senhor, ele ficou muito enraivecido. Quando todos ofereceram respeito a Kṛṣṇa se levantando, Śiśupāla permaneceu em seu assento, mas, como sua raiva aumentou ainda mais ao presenciar Kṛṣṇa sendo honrado, ele se levantou de repente, levantou sua mão e falou muito forte e destemidamente contra o Senhor Kṛṣṇa, de tal modo que o Senhor Kṛṣṇa pudesse ouvi-lo muito bem.
“Senhoras e senhores, agora posso apreciar a declaração dos Vedas de que, por fim, o tempo é o fator predominante. Apesar de todos os empenhos para o contrário, o elemento tempo executa seu próprio plano sem oposição. Por exemplo, pode-se fazer o melhor que esteja ao alcance para sobreviver, mas, quando o momento da morte chega, ninguém pode impedi-la. Vejo aqui que, embora muitas personalidades poderosas estejam presentes nesta assembleia, a influência do tempo é tão forte que elas foram desencaminhadas pela declaração de um rapazinho que falou tolamente sobre Kṛṣṇa. Muitos sábios eruditos e pessoas idosas estão presentes, e eles aceitaram a declaração de um garoto tolo. Isso significa que, pela influência do tempo, a inteligência até mesmo de tais honradas pessoas, como estas presentes nesta reunião, pode ser ludibriada. Estou plenamente de acordo com as pessoas respeitáveis presentes aqui, que são competentes para escolher a personalidade que deve ser primeiramente adorada; todavia, não posso concordar com a declaração de um rapazinho como Sahadeva, que falou tão elevadamente sobre Kṛṣṇa e recomendou que Kṛṣṇa seria adequado para receber a primeira adoração no sacrifício. Posso ver que, nesta reunião, há muitas personalidades que se submeteram a grandes austeridades, são altamente eruditas e que executaram muitas penitências. Pelo seu conhecimento e direção, eles podem libertar muitas pessoas que estejam sofrendo as aflições da existência material. Há grandes ṛṣis aqui, cujo conhecimento não tem limite, bem como pessoas autorrealizadas e brāhmaṇas também, em decorrência do que acredito que qualquer um deles poderia ter sido escolhido para a primeira adoração, pois eles são adoráveis até pelos grandes semideuses, reis e imperadores. Não posso entender como vocês selecionaram este vaqueirinho, Kṛṣṇa, e ignoraram todas essas grandes personalidades. Considero que Kṛṣṇa não seja melhor do que um corvo – como pode ser Ele adequado para receber a primeira adoração neste grande sacrifício?”
“Não podemos nem mesmo averiguar à qual casta este Kṛṣṇa pertence, ou qual é Seu verdadeiro dever ocupacional”. De fato, Kṛṣṇa não pertence a casta alguma, nem Ele tem de executar qualquer dever ocupacional. É declarado nos Vedas que o Senhor Supremo não tem nada a fazer como Seu dever prescrito. Tudo o que tem de ser feito em nome dEle é executado pelas Suas diferentes energias”.
Śiśupāla continuou: “Kṛṣṇa não pertence a uma família distinta. Ele é tão independente que ninguém conhece Seus princípios de vida religiosa. Realmente, parece que Ele está fora da jurisdição de todos os princípios religiosos. Ele sempre age de modo independente, sem Se importar com os preceitos védicos e princípios reguladores. Dessa maneira, Ele é destituído de todas as qualidades”. Śiśupāla louvou Kṛṣṇa indiretamente, dizendo que Ele não Se encontra sob a jurisdição dos preceitos védicos. Isso é verdade, porque Ele é a Suprema Personalidade de Deus. Que Ele não tem quaisquer qualidades significa que Kṛṣṇa não tem nenhuma qualidade material e, porque Ele é a Suprema Personalidade de Deus, Ele age independentemente e não Se importa com as convenções dos princípios sociais ou religiosos.
Śiśupāla continuou: “Nestas circunstâncias, como pode ser Ele condizente para receber a primeira adoração no sacrifício? Kṛṣṇa é tão tolo que deixou Mathurā, que é habitada por pessoas altamente elevadas e que seguem a cultura védica, e refugiou-Se no oceano, onde nem mesmo se fala sobre os Vedas. Ao invés de viver livremente, Ele construiu um forte dentro d’água e vem morando em um lugar onde não há qualquer discussão acerca do conhecimento védico. E sempre que sai do forte, Ele simplesmente hostiliza os cidadãos como um assaltante, ladrão ou velhaco”.
Śiśupāla enlouqueceu porque Kṛṣṇa fora eleito como o supremo, a primeira pessoa a ser adorada naquela reunião, e falou tão irresponsavelmente que parecia que ele perdera toda a sua boa fortuna. Estando encoberto pelo infortúnio, Śiśupāla continuou insultando Kṛṣṇa, que o ouviu pacientemente sem protesto. Da mesma maneira que um leão não se preocupa quando um rebanho de chacais uiva, o Senhor Kṛṣṇa permaneceu calado e imperturbável. Kṛṣṇa não respondeu nem mesmo uma única acusação feita por Śiśupāla, mas todos os membros presentes na reunião, com exceção de alguns que concordaram com Śiśupāla, ficaram assaz agitados, porque é o dever de qualquer pessoa respeitável não tolerar blasfêmias contra Deus ou Seu devoto. Alguns deles, que julgaram que não poderiam tomar qualquer atitude apropriada contra Śiśupāla, deixaram a assembleia em protesto, cobrindo as orelhas com as mãos para não ouvir acusações adicionais. Assim, abandonaram a reunião e condenaram a ação de Śiśupāla. É uma injunção védica que, sempre que houver blasfêmia contra a Suprema Personalidade de Deus, a pessoa tem que partir imediatamente. Se ela assim não proceder, será desprovida das suas atividades piedosas e será degradada a uma condição inferior de vida.
Todos os reis presentes, pertencentes às dinastias Kuru, Matsya, Kekaya e Sṛñjaya, eram muito valentes e, imediatamente, empunharam suas espadas e escudos para matar Śiśupāla, que era tão tolo que não estava nem um pouco agitado, embora todos os reis presentes estivessem prontos para matá-lo. Śiśupāla não se preocupou em considerar os prós e os contras do seu discurso idiota e, em vez de parar quando viu que todos os reis estavam prontos para eliminá-lo, apanhou sua espada e escudo e levantou-se para lutar com eles. Quando o Senhor Kṛṣṇa percebeu que eles lutariam na arena do auspicioso rājasūya-yajña, Ele os acalmou pessoalmente. Em virtude de Sua misericórdia sem causa, Ele decidiu matar Śiśupāla. Quando Śiśupāla estava agredindo verbalmente os reis que estavam a ponto de atacá-lo, o Senhor Kṛṣṇa apanhou Seu disco, tão afiado quanto a lâmina de uma navalha, e imediatamente separou a cabeça de Śiśupāla do seu corpo.
Quando Śiśupāla foi assim exterminado, um ruidoso clamor veio da multidão. Aproveitando-se daquela perturbação, alguns reis partidários de Śiśupāla rapidamente abandonaram a assembleia temendo por suas vidas. Então, a afortunada alma espiritual de Śiśupāla fundiu-se imediatamente no corpo do Senhor Kṛṣṇa na presença de todos, exatamente como um meteoro incandescente quando cai na superfície do globo. A fusão da alma de Śiśupāla no corpo transcendental de Kṛṣṇa nos faz lembrar da história de Jaya e Vijaya, que caíram no mundo material provenientes dos planetas Vaikuṇṭha ao serem amaldiçoados pelos quatro Kumāras. Para o retorno deles ao mundo de Vaikuṇṭha, foi arranjado que Jaya e Vijaya, por três nascimentos sucessivos, agiriam como inimigos mortais do Senhor e que, ao término dessas vidas, regressariam a Vaikuṇṭha e serviriam o Senhor como Seus associados.
Embora Śiśupāla tivesse agido como um inimigo de Kṛṣṇa, ele não ficou um único momento fora da consciência de Kṛṣṇa. Ele sempre estava absorto em pensar em Kṛṣṇa e, assim, adquiriu a salvação de sāyujya-mukti, fundindo-se na existência do Supremo e foi finalmente reabilitado na sua posição original de serviço pessoal. O Bhagavad-gītā confirma o fato de que a pessoa absorta em pensamento acerca do Senhor Supremo entra imediatamente no reino de Deus após deixar o corpo material na hora da morte.
Depois da salvação de Śiśupāla, o rei Yudhiṣṭhira recompensou todos os membros presentes na assembleia de sacrifício. Ele remunerou suficientemente os sacerdotes e os sábios eruditos pelo seu compromisso na execução do sacrifício e, depois de executar todo esse trabalho rotineiro, ele tomou seu banho. Esse banho ao término do sacrifício também é técnico. É chamado o banho de avabhṛtha.
Consequentemente, o Senhor Kṛṣṇa possibilitou a realização do rājasūya-yajña organizado pelo rei Yudhiṣṭhira de forma que fosse finalizado com êxito, e, tendo sido solicitado pelos Seus primos e parentes, Ele permaneceu em Hastināpura por mais alguns meses. Conquanto o rei Yudhiṣṭhira e seus irmãos estivessem pouco dispostos a deixar o Senhor Kṛṣṇa partir de Hastināpura, Kṛṣṇa fez arranjos para pedir a permissão do rei para retornar a Dvārakā e, assim, Ele voltou para casa junto de Suas rainhas e de Seus ministros.
A história da queda de Jaya e Vijaya dos planetas Vaikuṇṭha no mundo material é descrita no Sétimo Canto do Śrīmad-Bhāgavatam. A morte de Śiśupāla tem um vínculo direto com aquela narração de Jaya e Vijaya, mas a instrução mais importante que nós obtemos deste incidente é que a Suprema Personalidade de Deus é absoluto e pode outorgar salvação a todos, quer a pessoa aja como Seu inimigo, quer como Seu amigo. Trata-se, então, de uma concepção errônea a de que o Senhor age com alguém em relação de amigo e com outrem na relação de inimigo. Sua inimizade ou Sua amizade estão sempre na plataforma absoluta. Não há qualquer distinção material.
Depois que o rei Yudhiṣṭhira tomou seu banho na conclusão do sacrifício e se levantou no meio de todos os sábios eruditos e brāhmaṇas, ele parecia precisamente como o rei do céu e, assim, apresentava-se muito belo. O rei Yudhiṣṭhira recompensou suficientemente todos os semideuses que participaram no yajña, que, estando muito satisfeitos, partiram louvando as atividades do rei e glorificando o Senhor Kṛṣṇa.
Quando Śukadeva Gosvāmī narrou esses incidentes em que Kṛṣṇa mata Śiśupāla e descreveu a execução bem-sucedida do rājasūya-yajña por Mahārāja Yudhiṣṭhira, ele também salientou que, após a conclusão exitosa do yajña, apenas uma pessoa permaneceu infeliz. Esse alguém era Duryodhana. Duryodhana era, por natureza, muito invejoso por causa de sua vida pecaminosa, e ele apareceu na dinastia dos Kurus como uma doença crônica personificada pronta a destruir a família inteira.
Śukadeva Gosvāmī assegurou a Mahārāja Parīkṣit que os passatempos do Senhor Kṛṣṇa – as mortes de Śiśupāla e Jarāsandha e a libertação dos reis encarcerados – são todos vibrações transcendentais e que qualquer um que escute estas narrações de pessoas autorizadas libertar-se-á imediatamente de todas as reações das atividades pecaminosas de sua vida.
Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo setenta e quatro de Kṛṣṇa, intitulado “A Libertação de Śiśupāla”.