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Capítulo 82

O Senhor Kṛṣṇa e Balarāma Se Encontram com os Habitantes de Vṛndāvana

Certa vez, enquanto o Senhor Kṛṣṇa e Balarāma viviam pacificamente na grande cidade de Dvārakā, houve a rara ocasião de um eclipse solar total, como ocorre ao término de todo kalpa, ou dia de Brahmā. Ao final de todo kalpa, o Sol é encoberto por uma grande nuvem, e chuvas incessantes encobrem os sistemas planetários inferiores até Svargaloka. Através de cálculo astronômico, as pessoas foram informadas sobre esse grande eclipse antes de seu acontecimento, em decorrência do que todos os homens e mulheres decidiram reunir-se no lugar santo de Kurukṣetra, conhecido como Samanta-pañcaka.

O local de peregrinação Samanta-pañcaka é célebre porque o Senhor Paraśurāma executou grandes sacrifícios lá depois de matar todos os kṣatriyas no mundo vinte e uma vezes. Quando o Senhor Paraśurāma matou todos os kṣatriyas, o sangue deles, depois de derramado, fluiu como uma correnteza. O Senhor Paraśurāma cavou cinco grandes lagos em Samanta-pañcaka e os encheu com esse sangue. O Senhor Paraśurāma é viṣṇu-tattva. Como declarado no Iśopaniṣad, um viṣṇu-tattva não pode ser contaminado por alguma atividade pecaminosa. Muito embora o Senhor Paraśurāma seja completamente poderoso e não contaminado, Ele, com o intuito de exibir o caráter ideal, executou grandes sacrifícios em Samanta-pañcaka para reconciliar sua matança supostamente pecaminosa dos kṣatriyas. Pelo Seu exemplo, o Senhor Paraśurāma estabeleceu que a arte de matar, embora às vezes necessária, não é boa. Se o Senhor Paraśurāma considerou-Se culpável pela matança pecaminosa dos kṣatriyas, quão mais culpados somos nós ao cometermos tais atos abomináveis não sancionados? Portanto, a matança de entidades vivas é proibida no mundo inteiro desde tempos imemoriais.

Aproveitando a ocasião do eclipse solar, todas as pessoas importantes de todas as partes de Bhārata-varṣa visitaram o lugar santo de peregrinação. Algumas das ilustres personalidades são mencionadas como segue. Entre as pessoas idosas, estavam Akrūra, Vasudeva e Ugrasena e, entre a geração mais jovem, estavam Gada, Pradyumna, Sāmba e muitos outros membros da dinastia Yadu que tinham ido até lá com o objetivo de purificar-se das atividades pecaminosas advindas no curso da execução de seus respectivos deveres. Porque quase todos os membros da dinastia Yadu haviam ido para Kurukṣetra, algumas personalidades importantes, como Aniruddha, o filho de Pradyumna, e Kṛtavarmā, o comandante em chefe da dinastia Yadu, juntamente com Sucandra, Śuka e Sāraṇa, permaneceram em Dvārakā para proteger a cidade.

Conquanto todos os membros da dinastia Yadu fossem naturalmente muito bonitos, sua beleza natural e personalidade aumentaram cem vezes nessa ocasião, quando eles apareceram apropriadamente decorados com colares de ouro e guirlandas de flores, vestidos em valiosas roupas e corretamente equipados com suas respectivas armas. Os membros da dinastia Yadu entraram em Kurukṣetra em suas carruagens esplendidamente ornamentadas, que se assemelhavam aos aeroplanos dos semideuses e eram puxadas por grandes cavalos, os quais se moviam como as ondas do oceano. Alguns Yadus estavam montados em elefantes robustos e elegantes, que se moviam como as nuvens no céu. Suas esposas eram transportadas em belos palanquins por homens bonitos, cujas características se assemelhavam àquelas dos vidyādharas. Toda a comitiva parecia tão bela quanto uma assembleia dos semideuses, que habitam os céus.

Depois de chegarem a Kurukṣetra, os membros da dinastia Yadu banharam-se cerimoniosamente, com autocontrole, como ordenado nos śāstras, e eles observaram jejum por todo o período do eclipse para neutralizar as reações das suas atividades pecaminosas. Visto que é um costume védico dar em caridade tanto quanto possível durante as horas do eclipse, os membros da dinastia Yadu distribuíram muitas centenas de vacas em caridade para os brāhmaṇas. Todas essas vacas foram completamente decoradas com tecidos e ornamentos adequados. A característica especial dessas vacas era que elas portavam sinos de tornozelo dourados e guirlandas de flores nos seus pescoços.

Depois do eclipse, todos os membros da dinastia Yadu se banharam novamente nos lagos criados pelo Senhor Paraśurāma. Em seguida, alimentaram suntuosamente os brāhmaṇas com comida de primeira classe, toda preparada em manteiga. De acordo com o sistema védico, há duas classes de comida. Uma é chamada comida crua e a outra é conhecida como cozida. “Comida crua” não indica legumes crus e grãos crus, mas comida fervida em água, ao passo que os alimentos cozidos são preparados em ghī. Capātīs, dāl, arroz e legumes comuns são chamados “comidas cruas”, como são as frutas e as saladas. Por outro lado, purīs, kachaurīs, samosās, doces e assim por diante são chamados “comidas cozidas”. Todos os brāhmaṇas convidados naquela ocasião pelos membros da dinastia Yadu foram suntuosamente servidos com alimentos cozidos.

As funções cerimoniais executadas pelos membros da dinastia Yadu se assemelhavam externamente às cerimônias ritualísticas executadas pelos karmīs. Quando um karmī executa alguma cerimônia ritualística, sua ambição é a satisfação dos sentidos – boa posição, boa esposa, boa casa, boas crianças ou riqueza –, contudo, a ambição dos membros da dinastia Yadu era diferente. Sua ambição era ofertar fé e devoção perpétuas a Kṛṣṇa. Todos os membros da dinastia Yadu eram grandes devotos. Como tal, após muitos nascimentos de acumuladas atividades piedosas, eles obtiveram a oportunidade de se associarem com o Senhor Kṛṣṇa. Indo tomar banho no lugar de peregrinação de Kurukṣetra, observando os princípios reguladores durante o eclipse solar, ou alimentando os brāhmaṇas – em todas as suas atividades –, eles simplesmente pensavam em devoção a Kṛṣṇa. Seu adorável Senhor ideal era Kṛṣṇa, e ninguém mais.

Depois que os brāhmaṇas são alimentados, é costumeiro o anfitrião, com a permissão deles, aceitar prasadā. Assim, com a permissão dos brāhmaṇas, todos os membros da dinastia Yadu almoçaram. Logo após, eles escolheram lugares de repouso debaixo de grandes árvores sombrias e, depois de descansarem o suficiente, prepararam-se para receber os visitantes, entre os quais estavam parentes e amigos, como também muitos reis e governantes subordinados. Havia os governantes das províncias de Matsya, Uśīnara, Kośala, Vidarbha, Kuru, Sṛñjaya, Kāmboja, Kekaya, Madras, Kuntī, Anarta, Kerala e muitos outros países e províncias. Alguns dos governantes pertenciam a grupos adversários, e alguns eram amigos. Porém, acima de tudo, os visitantes de Vṛndāvana eram muito proeminentes. Os residentes de Vṛndāvana, encabeçados por Nanda Mahārāja, tinham estado vivendo em grande ansiedade por causa da separação de Kṛṣṇa e Balarāma. Aproveitando-se do eclipse solar, todos eles foram ter com sua vida e alma, Kṛṣṇa e Balarāma.

Os habitantes de Vṛndāvana eram benquerentes e amigos íntimos da dinastia Yadu. Essa reunião das duas dinastias, depois de uma longa separação, foi um incidente muito comovente. Todos os Yadus e os residentes de Vṛndāvana sentiram tanto prazer em se encontrarem e conversarem que foi algo sem paralelo. Encontrando-se depois de longa separação, eles ficaram todos jubilosos; seus corações pulsaram e suas faces pareciam como flores de lótus recém-desabrochadas. Gotas de lágrimas caíram dos seus olhos, pelos se eriçaram em seus corpos, e, por causa do êxtase extremo, eles ficaram temporariamente mudos. Em outras palavras, eles mergulharam no oceano de felicidade.

Enquanto os homens cumprimentavam-se daquele modo, as mulheres também trocavam cumprimentos entre si da mesma maneira. Eles abraçavam uns aos outros com grande amizade, sorriam muito suavemente e olhavam uns para os outros com grande afeto. Quando elas se abraçaram, o açafrão e o kuṅkuma untados em seus peitos foram passados de uma para a outra. Todos sentiram êxtase divino devido a tal abraço caloroso, e torrentes de lágrimas deslizaram pelas suas faces. Os mais jovens ofereceram suas reverências aos idosos, e esses ofereceram suas bênçãos aos jovens. Assim, eles deram boas-vindas uns aos outros e, em seguida, perguntaram pelo bem-estar de cada um. Porém, em última análise, todas as suas conversas eram unicamente a respeito de Kṛṣṇa. Todos os vizinhos e parentes estavam relacionados com os passatempos do Senhor Kṛṣṇa neste mundo, e, consequentemente, Kṛṣṇa era o centro de todas as suas atividades. Quaisquer atividades que eles executavam – sociais, políticas, religiosas ou convencionais – eram transcendentais.

A verdadeira elevação da vida humana encontra-se em conhecimento e renúncia. Como enunciado no Primeiro Canto do Śrīmad-Bhāgavatam, serviço devocional prestado a Kṛṣṇa automaticamente produz conhecimento perfeito e renúncia. Os membros familiares da dinastia Yadu e os vaqueiros de Vṛndāvana tinham suas mentes fixas em Kṛṣṇa. Esse é o sintoma do conhecimento perfeito. E porque suas mentes estavam sempre ocupadas com Kṛṣṇa, eles foram automaticamente libertos de todas as atividades materiais. Essa fase de vida chama-se yukta-vairāgya, como declarado por Śrīla Rūpa Gosvāmī. Então, conhecimento e renúncia não significam especulação árida e renúncia das atividades. Ao contrário, a pessoa deve começar a falar e agir apenas em relação a Kṛṣṇa.

Nessa reunião em Kurukṣetra, Kuntīdevī e Vasudeva, que eram irmãos, encontraram-se depois de uma prolongada separação, juntamente com seus respectivos filhos e noras, crianças e outros membros familiares. Falando entre si, eles logo se esqueceram de todas as suas misérias passadas. Kuntīdevī dirigiu-se especialmente a seu irmão Vasudeva como segue: “Meu querido irmão, eu sou muito infeliz porque nenhum de meus desejos jamais foi realizado; caso contrário, como poderia acontecer que, embora eu tenha um irmão santo como você, perfeito sob todos os aspectos, você não tenha inquirido sobre como eu estava passando meus dias em uma condição aflitiva de vida?” Parece que Kuntīdevī estava se lembrando dos dias miseráveis quando ela fora banida com seus filhos pelos planos iníquos de Dhṛtarāṣṭra e Duryodhana. Ela continuou: “Meu querido irmão, posso entender que, quando a providência vai contra alguém, mesmo os parentes mais próximos esquecem-no. Em tal condição, mesmo o pai, a mãe ou os próprios filhos de alguém irão esquecê-lo. Portanto, meu querido irmão, eu não o acuso”.

Vasudeva respondeu: “Minha querida irmã, não se lamente e não me culpe desse modo. Deveríamos sempre nos lembrar de que somos todos apenas brinquedos nas mãos da providência. Todos estão sob o controle da Suprema Personalidade de Deus. É unicamente sob o controle dEle que todos os tipos de ações fruitivas e reações acontecem. Minha querida irmã, você sabe que nós fomos muito hostilizados pelo rei Kaṁsa e nos dispersamos devido às suas perseguições. Estávamos sempre cheios de ansiedades. Somente nos últimos dias que retornamos para nossos próprios lares, pela graça de Deus”.

Depois dessa conversa, Vasudeva e Ugrasena receberam os reis que vieram vê-los e deram-lhes as devidas boas-vindas. Vendo o Senhor Kṛṣṇa presente naquele mesmo lugar, todos os visitantes sentiram prazer transcendental e ficaram muito pacíficos. Algumas das visitas proeminentes eram as seguintes: Bhīṣmadeva, Droṇācārya, Dhṛtarāṣṭra, Duryodhana, Gāndhārī junto com seus filhos, o rei Yudhiṣṭhira e sua esposa, os Pāṇḍavas juntamente com Kuntī, bem como Sañjaya, Vidura, Kṛpācārya, Kuntībhoja, Virāta, Bhīṣmaka, o rei Nagnajit, Purujit, Drupada, Śalya, Dhṛṣṭaketu, o rei de Kāśī, Damaghoṣa, Viśālākṣa, o rei de Mithilā, o rei de Madras (antigamente conhecida como Madra), o rei de Kekaya, Yudhāmanyu, Suśarmā, Bāhlika e seus filhos, além de muitos outros governantes subordinados ao rei Yudhiṣṭhira.

Quando os visitantes viram o Senhor Kṛṣṇa com Suas milhares de rainhas, eles ficaram completamente satisfeitos com a visão de tamanha beleza e opulência transcendentais. Todos os que estavam pessoalmente presentes viram o Senhor Balarāma e Kṛṣṇa e, tendo recebido as boas-vindas dos dois irmãos, começaram a glorificar os membros da dinastia Yadu, especialmente Kṛṣṇa e Balarāma. Porque Ugrasena era o rei dos Bhojas, ele foi considerado o Yadu principal, razão pela qual os visitantes dirigiram-se especialmente a ele: “Sua Majestade Ugrasena, rei dos Bhojas, na verdade, os Yadus são as únicas pessoas dentro deste mundo que são perfeitas sob todos os aspectos. Todas as glórias a você! Todas as glórias a você! A condição específica de sua perfeição é que você sempre vê o Senhor Kṛṣṇa, que é procurado por muitos yogīs místicos, os quais se submetem a severas austeridades e penitências por muitos anos. Todos vocês estão em contato direto com o Senhor Kṛṣṇa a todo momento”.

“Todos os hinos védicos glorificam a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. A água do Ganges é considerada santificada por ser a água usada para lavar os pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa. A literatura védica não é nada mais do que as injunções do Senhor Kṛṣṇa. O propósito do estudo de todos os Vedas é conhecer Kṛṣṇa, daí as palavras de Kṛṣṇa e a mensagem dos passatempos dEle serem sempre purificantes. Pela influência do tempo e das circunstâncias, todas as opulências deste mundo foram quase completamente extintas, mas, visto que Kṛṣṇa apareceu neste planeta, todas as características auspiciosas surgiram novamente, graças ao toque de Seus pés de lótus. Por causa da presença dEle, todos os nossos desejos e ambições estão sendo realizados. Sua Majestade, rei dos Bhojas, você está relacionado com a dinastia Yadu através da relação matrimonial e também por laços consanguíneos. Como resultado, você está constantemente se associando com o Senhor Kṛṣṇa, e você não tem qualquer dificuldade de vê-lO ou tocá-lO a qualquer hora. O Senhor Kṛṣṇa caminha, conversa, senta-Se, descansa e janta com você. Os Yadus parecem estar sempre ocupados com negócios mundanos, que são considerados como sendo a verdadeira estrada para o inferno. No entanto, devido à presença do Senhor Kṛṣṇa, a original Personalidade de Deus, na categoria de Viṣṇu, que é onisciente, onipresente e onipotente, todos vocês encontram-se, na verdade, aliviados de toda a contaminação material e estão situados na posição transcendental de libertação e existência Brahman”.

Quando Nanda Mahārāja e os outros residentes de Vṛndāvana ouviram que Kṛṣṇa estaria presente em Kurukṣetra por causa do eclipse solar e que todos os membros da dinastia Yadu também estariam lá, eles imediatamente se preparam para ir até o local. O rei Nanda, acompanhado pelos seus pastores, tinha carregado toda a sua parafernália necessária em carros de boi, e todos os residentes de Vṛndāvana tinham ido a Kurukṣetra para ver seus amados filhos, o Senhor Balarāma e o Senhor Kṛṣṇa. Quando os pastores de Vṛndāvana chegaram a Kurukṣetra, todos os membros da dinastia Yadu ficaram bastante satisfeitos. Assim que viram os residentes de Vṛndāvana, eles se levantaram para dar as boas-vindas e pareceram ter recuperado suas vidas. Todos os Yadus e residentes de Vṛndāvana tinham estado muito ansiosos para se encontrar e, quando de fato se encontraram, eles se abraçaram para a satisfação de seus corações e permaneceram abraçados durante um tempo considerável.

Assim que Vasudeva viu Nanda Mahārāja, Vasudeva levantou-se de um salto, correu para ele e o abraçou muito afetuosamente. Vasudeva começou a narrar sua própria história passada – como ele fora encarcerado pelo rei Kaṁsa, como seus bebês tinham sido mortos, como imediatamente depois do nascimento de Kṛṣṇa ele levara Kṛṣṇa para a residência de Nanda Mahārāja e como Kṛṣṇa e Balarāma tinham sido criados por Nanda Maharaja e sua rainha, Yaśodā, como seus próprios filhos. Da mesma forma, o Senhor Balarāma e Kṛṣṇa também abraçaram o rei Nanda e mãe Yaśodā e, então, ofereceram Seus respeitos aos seus pés de lótus curvando-Se. Por causa do Seu afeto por Nanda e Yaśodā, os Senhores Kṛṣṇa e Balarāma ficaram com a voz embargada e, por alguns segundos, não puderam falar. O afortunadíssimo rei Nanda e mãe Yaśodā colocaram seus filhos no colo e começaram a abraçá-lOs para sua plena satisfação. Por causa da separação de Kṛṣṇa e Balarāma, o rei Nanda e Yaśodā haviam mergulhado em grande angústia por um tempo muito longo. Agora, depois de encontrá-lOs e abraçá-lOs, todos os seus sofrimentos foram mitigados.

Logo após, a mãe de Kṛṣṇa, Devakī, e a mãe de Balarāma, Rohiṇī, ambas abraçaram mãe Yaśodā. Elas disseram: “Querida rainha Yaśodā-devī, você e Nanda Mahārāja têm sido grandes amigos nossos, e, quando nos lembramos de você, ficamos imediatamente submersas nos pensamentos de suas atividades amigáveis. Estamos tão endividadas com você que, até mesmo se fôssemos retribuir sua bênção, dando-lhe a opulência do rei do céu, não seria bastante para recompensar sua amizade. Nunca nos esqueceremos de seu comportamento bondoso para conosco. Quando Kṛṣṇa e Balarāma nasceram, antes mesmo que Eles vissem Seu pai e Sua mãe verdadeiros, Eles foram confiados a seu cuidado e você Os criou como seus próprios filhos e Os nutriu como os pássaros cuidam de sua prole no ninho. Você Os alimentou bem, nutriu-Os e Os amou e executou muitas cerimônias religiosas auspiciosas para o benefício dEles”.

“De fato, Eles não são nossos filhos; Eles pertencem a você. Nanda Mahārāja e você são os verdadeiros pais de Kṛṣṇa e Balarāma. Enquanto Eles estavam sob seu cuidado, Eles não sentiram nem mesmo a mínima dificuldade em relação a alguma coisa. Sob sua proteção, Eles estavam completamente fora de todos os tipos de medo. Esse cuidado afetuoso que você dispensou a Eles é inteiramente apropriado à sua elevada posição. As personalidades mais nobres não discriminam entre os próprios filhos e os filhos dos outros, e não pode haver personalidades mais nobres do que Nanda Mahārāja e você”.

Quanto às gopīs de Vṛndāvana, elas não conheciam nada além de Kṛṣṇa desde o começo das suas vidas. Kṛṣṇa e Balarāma eram sua vida e alma. As gopīs eram tão apegadas a Kṛṣṇa que elas não podiam nem mesmo tolerar não O ver momentaneamente quando suas pálpebras piscavam e impediam sua visão. Elas condenavam Brahmā, o criador do corpo, por tolamente ter feito as pálpebras que piscam e impedem-nas de ver Kṛṣṇa. Porque tinham estado separadas de Kṛṣṇa por tantos anos, as gopīs, tendo vindo com Nanda Mahārāja e mãe Yaśodā, sentiram intenso êxtase ao ver Kṛṣṇa. Ninguém pode nem mesmo imaginar quão ansiosas as gopīs estavam em ver Kṛṣṇa novamente. Tão logo Kṛṣṇa ficou visível, elas O levaram para dentro dos seus corações através dos olhos e O abraçaram para sua plena satisfação. Embora só estivessem abraçando Kṛṣṇa mentalmente, elas ficaram tão extáticas e tomadas de alegria que, naquele momento, esqueceram-se completamente de si. O transe extático que elas alcançaram simplesmente abraçando Kṛṣṇa mentalmente é impossível de ser alcançado até mesmo pelos grandes yogīs constantemente ocupados em meditação na Suprema Personalidade de Deus. Kṛṣṇa pôde entender que as gopīs estavam extasiadas abraçando-O em suas mentes, e, como está presente no coração de todos, Ele reciprocou o abraço internamente.

Kṛṣṇa estava sentado com mãe Yaśodā e Suas outras mães, Devakī e Rohinī, mas, quando as mães começaram a conversar, Ele aproveitou a oportunidade e foi para um lugar retirado para encontrar as gopīs. O Senhor sorriu assim que Se aproximou das gopīs e, depois de abraçá-las e inquirir sobre o seu bem-estar, Ele começou a encorajá-las e disse: “Minhas queridas amigas, vocês sabem que o Senhor Balarāma e Eu deixamos Vṛndāvana apenas para agradar Nossos parentes e familiares. Portanto, estivemos por muito tempo comprometidos em lutar contra Nossos inimigos e fomos obrigados a esquecê-las, vocês que estavam tão apegadas a Mim com amor e afeição. Eu posso entender que lhes fui ingrato, mas sei que vocês ainda são fiéis a Mim. Posso perguntar se vocês têm pensado em Nós, embora tenhamos de tê-las deixado para trás? Minhas queridas gopīs, vocês agora não apreciam mais recordações sobre Mim, considerando-Me ingrato a vocês? Vocês consideraram muito grave Meu mau comportamento com vocês?”

“Afinal, vocês devem saber que não foi Minha intenção deixá-las; nossa separação foi disposta pela Providência, que, em última instância, é a controladora suprema e age como quer. Ela causa o encontro de diferentes pessoas e, em seguida, as dispersa como Ela deseja. Às vezes, vemos que um vento forte funde algumas nuvens, partículas atômicas de poeira ou pedaços desfiados de algodão, e, depois que o vento forte desaparece, todas as nuvens, partículas de pó e pedaços de algodão são novamente separados, espalhando-se por diversos lugares. De igual modo, o Senhor Supremo é o criador de tudo. Os objetos que vemos são diferentes manifestações da energia dEle. Por Sua vontade suprema, estamos ora unidos, ora separados. Podemos concluir, então, que, em última instância, somos absolutamente dependentes da vontade dEle”.

“Afortunadamente, vocês desenvolveram afeição amorosa por Mim, que é o único modo de alcançar a posição transcendental de associação coMigo. Qualquer entidade viva que desenvolva tal afeição devocional pura por Mim, certamente, ao final, voltará ao lar, voltará ao Supremo. Em outras palavras, serviço devocional imaculado e afeto por Mim são a causa da libertação suprema”.

“Minhas queridas amigas gopīs, devo dizer-lhes que são apenas Minhas energias que agem em todos os lugares. Por exemplo, considerem uma panela de barro, que nada mais é do que uma combinação de terra, água, ar, fogo e céu. É sempre a mesma composição física, quer em seu começo, durante sua existência ou depois de sua aniquilação. Quando é criada, a panela de barro é feita de terra, água, fogo, ar e céu; enquanto permanece, é da mesma composição, e, quando é quebrada e aniquilada, seus diversos ingredientes são conservados em diferentes partes da energia material. De modo semelhante, na criação desta manifestação cósmica, durante sua manutenção e após sua dissolução, tudo não passa de uma diferente manifestação de Minha energia. E porque a energia não está separada de Mim, deve-se concluir que Eu estou existindo em tudo”.

“Da mesma maneira, o corpo de um ser vivo não é nada mais do que uma composição dos cinco elementos, e a entidade viva corporificada na condição material é também Minha parte integrante. A entidade viva encontra-se encarcerada na condição material por causa da sua falsa concepção de ser o desfrutador supremo. Esse falso ego da entidade viva é a causa de seu encarceramento na existência material. Como a Suprema Verdade Absoluta, Eu sou transcendental à entidade viva, bem como à sua corporificação material. As duas energias, material e espiritual, agem sob Meu controle supremo. Minhas queridas gopīs, peço a vocês que, em vez de ficarem aflitas, tentem aceitar tudo com uma atitude filosófica. Então, vocês compreenderão que estão sempre coMigo e que não há nenhuma causa para lamentação por nossa separação um do outro”.

Essa importante instrução do Senhor Kṛṣṇa às gopīs pode ser utilizada por todos os devotos dedicados à consciência de Kṛṣṇa. Toda a filosofia é considerada com base na inconcebível igualdade e diferença simultâneas. No Bhagavad-gītā, o Senhor diz que Ele está presente em toda parte em Seu aspecto impessoal. Tudo existe nEle, mas, ainda assim, Ele não está pessoalmente presente em todos os lugares. A manifestação cósmica não é nada mais do que uma exibição da energia de Kṛṣṇa, e, porque a energia não é diferente do energético, nada é diferente de Kṛṣṇa. Quando essa consciência absoluta, a consciência de Kṛṣṇa, está ausente, ficamos separados de Kṛṣṇa, mas, felizmente, se a consciência de Kṛṣṇa está presente, não estamos separados de Kṛṣṇa. O processo de serviço devocional é a revitalização da consciência de Kṛṣṇa, e, se o devoto é afortunado o bastante para entender que a energia material não está separada de Kṛṣṇa, ele pode, então, utilizar a energia material e seus produtos no serviço ao Senhor. Não obstante, na ausência da consciência de Kṛṣṇa, a entidade viva esquecida, embora seja parte integrante de Kṛṣṇa, falsamente se coloca na posição de desfrutador do mundo material e, ficando assim enredada na prisão material, é forçada pela energia material a continuar sua existência material. Isso é confirmado no Bhagavad-gītā. Embora uma entidade viva seja forçada a agir pela energia material, ela pensa falsamente que é o todo de tudo e o desfrutador supremo.

Se o devoto sabe perfeitamente que a arcā-vigraha, ou a forma da Deidade do Senhor Kṛṣṇa no templo, é exatamente a mesma sac-cid-ānanda-vigraha do próprio Kṛṣṇa, então o serviço que ele presta à Deidade no templo se torna serviço direto à Suprema Personalidade de Deus. De igual modo, o templo propriamente dito, a parafernália do templo e a comida oferecida à Deidade também não são distintos de Kṛṣṇa. A pessoa deve seguir as regras e regulações prescritas pelos ācāryas, e, assim, sob direção superior, a realização de Kṛṣṇa é completamente possível, até mesmo nesta existência material.

As gopīs, tendo sido instruídas por Kṛṣṇa nessa filosofia de igualdade e diferença simultâneas, permaneceram sempre em consciência de Kṛṣṇa e, portanto, libertaram-se de toda a contaminação material. A consciência da entidade viva que falsamente se apresenta como o desfrutador do mundo material é chamada jīva-kośa, que significa “encarceramento pelo falso ego”. Não só as gopīs, mas qualquer um que siga estas instruções de Kṛṣṇa, é imediatamente liberto do encarceramento de jīva-kośa. Uma pessoa em plena consciência de Kṛṣṇa é sempre livre de falso egoísmo; ela utiliza tudo para o serviço de Kṛṣṇa e não se encontra, em momento algum, separada de Kṛṣṇa.

Por conseguinte, as gopīs oraram a Kṛṣṇa: “Querido Kṛṣṇa, de Seu umbigo emanou a flor de lótus original, que é o local de nascimento de Brahmā, o criador. Ninguém pode avaliar Suas glórias ou Sua opulência, que permanecem sempre um mistério até mesmo aos mais grandiosos pensadores, os mestres de todos os poderes ióguicos. Porém, a alma condicionada caída no poço escuro desta existência material pode muito facilmente abrigar-se aos Seus pés de lótus. Assim, sua libertação está garantida”.

As gopīs continuaram: “Querido Kṛṣṇa, estamos sempre ocupadas em nossos afazeres familiares. Portanto, pedimos que Você permaneça dentro de nossos corações como o Sol nascente. Essa será Sua maior bênção”. As gopīs são sempre almas libertas porque elas estão completamente em consciência de Kṛṣṇa. Elas simplesmente fingiam estar emaranhadas em afazeres domésticos em Vṛndāvana. Por causa da separação de Kṛṣṇa, elas poderiam ter pedido para voltar com Ele à Sua capital, Dvārakā, mas as gopīs, por serem habitantes de Vṛndāvana, não estavam interessadas na ideia de ir com Kṛṣṇa para Dvārakā. Elas queriam permanecer ocupadas em Vṛndāvana e, assim, sentir a presença de Kṛṣṇa a todo momento em suas vidas. Elas imediatamente convidaram Kṛṣṇa a voltar para Vṛndāvana. Essa existência emocional transcendental das gopīs é o princípio básico do ensinamento do Senhor Caitanya. O festival de Ratha-yātrā observado pelo Senhor Caitanya é o processo emocional de levar Kṛṣṇa de volta para Vṛndāvana. Śrīmatī Rādhārāṇī recusou-Se a ir com Kṛṣṇa para Dvārakā para desfrutar da Sua companhia na atmosfera de opulência real porque Ela queria desfrutar a companhia dEle na atmosfera da Vṛndāvana original. O Senhor Kṛṣṇa, sendo profundamente apegado às gopīs, nunca Se afasta de Vṛndāvana, e as gopīs e os outros residentes de Vṛndāvana, por essa razão, permanecem sempre completamente satisfeitos em consciência de Kṛṣṇa.

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo oitenta e dois de Kṛṣṇa, intitulado “O Senhor Kṛṣṇa e Balarāma Se Encontram com os Habitantes de Vṛndāvana”.

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