Capítulo 90
Descrição Sumária dos Passatempos de Kṛṣṇa
Depois de regressar do reino espiritual, que ele foi capaz de visitar pessoalmente com Kṛṣṇa, Arjuna ficou assaz perplexo. Ele considerou que, embora fosse uma entidade viva comum, havia-lhe sido possível, pela graça de Kṛṣṇa, ver o mundo espiritual. Não apenas havia ele visto o mundo espiritual, mas também havia contemplado pessoalmente o Mahā-Viṣṇu original, a causa da criação material. Afirma-se que Kṛṣṇa nunca sai de Vṛndāvana: vṛndāvanaṁ parityajya pādam ekaṁ na gacchati. Kṛṣṇa é supremo em Mathurā, Ele é ainda mais supremo em Dvārakā e é o mais supremo em Vṛndāvana. Os passatempos de Kṛṣṇa em Dvārakā são exibidos por Sua porção Vāsudeva, mas não há diferença alguma entre a porção Vāsudeva manifestada em Mathurā e Dvārakā e a manifestação original de Kṛṣṇa em Vṛndāvana. No início deste livro, discutimos que, quando Kṛṣṇa aparece, todas as encarnações, porções plenárias e porções das porções plenárias vêm com Ele. Portanto, alguns de Seus diferentes passatempos são manifestados não pelo próprio Kṛṣṇa original, mas por Suas expansões.
A razão pela qual Arjuna ficou perplexo com a ida de Kṛṣṇa ao mundo espiritual para ver Kāraṇārṇavaśāyī Viṣṇu é discutida detalhadamente nos comentários de Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura da seguinte forma. Compreende-se a partir do discurso de Mahā-Viṣṇu que Ele estava muito ansioso para ver Kṛṣṇa. No entanto, pode-se afirmar que, como Mahā-Viṣṇu havia tomado os filhos do brāhmaṇa, Ele certamente deveria ter ido a Dvārakā para fazer isso. Por conseguinte, por que Ele não viu Kṛṣṇa lá? Uma possível resposta é que, a menos que Kṛṣṇa conceda Sua permissão, Ele não pode ser visto nem mesmo por Mahā-Viṣṇu, que repousa no Oceano Causal do mundo espiritual. Por isso, Mahā-Viṣṇu tomou os filhos do brāhmaṇa, um após o outro, depois de seus nascimentos, para poder ver Kṛṣṇa quando esse fosse pessoalmente ao Oceano Causal para retomá-los; assim, Mahā-Viṣṇu poderia encontrá-lO ali. Se esse foi o caso, a pergunta seguinte é: Por que Mahā-Viṣṇu iria pessoalmente a Dvārakā se Ele não era capaz de ver Kṛṣṇa? Por que Ele não incumbiu algum de Seus associados para tomar os filhos do brāhmaṇa? Uma possível resposta é que é muito difícil colocar algum cidadão de Dvārakā em qualquer situação aflitiva na presença de Kṛṣṇa. Consequentemente, como não era possível para nenhum associado de Mahā-Viṣṇu tomar os filhos do brāhmaṇa, Ele pessoalmente foi para tomá-los.
Pode-se levantar outra questão: O Senhor é conhecido como brāhmaṇa-deva, a deidade adorável dos brāhmaṇas; assim, como foi possível Ele colocar um brāhmaṇa em uma situação tão terrível de lamentação, tirando-lhe um por um até o seu décimo filho? A resposta é que o Senhor Mahā-Viṣṇu estava tão ávido por ver Kṛṣṇa que Ele não hesitou nem mesmo em causar perturbação a um brāhmaṇa. Apesar de ser proibido colocar um brāhmaṇa em uma situação difícil, o Senhor Viṣṇu estava preparado para fazer qualquer coisa a fim de ver Kṛṣṇa – Ele realmente estava muitíssimo ansioso por vê-lO. Após perder cada um de seus filhos, o brāhmaṇa ia ao portão do palácio e acusava o rei de não ser capaz de dar proteção aos brāhmaṇas e, assim, acusava-o de ser inadequado para sentar no trono real. Era o plano de Mahā-Viṣṇu que o brāhmaṇa acusasse os kṣatriyas e Kṛṣṇa, assim Kṛṣṇa seria obrigado a vê-lO com o objetivo de recuperar os filhos do brāhmaṇa.
Pode-se ainda fazer outra pergunta: Se Mahā-Viṣṇu não pode ver Kṛṣṇa, como Kṛṣṇa foi obrigado a ir diante dEle para recuperar os filhos do brāhmaṇa? A resposta é que o Senhor Kṛṣṇa foi ver o Senhor Mahā-Viṣṇu não exatamente para retomar os filhos do brāhmaṇa, mas unicamente para o benefício de Arjuna. Sua amizade com Arjuna era tão íntima que, quando Arjuna preparou-se para morrer, entrando no fogo, Kṛṣṇa desejou dar-lhe completa proteção. Não obstante, Arjuna não desistiu de entrar no fogo, a menos que os filhos do brāhmaṇa fossem devolvidos. Logo, Kṛṣṇa prometeu-lhe: “Eu recuperarei os filhos do brāhmaṇa. Não tente cometer suicídio”.
Se o Senhor Kṛṣṇa fosse ver o Senhor Viṣṇu apenas para recuperar os filhos dos brāhmaṇas, Ele não teria esperado até o décimo filho. Contudo, quando o décimo filho foi tomado pelo Senhor Mahā-Viṣṇu e quando Arjuna estava pronto para entrar no fogo para que sua promessa não se tornasse falsa, aquela situação séria fez com que o Senhor Kṛṣṇa decidisse ir com Arjuna para ver Mahā-Viṣṇu. Afirma-se que Arjuna é uma encarnação de Nara-Nārāyaṇa investida de poder. Às vezes, ele é até chamado de Nara-Nārāyaṇa. A encarnação de Nara-Nārāyaṇa é também uma das expansões plenárias do Senhor Viṣṇu. Dessa forma, quando Kṛṣṇa e Arjuna foram ver o Senhor Viṣṇu, deve-se entender que Arjuna fez a visita em seu aspecto de Nara-Nārāyaṇa, exatamente como Kṛṣṇa, quando exibiu Seus passatempos em Dvārakā, agiu em Seu aspecto de Vāsudeva.
Depois de visitar o mundo espiritual, Arjuna concluiu que qualquer opulência que alguém possa exibir no mundo material ou espiritual é uma dádiva do Senhor Kṛṣṇa. O Senhor Kṛṣṇa é manifesto em várias formas, como viṣṇu-tattva e jīva-tattva, ou, em outras palavras, como svāṁśa e vibhinnāṁśa. Viṣṇu-tattva é conhecido como svāṁśa, e jīva-tattva é conhecido como vibhinnāṁśa. Por conseguinte, Ele pode apresentar-Se em Seus diferentes passatempos transcendentais na porção de svāṁśa ou vibhinnāṁśa, como Ele desejar; mesmo assim, contudo, Ele permanece a original Suprema Personalidade de Deus.
A parte conclusiva dos passatempos de Kṛṣṇa é encontrada no capítulo noventa do Décimo Canto do Śrīmad-Bhāgavatam, onde Śukadeva Gosvāmī explicou como Kṛṣṇa viveu feliz em Dvārakā com todas as opulências. A opulência de força de Kṛṣṇa já foi demonstrada em Seus diferentes passatempos. Agora será descrito como Sua residência em Dvārakā expressava Suas opulências de riqueza e beleza. Neste mundo material, as opulências de riqueza e beleza são consideradas as maiores de todas, porém, elas são meramente um reflexo pervertido dessas opulências no mundo espiritual. Desta forma, enquanto Kṛṣṇa permaneceu neste planeta como a Suprema Personalidade de Deus, Suas opulências de riqueza e beleza não tinham comparação nos três mundos. Kṛṣṇa desfrutou de dezesseis mil belas esposas, e é muito significativo que Ele tenha vivido em Dvārakā como o único esposo dessas milhares de belíssimas mulheres. Iso é especificamente declarado – que Ele era o único marido de dezesseis mil esposas. Naturalmente, já se ouviu na história sobre algum rei poderoso que possuísse muitas centenas de rainhas; contudo, muito embora tal rei pudesse ser o único marido de tantas esposas, ele não era capaz de desfrutar de todas elas ao mesmo tempo. Entretanto, o Senhor Kṛṣṇa desfrutou de todas as Suas dezesseis mil esposas simultaneamente.
Embora se possa dizer que yogīs também são capazes de expandir seus corpos em muitas formas, as expansões de um yogī e as do Senhor Kṛṣṇa não são iguais. Em vista disso, Kṛṣṇa é chamado certas vezes de Yogeśvara, o mestre de todos os yogīs. Na literatura védica, encontramos que o yogī Saubhari Muni expandiu-se em oito, mas aquela expansão é comparável a uma expansão de televisão. A imagem da televisão é manifestada em milhões de expansões, mas essas expansões não podem agir de forma diferente; elas são simples reflexos da expansão original e só podem agir exatamente como a original. A expansão de Kṛṣṇa não é material, como a expansão da televisão ou do yogī. Quando Nārada visitou os diferentes palácios de Kṛṣṇa, ele viu que Kṛṣṇa, em Suas diversas expansões, estava ocupado de formas diferentes em cada palácio das rainhas.
Afirma-se também que Kṛṣṇa viveu em Dvārakā como esposo da deusa da fortuna. A rainha Rukmiṇī é a deusa da fortuna, e todas as outras rainhas são suas expansões. Assim, Kṛṣṇa, o líder da dinastia Vṛṣṇi, desfrutou com a deusa da fortuna em plena opulência. As rainhas de Kṛṣṇa são descritas como permanentemente jovens e belas. Embora Kṛṣṇa tivesse netos e bisnetos, nem Kṛṣṇa, nem Suas rainhas aparentavam ter mais do que dezesseis ou vinte anos de idade. As jovens rainhas eram tão formosas que, quando andavam, elas se assemelhavam a raios em movimento no céu. Elas estavam sempre vestidas com roupas e ornamentos excelentes e estavam sempre ocupadas em atividades de lazer, tais como dançar, cantar ou jogar bola nos terraços dos palácios. A dança e o jogo de tênis das moças no mundo material são reflexos pervertidos dos passatempos originais da original Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, e Suas esposas.
As estradas e as ruas da cidade de Dvārakā estavam sempre apinhadas de elefantes, cavalos, carruagens e soldados de infantaria. Quando os elefantes são ocupados em serviço, eles recebem alguma bebida alcoólica para ingerir. Declara-se que, em Dvārakā, os elefantes recebiam tanta bebida que eles a borrifavam em grande quantidade pela estrada, andando embriagados pela rua. Os soldados do exército que passavam pelas ruas estavam profusamente decorados com ornamentos de ouro, e cavalos e quadrigas douradas tomavam conta das ruas. Em todas as direções da cidade de Dvārakā, para onde quer que se olhasse, podia-se ver parques e jardins verdejantes, cada um dos quais repleto de árvores e plantas carregadas de frutas e flores. Como havia tantas belíssimas árvores de frutas e flores, todos os pássaros de gorjeio agradável e abelhas zunidoras reuniam-se para produzir doces vibrações. Assim, a cidade de Dvārakā apresentava plenamente todas as opulências. Os heróis na dinastia Yadu costumavam julgar-se os residentes mais afortunados da cidade e, de fato, eles desfrutavam todas as facilidades transcendentais.
Todos os dezesseis mil palácios das rainhas de Kṛṣṇa situavam-se nessa maravilhosa cidade de Dvārakā, e o Senhor Kṛṣṇa, o supremo desfrutador eterno de todas essas facilidades, expandiu-Se em dezesseis mil formas e ocupou-Se simultaneamente em diferentes afazeres domésticos naqueles dezesseis mil palácios. Em cada um desses palácios, havia jardins e lagos belamente decorados. A água cristalina dos lagos continha muitas flores de lótus de diferentes cores, como azul, amarelo, branco e vermelho, e o pólen das flores de lótus se espalhava pela brisa por toda parte. Todos os lagos eram repletos de belos cisnes, patos e garças, que produziam sons melodiosos. O Senhor Śrī Kṛṣṇa, certas vezes, entrava nesses lagos ou rios com Suas esposas e desfrutava de brincadeiras de natação com elas em pleno júbilo. Em algumas ocasiões, as esposas do Senhor Kṛṣṇa, que eram todas deusas da fortuna, abraçavam o Senhor no meio da água enquanto nadavam ou banhavam-se, e o vermelho do kuṅkuma que decorava seus formosos seios adornava o peito do Senhor com um tom avermelhado.
Os impersonalistas não ousam acreditar que, no mundo espiritual, há tais variedades de desfrute, mas, a fim de demonstrar o verdadeiro desfrute bem-aventurado no mundo espiritual, o Senhor Kṛṣṇa veio a este planeta e mostrou que o mundo espiritual não é destituído de tais facilidades para o prazer da vida. A única diferença é que, no mundo espiritual, tais facilidades são ocorrências eternas, ao passo que, no mundo material, elas são simplesmente reflexos pervertidos impermanentes. Quando o Senhor Kṛṣṇa estava ocupado em tal desfrute, os gandharvas e músicos profissionais glorificavam-nO com melodiosos concertos musicais, acompanhados por timbales, mṛdaṅgas e outros tambores, juntamente com instrumentos de corda e de percussão; toda a atmosfera se transformava em uma celebração altamente festiva. Em um humor festivo, as esposas do Senhor, certas vezes, borrifavam água sobre o corpo dEle com um instrumento parecido com uma seringa, e o Senhor também molhava os corpos das rainhas. Quando Kṛṣṇa e as rainhas estavam ocupados nesses passatempos, parecia que o rei dos céus, Yakṣarāja, estava envolvido em passatempos com suas muitas esposas. (Yakṣarāja é também conhecido como Kuvera, e é considerado o tesoureiro do reino celestial.) Quando as esposas do Senhor Kṛṣṇa ficavam molhadas, aumentava em milhares de vezes a beleza de seus seios e de suas coxas; seus longos cabelos caiam para decorar aquelas partes de seus corpos. As belas flores colocadas em seus cabelos caíam, e as rainhas, estando aparentemente molestadas porque o Senhor estava borrifando água sobre elas, aproximavam-se dEle tentando tomar-Lhe a seringa. Aquela tentativa criava uma situação em que o Senhor podia abraçá-las à medida que elas se aproximavam. Quando eram abraçadas, as esposas do Senhor sentiam em suas bocas um claro indício do amor conjugal, e isso criava uma atmosfera de bem-aventurança espiritual. Quando a guirlanda no pescoço do Senhor tocava os seios das rainhas, seus corpos ficavam completamente cobertos de açafrão amarelo. Atarefadas em seus passatempos celestiais, as rainhas esqueciam-se de si, e seus cabelos soltos pareciam belas ondas em um rio. Quando as rainhas borrifavam água no corpo de Kṛṣṇa ou Ele borrifava água no corpo das rainhas, toda a situação assemelhava-se a um elefante desfrutando com muitas elefantas em um lago.
Depois de desfrutarem bastante entre si, as rainhas e o Senhor Kṛṣṇa saíam da água e deixavam seus trajes molhados, que eram muito valiosos, para serem levados pelos cantores e dançarinos profissionais. Esses cantores e dançarinos não tinham outros meios de sobrevivência que não fossem roupas e ornamentos valiosos doados pelas rainhas e reis em tais ocasiões. Todo o sistema social era tão bem planejado que todos os membros da sociedade, em suas diferentes posições de brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras, não tinham qualquer dificuldade em ganhar sua sobrevivência. Não havia competição entre as divisões sociais. A concepção original do sistema de casta era planejada de forma que um grupo de homens ocupado em um tipo particular de atividade não fazia competição com outro grupo de homens responsáveis por outra ocupação.
Dessa forma, o Senhor Kṛṣṇa costumava desfrutar da companhia de Suas dezesseis mil esposas. Alguns devotos do Senhor, que desejam amar a Suprema Personalidade de Deus na relação de amor conjugal, são elevados à posição de esposas de Kṛṣṇa, que os mantém sempre apegados a Ele através de Seu amável comportamento. O comportamento de Kṛṣṇa com Suas esposas – Seus movimentos, Sua conversa com elas, Seu sorriso, Seu abraço e outras atividades similares, que são exatamente iguais às de um marido apaixonado – as mantinha sempre muito apegadas a Ele. Essa é a maior perfeição da vida. Se alguém permanecer sempre apegado a Kṛṣṇa, deve-se compreender que tal pessoa é liberta, e sua vida é bem-sucedida. Com qualquer devoto que ame Kṛṣṇa com seu coração e alma, Kṛṣṇa intercambia de tal forma que o devoto não consegue deixar de se apegar a Ele. As relações recíprocas de Kṛṣṇa e Seus devotos são tão atrativas que um devoto não é capaz de pensar em qualquer outra coisa exceto em Kṛṣṇa.
Para todas as rainhas, Kṛṣṇa era seu único objeto adorável. Elas estavam sempre absortas em pensar em Kṛṣṇa, a bela e negra Personalidade de Deus de olhos de lótus. Às vezes, pensando em Kṛṣṇa, elas permaneciam em silêncio e, em grande êxtase de bhāva e anubhāva, elas, em certas ocasiões, falavam como se estivessem em delírio. Certas vezes, mesmo na presença do Senhor Kṛṣṇa, elas descreviam vividamente os passatempos que elas haviam desfrutado no lago ou no rio com Ele. Algumas dessas conversas são narradas aqui.
As rainhas diziam: “Querido pássaro kurarī, agora já é muito tarde da noite. Todos estão dormindo. O mundo inteiro agora está calmo e pacífico. Nesse momento, a Suprema Personalidade de Deus está dormindo, embora Seu conhecimento seja imperturbável em qualquer circunstância. Então, por que você não está dormindo? Por que você está se lamentando assim a noite inteira? Querido amigo, é por que você também está atraído pelos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus e pelo Seu doce sorriso e palavras atraentes, exatamente como nós? Aquelas atividades da Suprema Personalidade de Deus estão ferindo seu coração, como os nossos?”
“Olá, cakravāki. Por que você fechou seus olhos? Você está buscando por seu esposo, que viajou a um país estrangeiro? Por que você está se lamentando tanto? Parece que você está bem atormentada. Ou será que você, por acaso, também deseja ser uma serva eterna da Suprema Personalidade de Deus? Achamos que você está ansiosa para colocar uma guirlanda nos pés de lótus do Senhor e, depois, colocá-la em seu cabelo”.
“Ó querido oceano, por que você está bramindo dia e noite? Você não gosta de dormir? Achamos que você está sofrendo de insônia ou, se não estivermos erradas, nosso querido Śyāmasundara, muito habilidosamente, roubou sua seriedade e capacidade de tolerância, que são suas qualificações naturais. É verdade que, por essa razão, você está com insônia como nós? Sim, admitimos que não há remédio para essa doença”.
“Querido deus da Lua, pensamos que você foi atacado por um sério tipo de tuberculose. Em vista disso, você está ficando mais magro, dia após dia. Ó senhor, será que você está agora tão fraco, exatamente como nós, por ter ficado perplexo com as palavras misteriosamente doces do nosso Senhor Śyāmasundara? É por isso que você está tão sério?”
“Ó brisa dos Himalaias, o que fizemos contra você para que você esteja tão determinada em despertar nossa luxúria para encontrar Kṛṣṇa? Você não sabe que já fomos apanhadas pela atitude indevida da Personalidade de Deus? Querida brisa dos Himalaias, pois fique sabendo que já fomos atingidas. Não há necessidade de nos injuriar mais e mais”.
“Querida bela nuvem, a cor do seu formoso corpo assemelha-se exatamente à nuance corpórea de nosso mais querido Śyāmasundara. Portanto, achamos que você é muito querida ao Senhor, o líder da dinastia dos Yadus, e, porque você Lhe é tão querida, você se absorve em meditação, exatamente como nós. Podemos apreciar que seu coração está repleto de ansiedade por Śyāmasundara. Você parece excessivamente ávida por vê-lO, e percebemos que, unicamente por essa razão, gotas de lágrimas estão rolando dos seus olhos, assim como estão dos nossos. Querida nuvem enegrecida, devemos admitir francamente que estabelecer uma relação íntima com Śyāmasundara é adquirirmos ansiedades desnecessárias, em vez de ficarmos confortavelmente em casa”.
De modo geral, o cuco emite sua vibração no final da noite ou cedo de manhã. Quando as rainhas ouviram o som do cuco no final da noite, elas disseram: “Querido cuco, sua voz é muito doce. Assim que você vibra sua doce voz, de imediato nos lembramos de Śyāmasundara, porque sua voz parece exatamente com a dEle. Devemos admitir com toda a franqueza que sua voz possui o néctar, e é tão revigorante que ela pode trazer de volta a vida para aqueles que estão quase mortos devido à separação de seu amigo mais querido. Assim, estamos muito endividadas com você: por obséquio, permita-nos saber como dar-lhe boas-vindas, ou como fazer algo para você”.
As rainhas continuaram a falar dessa forma, dirigindo-se, assim, à montanha: “Querida montanha, você é muito generosa. Por causa de sua gravidade apenas, toda a crosta da Terra se mantém adequadamente. Embora você esteja executando suas atividades muito fielmente, você não sabe como se mover. Porque você é muito séria, você não se move nem um pouco, nem fala coisa alguma. Ao contrário, você parece estar sempre em um estado introspectivo. Parece que você está sempre pensando em um assunto muito sério e importante. No entanto, podemos supor sobre o que você está pensando. Temos certeza de que você está pensando em colocar os pés de lótus de Śyāmasundara sobre seus picos elevados, como nós desejamos colocar Seus pés de lótus sobre nossos seios salientes”.
“Queridos rios secos, sabemos que, como esta é a estação de verão, todos os seus leitos estão secos e vocês não têm água alguma. Porque toda a sua água secou, vocês não estão mais decorados com flores de lótus. No momento, vocês parecem muito magros e definhados, de modo que podemos compreender que sua posição é semelhante à nossa. Perdemos tudo por termos sido separadas de Śyāmasundara, e não mais ouvimos Suas palavras agradáveis. Nossos corações já não estão mais funcionando apropriadamente, razão pela qual também ficamos magras e definhadas. Achamos, então, que vocês sejam iguais a nós. Vocês ficaram definhados e magros porque não estão obtendo água de seu esposo, o oceano, através das nuvens”. O exemplo dado aqui pelas rainhas é muito adequado. Os leitos dos rios secam quando o oceano não mais supre água através das nuvens. É dito que o oceano é o esposo do rio e, assim, deveria mantê-lo. A menos que uma mulher seja mantida pelo seu esposo com as necessidades da vida, ela também se torna murcha como um rio seco.
Uma das rainhas dirigiu-se a um cisne com as seguintes palavras: “Meu querido cisne, por favor, venha até aqui. Você é bem-vindo. Por obséquio, sente-se e beba um pouco de leite. Meu querido cisne, poderia dizer-me se você tem alguma mensagem de Śyamasundara? Acredito que você seja um de Seus mensageiros. Se você tem tais notícias, por gentileza, conte-nos. Nosso Śyāmasundara é sempre muito independente. Ele nunca Se submete ao controle de ninguém. Todas nós falhamos em controlá-lO e, portanto, perguntamos a você: Ele está cuidando de Si mesmo? Devemos informar-lhe que Śyāmasundara é muito volúvel. Sua amizade é sempre temporária; ela se quebra mesmo com a menor agitação. Contudo, você poderia me explicar por que Ele é tão rude para comigo? Anteriormente, Ele afirmou que apenas eu era sua mais querida esposa. Ele Se lembra dessa declaração? De qualquer forma, você é bem-vindo. Por favor, sente-se. Entretanto, não posso aceitar sua súplica para ir até Śyāmasundara. Como Ele não Se preocupa comigo, por que devo eu ficar louca por Ele? Sinto em dizer-lhe que você tornou-se o mensageiro de uma alma matreira. Você está me pedindo para ir até Ele, mas não vou. O que é isso? Você falará sobre a vinda dEle até mim? Ele deseja vir até aqui para satisfazer minha longa espera por Ele? Tudo bem. Você pode trazê-lO aqui. Contudo, não O traga em companhia de Sua dileta deusa da fortuna. Você acha que Ele não pode Se afastar da deusa da fortuna nem mesmo por um instante? Ele não poderia vir aqui sozinho, sem Lakṣmī? Śyāmasundara não pode ser feliz? Isso significa que, sem Lakṣmī, Śyāmasundara não pode ser feliz? Ele não pode ser feliz com nenhuma outra esposa? Isso significa que a deusa da fortuna possui o oceano de amor por Ele e que nenhuma de nós pode se comparar a ela?”
Todas as esposas de Kṛṣṇa viviam completamente absortas em pensamentos sobre Ele. Kṛṣṇa é conhecido como Yogeśvara, o mestre de todos os yogīs, e todas as esposas de Kṛṣṇa em Dvārakā costumavam manter esse Yogeśvara em seus corações. Em vez de tentar ser mestre de todos os poderes ióguicos, é melhor manter o Yogeśvara supremo, Kṛṣṇa, dentro do coração. Dessa forma, a vida se torna perfeita e pode-se muito facilmente ser transferido para o reino de Deus. Deve-se compreender que todas as rainhas de Kṛṣṇa, que viviam com Ele em Dvārakā, haviam sido, em suas vidas passadas, devotos extremamente elevados que desejaram estabelecer uma relação com Kṛṣṇa em amor conjugal. Em vista disso, eles receberam a oportunidade de se tornarem Suas esposas e desfrutarem uma relação amorosa constante com Ele transferindo-se para os planetas Vaikuṇṭha.
A Suprema Personalidade de Deus nunca é impessoal. Toda a literatura védica glorifica a execução transcendental de Suas variadas atividades e passatempos pessoais. Afirma-se que os Vedas e o Rāmāyaṇa descrevem apenas as atividades do Senhor. Em qualquer parte da literatura védica, Suas glórias são cantadas. Logo que pessoas de coração sensível, como as mulheres, escutam esses passatempos transcendentais do Senhor Kṛṣṇa, elas imediatamente ficam atraídas por Ele. Portanto, as mulheres e as meninas de corações delicados são facilmente atraídas ao Movimento para a Consciência de Kṛṣṇa. Aquele que se atrai ao Movimento para a Consciência de Kṛṣṇa e tenta manter-se em constante contato com essa consciência certamente alcança a salvação suprema, que é voltar para Kṛṣṇa em Goloka Vṛndāvana. Se apenas por desenvolver consciência de Kṛṣṇa é possível ir para o mundo espiritual, pode-se imaginar quão bem-aventuradas e abençoadas eram as rainhas do Senhor Kṛṣṇa, que conversavam com Ele pessoalmente e contemplavam o Senhor Kṛṣṇa face a face. Ninguém é capaz de descrever adequadamente a fortuna das esposas do Senhor Kṛṣṇa. Elas cuidavam dEle pessoalmente, prestando vários serviços transcendentais, como banhá-lO, alimentá-lO, satisfazê-lO e servi-lO. Portanto, nenhuma austeridade pode ser comparada ao serviço das rainhas em Dvārakā.
Śukadeva Gosvāmī disse a Mahārāja Parīkṣit que, para a autorrealização, as austeridades e penitências executadas pelas rainhas em Dvārakā não têm comparação. O objetivo da autorrealização é apenas um: Kṛṣṇa. Todo o processo de austeridades e penitências destina-se a desapegar-se do mundo material e desenvolver o apego a Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Kṛṣṇa é o abrigo de todas as pessoas que avançam em autorrealização. Como um chefe de família ideal, Ele viveu com Suas esposas e executou os rituais védicos para mostrar às pessoas menos inteligentes que o Senhor Supremo nunca é impessoal. Kṛṣṇa viveu com esposas e filhos em toda opulência exatamente como uma alma condicionada comum apenas para ensinar àquelas almas que são realmente condicionadas que elas devem ingressar no círculo familiar de Kṛṣṇa, onde Ele é o centro. Por exemplo, os membros da dinastia Yadu viviam na família de Kṛṣṇa, que era o centro de todas as suas atividades.
A renúncia não é tão importante quanto desenvolver apego a Kṛṣṇa. O movimento para a consciência de Kṛṣṇa destina-se especificamente a esse propósito. Estamos pregando o princípio de que não importa se alguém é sannyāsī ou gṛhastha (chefe de família). Deve-se simplesmente aumentar o apego a Kṛṣṇa, em consequência do que a vida será bem-sucedida. Seguindo-se os passos do Senhor Śrī Kṛṣṇa, pode-se viver com os membros familiares, ou inserido na sociedade ou nação, não com o objetivo de se entregar ao desfrute dos sentidos, mas para compreender Kṛṣṇa, avançando em apego a Ele. Há quatro princípios de elevação da vida condicionada para a vida de libertação, que são tecnicamente conhecidos como dharma, artha, kāma e mokṣa (religião, desenvolvimento econômico, satisfação dos sentidos e libertação). Se a pessoa levar uma vida familiar seguindo os passos dos membros familiares de Kṛṣṇa – fazendo de Kṛṣṇa o centro de todas as atividades –, podem-se alcançar todos esses quatro princípios de sucesso simultaneamente.
Já sabemos que Kṛṣṇa tinha dezesseis mil e cento e oito esposas. Todas essas esposas eram almas libertas elevadas, e, dentre elas, a rainha Rukmiṇī era a principal. Depois de Rukmiṇī, havia sete outras principais esposas, e os nomes dos filhos dessas oito esposas principais já foram mencionados. Além dos filhos nascidos dessas oito rainhas, o Senhor Kṛṣṇa teve dez filhos de cada uma de Suas esposas. Não se deve ficar espantado ao ouvir que Kṛṣṇa gerou tantos filhos. Deve-se sempre lembrar que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus e que Ele tem potências ilimitadas. Ele tem todas as entidades vivas como Seus filhos; assim, o fato de Ele ter tido 161 mil e 108 filhos apegados pessoalmente a Ele não deve ser causa para espanto.
Entre os poderosos filhos de Kṛṣṇa, dezoito filhos eram mahā-rathas. Um mahā-ratha pode lutar sozinho contra muitos milhares de soldados, quadrigários, cavaleiros e elefantes. A reputação desses dezoito filhos era muito divulgada e é descrita em quase toda a literatura védica. Os dezoito filhos mahā-rathas são listados como Pradyumna, Aniruddha, Dīptimān, Bhānu, Sāmba, Madhu, Bṛhadbhānu, Citrabhānu, Vṛka, Aruṇa, Puṣkara, Vedabāhu, Śrutadeva, Sudandana, Citrabāhu, Virūpa, Kavi e Nyagrodha. Desses dezoito filhos mahā-rathas, Pradyumna é considerado o principal. Pradyumna era o filho mais velho da rainha Rukmiṇī e herdou todas as qualidades de seu grandioso pai, o Senhor Kṛṣṇa. Ele casou-se com a filha de seu tio materno, Rukmī, e, desse casamento, nasceu Aniruddha. Aniruddha era tão poderoso que podia lutar contra dez mil elefantes. Ele desposou a neta de Rukmī, o irmão de sua avó Rukmiṇī. Como a relação entre esses primos era distante, tal matrimônio não era incomum. O filho de Aniruddha era Vajra. Quando toda a dinastia Yadu foi destruída pela maldição de alguns brāhmaṇas, apenas Vajra sobreviveu. Vajra gerou um filho, cujo nome era Pratibāhu. O filho de Pratibāhu chamava-se Subāhu; o filho de Subāhu, Śāntasena, e o filho de Śāntasena, Śatasena.
Śukadeva Gosvāmī afirma que todos os membros da dinastia Yadu geraram muitos filhos. Exatamente como Kṛṣṇa gerou muitos filhos, netos e bisnetos, cada um dos reis listados aqui também teve similares expansões familiares. Não apenas todos eles geraram muitos filhos, mas todos eram extraordinariamente ricos e opulentos. Nenhum deles teve vida curta ou era fraco, e, acima de tudo, todos os membros da dinastia Yadu eram leais devotos da cultura bramânica. É dever dos reis kṣatriyas manter a cultura bramânica e proteger os brāhmaṇas qualificados, e todos esses reis cumpriram seus deveres com perfeição. Os membros da dinastia Yadu eram tão numerosos que seria muito difícil descrever todos eles, mesmo tendo-se uma longa duração de vida de muitos milhares de anos. Śrīla Śukadeva Gosvāmī disse a Mahārāja Parīkṣit que ele ouvira de fontes fidedignas que, somente para ensinar os filhos da dinastia Yadu, havia nada menos que 38 milhões e 800 mil tutores, ou ācāryas. Se tantos mestres eram necessários para instruir os filhos deles, pode-se imaginar quão vasto era o número dos membros familiares. Quanto à sua força militar, afirma-se que o rei Ugrasena sozinho tinha dez quatrilhões de soldados como sua guarda pessoal.
Antes do advento do Senhor Kṛṣṇa neste universo, havia muitas batalhas entre os demônios e os semideuses. Muitos demônios morreram no combate e receberam a oportunidade de nascer em famílias reais na Terra. Devido aos seus elevados postos reais, todos esses demônios tornaram-se muito presunçosos, e sua única preocupação era perseguir seus súditos. O Senhor Kṛṣṇa apareceu neste planeta, exatamente no final de Dvāpara-yuga, para aniquilar todos esses reis demoníacos. Como o Bhagavad-gītā afirma, paritrāṇāya sādhūnāṁ vināśāya ca duṣkṛtām: “O Senhor vem para proteger os devotos e aniquilar os perversos”. Alguns dos semideuses foram convocados a aparecer na Terra para auxiliar nos passatempos transcendentais do Senhor Kṛṣṇa. Quando o Senhor apareceu, Ele veio em associação com Seus servos eternos, mas alguns dos semideuses também foram convidados a descer para ajudá-lO e, assim, eles nasceram na dinastia Yadu. A dinastia Yadu tinha 101 clãs em diferentes partes do país. Todos os membros desses diferentes clãs respeitavam o Senhor Kṛṣṇa de forma apropriada à Sua posição divina, e todos eles eram Seus devotos de coração e alma. Assim, todos os membros da dinastia Yadu eram muito opulentos, felizes e prósperos e não tinham qualquer ansiedade. Por causa de sua fé e devoção completas no Senhor Kṛṣṇa, eles nunca foram derrotados por outros reis. Seu amor por Kṛṣṇa era tão intenso que, em suas atividades regulares – sentar, dormir, viajar, falar, jogar, limpar, banhar-se –, eles estavam apenas absortos em pensamentos sobre Kṛṣṇa e não prestavam atenção às suas necessidades corporais. Esse é o sintoma de um devoto puro do Senhor Kṛṣṇa. Da mesma forma que um homem que está completamente absorto em determinado tipo de pensamento às vezes se esquece de suas atividades corporais, os membros da dinastia Yadu agiam automaticamente na satisfação de suas necessidades vitais, mas sua verdadeira atenção estava voltada para Kṛṣṇa. Suas atividades corporais eram realizadas mecanicamente, mas suas mentes estavam sempre absortas em consciência de Kṛṣṇa.
Śrīla Śukadeva Gosvāmī concluiu o capítulo noventa do Décimo Canto do Śrīmad-Bhāgavatam destacando cinco excelências particulares do Senhor Kṛṣṇa. A primeira excelência é que, antes do aparecimento do Senhor Kṛṣṇa na família dos Yadus, o rio Ganges era conhecido como o mais puro de tudo o que existia; mesmo as coisas impuras podiam ser purificadas somente pelo toque da água do Ganges. Esse poder sobreexcelente da água do Ganges era por ele ter emanado do dedo do pé do Senhor Viṣṇu. Entretanto, quando o Senhor Kṛṣṇa, o Viṣṇu Supremo, apareceu na família da dinastia Yadu, Ele viajou pessoalmente por todo o reino dos Yadus, e, por meio de Sua associação íntima com a dinastia Yadu, a família inteira não apenas se tornou famosa, mas também ficou mais eficiente do que a água do Ganges no que tange à purificação de outras pessoas.
A excelência seguinte do advento do Senhor Kṛṣṇa foi que, muito embora Ele aparentemente tenha dado proteção aos devotos e aniquilado os demônios, tanto os devotos como os demônios alcançaram o mesmo resultado. O Senhor Kṛṣṇa é o outorgador dos cinco tipos de libertação. Sāyujya-mukti, ou a libertação pela imersão no Supremo, foi concedida aos demônios, como Kaṁsa, ao passo que as gopīs receberam a oportunidade de associação direta com Kṛṣṇa. As gopīs conservaram sua individualidade para desfrutar a companhia do Senhor Kṛṣṇa, mas Kaṁsa foi aceito no Seu brahmajyoti impessoal. Em outras palavras, tanto os demônios quanto as gopīs se elevaram espiritualmente, mas, como os demônios eram inimigos e as gopīs eram amigas, aqueles foram mortos e essas foram protegidas.
A terceira excelência do aparecimento do Senhor Kṛṣṇa foi que a deusa da fortuna, que é adorada pelos semideuses, tais como o senhor Brahmā, Indra e Candra, permaneceu sempre ocupada a serviço ao Senhor apesar de o Senhor ter dado preferência às gopīs. Lakṣmījī, a deusa da fortuna, fez o melhor possível para estar no mesmo nível das gopīs, mas ela não foi bem-sucedida. Não obstante, ela permaneceu fiel a Kṛṣṇa, muito embora ela, de modo geral, não permaneça em um único lugar, mesmo se adorada pelos semideuses, como o senhor Brahmā.
A quarta excelência do aparecimento do Senhor Kṛṣṇa relaciona-se às glórias de Seu nome. A literatura védica enuncia que, por cantar mil vezes os diferentes nomes do Senhor Viṣṇu, pode-se receber os mesmos benefícios de cantar três vezes o santo nome do Senhor Rāma. E por cantar apenas uma vez o santo nome do Senhor Kṛṣṇa, recebe-se o mesmo benefício. Em outras palavras, de todos os nomes da Suprema Personalidade de Deus, incluindo Viṣṇu e Rāma, o santo nome de Kṛṣṇa é o mais poderoso. Portanto, a literatura védica enfatiza especificamente o canto do santo nome de Kṛṣṇa: Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. O Senhor Caitanya introduziu o canto do santo nome de Kṛṣṇa na presente era, tornando a libertação muito mais fácil de ser alcançada do que em outras eras. Ou seja, a excelência do Senhor Kṛṣṇa é maior do que de Suas encarnações, embora todas elas sejam igualmente a Suprema Personalidade de Deus.
A quinta excelência do aparecimento do Senhor Kṛṣṇa é que Ele estabeleceu o mais perfeito de todos os princípios religiosos ao enunciar no Bhagavad-gītā que, simplesmente por se render a Ele, podem-se executar todos os princípios dos rituais religiosos. Na literatura védica, são mencionados vinte tipos de princípios religiosos, e cada um deles é descrito em diferentes śāstras. No entanto, o Senhor Kṛṣṇa é tão amável para com as almas condicionadas desta era que Ele pessoalmente apareceu e pediu a todos que abandonassem todas as espécies de rituais religiosos e simplesmente se rendessem a Ele. Afirma-se que esta era de Kali é desprovida de princípios religiosos na proporção de três quartos. No entanto, dificilmente se observa ainda o quarto restante dos princípios religiosos nesta era. Contudo, pela misericórdia do Senhor Kṛṣṇa, não apenas foi esse vazio de Kali-yuga completamente preenchido, como o processo religioso ficou tão fácil que, somente por se cantar Seus santos nomes, Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare, pode-se alcançar o planeta mais elevado no mundo espiritual, Goloka Vṛndāvana. Levando-se tudo isso em consideração, pode-se imediatamente apreciar o benefício do aparecimento do Senhor Kṛṣṇa na Terra e compreender que Sua concessão de alívio para as pessoas do mundo por intermédio de Seu aparecimento não foi extraordinária de forma alguma.
Deste modo, Śrīla Śukadeva Gosvāmī concluiu sua descrição da superelevada posição do Senhor Kṛṣṇa, glorificando-O da seguinte maneira: “Ó Senhor Kṛṣṇa, todas as glórias a Você. Você está presente no coração de todos como Paramātmā. Portanto, Você é conhecido como Jananivāsa, ‘aquele que mora no coração de todos’”.
Como o Bhagavad-gītā confirma, īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati: “O Senhor Supremo, em Sua característica de Paramātmā, reside no coração de todos”. No entanto, isso não significa que Kṛṣṇa não tenha existência separada como a Suprema Personalidade de Deus. Os filósofos māyāvādīs aceitam o aspecto onipenetrante do Parabrahman, mas, quando o Parabrahman ou o Senhor Supremo aparece, eles acreditam que Ele o faz sob o controle da natureza material. Porque o Senhor Kṛṣṇa apareceu como filho de Devakī, os filósofos māyāvādīs consideram Kṛṣṇa como uma entidade viva comum, que nasceu neste mundo material. Assim, Śukadeva Gosvāmī adverte: devakī-janma-vāda, o que significa que, embora Kṛṣṇa seja famoso como o filho de Devakī, Ele, na verdade, é a Superalma, ou a onipenetrante Suprema Personalidade de Deus. Os devotos, porém, entendem essa palavra devakī-janma-vāda de uma forma diferente. Os devotos entendem que Kṛṣṇa era, na verdade, filho de mãe Yaśoda. Conquanto Kṛṣṇa inicialmente tenha aparecido como filho de Devakī, Ele imediatamente transferiu-Se para os braços de mãe Yaśoda, e Seus passatempos infantis foram desfrutados em bem-aventurança por Yaśoda e Nanda Mahārāja. Esse fato foi admitido pelo próprio Vasudeva quando ele se encontrou com Nanda Mahārāja e Yaśoda em Kurukṣetra. Ele admitiu que Kṛṣṇa e Balarāma eram de fato filhos de mãe Yaśoda e Nanda Mahārāja. Vasudeva e Devakī eram apenas Seus pais oficiais. Seus pais verdadeiros eram Nanda e Yaśoda. Logo, Śukadeva Gosvāmī descreve o Senhor Kṛṣṇa como devakī-janma-vāda.
Em seguida, Śukadeva Gosvāmī glorifica o Senhor como aquele que é honrado pela yadu-vara-pariṣat, a casa de assembleia da dinastia dos Yadus, e como o exterminador de diferentes espécies de demônios. Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, poderia ter matado todos os demônios empregando Suas diferentes energias materiais, mas Ele desejou matá-los pessoalmente para conceder-lhes a salvação. Não havia necessidade de Kṛṣṇa vir a este mundo material para aniquilar os demônios; simplesmente por Sua vontade, muitas centenas e milhares de demônios poderiam ter sido mortos sem Seu esforço pessoal. Contudo, na verdade, Ele veio em prol de Seus devotos puros, para brincar como uma criança com mãe Yaśoda e Nanda Mahārāja e para dar prazer aos habitantes de Dvārakā. Matando os demônios e dando proteção aos devotos, o Senhor Kṛṣṇa estabeleceu o verdadeiro princípio religioso, que é simplesmente amar a Deus. Seguindo-se o verdadeiro princípio religioso de amar a Deus, mesmo as entidades vivas conhecidas como sthira-cara foram também libertas de toda a contaminação material e transferidas para o reino espiritual. Sthira se refere às árvores e plantas, que não podem se mover, e cara diz respeito aos animais, que são móveis, especialmente as vacas. Quando Kṛṣṇa estava presente, Ele libertou todas as árvores, macacos e outras plantas e animais que O viram e O serviram, tanto em Vṛndāvana como em Dvārakā.
O Senhor Kṛṣṇa é especialmente glorificado por dar prazer às gopīs e às rainhas de Dvārakā. Śukadeva Gosvāmī glorifica o Senhor Kṛṣṇa por Seu sorriso encantador, por meio do qual Ele cativa não apenas as gopīs de Vṛndāvana, mas também as rainhas de Dvārakā. As palavras exatas usadas nesse contexto são vardhayan kāma-devam. Em Vṛndāvana, como namorado de muitas gopīs, e, em Dvārakā, como esposo de muitas rainhas, Kṛṣṇa aumentou o desejo luxurioso delas de desfrutar a companhia dEle. Para a compreensão de Deus, ou autorrealização, geralmente deve-se passar por severas austeridades e penitências durante muitíssimos anos, e, por fim, pode-se compreendê-lO. No entanto, as gopīs e as rainhas de Dvārakā, apenas por intensificarem seus desejos luxuriosos de desfrutar de Kṛṣṇa como seu namorado ou esposo, receberam o mais elevado tipo de salvação.
Esse comportamento do Senhor Kṛṣṇa com as gopīs e as rainhas é único na história da autorrealização. É comum as pessoas entenderem que, para a autorrealização, devem ir para a floresta ou para as montanhas e se submeterem a severas austeridades e penitências. Contudo, as gopīs e rainhas, por estarem apegadas a Kṛṣṇa em amor conjugal e por desfrutarem de Sua companhia em uma aparente vida sensual de luxúria, alcançaram a mais elevada salvação, que é impossível de se obter mesmo pelos grandes sábios e pessoas santas. De modo similar, demônios como Kaṁsa, Dantavakra e Śiśupāla, que trataram Kṛṣṇa como inimigo, também alcançaram o mais alto benefício ao serem transferidos para o mundo espiritual.
No começo do Śrīmad-Bhāgavatam, Śrīla Vyāsadeva ofereceu suas respeitosas reverências à Verdade Suprema, Vāsudeva, Kṛṣṇa. Em seguida, ele ensinou seu filho, Śukadeva Gosvāmī, a pregar o Śrīmad-Bhāgavatam. É nesse contexto que Śukadeva Gosvāmī glorifica o Senhor com a palavra jayati. Seguindo-se os passos de Śrīla Vyāsadeva, Śukadeva Gosvāmī e de todos os ācāryas na sucessão discipular, toda a população do mundo deveria adotar este Movimento para a Consciência de Kṛṣṇa. O processo é fácil e eficaz. É simplesmente cantar o mahā-mantra: Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. Portanto, o Senhor Caitanya recomendou que deveríamos ser indiferentes aos altos e baixos da vida material. Dado que a vida material é temporária, os altos e baixos da vida vêm e vão. Quando eles vêm, deve-se ser tolerante como uma árvore e tão humilde e manso como uma palha na rua, mas certamente deve-se estar ocupado em consciência de Kṛṣṇa, cantando Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare.
A Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, a Superalma de todas as entidades vivas, movido por Sua misericórdia sem causa, vem e manifesta Seus diferentes passatempos transcendentais em diversas encarnações. Ouvir os atrativos passatempos das diferentes encarnações do Senhor Kṛṣṇa é uma oportunidade de libertação para a alma condicionada, e as incrivelmente fascinantes e agradáveis atividades de Kṛṣṇa são ainda mais atrativas porque o Senhor Kṛṣṇa é pessoalmente o todo-atrativo.
Seguindo os santos passos de Śrīla Śukadeva Gosvāmī, tentamos apresentar este livro, Kṛṣṇa, para ser lido e ouvido pelas almas condicionadas desta era. Ouvindo os passatempos do Senhor Kṛṣṇa, a pessoa certamente obtém a salvação e é transferida de volta ao lar, de volta ao Supremo. Śukadeva Gosvāmī afirma que, ao ouvirmos os passatempos transcendentais do Senhor, aos poucos desatamos os nós da contaminação material. Portanto, independente do que alguém seja, se a pessoa deseja a associação do Senhor Kṛṣṇa no reino transcendental de Deus, em existência bem-aventurada por toda a eternidade, ela deve ouvir sobre os passatempos do Senhor Kṛṣṇa e cantar o mahā-mantra: Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare.
Os passatempos transcendentais da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, são tão poderosos que, só por ouvir, ler e memorizar este livro, Kṛṣṇa, certamente se obtém a transferência para o mundo espiritual, o que, ordinariamente, é muito difícil. A descrição dos passatempos do Senhor Kṛṣṇa é tão atrativa que ela automaticamente provoca o ímpeto para estudá-los repetidamente, e quanto mais estudamos os passatempos do Senhor, mais nos apegamos a Ele. Esse apego a Kṛṣṇa nos torna aptos à transferência para a Sua morada, Goloka Vṛndāvana. Como aprendemos no capítulo anterior, cruzar o mundo material significa ultrapassar as estritas leis da natureza material. As estritas leis da natureza material não podem impedir o progresso de quem está atraído pela natureza espiritual. Isso é confirmado no Bhagavad-gītā pelo próprio Senhor: “Embora as rígidas leis da natureza material sejam muito difíceis de serem superadas, aquele que se rende ao Senhor pode muito facilmente suplantar a ignorância”. Não existe a influência da natureza material no mundo espiritual. Como vimos no Segundo Canto do Śrīmad-Bhāgavatam, o poder de governo dos semideuses e a influência da natureza material são caracterizados por sua ausência no mundo espiritual.
Portanto, Śrīla Śukadeva Gosvāmī advertiu Mahārāja Parīkṣit no começo do Segundo Canto que toda entidade viva deveria se ocupar em ouvir e cantar os passatempos transcendentais do Senhor. Śrīla Śukadeva Gosvāmī também disse ao rei Parīkṣit que, anteriormente, muitos outros reis e imperadores tinham ido à floresta para executar severas austeridades e penitências com o objetivo de voltar ao lar, voltar ao Supremo. Na Índia, ainda é prática que muitos transcendentalistas avançados abandonem suas vidas familiares e rumem para Vṛndāvana para morar lá sozinhos e se ocuparem completamente em ouvir e cantar os santos passatempos do Senhor. Esse sistema é recomendado no Śrīmad-Bhāgavatam, e os Seis Gosvāmīs de Vṛndāvana seguiram-no. No entanto, no presente momento, muitos karmīs e pseudodevotos têm superlotado o lugar santo de Vṛndāvana apenas para imitar esse processo recomendado por Śukadeva Gosvāmī. Afirma-se que inúmeros reis e imperadores, em épocas remotas, foram para a floresta com esse propósito, mas Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura não recomenda que se tenha uma vida solitária em Vṛndāvana prematuramente.
Alguém que vá prematuramente morar em Vṛndāvana, seguindo as instruções de Śukadeva Gosvāmī, cai novamente vítima de māyā, mesmo enquanto mora em Vṛndāvana. Para impedir essa residência desautorizada em Vṛndāvana, Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura cantou uma bela canção nesse sentido, cujo significado é o seguinte: “Minha querida mente, por que você está tão orgulhosa de ser um vaiṣṇava? Seu canto solitário do santo nome do Senhor está baseado em um desejo de popularidade barata e, assim, seu canto é apenas fingimento. Tal ambição por uma reputação barata pode ser comparada a excremento suíno, porque tal popularidade é outra extensão da influência de māyā”. Alguém pode ir a Vṛndāvana em busca de uma fama sem valor e, em vez de estar sempre absorto em consciência de Kṛṣṇa, pode sempre pensar em dinheiro e mulheres, que são fontes temporárias de prazer. É melhor que ele ocupe qualquer dinheiro ou mulheres que possam estar sob sua posse no serviço ao Senhor, porque o desfrute sensorial não é para a alma condicionada.
O mestre dos sentidos é Hṛṣīkeśa, o Senhor Kṛṣṇa. Consequentemente, os sentidos devem estar sempre ocupados a Seu serviço. Quanto à reputação material, havia muitos demônios, como Rāvaṇa, que desejavam desafiar as leis da natureza material, mas todos falharam. Em vista disso, não se deve adotar o procedimento demoníaco de reivindicar ser um vaiṣṇava meramente por falso prestígio, sem prestar serviço ao Senhor. Entretanto, quando alguém se ocupa em serviço devocional ao Senhor, automaticamente a reputação de ser um vaiṣṇava chega até ele. Não há necessidade alguma de invejar os devotos que estejam ocupados na pregação das glórias do Senhor. Nós já tivemos a experiência prática de sermos advertidos por alguns supostos bābājīs em Vṛndāvana de que não há necessidade de pregar, e que é melhor viver em Vṛndāvana em um local solitário cantando o santo nome. Esses bābājīs não sabem que, se alguém estiver ocupado em pregar, ou em glorificar a Suprema Personalidade de Deus, a boa reputação de pregador automaticamente chega até ele. Desse modo, não se deve prematuramente abandonar a vida honesta de chefe de família para levar uma vida de devassidão em Vṛndāvana. A recomendação de Śrīla Śukadeva Gosvāmī de deixar o lar e ir para a floresta em busca de Kṛṣṇa não é para pessoas imaturas. Mahārāja Parīkṣit era maduro. Mesmo em sua vida de chefe de família, ou desde o início de sua vida, ele adorava a mūrti do Senhor Kṛṣṇa. Em sua infância, ele adorava a Deidade do Senhor Kṛṣṇa e, posteriormente, apesar de ser chefe de família, ele era sempre desapegado. Portanto, quando recebeu a notícia de sua morte, ele imediatamente largou toda a relação com sua vida doméstica e sentou-se na margem do Ganges para ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam em associação com os devotos.
Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo noventa de Kṛṣṇa, intitulado “Descrição Sumária dos Passatempos de Kṛṣṇa”.