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VERSO 4

nivṛtta-tarṣair upagīyamānād
bhavauṣadhāc chrotra-mano-’bhirāmāt
ka uttamaśloka-guṇānuvādāt
pumān virajyeta vinā paśughnāt

nivṛtta — livres de; tarṣaiḥ — luxúria ou atividades materiais; upagīyamānāt — que é descrita ou cantada; bhava-auṣadhāt — que é o remédio correto para a doença material; śrotra — o processo de recepção auditiva; manaḥ — tema próprio para a mente pensar nele; abhi­rāmāt — das agradáveis vibrações dessa glorificação; kaḥ — quem; ut­tamaśloka — da Suprema Personalidade de Deus; guṇa-anuvādāt — de descrever essas atividades; pumān — uma pessoa; virajyeta — pode omitir-se; vinā — exceto; paśu-ghnāt — ou um açougueiro ou aquele que prefere matar sua própria existência.

A glorificação da Suprema Personalidade de Deus é realizada no sistema paramparā, isto é, ela é transmitida de mestre espiritual a discípulo. Essa glorificação é saboreada por aqueles que deixaram de se interessar pela falsa e temporária glorificação desta manifestação cósmica. As descrições do Senhor são o remédio correto para a alma condicionada que se submete a repetidos nascimentos e mortes. Portanto, quem se negará a ouvir tal glorificação do Senhor, exceto alguém que é açougueiro ou aquele que prefere matar seu próprio eu?

SIGNIFICADO—Na Índia, é prática entre o povo em geral ouvir sobre Kṛṣṇa, quer através da Bhagavad-gītā, quer através do Śrīmad-Bhāgavatam, para alívio da doença caracterizada sob a forma de repetidos nasci­mentos e mortes. Embora atualmente a Índia esteja em uma condição caída, quando corre a notícia de que alguém falará sobre a Bhagavad-gītā ou o Śrīmad-Bhāgavatam, milhares de pessoas ainda se reúnem para ouvir. Entretanto, este verso indica que essa recitação da Bhagavad-gītā e do Śrīmad-Bhāgavatam deve ser feita por pessoas intei­ramente livres de desejos materiais (nivṛtta-tarṣaiḥ). Neste mundo material, todos, começando de Brahmā e indo até a formiga insigni­ficante, estão cheios de desejos materiais, buscando o gozo dos sen­tidos, e todos estão ocupados em gozo dos sentidos, mas, quando alguém se entrega a essas atividades, não pode entender plenamente o valor do kṛṣṇa-kathā, seja na forma da Bhagavad-gītā, seja do Śrīmad-Bhāgavatam.

Se ouvirmos as glórias da Suprema Personalidade de Deus serem narradas por pessoas liberadas, esse processo de audição na certa nos livrará do cativeiro das atividades materiais, mas ouvir o Śrīmad­Bhāgavatam sendo falado por um recitador profissional não pode de fato ajudar-nos a obter a liberação. Kṛṣṇa-kathā é algo muito simples. Na Bhagavad-gītā, afirma-se que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus. Como Ele próprio explica, mattaḥ parataraṁ nānyat kiñcid asti dhanañjaya: “Ó Arjuna, não há verdade superior a Mim.” (Bhagavad-gītā 7.7) Basta compreender este fato – de que Kṛṣṇa é a Suprema Per­sonalidade de Deus – para que alguém possa tornar-se liberado. Porém, especialmente nesta era, como estão interessadas em ouvir a Bhagavad-gītā sendo transmitida por indivíduos inescrupulosos e que se desviam da apresentação simples da Bhagavad-gītā e distor­cem-na para sua satisfação pessoal, as pessoas não conseguem obter o verdadeiro benefício. Há grandes eruditos, políticos, filósofos e cientistas que falam sobre a Bhagavad-gītā, utilizando o seu próprio método deturpado, e as pessoas em geral ouvem-nos, sem interesse em conhecer as glórias da Suprema Personalidade de Deus conforme descritas pelo devoto. Devoto é aquele cujo único motivo que o leva a recitar a Bhagavad-gītā e o Śrīmad-Bhāgavatam é prestar serviço ao Senhor. Śrī Caitanya Mahāprabhu, portanto, aconselha-nos que, para ouvirmos as glórias do Senhor, devemos procurar pessoas realizadas (bhāgavata paro diya bhāgavata sthane). A menos que alguém seja pessoalmente uma alma absorta na ciência da consciência de Kṛṣṇa, nenhum neófito deve aproximar-se dele para ouvi-lo falar a respeito do Senhor, pois isso é estritamente proi­bido por Śrīla Sanātana Gosvāmī, que cita o Padma Purāṇa:

avaiṣṇava-mukhodgīrṇaṁ
pūtaṁ hari-kathāmṛtam
śravaṇaṁ naiva kartavyaṁ
sarpocchiṣṭaṁ yathā payaḥ

Deve-se evitar escutar alguém que não demonstre um comportamento vaiṣṇava. O vaiṣṇava é nivṛtta-tṛṣṇa, isto é, ele não tem objetivos materiais, pois seu único objetivo é pregar a consciência de Kṛṣṇa. Os pretensos eruditos, filósofos e políticos exploram a importância da Bhagavad-gītā, distorcendo seu significado para seus fins pessoais. Portanto, este verso adverte que o kṛṣṇa-kathā deve ser recitado pela pessoa que é nivṛtta-tṛṣṇa. Śukadeva Gosvāmī é o exemplo do perfeito recitador do Śrīmad-Bhāgavatam, e Parīkṣit Mahārāja, que fez questão de deixar seu reino e sua família antes de enfrentar a morte, simboliza a pessoa que reúne todas as condições de ouvi­-lo. Um recitador qualificado do Śrīmad-Bhāgavatam ministra às almas condicionadas o remédio certo (bhavauṣadhi). O movimento da consciência de Kṛṣṇa, portanto, está empenhado na tentativa de treinar pregadores qualificados a recitar o Śrīmad-Bhāgavatam e a Bhagavad-gītā em todo o mundo, para que, em todas as partes do mundo, o povo em geral possa tirar proveito deste movimento e, assim, aliviar-se das três classes de sofrimentos encontrados na existência material.

As instruções da Bhagavad-gītā e as descrições do Śrīmad-Bhāgavatam são tão agradáveis que quase todas as pessoas que padecem as três classes de sofrimentos da existência material desejarão ouvir as glórias do Senhor conforme apresentadas nestes livros e, em virtude disso, poderão beneficiar-se, trilhando o caminho da liberação. Duas classes de homens, entretanto, jamais se interessarão em ouvir a men­sagem da Bhagavad-gītā e do Śrīmad-Bhāgavatam – aqueles que estão determinados a cometer suicídio e aqueles determinados a matar vacas e outros animais para satisfazerem suas próprias línguas. Embora tais pessoas talvez façam uma exibição, ouvindo o Śrīmad­-Bhāgavatam em um bhāgavata-saptāha, isso não passa de outra criação dos karmīs, que não podem obter nenhum benefício nesse empreendimento. A palavra paśu-ghnāt é importante a esse respeito. Paśu-ghna significa “açougueiro”. As pessoas que gostam de reali­zar cerimônias ritualísticas para se elevarem aos sistemas planetários superiores tendem a oferecer sacrifícios (yajñas) matando animais. O senhor Buddhadeva, portanto, rejeitou a autoridade dos Vedas, pois era sua missão acabar com o sacrifício de animais, que são recomendados nas cerimônias ritualísticas védicas.

nindasi yajña-vidher ahaha śruti-jātaṁ
sa-daya-hṛdaya darśita-paśu-ghātaṁ
keśava dhṛta-buddha-śarīra jaya jagadīśa hare

(Gīta-govinda)

Muito embora os sacrifícios de animais sejam sancionados nas ceri­mônias védicas, os homens que matam animais nessas cerimônias são considerados açougueiros. Os açougueiros não podem interessar-­se pela consciência de Kṛṣṇa, pois já estão enamorados da matéria. Seu único interesse é desenvolver confortos para o corpo temporário.

bhogaiśvarya-prasaktānāṁ
tayāpahṛta-cetasām
vyavasāyātmikā buddhiḥ
samādhau na vidhīyate

“Nas mentes daqueles que estão muito apegados à gratificação dos sentidos e à opulência material, e que se deixam confundir por essas coisas, não ocorre a determinação resoluta de prestar serviço devocional ao Senhor Supremo.” (Bhagavad-gītā 2.44) Śrīla Narottama Dāsa Ṭhākura diz:

manuṣya-janama pāiyā, rādhā-kṛṣṇa nā bhajiyā,
jāniyā śuniyā viṣa khāinu

Todo aquele que não é consciente de Kṛṣṇa e, portanto, não se ocupa no serviço ao Senhor também paśu-ghna, pois está bebendo veneno deliberadamente. Tal pessoa não pode interessar-se por kṛṣṇa-kathā porque ainda deseja gozo dos sentidos materiais; ela não é nivṛtta-tṛṣṇa. Declara-se que traivargikās te puruṣā vimukhā hari-medhasaḥ. Aqueles interessados em trivarga – isto é, em dharma, artha e kāma – são religiosos com o propósito de alcançar uma posição material com a qual possam obter melhores condições de gozo dos sentidos. Essas pessoas estão se matando, permanecendo deliberada­mente no ciclo de nascimentos e mortes. Elas não podem interessar­-se pela consciência de Kṛṣṇa.

Para que se promova kṛṣṇa-kathā, tópicos referentes à consciên­cia de Kṛṣṇa, deve haver um orador e um ouvinte, ambos os quais podem interessar-se pela consciência de Kṛṣṇa caso tenham deixado de envolver-se com tópicos materiais. Pode-se de fato ver como essa atitude desenvolve-se naturalmente naqueles que são conscientes de Kṛṣṇa. Embora os devotos do movimento da consciência de Kṛṣṇa sejam muito jovens, eles deixaram de ler jornais, revistas e outras publicações materialistas, pois já não se interessam por esses tópicos (nivṛtta-tarṣaiḥ). Eles abandonam por completo o conceito de vida corpórea. Nos tópicos relativos a Uttamaśloka, a Suprema Personalidade de Deus, o mestre espiritual fala, e o discípulo ouve com atenção. A menos que ambos estejam livres de desejos mate­riais, eles não podem interessar-se pelos tópicos da consciência de Kṛṣṇa. O mestre espiritual e o discípulo só precisam entender Kṛṣṇa, porque, pelo simples fato de entender Kṛṣṇa e falar sobre Kṛṣṇa, a pessoa se torna um erudito perfeito (yasmin vijñāte sarvam evaṁ vijñātaṁ bhavati, Muṇḍaka Upaniṣad 1.3). O Senhor está situado no coração de todos, e, pela graça do Senhor, o devoto recebe instruções diretamente do próprio Senhor, que diz na Bhagavad-gītā (15.15):

sarvasya cāhaṁ hṛdi sanniviṣṭo
mattaḥ smṛtir jñānam apohanaṁ ca
vedaiś ca sarvair aham eva vedyo
vedānta-kṛd veda-vid eva cāham

“Estou situado no coração de todos, e é de Mim que vêm a lembrança, o conhecimento e o esquecimento. Através de todos os Vedas, é a Mim que se deve conhecer. Na verdade, sou o compilador do Vedānta e sou aquele que conhece os Vedas.” A consciência de Kṛṣṇa é tão sublime que alguém perfeitamente situado em consciên­cia de Kṛṣṇa, sob a orientação do mestre espiritual, sente completa satisfação lendo kṛṣṇa-kathā, existente no Śrīmad-Bhāgavatam, na Bhagavad-gītā e em textos védicos semelhantes. Se a simples conver­sa sobre Kṛṣṇa é tão agradável, é fácil imaginar quão estupendo é prestar serviço a Kṛṣṇa.

Quando o colóquio sobre kṛṣṇa-kathā ocorre entre um mestre es­piritual liberado e seu discípulo, às vezes outros também tiram pro­veito ao ouvirem esses tópicos e obtêm o mesmo benefício. Esses tópicos são o remédio indicado para acabar com a repetição de nas­cimentos e mortes. O ciclo de repetidos nascimentos e mortes, em que alguém vezes e mais vezes assume diferentes corpos, chama-se bhava ou bhava-roga. Se alguém, voluntária ou involuntariamente, ouve kṛṣṇa-kathā, seu bhava-roga, a doença manifesta sob a forma de nascimentos e mortes, decerto será descontinuada. Portanto, o kṛṣṇa-kathā chama-se bhavauṣadha, o remédio para encerrar a repetição de nasci­mentos e mortes. Os karmīs, ou as pessoas apegadas ao gozo dos sentidos materiais, de um modo geral não podem renunciar seus desejos materiais, mas o kṛṣṇa-kathā é um remédio tão potente que, se alguém concorda em ouvir kṛṣṇa-kīrtana, decerto se livrará dessa doença. Um exemplo prático é Dhruva Mahārāja, que no final de seu tapasya estava plenamente satisfeito. Quando o Senhor quis conferir­-lhe uma bênção, Dhruva recusou a mesma. Svāmin kṛtārtho ’smi varaṁ na yāce. “Meu querido Senhor”, ele disse, “estou plenamente satisfei­to. Não peço nenhuma bênção através da qual eu possa obter o gozo dos sentidos materiais.” Vemos de fato que até mesmo os rapazes e as moças do movimento da consciência de Kṛṣṇa deixaram de pra­ticar maus hábitos com os quais conviviam há muito tempo, tais como sexo ilícito, consumo de carne, intoxicação e jogos de azar. Porque a consciência de Kṛṣṇa é tão potente e lhes confere plena satisfação, eles perderam o interesse pelo gozo dos sentidos materiais.

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