VERSO 61
tatrodvahat paśupa-vaṁśa-śiśutva-nāṭyaṁ
brahmādvayaṁ param anantam agādha-bodham
vatsān sakhīn iva purā parito vicinvad
ekaṁ sa-pāṇi-kavalaṁ parameṣṭhy acaṣṭa
tatra — lá (em Vṛndāvana); udvahat — assumindo; paśupa-vaṁśa-śiśutva-nāṭyam — o papel no qual era uma criança em uma família de vaqueiros (outro nome de Kṛṣṇa é Gopāla, “aquele que mantém as vacas”); brahma — a Verdade Absoluta; advayam — inigualável; param — Supremo; anantam — ilimitado; agādha-bodham — possuindo conhecimento ilimitado; vatsān — os bezerros; sakhīn — e Seus amigos, os meninos; iva purā — exatamente como antes; paritaḥ — em toda parte; vicinvat — procurando; ekam — sozinho; sa-pāṇi-kavalam — com um pouco de alimento em Sua mão; parameṣṭhī — o senhor Brahmā; acaṣṭa — viu.
Então, o senhor Brahmā viu a Verdade Absoluta – que é única e inigualável, que possui conhecimento pleno e que é ilimitada – assumindo o papel de uma criança em uma família de vaqueiros e, como antes, estava completamente sozinha com um pouco de comida em Sua mão, procurando em toda parte os bezerros e Seus amigos vaqueirinhos.
SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra agādha-bodham, que significa “pleno de conhecimento ilimitado”, é significativa. O Senhor possui conhecimento ilimitado, motivo pelo qual ninguém pode descobrir seu término, assim como ninguém pode medir o oceano. Qual é a extensão de nossa inteligência em comparação com o vasto volume de água do oceano? Em minha viagem à América, quão insignificante era o navio; ele era como uma caixa de fósforos no meio do oceano. A inteligência de Kṛṣṇa parece o oceano, pois ninguém pode imaginar o quanto ela é vasta. A melhor atitude, portanto, é render-se a Kṛṣṇa. Não tente medir Kṛṣṇa.
A palavra advayam, que significa “único e inigualável”, também é significativa. Porque foi coberto pela māyā de Kṛṣṇa, Brahmā julgava-se o Supremo. No mundo material, cada um pensa: “Sou o melhor homem deste mundo. Conheço tudo.” A pessoa pensa: “Por que devo ler a Bhagavad-gītā? Conheço tudo. Tenho minha própria interpretação.” Brahmā, entretanto, foi capaz de entender que a Personalidade Suprema é Kṛṣṇa. Īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ. Outro nome de Kṛṣṇa, portanto, é parameśvara.
Agora, Brahmā viu Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, aparecer como um vaqueirinho em Vṛndāvana, sem demonstrar Sua opulência, mas agindo como um menino inocente que carrega algum alimento em Sua mão, perambulando com Seus amigos vaqueirinhos, bezerros e vacas. Brahmā não via Kṛṣṇa como catur-bhuja, o opulento Nārāyaṇa, senão que ele simplesmente via um menino inocente. Entretanto, ele pôde entender que, embora não estivesse demonstrando Seu poder, Kṛṣṇa era a mesma Pessoa Suprema. De um modo geral, as pessoas não apreciam alguém a menos que ele revele algo maravilhoso, mas aqui, embora Kṛṣṇa não manifestasse nenhum ato maravilhoso, Brahmā pôde entender que a mesma pessoa maravilhosa estava presente como uma criança comum, embora Ele fosse o mestre de toda a criação. Por isso, Brahmā orou que govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi: “Sois a pessoa original, a causa de tudo. Prostro-me diante de Vós.” Essa foi sua compreensão. Tam ahaṁ bhajāmi: isso é o que se deve procurar alcançar. Vedeṣu durlabham: ninguém pode chegar a Kṛṣṇa meramente através do conhecimento védico. Adurlabham ātma-bhaktau: mas quando alguém se torna um devoto, ele pode compreendê-lO. Brahmā, portanto, tornou-se um devoto. No começo, orgulhava-se de ser Brahmā, o senhor do universo, mas agora ele compreendeu: “Eis o Senhor do universo. Sou um simples agente insignificante. Govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi.”
Kṛṣṇa agia como um ator dramático. Porque Brahmā tinha um pouco de falso prestígio, pensando que possuía algum poder, Kṛṣṇa mostrou-lhe qual era a sua verdadeira posição. Episódio semelhante ocorreu quando Brahmā foi ver Kṛṣṇa em Dvārakā. Quando o porteiro de Kṛṣṇa informou ao Senhor Kṛṣṇa que o senhor Brahmā chegara, Kṛṣṇa quis saber: “Qual Brahmā? Pergunta-lhe qual Brahmā.” O porteiro voltou com essa pergunta, e Brahmā ficou espantado. “Acaso existe outro Brahmā além de mim?”, pensou consigo mesmo. Quando o porteiro informou ao Senhor Kṛṣṇa: “É o Brahmā de quatro cabeças”, o Senhor Kṛṣṇa disse: “Ah! O de quatro cabeças! Chama os outros. Mostra-os para ele.” Essa é a posição de Kṛṣṇa. Se para Kṛṣṇa o Brahmā de quatro cabeças é insignificante, o que dizer, então, dos “cientistas de quatro cabeças?” Os cientistas materialistas pensam que, embora este planeta Terra seja pleno de opulência, todos os outros são vazios. Porque não fazem nada além de especular, essa é a sua conclusão científica. A partir do Bhāgavatam, entendemos que todo o universo está repleto de entidades vivas em toda parte. Logo, os cientistas cometem a grande tolice de desencaminhar a população, apresentando-se como cientistas, filósofos e homens de conhecimento, embora não conheçam nada.