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CAPÍTULO VINTE E TRÊS

As Esposas dos Brāhmaṇas São Abençoadas

Este capítulo descreve como o Senhor Śrī Kṛṣṇa, após induzir os vaqueirinhos a mendigarem comida, mostrou misericórdia às esposas de alguns brāhmaṇas que executavam sacrifício e fez com que os pró­prios brāhmaṇas sentissem remorso.

Ao sentirem-se muito famintos, os vaqueirinhos perguntaram a Śrī Kṛṣṇa sobre um modo de obter comida, e Ele os enviou para mendi­garem um pouco de comida a um grupo de brāhmaṇas que estava executando um sacrifício ali perto. Contudo, aqueles brāhmaṇas ignoraram os meninos, achando que Śrī Kṛṣṇa era um ser humano comum. Os meninos regressaram desapontados, mas o Senhor os enviou de novo, aconselhando-os a mendigarem a comida às esposas dos brāhmaṇas. Essas damas haviam ouvido falar das qualidades transcendentais de Kṛṣṇa e estavam muito apegadas a Ele. Então, logo que souberam que Ele estava nas imediações, foram até Ele bem depressa, levando todas as quatro variedades de alimento. Dessa maneira, elas oferece­ram a si mesmas a Kṛṣṇa.

Kṛṣṇa disse às mulheres que, embora se possa desenvolver trans­cendental amor por Ele vendo a forma de Sua Deidade no templo, meditando nEle e cantando Suas glórias, não é possível alcançar esse resultado pelo simples fato de estar em Sua presença física. Ele lhes aconselhou que, como elas eram esposas, seu dever específico era ajudar seus maridos a executar sacrifícios. Ele, portanto, instruiu as mulheres a voltarem para casa.

Quando as damas voltaram para casa, seus esposos brāhmaṇas logo sentiram remorso e lamentaram: “Para qualquer pessoa hostil a Kṛṣṇa, seus três nascimentos seminal, bramânico e sacrificial – são todos condenados. Por outro lado, estas mulheres, que não se submeteram aos processos purificatórios da classe bramânica nem executaram nenhuma austeridade nem rituais piedosos, conseguiram, através da devoção a Kṛṣṇa, cortar facilmente o vínculo com a morte.”

Continuaram: “Visto que todo desejo do Senhor Kṛṣṇa é satisfeito por completo, Seu mendigar de alimento foi apenas um ato de misericórdia para nós brāhmaṇas. Todos os frutos do sacrifício védico – e de fato tudo na terra – são Suas opulências, mas, devido à ignorância, não fomos capazes de apreciar este fato.”

Tendo falado essas palavras, todos os brāhmaṇas ofereceram reverências ao Senhor Śrī Kṛṣṇa, com a esperança de anular sua ofen­sa. No entanto, por medo do rei Kaṁsa, não foram ver o Senhor em pessoa.

VERSO 1: Os vaqueirinhos disseram: Ó Rāma, ó Rāma de braços poderosos! Ó Kṛṣṇa, castigador dos perversos! Estamos sendo atormentados pela fome, e deveis fazer algo.

VERSO 2: Śukadeva Gosvāmī disse: Solicitado então pelos vaqueirinhos, a Suprema Personalidade de Deus, o filho de Devakī, respondeu o seguinte, desejando agradar a algumas de Suas devotas que eram esposas de brāhmaṇas.

VERSO 3: [O Senhor Kṛṣṇa disse:] Por favor, ide à arena de sacrifício, onde um grupo de brāhmaṇas, versados nos preceitos védicos, estão executando agora o sacrifício Āṅgirasa para lograr a promoção aos céus.

VERSO 4: Ao chegardes ali, Meus queridos vaqueirinhos, apenas solicitai alguma comida. Declarai-lhes o nome do Meu irmão mais velho, o Supremo Senhor Balarāma, e também o Meu, e explicai que fostes enviados por Nós.

VERSO 5: Instruídos dessa maneira pela Suprema Personalidade de Deus, os vaqueirinhos foram até lá e submeteram-lhes o seu pedido. De mãos postas em súplica, eles se apresentaram diante dos brāhmaṇas e, em seguida, prostraram-se no chão para oferecer respeito.

VERSO 6: [Os vaqueirinhos disseram:] Ó deuses terrestres, por favor, ouvi-nos. Nós, vaqueirinhos, estamos cumprindo as ordens de Kṛṣṇa e fomos mandados aqui por Balarāma. Desejamos todo o bem para vós. Por favor, reconhecei nossa chegada.

VERSO 7: O Senhor Rāma e o Senhor Acyuta estão apascentando Suas vacas não muito longe daqui. Estão com fome e querem que Lhes deis um pouco de vossa comida. Portanto, ó brāhmaṇas, ó melhores dos conhecedores da religião, se tendes fé, dai-Lhes um pouco de comida, por favor.

VERSO 8: Exceto durante o intervalo entre a iniciação do executor do sacrifício e o efetivo sacrifício do animal, ó puríssimos brāhmaṇas, não é contaminante nem mesmo para o iniciado partilhar alimento, pelo menos em um sacrifício que não é o Sautrāmaṇi.

VERSO 9: Os brāhmaṇas ouviram esta súplica da Suprema Personali­dade de Deus, mas, ainda assim, recusaram-se a atendê-la. De fato, eles estavam cheios de desejos mesquinhos e enredados em rituais ela­borados. Embora se julgassem avançados em conhecimento védi­co, eles eram, na realidade, tolos inexperientes.

VERSOS 10-11: Embora os ingredientes da execução do sacrifício – o lugar, o tempo, a parafernália específica, os mantras, os rituais, os sacerdotes, os fogos, os semideuses, o oficiante, a oferenda e os resultados benéficos até então não vistos – sejam todos meros aspectos das opulências do Senhor, os brāhmaṇas, graças à sua inteligência pervertida, viram o Senhor Kṛṣṇa como um ser humano comum. Eles não foram capazes de reconhecer que Ele é a Suprema Verdade Absoluta, a manifestação direta da Personalidade de Deus, a quem os sentidos materiais não podem perceber ordinariamente. Assim confundidos por sua errônea identifica­ção com o corpo mortal, não Lhe mostraram o devido respeito.

VERSO 12: Quando os brāhmaṇas não responderam nem sim nem não, ó castigador do inimigo [Parīkṣit], os vaqueirinhos retornaram de­sapontados a Kṛṣṇa e Rāma e contaram-Lhes todo o ocorrido.

VERSO 13: Depois de ouvir o que acontecera, a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor do universo, simplesmente riu. Então, voltou a falar aos vaqueirinhos, mostrando-lhes como os homens agem neste mundo.

VERSO 14: [O Senhor Kṛṣṇa disse:] Dizei às esposas dos brāhmaṇas que Eu cheguei aqui com o Senhor Saṅkarṣaṇa. Com certeza elas vos darão toda a comida que desejardes, pois têm muita afeição por Mim e, de fato, com sua inteligência, residem apenas em Mim.

VERSO 15: Os vaqueirinhos, então, foram à casa onde se encontravam as esposas dos brāhmaṇas. Ali, os meninos viram aquelas castas damas sentadas, belamente enfeitadas com finos adornos. Prostrando-se diante das mulheres brāhmaṇas, os meninos dirigiram-­se a elas com toda a humildade.

VERSO 16: [Os vaqueirinhos disseram:] Reverências a vós, ó esposas dos brāhmaṇas eruditos. Tende a bondade de ouvir nossas pala­vras. O Senhor Kṛṣṇa, que está passando não muito longe daqui, enviou-nos até vossa casa.

VERSO 17: Ele veio de longe com os vaqueirinhos e o Senhor Balarāma, apascentando as vacas. Como agora Ele está com fome, deve-se dar alguma comida para Ele e Seus companheiros.

VERSO 18: As esposas dos brāhmaṇas viviam ansiosas por ver Kṛṣṇa, pois suas mentes tinham sido encantadas por descrições sobre Ele. Assim, logo que ouviram que Ele chegara, ficaram muito empolgadas.

VERSO 19: Levando consigo em grandes vasilhas as quatro espécies de ali­mento, cheias de finos sabores e aromas, todas as damas adian­taram-se para encontrar seu amado, assim como os rios correm para o mar.

VERSOS 20-21: Embora seus esposos, irmãos, filhos e outros parentes tentas­sem proibi-las de ir, sua esperança de ver Kṛṣṇa, cultivada pelo fato de terem ouvido amplamente sobre Suas qualidades transcendentais, triunfou. Ao longo do rio Yamunā, em um jardim deco­rado com botões de árvores aśoka, elas O avistaram passeando em companhia dos vaqueirinhos e de Seu irmão mais velho, Bala­rāma.

VERSO 22: Sua tez era azul-escura, e Seus trajes, dourados. Com uma pena de pavão, minerais coloridos, raminhos de botões de flores e uma guirlanda de flores e folhas silvestres, Ele estava vestido tal qual um dançarino profissional. Uma de Suas mãos repou­sava no ombro de um amigo, e a outra girava um lótus. Lírios enfeitavam-Lhe as orelhas, Seu cabelo deslizava sobre as boche­chas e havia um sorriso em Seu rosto de lótus.

VERSO 23: Ó governante dos homens, por um longo tempo aquelas mulheres brāhmaṇas tinham ouvido falar sobre Kṛṣṇa, seu amado, e as glórias do Senhor haviam-se tornado o ornamento constante de seus ouvidos. De fato, suas mentes viviam absortas nEle. Através das aberturas de seus olhos, agora elas O forçaram a entrar em seus corações, e então abraçaram-nO dentro de si demoradamen­te. Dessa maneira, abandonaram, por fim, a dor decorrente da saudade dEle, assim como os sábios abandonam a ansiedade do falso ego abraçando sua mais recôndita consciência.

VERSO 24: O Senhor Kṛṣṇa, que testemunha os pensamentos de todas as criaturas, compreendeu como aquelas damas tinham abandonado todas as esperanças mundanas e vindo ali apenas para vê­-lO. Então, com um sorriso no rosto, Ele lhes disse o seguinte.

VERSO 25: [O Senhor Kṛṣṇa disse:] Bem-vindas, ó damas afortunadíssimas. Por favor, sentai-vos e ficai à vontade. O que posso fazer por vós? É muito conveniente que tenhais vindo aqui Me ver.

VERSO 26: Decerto as personalidades peritas, que podem ver seu verdadeiro interesse pessoal, prestam serviço devocional imotivado e inin­terrupto diretamente a Mim, pois sou muito querido à alma.

VERSO 27: É apenas em virtude do contato com o eu que a força vital, a inteligência, a mente, os amigos, o corpo, a esposa, os filhos, a riqueza e assim por diante são queridos à pessoa. Portanto, que objeto pode ser mais querido do que o próprio eu?

VERSO 28: Deveis, portanto, regressar à arena de sacrifício, porque vossos esposos, os brāhmaṇas eruditos, são pais de família e precisam de vossa ajuda para concluir seus respectivos sacrifícios.

VERSO 29: As esposas dos brāhmaṇas responderam: Ó todo-poderoso, por favor, não faleis palavras tão cruéis. Em vez disso, deveis cum­prir Vossa promessa de sempre retribuir Vossos devotos de acordo. Agora que alcançamos Vossos pés de lótus, só queremos permanecer aqui na floresta para podermos levar sobre nossas cabeças as guirlandas de folhas de tulasī que porventu­ra chutardes desdenhosamente com Vossos pés de lótus. Estamos prontas para abandonar todos os relacionamentos mundanos.

VERSO 30: Nossos maridos, pais, filhos, irmãos e outros parentes e amigos já não nos acolherão de volta, e como alguém mais poderá dispor­-se a dar-nos refúgio? Portanto, já que nos atiramos a Vossos pés de lótus e não temos nenhum outro destino, por favor, ó castiga­dor dos inimigos, concedei nosso desejo.

VERSO 31: A Suprema Personalidade de Deus respondeu: Asseguro-vos que nem vossos maridos, nem vossos pais, irmãos, filhos e outros parentes nem a população em geral, sentirão hostilidade para convosco. Vou pessoalmente informá-los sobre a situação. De fato, até mesmo os semideuses expressarão sua aprovação.

VERSO 32: O fato de permanecerdes em Minha associação corpórea com certeza não agradaria às pessoas deste mundo, tampouco seria esta a melhor maneira de aumentardes vosso amor por Mim. Em vez disso, deveis fixar a mente em Mim, e muito em breve Me alcançareis.

VERSO 33: É por ouvir sobre Mim, ver a forma de Minha Deidade, me­ditar em Mim e cantar Meus nomes e glórias que se desenvolve o amor por Mim, e não pela proximidade física. Portanto, por favor, retornai a vossos lares.

VERSO 34: Śrīla Śukadeva Gosvāmī disse: Depois de receberem essa instrução, as esposas dos brāhmaṇas regressaram ao local do sacrifício. Os brāhmaṇas não encontraram erro algum em suas esposas e, junto com elas, concluíram o sacrifício.

VERSO 35: Quando uma das damas, que fora retida à força por seu esposo, ouviu as outras descrevendo o Supremo Senhor Kṛṣṇa, ela O abraçou em seu coração e abandonou o corpo material, o fundamento da escravidão à atividade mundana.

VERSO 36: Govinda, a Suprema Personalidade de Deus, alimentou os vaqueirinhos com aquelas quatro variedades de alimento. Então, o Senhor todo-poderoso, em pessoa, partilhou das preparações.

VERSO 37: Assim, o Senhor Supremo, que aparecera como um ser humano para executar Seus passatempos, imitava os costumes da socieda­de humana. Ele sentia prazer em agradar Suas vacas, amigos vaqueirinhos e namoradas com Sua beleza, palavras e ações.

VERSO 38: Os brāhmaṇas, então, caíram em si e passaram a sentir grande remorso. Eles pensaram: “Pecamos, pois negamos o pedido dos dois Senhores do universo, que enganosamente apareceram como seres humanos comuns.”

VERSO 39: Atentando para a transcendental devoção pura de suas esposas pelo Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, e vendo sua própria falta de devoção, os brāhmaṇas sentiram muito arrependimento e passaram a se condenar.

VERSO 40: [Os brāhmaṇas disseram:] Para o inferno com nossas três clas­ses de nascimento, nosso voto de celibato e nossa extensa erudi­ção! Para o inferno com nossa procedência aristocrática e nossa perícia nos rituais de sacrifício! Tudo isso é condenado porque somos hostis à transcendental Personalidade de Deus.

VERSO 41: Se a potência ilusória do Senhor Supremo decerto confunde até mesmo os grandes místicos, o que dizer de nós? Como brāhmaṇas, supõe-se que sejamos os mestres espirituais de todas as classes de homens, mas nos desorientamos quanto ao nosso verdadeiro interesse pessoal.

VERSO 42: Vede só o amor ilimitado que estas mulheres desenvolveram pelo Senhor Kṛṣṇa, o mestre espiritual do universo inteiro! Este amor rompeu-lhes os próprios grilhões da morte, representados por seu apego à vida familiar.

VERSOS 43-44: Estas mulheres jamais se submeteram aos ritos purificatórios pertencentes à classe dos duas vezes nascidos, nem viveram como brahmacārīs no āśrama do mestre espiritual. Tampouco praticaram austeridades, especularam sobre a natureza do eu, seguiram as formalidades de limpeza ou se ocuparam em rituais piedosos. Elas, entretanto, têm firme devoção pelo Senhor Kṛṣṇa, cujas glórias são cantadas pelos sublimes hinos dos Vedas e que é o mestre supremo de todos os mestres do poder místico. Nós, por outro lado, carecemos de semelhante devoção pelo Senhor, embora tenhamos executado todos esses processos.

VERSO 45: De fato, fascinados como estávamos por nossos afazeres domésticos, desviamo-nos por completo da verdadeira meta da vida. Mas agora, vede só como o Senhor, através das palavras destes simples vaqueirinhos, fez-nos lembrar do destino último de todos os verdadeiros transcendentalistas.

VERSO 46: De outra maneira, por que o controlador supremo – cujos de­sejos já estão todos cumpridos e que é o amo da liberação e de todas as outras bênçãos transcendentais – encenaria essa dissimulação para nós, que sempre devemos ser controlados por Ele?

VERSO 47: Ávida pela oportunidade de tocar-Lhe os pés de lótus, a deusa da fortuna perpetuamente O adora com exclusividade, deixando de lado todos os demais e renunciando a seu orgulho e inconstân­cia. O fato de Ele mendigar é sem dúvida algo espantoso para todos.

VERSOS 48-49: Todos os aspectos do sacrifício – o local e o momento auspiciosos, os vários artigos de parafernália, os hinos védicos, os rituais prescritos, os sacerdotes e os fogos de sacrifício, os semideuses, o patrono do sacrifício, a oferenda sacrificial e os resultados piedo­sos obtidos – são todos meras manifestações de Suas opulências. Contudo, embora tivéssemos ouvido dizer que a Suprema Per­sonalidade de Deus, Viṣṇu, o Senhor de todos os controladores místicos, nascera na dinastia Yadu, fomos tão tolos que não pu­demos reconhecer que Śrī Kṛṣṇa não era outrem senão Ele.

VERSO 50: Ofereçamos nossas reverências ao Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Sua inteligência jamais se confunde, ao passo que nós, perplexos com Seu poder de ilusão, estamos sim­plesmente a vagar pelos caminhos do trabalho fruitivo.

VERSO 51: Fomos desorientados pela potência ilusória do Senhor Kṛṣṇa e, por isso, não pudemos compreender Sua influência como a ori­ginal Personalidade de Deus. Agora esperamos que Ele tenha a bondade de perdoar a nossa ofensa.

VERSO 52: Refletindo dessa maneira sobre o pecado que cometeram por desprezar o Senhor Kṛṣṇa, eles ficaram muito ansiosos por vê­-lO. Todavia, por temerem o rei Kaṁsa, não ousaram ir até Vraja.

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