VERSO 5
bahavo hiṁsitā bhrātaḥ
śiśavaḥ pāvakopamāḥ
tvayā daiva-nisṛṣṭena
putrikaikā pradīyatām
bahavaḥ — muitas; hiṁsitāḥ — mortas por inveja; bhrātaḥ — meu querido irmão; śiśavaḥ — as criancinhas; pāvaka-upamāḥ — todas elas iguais ao fogo em brilho e beleza; tvayā — por ti; daiva-nisṛṣṭena — como determinado pelo destino; putrikā — filha; ekā — uma; pradīyatām — dá-me de presente.
Meu querido irmão, por influência do destino, já mataste muitos bebês, cada um deles tão brilhante e belo como o fogo. Mas, por favor, poupa esta filha. Deixa-me recebê-la como um presente teu.
SIGNIFICADO—Aqui, vemos que Devakī primeiro chamou a atenção de Kaṁsa para as suas atividades atrozes, o assassinato dos vários filhos dela. Depois, ela quis fazer um acordo com ele, dizendo-lhe que tudo o que ele fizera não fora culpa sua, mas fora obra do destino. Então, pediu-lhe que lhe desse a filha como presente. Devakī era filha de um kṣatriya e sabia como jogar o jogo político. Na política, existem diferentes métodos para se alcançar o sucesso: primeiro a repressão (dama), depois o acordo (sāma) e, então, pedir um presente (dāna). Devakī primeiro adotou a política de repressão, diretamente acusando Kaṁsa por ter matado seus bebês de maneira cruel e atroz. Depois, ela entrou em um acordo, dizendo que isso não era culpa dele, após o que pediu um presente. Como aprendemos na história do Mahābhārata, ou “A Grande Índia”, as esposas e filhas da classe governante, os kṣatriyas, conheciam o jogo político, mas em passagem alguma vê-se uma mulher recebendo o posto de líder executivo. Isso está de acordo com os preceitos da Manu-saṁhitā, mas, infelizmente, a Manu-saṁhitā agora está sendo ultrajada, e os arianos, os membros da sociedade védica, nada podem fazer. Essa é a natureza de Kali-yuga.
Nada acontece a menos que seja ordenado pelo destino.
tasyaiva hetoḥ prayateta kovido
na labhyate yad bhramatām upary adhaḥ
tal labhyate duḥkhavad anyataḥ sukhaṁ
kālena sarvatra gabhīra-raṁhasā
(Śrīmad-Bhāgavatam 1.5.18)
Devakī sabia muito bem que, como o assassinato de seus muitos filhos fora ordenado pelo destino, não se deveria culpar Kaṁsa. Não convinha dar boas instruções a Kaṁsa. Upadeśo hi murkhāṇāṁ prakopāya na śāntaye (Cāṇakya Paṇḍita). Se um tolo recebe boas instruções, ele fica cada vez mais irado. Ademais, uma pessoa cruel é mais perigosa do que uma serpente. Tanto uma serpente quanto uma pessoa cruel são cruéis, mas uma pessoa cruel é mais perigosa porque, embora uma serpente possa ser encantada por mantras ou subjugada por ervas, uma pessoa cruel não pode ser subjugada de maneira alguma. Tal era a natureza de Kaṁsa.