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VERSO 15

bṛhad upalabdham etad avayanty avaśeṣatayā
yata udayāstam-ayau vikṛter mṛdi vāvikṛtāt
ata ṛṣayo dadhus tvayi mano-vacanācaritaṁ
katham ayathā bhavanti bhuvi datta-padāni nṛṇām

bṛhat — como o Supremo; upalabdham — percebido; etat — este (mundo); avayanti — consideram; avaśeṣatayā — quanto a ele ser a base onipenetrante da existência; yataḥ — desde; udaya — a geração; astam-ayau — e dissolução; vikṛteḥ — de uma transformação; mṛdi — de argila; — como se; avikṛtāt — (o próprio Supremo) não estar sujeito a transformação; ataḥ — portanto; ṛṣayaḥ — os sábios (que compilaram os mantras védicos); dadhuḥ — colocaram; tvayi — em Vós; manaḥ — suas mentes; vacana — palavras; ācaritam — e ações; katham — como; ayathā — não como eles são; bhavanti — tornam-se; bhuvi — sobre o solo; datta — colocados; padāni — os passos; nṛṇām — de homens.

Este mundo perceptível é idêntico ao Supremo porque o Brahman Supremo é a base última de toda a existência, permanecen­do inalterado enquanto todas as coisas criadas são geradas a partir dele e acabam dissolvidas nele, assim como a argila permanece inal­terada pelos produtos feitos dela e de novo imersos nela. Assim, é para Vós somente que os sábios védicos dirigem todos os seus pensamentos, palavras e atos. Afinal, como poderiam os passos dos homens deixar de tocar a terra sobre a qual eles vivem?

SIGNIFICADO—Pode pairar alguma dúvida sobre se os mantras védicos são unânimes quando identificam a Suprema Personalidade de Deus. Afinal, alguns mantras declaram que indro yāto ’vasitasya rājā: “Indra é o rei de todos os seres móveis e inertes” (Ṛg Veda 1.32.15), enquanto outros dizem que agnir mūrdhā divaḥ: “Agni é o chefe dos céus”, e outros mantras ainda designam diferentes deidades como o Absoluto. Pareceria, então, que os Vedas apresentam uma visão politeísta do mundo.

Em resposta a essa dúvida, os próprios Vedas explicam neste verso que só pode haver uma fonte de criação universal, chamada Brahman ou Bṛhat, “o maior”, que é a verdade singular que subjaz toda a existência e a permeia. Nenhuma deidade finita como Indra ou Agni pode desempenhar esse papel único, tampouco seriam os śrutis tão ignorantes de propor tal ideia. Como aqui o indica a palavra tvayi, o Senhor Viṣṇu sozinho é a Verdade Absoluta. Indra e outros semi­deuses podem ser glorificados de várias maneiras, mas eles possuem apenas aqueles poderes que o Senhor Viṣṇu lhes concede.

Os sábios védicos compreendem que este mundo inteiro – in­clusive Indra, Agni e tudo o que é perceptível aos olhos, ouvidos e outros sentidos – é idêntico à Verdade Suprema única, a Personali­dade de Deus, de nome Bṛhat, “o maior”, porque Ele é avaśeṣa, “a substância última que permanece”. A partir do Senhor, tudo se expande no momento da criação, e nEle tudo se dissolve durante a aniquilação. Ele existe antes e depois da manifestação material como a base cons­tante, conhecida aos filósofos como a “causa constituinte”, upādāna. A despeito do fato de que incontáveis manifestações emanam dEle, o Senhor Supremo existe eternamente inalterado – uma ideia que os śrutis enfatizam aqui especificamente através da palavra avikṛtāt.

As palavras mṛdi vā (“como no caso da argila”) aludem a uma famosa analogia falada por Udālaka a seu filho Śvetaketu na Chāndogya Upaniṣad (6.4.1), vācārambhanaṁ vikāro nāmadheyaṁ mṛttikety eva satyam: “Os objetos do mundo material existem apenas como nomes, transformações definidas pela linguagem, ao passo que a causa constituinte, como a argila de que se fazem potes, é a ver­dadeira realidade.” Uma massa de argila é a causa constituinte de vários potes, estátuas etc., mas a argila em si permanece inalterada em sua essência. Por fim, os potes e outros objetos serão destruídos e voltarão a ser argila. Do mesmo modo, o Senhor Supremo é a causa constituinte total, mas Ele permanece eternamente intocado pela transformação. Esse é o significado da afirmação sarvaṁ khalv idaṁ brahma: “Tudo é Brahman.” (Chāndogya Upaniṣad 3.14.1) Admirando-se com este mistério, o grande devoto Gajendra orou:

namo namas te ’khila-kāraṇāya
niṣkāraṇāyādbhuta-kāraṇāya

“Reverências repetidas vezes a Vós, a fonte de toda a criação. Sois a inconcebível causa de todas as causas, mas Vós próprio não tendes causa.” (Śrīmad-Bhāgavatam 8.3.15)

Prakṛti, a natureza material, costuma ser considerada a causa constituinte da criação, tanto na ciência ocidental quanto nos Vedas. Isso não contradiz o fato superior de que o Senhor Supremo é a causa final, pois a prakṛti é a energia dEle e está ela mesma sujeita a mudanças.

prakṛtir yasyopādānam
ādhāraḥ puruṣaḥ paraḥ
sato ’bhivyañjakaḥ kālo
brahma tat tritayaṁ tv aham

“O universo material é real, tendo prakṛti como seu ingrediente ori­ginal e estado final. O Senhor Mahā-Viṣṇu é o lugar de repouso da natureza, que se torna manifesta pelo poder do tempo. Dessa manei­ra, a natureza, o Viṣṇu onipotente e o tempo não são diferentes de Mim, a Suprema Verdade Absoluta.” A prakṛti, porém, sofre transformações, ao passo que seu Senhor, o supremo puruṣa, não. A prakṛti é a energia externa da Personalidade de Deus, mas Ele tem outra ener­gia – Sua energia interna – que é svarūpa-bhūtā, não-diferente de Sua própria essência. A energia interna do Senhor, tal qual Ele mesmo, jamais está sujeita a mudanças materiais.

Portanto, os mantras dos Vedas, bem como os ṛṣis que receberam estes mantras em meditação e os transmitiram para o benefício da humanidade, dirigem sua atenção em primeiro lugar para a Personalidade de Deus. Os sábios védicos dirigem as atividades de sua mente e palavras – isto é, o sentido interno bem como o sentido literal (abhidhā-vṛtti) de suas afirmações –, antes de tudo, para Ele, e apenas secundariamente para transformações separadas de prakṛti, tais como Indra e outros semideuses.

Assim como os passos de um homem, quer postos sobre barro, pedra ou tijolos, não podem deixar de tocar a superfície da terra, da mesma maneira qualquer coisa que os Vedas discutam dentro do reino da geração material, eles a relacionam com a Verdade Absoluta. A literatura mundana descreve fenômenos limitados, desprezando a relação de seus sujeitos com a realidade total, mas os Vedas sempre focalizam sua visão perfeita no Supremo. Como a Chāndogya Upaniṣad afirma em suas declarações mṛttikety eva satyam e sarvaṁ khalv idaṁ brahma, a realidade é compreendida de modo adequado quando se vê tudo como dependente do Brahman, o Absoluto, para sua exis­tência. Apenas o Brahman é real, não porque nada do que vemos neste mundo seja real, mas porque o Brahman é a causa final e absoluta de tudo. Assim, a palavra satyam, como se usa em mṛttikety eva satyam, foi definida em outro contexto como “causa constituinte” por uma autoridade não menor do que o próprio Senhor Kṛṣṇa:

yad upādāya pūrvas tu
bhāvo vikurute param
ādir anto yadā yasya
tat satyam abhidhīyate

“Um objeto material, composto ele mesmo de um ingrediente essencial, cria outro objeto material através de transformação. Deste modo, um objeto criado torna-se causa e base de outro objeto criado. Uma coisa específica pode ser chamada real pelo fato de possuir a nature­za básica de outro objeto que constitui sua causa e estado original.” (Śrīmad-Bhāgavatam 11.24.18)

Explicando a palavra Brahman, Śrīla Prabhupāda escreve em Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus: “A palavra Brahman indica o maior de todos e o mantenedor de tudo. Os impersonalistas sentem-se atraídos pela grandeza do céu, mas, por causa de seu pobre fundo de conhecimento, eles não sentem atração pela grandeza de Kṛṣṇa. Em nossa vida prática, porém, sentimos atração pela grandeza de uma pessoa e não pela grandeza de uma enorme montanha. Em realidade, o termo Brahman só se pode aplicar a Kṛṣṇa, daí Arjuna admitir na Bhagavad-gītā que o Senhor Kṛṣṇa é o Para-Brahman, ou o re­pouso supremo de tudo.”

“Kṛṣṇa é o Brahman Supremo por causa de Seu conhecimento ilimitado, potências ilimitadas, força ilimitada, influência ilimitada, beleza ilimitada e renúncia ilimitada. Portanto, a palavra Brahman só pode ser aplicada a Kṛṣṇa. Arjuna afirma que, como o Brahman impes­soal é a refulgência que emana como raios do corpo transcendental de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa é o Para-Brahman. Tudo repousa em Brahman, mas o próprio Brahman repousa em Kṛṣṇa. Por isso, Kṛṣṇa é o Brahman último, ou Para-Brahman. Os elementos materiais são aceitos como energias inferiores de Kṛṣṇa porque, pela interação deles, a manifes­tação cósmica acontece, repousa em Kṛṣṇa e, depois da dissolução, torna a entrar no corpo de Kṛṣṇa como Sua energia sutil. Kṛṣṇa é, portanto, a causa tanto da manifestação quanto da dissolução.”

Em resumo, Śrīla Śrīdhara Svāmī ora:

druhiṇa-vahni-ravīndra-mukhāmarā
jagad idaṁ na bhavet pṛthag utthitam
bahu-mukhair api mantra-gaṇair ajas
tvam uru-mūrtir ato vinigadyase

“Os semideuses, encabeçados por Śiva, Agni, Sūrya e Indra, e de fato, todos os seres do universo, não vêm a existir independentemente de Vós. Os mantras dos Vedas, apesar de expressarem vários pontos de vista, todos falam sobre Vós, o Senhor não nascido que aparece em numerosas formas.”

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