VERSO 30
aparimitā dhruvās tanu-bhṛto yadi sarva-gatās
tarhi na śāsyateti niyamo dhruva netarathā
ajani ca yan-mayaṁ tad avimucya niyantṛ bhavet
samam anujānatāṁ yad amataṁ mata-duṣṭatayā
aparimitāḥ — incontáveis; dhruvāḥ — permanentes; tanu-bhṛtaḥ — as entidades vivas corporificadas; yadi — se; sarva-gatāḥ — onipresentes; tarhi — então; na — não; śāsyatā — soberania; iti — tal; niyamaḥ — domínio; dhruva — ó imutável; na — não; itarathā — do contrário; ajani — foi gerado; ca — e; yat-matam — de cuja substância; tat — daquele; avimucya — não se separando; niyantṛ — regulador; bhavet — deve ser; samam — igualmente presente; anujānatām — daqueles que supostamente conhecem; yat — que; amatam — compreenderam mal; mata — do que é conhecido; duṣṭatayā — por causa da imperfeição.
Se as incontáveis entidades vivas fossem onipenetrantes e possuíssem formas que nunca mudassem, não poderíeis ser o governante absoluto delas, ó imutável. Mas como elas são Vossas expansões localizadas e suas formas estão sujeitas a mudança, sois Vós que as controlais. De fato, aquilo que fornece os ingredientes para a produção de algo é necessariamente seu controlador, visto que um produto jamais existe separado de sua causa constituinte. É mera ilusão alguém pensar que conhece o Senhor Supremo, que está igualmente presente em cada uma de Suas expansões, pois qualquer conhecimento que se obtenha por meios materiais é certamente imperfeito.
SIGNIFICADO—Porque a alma condicionada não pode compreender diretamente o Supremo, os Vedas costumam se referir a essa Verdade Suprema usando termos impessoais tais como Brahman e oṁ tat sat. Se um erudito qualquer presume conhecer o significado confidencial dessas referências simbólicas, ele deve ser rejeitado como um impostor. Nas palavras do Śrī Kena Upaniṣad (2.1), yadi manyase su-vedeti dabhram evāpi nūnaṁ tvaṁ vettha brahmaṇo rūpaṁ, yad asya tvaṁ yad asya deveṣu: “Se acreditas conhecer bem o Brahman, então teu conhecimento é muito escasso. Se acreditas poder identificar a forma de Brahman dentre os semideuses, de fato conheces bem pouco.” Em outra passagem, afirma-se:
yasyāmataṁ tasya mataṁ
mataṁ yasya na veda saḥ
avijñātaṁ vijānatāṁ
vijñātam avijānatām
“Quem quer que negue ter alguma opinião própria sobre a Verdade Suprema está correto em sua opinião, ao passo que quem tem sua própria opinião sobre o Supremo não O conhece. Ele é desconhecido para aqueles que alegam conhecê-lO, e apenas pode ser conhecido por aqueles que não alegam conhecê-lO.” (Kena Upaniṣad 2.3)
Ācārya Śrīdhara Svāmī apresenta a seguinte explicação desse verso: Muitos filósofos estudaram os mistérios da vida de vários pontos de vista e formaram teorias extremamente diferentes. Os māyāvādīs advaitas, por exemplo, propõem que existe apenas um ser vivo e um poder de ilusão (avidyā) que o encobre, criando a aparência de pluralidade. Mas essa hipótese conduz à conclusão absurda de que, quando qualquer ser vivo se libera, todos obtêm a liberação. Se, por outro lado, há muitos avidyās para cobrir o ser vivo único, cada avidyā cobrirá apenas alguma parte dele, e teríamos de falar sobre ele tornar-se em parte liberado em ocasiões determinadas enquanto suas outras partes permanecem em cativeiro. Isso também é obviamente absurdo. Logo, a pluralidade dos seres vivos é uma conclusão inevitável.
Além disso, há outros teóricos, a saber, os proponentes da filosofia nyāya e vaiśeṣika, que sustentam que a alma jīva é infinita em tamanho. Se as almas fossem infinitesimais, argumentam esses eruditos, elas não permeariam seus próprios corpos, ao passo que, se fossem de tamanho médio, seriam divisíveis em partes e assim não poderiam ser eternas, pelo menos segundo os axiomas da metafísica nyāya-vaiśeṣika. Mas se as numerosas almas jīvas eternas são, cada uma delas, infinitamente grandes, como poderiam ser cobertas por algum poder de cativeiro, quer pertencente a avidyā, quer pertencente ao próprio Senhor Supremo? Segundo essa teoria, não pode haver ilusão para a alma, nem limitação da qual deva se libertar. As almas infinitas devem permanecer eternamente como são, sem mudança. Isso significaria que as almas seriam todas iguais a Deus, pois esse não teria campo de ação para controlar tais rivais onipenetrantes e imutáveis.
Os śruti-mantras védicos, que asseveram de modo inequívoco o domínio do Senhor sobre as almas individuais, não podem ser validamente contestados. Um verdadeiro filósofo deve aceitar as afirmações do śruti como uma autoridade confiável em todos os assuntos que abordam. Com certeza, em numerosas passagens, os textos védicos contrastam a unicidade perpétua e imutável do Senhor Supremo com as corporificações sempre mutantes dos seres vivos apanhados no ciclo de nascimentos e mortes.
Śrīla Śrīdhara Svāmī ora:
antar-yantā sarva-lokasya gītaḥ
śrutyā yuktyā caivam evāvaseyaḥ
yaḥ sarva-jñaḥ sarva-śaktir nṛṣiṁhaḥ
śrīmantaṁ taṁ cetasaivāvalambe
“Em meu coração, refugio-me nEle que é glorificado como o controlador interno de todos os mundos, e a quem os Vedas averiguam em verdade através do raciocínio lógico. Ele é Nṛsiṁha, o onisciente e onipotente Senhor da deusa da fortuna.”