VERSO 39
yadi na samuddharanti yatayo hṛdi kāma-jaṭā
duradhigamo ’satāṁ hṛdi gato ’smṛta-kaṇṭha-maṇiḥ
asu-tṛpa-yoginām ubhayato ’py asukhaṁ bhagavann
anapagatāntakād anadhirūḍha-padād bhavataḥ
yadi — se; na samuddharanti — não erradicam; yatayaḥ — pessoas na ordem de vida renunciada; hṛdi — em seus corações; kāma — do desejo material; jaṭāḥ — os vestígios; duradhigamaḥ — impossível de ser compreendido; asatām — para os impuros; hṛdi — no coração; gataḥ — tendo entrado; asmṛta — esquecida; kaṇṭha — no pescoço; maṇiḥ — uma joia; asu — seus ares vitais; tṛpa — que satisfazem; yoginām — para praticantes de yoga; ubhayataḥ — em ambos (os mundos); api — mesmo; asukham — infelicidade; bhagavan — ó Personalidade de Deus; anapagata — que não foi embora; antakāt — da morte; anadhirūḍha — não conseguido; padāt — cujo reino; bhavataḥ — de Vós.
Os membros da ordem renunciada que não conseguem erradicar os últimos vestígios do desejo material de seus corações permanecem impuros, razão pela qual não permitis que eles Vos compreendam. Embora estejais presente em seus corações, para eles sois como uma joia usada no pescoço de um homem que esqueceu totalmente que ela está ali. Ó Senhor, aqueles que praticam yoga apenas para o gozo dos sentidos devem ser castigados tanto nesta vida quanto na próxima: pela morte, que não os deixará, e por Vós, cujo reino eles não poderão alcançar.
SIGNIFICADO—A mera exibição de renúncia não basta para que alguém tenha acesso ao reino de Deus. É compulsório passar por uma total mudança de coração, cujos sintomas são uma completa falta de interesse pelos autodestrutivos hábitos de gozo dos sentidos, tanto grosseiros como sutis. Não só deve o verdadeiro sábio abster-se até mesmo de pensar em sexo ilícito, consumo de carne, intoxicação e jogatina, como deve também abandonar seus desejos de reputação e posição. Todas juntas, essas exigências resultam em um desafio formidável, mas os frutos da verdadeira renúncia em consciência de Kṛṣṇa compensam uma vida inteira de empenho.
A Muṇḍaka Upaniṣad (3.2.2) confirma as declarações deste verso, kāmān yaḥ kāmayate manyamānaḥ sa karmabhir jāyate tatra tatra: “Mesmo um renunciante reflexivo, se mantiver desejos mundanos, será forçado por suas reações kármicas a nascer repetidas vezes em várias circunstâncias.” Filósofos e yogīs trabalham arduamente para livrar-se de nascimentos e mortes, mas porque não estão dispostos a abandonar sua orgulhosa independência, suas meditações carecem de devoção ao Senhor Supremo, de forma que eles não atingem a perfeição da renúncia – o amor puro por Deus. Esse amor puro é a única meta de um vaiṣṇava sincero, e, portanto, ele deve ser vigilante e resistir às tentações naturais, que se apresentam sob a forma de lucro, adoração e distinção, e também ao impulso de se fundir num esquecimento impessoal que tudo consome. Como afirma Śrīla Rūpa Gosvāmī em seu Bhakti-rasāmṛta-sindhu (1.1.11):
anyābhilāṣitā-śūnyaṁ
jñāna-karmādy-anāvṛtam
ānukūlyena kṛṣṇānu-
śīlanaṁ bhaktir uttamā
“Quando se desenvolve o serviço devocional de primeira classe, a pessoa deve estar destituída de todos os desejos materiais, do conhecimento obtido pela filosofia monística e da ação fruitiva. O devoto deve servir a Kṛṣṇa constante e favoravelmente, como Kṛṣṇa deseja.”
Para aqueles que se submetem à rigorosa disciplina do yoga apenas para agradar aos sentidos, é inevitável o sofrimento prolongado. Fome, doença, degeneração na velhice, ferimentos por acidentes, violência infligida pelos outros – estas são algumas das ilimitadas variedades de sofrimento que se pode experimentar em vários graus neste mundo. E, no final, a morte está esperando, seguida de doloroso castigo pelas atividades pecaminosas. Sobretudo aqueles que se entregaram livremente ao gozo dos sentidos à custa da vida alheia podem esperar um castigo tão severo que é inimaginável. Mas a maior dor da existência material não é a desgraça nesta vida ou ser mandado para o inferno após a morte: é o vazio em que se encontra alguém que se esqueceu de sua relação eterna com a Personalidade de Deus.
Śrīla Śrīdhara Svāmī ora:
dambha-nyāsa-miṣeṇa vañcita-janaṁ bhogaika-cintāturaṁ
sammuhyantam ahar-niśaṁ viracitodyoga-klamair ākulam
ājñā-laṅghinam ajñam ajña-janatā-sammānanāsan-madaṁ
dīnānātha dayā-nidhāna paramānanda prabho pāhi mām
“O hipócrita que engana a si próprio com uma simulação de renúncia pensa somente em gozo dos sentidos e, por isso, sofre constantemente. Confuso dia e noite, ele é dominado pelos inesgotáveis esforços que inventa para si. Esse tolo desobedece a Vossas leis e se corrompe devido ao anseio de ser respeitado por outros tolos. Ó protetor dos caídos, ó outorgador de misericórdia, ó mestre sumamente bem-aventurado, por favor, salvai essa pessoa, que sou eu mesmo.”