VERSO 22
pracoditā yena purā sarasvatī
vitanvatājasya satīṁ smṛtiṁ hṛdi
sva-lakṣaṇā prādurabhūt kilāsyataḥ
sa me ṛṣīṇām ṛṣabhaḥ prasīdatām
pracoditā — inspirado; yena — por quem; purā — no começo da criação; sarasvatī — a deusa da sabedoria; vitanvatā — ampliada; ajasya — de Brahmā, o primeiro ser vivo criado; satīm smṛtim — memória potente; hṛdi — no coração; sva — em seu próprio; lakṣaṇā — visando a; prādurabhūt — foi gerado; kila — como que; āsyataḥ — da boca; saḥ — ele; me — comigo; ṛṣīṇām — dos mestres; ṛṣabhaḥ — o principal; prasīdatām — fique satisfeito.
Que o Senhor, que no começo da criação ampliou o potente conhecimento de Brahmā, que lhe foi transmitido do interior de seu coração, e o inspirou dando-lhe conhecimento acerca da criação e acerca do Seu próprio eu, e que pareceu ser gerado da boca de Brahmā, fique satisfeito comigo.
SIGNIFICADO—Como já comentamos anteriormente neste texto, o Senhor, como a Superalma em todos os seres vivos, desde Brahmā até a formiga insignificante, dota todos com o necessário conhecimento potente em todo ser vivo. O ser vivo é suficientemente potente para possuir conhecimento do Senhor na proporção de três quartos e três centésimos, ou setenta e oito por cento, de todo o conhecimento obtenível. Como é parte integrante do Senhor, o ser vivo é incapaz de assimilar todo o conhecimento que o próprio Senhor possui. No estado condicionado, o ser vivo sujeita-se a esquecer tudo após a mudança corpórea conhecida como morte. No interior do coração de cada ser vivo, o Senhor volta a inspirar nele este conhecimento potente, e tal fenômeno é conhecido como o despertar do conhecimento, pois se compara ao momento em que alguém desperta do sono ou da inconsciência. Esse despertar de conhecimento está sob pleno controle do Senhor, de modo que observamos no mundo prático que diferentes pessoas possuem diferentes graus de conhecimento. Esse despertar de conhecimento não é uma interação automática ou material. A fonte supridora é o próprio Senhor (dhiyāṁ patiḥ), pois até mesmo Brahmā também está sujeito a essa regulação do criador supremo. No começo da criação, o primeiro a nascer é Brahmā, e, em seu nascimento, não existe a participação de nenhum pai ou mãe porque, antes de Brahmā, não havia quaisquer outros seres vivos. Brahmā nasce do lótus que cresce do abdômen de Garbhodakaśāyī Viṣṇu, em virtude do que ele é conhecido como Aja. Este Brahmā, ou Aja, também é um ser vivo, parte integrante do Senhor, mas, sendo o mais piedoso devoto do Senhor, Brahmā é inspirado pelo Senhor a criar, logo após a criação principal que o Senhor executa, por intermédio da natureza material. Portanto, nem a natureza material nem Brahmā são independentes do Senhor. Os cientistas materialistas podem meramente observar as reações da natureza material sem compreender o comando por trás dessas atividades, como uma criança pode ver a ação da eletricidade sem perceber o engenheiro que trabalha na central geradora. Esse conhecimento imperfeito que o cientista materialista possui deve-se a um pobre fundo de conhecimento. O conhecimento védico, portanto, foi primeiramente transmitido a Brahmā, e parece que Brahmā distribuiu o conhecimento védico. Sem dúvida, Brahmā é o orador do conhecimento védico, mas, na verdade, ele foi inspirado pelo Senhor a receber esse conhecimento transcendental, como advém diretamente do Senhor. Os Vedas, portanto, são chamados apauruṣeya, ou não são transmitidos por nenhum ser criado. Antes da criação, o Senhor existia (nārāyaṇaḥ paro ’vyaktāt), de modo que as palavras faladas pelo Senhor são vibrações de som transcendental. Existe um abismo de diferença entre as duas qualidades de som, a saber, prākṛta e aprākṛta. O físico pode lidar apenas com o som prākṛta, ou o som vibrado no céu material, e, portanto, devemos saber que os sons védicos registrados em expressões simbólicas não podem ser compreendidos por alguém dentro do universo que não tenha sido inspirado pela vibração do som sobrenatural (aprākṛta), o qual desce na corrente de sucessão discipular, vindo do Senhor até Brahmā, de Brahmā a Nārada, de Nārada a Vyāsa e assim por diante. Nenhum erudito mundano pode traduzir ou revelar o verdadeiro significado dos mantras (hinos) védicos. Eles só podem ser compreendidos por alguém que seja inspirado ou iniciado pelo mestre espiritual autorizado. O mestre espiritual original é o próprio Senhor, e a sucessão desce através das fontes do paramparā, como se afirma claramente no quarto capítulo da Bhagavad-gītā. Logo, enquanto não receber do paramparā autorizado o conhecimento transcendental, a pessoa deverá ser considerada inútil (niṣphalā matāḥ), muito embora possa ser grandemente qualificada nos progressos mundanos das artes ou das ciências.
Śukadeva Gosvāmī está orando para que o Senhor o inspire internamente a fim de que possa explicar de forma correta os fatos e aspectos da criação sobre os quais Mahārāja Parīkṣit perguntou. O mestre espiritual não é um especulador teórico, como o erudito mundano, mas é śrotriyaṁ brahma-niṣṭham.