VERSO 24
so ’haṅkāra iti prokto
vikurvan samabhūt tridhā
vaikārikas taijasaś ca
tāmasaś ceti yad-bhidā
dravya-śaktiḥ kriyā-śaktir
jñāna-śaktir iti prabho
saḥ — a mesmíssima coisa; ahaṅkāraḥ — ego; iti — assim; proktaḥ — dito; vikurvan — sendo transformado; samabhūt — tornou-se manifesto; tridhā — em três aspectos; vaikārikaḥ — no modo da bondade; taijasaḥ — no modo da paixão; ca — e; tāmasaḥ — no modo da ignorância; ca — também; iti — assim; yat — que é; bhidā — dividido; dravya-śaktiḥ — os poderes que propiciam o desenvolvimento da matéria; kriyā-śaktiḥ — iniciação que cria; jñāna-śaktiḥ — inteligência que orienta; iti — assim; prabho — ó mestre.
Ao submeter-se a essa transformação e assumir três aspectos, o ego materialista autocentrado torna-se conhecido como os modos da bondade, paixão e ignorância em três divisões, a saber, os poderes que proporcionam o desenvolvimento da matéria, o conhecimento das criações materiais, e a inteligência que guia essas atividades materialistas. Nārada, és bastante competente para compreender isso.
SIGNIFICADO—O ego material, ou o sentido de identificação com a matéria, é grosseiramente autocentrado, desprovido de conhecimento claro da existência de Deus. E esse egoísmo autocentrado das entidades vivas materialistas é a causa de elas serem condicionadas por outras parafernálias e continuarem seu cativeiro na existência material. Na Bhagavad-gītā, esse egoísmo autocentrado é muito bem explicado no sétimo capítulo (versos 24 a 27). O impersonalista egocêntrico, sem um conceito claro sobre a Personalidade de Deus, conclui a seu próprio modo que, para desempenhar uma missão específica, a Personalidade de Deus assume uma forma material proveniente de Sua original existência espiritual impessoal. E o impersonalista egocêntrico não deixa de cultivar sobre o Senhor Supremo esse conceito enganoso, muito embora ele aparente estar muito interessado nos textos védicos, tais como os Brahma-sūtras e outras fontes de conhecimento altamente intelectuais. Essa ignorância a respeito do aspecto pessoal do Senhor se deve à simples ignorância a respeito da mistura dos diferentes modos. Assim, o impersonalista não pode conceber a eterna forma espiritual do Senhor, que possui conhecimento, bem-aventurança e existência eternos. A razão é que o Senhor reserva-Se o direito de não Se expor ao não-devoto que, mesmo após um completo estudo de textos como a Bhagavad-gītā, permanece um impersonalista por mera obstinação. Essa obstinação deve-se à ação de yogamāyā, uma energia pessoal do Senhor que atua como um ajudante de campo, cobrindo a visão do impersonalista obstinado. Semelhante ser humano confuso é descrito como mūḍha, ou grosseiramente ignorante, pois é incapaz de compreender que a forma transcendental do Senhor é não-nascida e imutável. Se o Senhor assume uma forma ou formato material que provém de Seu aspecto impessoal original, isso significa, então, que Ele nasce e muda de impessoal a pessoal. Mas Ele não é mutável. Tampouco volta a nascer alguma vez como faz a alma condicionada. A alma condicionada pode assumir uma forma nascimento após nascimento devido à sua existência material condicionada, mas os impersonalistas egocêntricos, com sua ignorância crassa, aceitam o Senhor como um deles devido ao egoísmo autocentrado, mesmo após o aparente avanço de conhecimento no Vedānta. O Senhor, estando situado dentro do coração de cada entidade viva individual, conhece muito bem como o passado, o presente e o futuro influenciam a tendência que as almas condicionadas têm, mas a alma condicionada e confusa dificilmente pode conhecê-lO em Sua forma eterna. Pela vontade do Senhor, portanto, o impersonalista, mesmo após conhecer os aspectos Brahman e Paramātmā do Senhor, permanece ignorando Seu aspecto pessoal eterno como o Nārāyaṇa sempre existente, transcendental a toda a criação material.
causa dessa ignorância crassa é a constante ocupação do homem materialista em atividades que o fazem aumentar artificialmente as exigências materiais. Para compreender a Suprema Personalidade de Deus, é preciso purificar os sentidos materiais através do serviço devocional. O modo da bondade, ou a cultura bramânica recomendada nos textos védicos, favorece essa percepção espiritual, e, dessa maneira, a fase jñāna-śakti da alma condicionada é comparativamente melhor do que as outras duas etapas, a saber, dravya-śakti e kriyā-śakti. Toda a civilização material manifesta-se através de um grande acúmulo de substâncias materiais, ou, em outras palavras, matérias-primas para fins industriais, e os empreendimentos materiais (kriyā-śakti) devem-se todos à ignorância grosseira a respeito da vida espiritual. A fim de corrigir essa grande anomalia da civilização materialista, baseada nos princípios de dravya-śakti e kriyā-śakti, a pessoa deve adotar o processo de serviço devocional ao Senhor, aceitando os princípios de karma-yoga, mencionados na Bhagavad-gītā (9.27) da seguinte maneira:
yat karoṣi yad aśnāsi
yaj juhoṣi dadāsi yat
yat tapasyasi kaunteya
tat kuruṣva mad-arpaṇam
“Tudo o que fizeres, tudo o que comeres, tudo o que ofereceres ou deres, e quaisquer austeridades que executares – faze isso, ó filho de Kuntī, como uma oferenda a Mim.”