VERSO 36
nato ’smy ahaṁ tac-caraṇaṁ samīyuṣāṁ
bhavac-chidaṁ svasty-ayanaṁ sumaṅgalam
yo hy ātma-māyā-vibhavaṁ sma paryagād
yathā nabhaḥ svāntam athāpare kutaḥ
nataḥ — ofereço minhas reverências; asmi — sou; aham — eu; tat — do Senhor; caraṇam — pés; samīyuṣām — da alma rendida; bhavat-chidam — aquilo que interrompe os repetidos nascimentos e mortes; svasti-ayanam — percepção de toda a felicidade; su-maṅgalam — muito auspicioso; yaḥ — aquele que; hi — exatamente; ātma-māyā — energias pessoais; vibhavam — potência; sma — decerto; paryagāt — não pode estimar; yathā — tanto quanto; nabhaḥ — o céu; sva-antam — seu próprio limite; atha — portanto; apare — outros; kutaḥ — como.
Portanto, é melhor que eu me renda aos Seus pés, que por si só podem liberar a pessoa, livrando-a dos sofrimentos que se apresentam sob a forma de repetidos nascimentos e mortes. Semelhante rendição é muito auspiciosa e permite que a pessoa perceba toda a felicidade. Nem mesmo o céu pode estimar os limites de sua própria expansão. Assim, o que podem fazer os outros quando o próprio Senhor é incapaz de calcular Seus próprios limites?
SIGNIFICADO—O senhor Brahmā, o maior de todos os seres vivos eruditos, o maior sacrificador, o maior cumpridor da vida austera e o maior místico autorrealizado, aconselha-nos, como o mestre espiritual supremo de todos os seres vivos, que a pessoa deve simplesmente se render aos pés de lótus do Senhor para alcançar todo o sucesso, podendo até mesmo libertar-se das tribulações da vida material e alcançar a existência espiritual inteiramente auspiciosa. O senhor Brahmā é conhecido como pitāmaha, ou o pai do pai. Um jovem pede a seu pai experiente conselhos sobre o desempenho de seus deveres. Logo, o pai é, por natureza, um bom conselheiro. Contudo, o senhor Brahmā é o pai de todos os pais. Ele é o pai do pai de Manu, que é o pai da humanidade em todos os planetas universais. Portanto, os homens deste planeta insignificante devem aceitar gentilmente a instrução de Brahmājī e fariam muito bem em renderem-se aos pés de lótus do Senhor ao invés de tentarem calcular o comprimento e a largura das potências do Senhor. Suas potências são imensuráveis, como se confirma nos Vedas. Parāsya śaktir vividhaiva śrūyate svābhāvikī jñāna-bala-kriyā ca (Śvetāśvatara Upaniṣad 6.8). Ele é o maior de todos, e todos os outros, até mesmo o maior de todos os seres vivos, Brahmājī, admitem que a melhor coisa para nós é rendermo-nos a Ele. Portanto, somente aquelas pessoas com um paupérrimo fundo de conhecimento alegam que elas próprias são os senhores de tudo o que alcançam com seus olhos. E o que seus olhos podem alcançar? Não podem sequer examinar o comprimento e a largura de ume pequeno céu em um pequeno universo. O suposto cientista materialista diz que precisaria viver quarenta mil anos para alcançar o planeta mais elevado do universo, sendo transportado por um esputinique. Isso também é utópico, pois ninguém pode esperar viver quarenta mil anos. Além disso, quando o piloto espacial retornasse de sua viagem, nenhum de seus amigos estaria presente para acolhê-lo como o maior astronauta, pois é isso que está em voga entre os perplexos cientistas. Um cientista, que não acreditava em Deus, estava muito entusiasmado com os seus planos para a manutenção da sua existência material e, por isso, abriu um hospital para preservar a vida. Contudo, após abrir o hospital, ele próprio morreu dentro de seis meses. Assim, a pessoa não deve arruinar sua vida humana, que é obtida após muitas e muitas mudanças de corpos em 8.400.000 espécies de vida, simplesmente em troca de uma aparente felicidade na vida material, tentando aumentar artificialmente as necessidades em nome do avanço do desenvolvimento econômico e do conhecimento científico. Ao contrário, a pessoa deve simplesmente render-se aos pés do Senhor para dar solução a todos os sofrimentos da vida. Esta é a instrução que o Senhor Kṛṣṇa dá diretamente na Bhagavad-gītā, e essa é a instrução que é transmitida no Śrīmad-Bhāgavatam por Brahmājī, o pai supremo de todos os seres vivos.
Qualquer pessoa que negue este processo de rendição recomendado na Bhagavad-gītā e no Śrīmad-Bhāgavatam – e, por sinal, em todas as escrituras autorizadas – será forçada a render-se às leis da natureza material. A entidade viva, por sua posição constitucional, não é independente. Ela deve render-se, ou ao Senhor, ou à natureza material. A natureza material também não é independente do Senhor, pois o próprio Senhor alega que a natureza material é mama māyā, ou “Minha energia” (Bhagavad-gītā 7.14), e me bhinnā prakṛtir aṣṭadhā, ou “Minha energia separada em oito divisões” (Bhagavad-gītā 7.4). Portanto, a natureza material também é controlada pelo Senhor, como Ele próprio afirma na Bhagavad-gītā (9.10). Mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ sūyate sacarācaram: “Unicamente sob Minha direção a natureza material está funcionando, e, por isso, tudo está se movendo.” E as entidades vivas, sendo uma energia superior à matéria, têm escolha e discriminação para renderem-se ao Senhor ou para renderem-se à natureza material. Rendendo-se ao Senhor, a pessoa é feliz e liberada, ao passo que, rendendo-se à natureza material, a entidade viva sofre. Logo, o fim de todo o sofrimento significa render-se ao Senhor, pois o próprio processo de rendição é bhava-cchidam (ficar livre de todos os sofrimentos materiais), svasty-ayanam (perceber toda a felicidade) e sumaṅgalam (a fonte de tudo o que é auspicioso).
Portanto, a liberdade, a felicidade e toda a boa fortuna podem ser alcançadas apenas através da rendição ao Senhor, visto que Ele é liberdade plena, felicidade plena e auspiciosidade plena. Semelhante liberação e felicidade também são ilimitadas e são comparadas ao céu, embora essa liberação e felicidade sejam infinitamente maiores do que o céu. Em nossa posição atual, podemos simplesmente entender a magnitude da grandeza quando ela é comparada ao céu. Não conseguimos medir o céu, mas a felicidade e a liberdade obtidas na associação com o Senhor são muito maiores do que o céu. Essa felicidade espiritual é tão grande que não pode ser medida, nem mesmo pelo próprio Senhor, e muito menos pelos outros.
Nas escrituras, declara-se que brahma-saukhyaṁ tv anantam: a felicidade espiritual é ilimitada. Aqui se diz que nem mesmo o Senhor pode medir essa felicidade. Isso não significa que o Senhor não pode medi-la e, portanto, seja imperfeito nesse sentido. A verdadeira posição é que o Senhor pode medi-la, mas, tendo-se em conta o conhecimento absoluto, a felicidade no Senhor também é idêntica ao Senhor. Logo, a felicidade proveniente do Senhor pode ser medida pelo Senhor, mas a felicidade volta a aumentar, e o Senhor volta a medi-la, após o que a felicidade volta a aumentar mais e mais, e o Senhor a mede mais e mais, e, nesse caso, existe eternamente uma competição entre o aumento e a medida, tanto que a competição nunca termina, senão que continua ilimitadamente ad infinitum. A felicidade espiritual é ānandāmbudhi-vardhanam, ou o oceano de felicidade crescente. O oceano material é estagnado, enquanto o oceano espiritual é dinâmico. No Caitanya-caritāmṛta (Ādi-līlā, Quarto Capítulo), Kavirāja Gosvāmī descreve muito bem como este dinâmico oceano de felicidade espiritual aumenta na pessoa transcendental de Śrīmatī Rādhārāṇī, a potência de prazer do Senhor Kṛṣṇa.