VERSO 36
etāvad eva jijñāsyaṁ
tattva-jijñāsunātmanaḥ
anvaya-vyatirekābhyāṁ
yat syāt sarvatra sarvadā
etāvat — até este ponto; eva — decerto; jijñāsyam — deve ser indagado; tattva — a Verdade Absoluta; jijñāsunā — pelo estudante; ātmanaḥ — do Eu; anvaya — diretamente; vyatirekābhyām — indiretamente; yat — tudo aquilo; syāt — que seja; sarvatra — em todo o espaço e tempo; sarvadā — em todas as circunstâncias.
A pessoa que busca a Suprema Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, deve decerto empreender essa busca em todas as circunstâncias, em todo espaço e tempo, tanto direta quanto indiretamente, até este ponto.
SIGNIFICADO—Desvendar o mistério de bhakti-yoga, como se explicou no verso anterior, é a última fase de todas as indagações ou o objetivo máximo do indagador. Todos estão buscando a autorrealização de diferentes maneiras mediante karma-yoga, jñāna-yoga, dhyāna-yoga, rāja-yoga, bhakti-yoga etc. Ocupar-se em autorrealização é uma responsabilidade de toda entidade viva de consciência desenvolvida. Quem tem consciência desenvolvida com certeza faz indagações sobre o mistério do eu, sobre a situação cósmica e os problemas da vida, em todas as esferas e campos – social, político, econômico, cultural, religioso, moral etc. – e em seus diferentes ramos. Mas aqui se explica a meta de todas essas indagações.
A filosofia do Vedānta-sūtra começa com esta pergunta sobre a vida, e o Bhāgavatam dá a essas indagações toda esta resposta que esclarece o mistério de todas as indagações. O senhor Brahmā queria ser perfeitamente instruído pela Personalidade de Deus, e eis a resposta do Senhor, concluída em quatro versos concisos, de aham eva até este verso, etāvad eva. Este é o final de todos os processos de autorrealização. Os homens não sabem que a meta última da vida é Viṣṇu, ou a Suprema Personalidade de Deus, pois estão confusos pelo reflexo ofuscante na escuridão, e, nesse caso, todos estão entrando na região mais escura da existência material, impelidos pelos sentidos descontrolados. Toda a existência material surgiu por causa do gozo dos sentidos, desejos baseados principalmente no desejo sexual, e o resultado é que, apesar de todo o avanço do conhecimento, a meta final de todas as atividades das entidades vivas é o gozo dos sentidos. Mas aqui está a verdadeira meta da vida, e todos devem conhecê-la, fazendo perguntas a um mestre espiritual autêntico, versado na ciência de bhakti-yoga, ou a uma personalidade que leva uma vida Bhāgavatam. Todos se dedicam a fazer várias indagações sobre as escrituras, mas o Śrīmad-Bhāgavatam fornece as respostas a todos os vários estudantes da autorrealização: este objetivo último da vida não será alcançado sem muito esforço ou perseverança. Quem se interessa em fazer essas sinceras indagações deve dirigir-se ao mestre espiritual autêntico que está na sucessão discipular de Brahmājī, e esta é a orientação dada aqui. Porque o mistério foi revelado diante de Brahmājī pela Suprema Personalidade de Deus, o mistério de todas essas perguntas sobre a autorrealização deve ser apresentado a semelhante mestre espiritual, que, como representante direto do Senhor, é reconhecido nessa sucessão discipular. Semelhante mestre espiritual genuíno é capaz de deixar tudo claro, mostrando provas diretas e indiretas contidas nas escrituras reveladas. Embora todos sejam livres para consultar as escrituras reveladas e saber o que elas dizem a esse respeito, é preciso orientação de um mestre espiritual genuíno, e esse verso faz essa referência. O mestre espiritual genuíno é o representante mais íntimo do Senhor, e, ao receber a instrução do mestre espiritual, é preciso ter o mesmo espírito que teve Brahmājī ao recebê-la da Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa. O mestre espiritual genuíno que está nesta corrente de sucessão discipular autêntica jamais alega que é o próprio Senhor, embora esse mestre espiritual seja maior do que o Senhor no sentido de que, usando a experiência que ele pessoalmente põe em prática, ele pode dar o Senhor a todos. O Senhor não pode ser encontrado simplesmente através da educação ou de um invejável cérebro prolífico, mas com certeza Ele pode ser encontrado pelo estudante sincero através do meio transparente do mestre espiritual genuíno.
As escrituras reveladas dão orientações diretamente com essa finalidade, mas, como estão cegas por causa do fulgurante reflexo na escuridão, as entidades vivas confusas são incapazes de encontrar a verdade das escrituras reveladas. Na Bhagavad-gītā, por exemplo, toda orientação parte em direção à Personalidade de Deus, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, mas, na falta um mestre espiritual autêntico na linha de Brahmājī ou na falta de alguém que ouça diretamente como Arjuna, o conhecimento revelado sofre diferentes distorções produzidas por muitas pessoas não autorizadas que apenas querem satisfazer seus próprios caprichos. Sem dúvida, a Bhagavad-gītā é aceita como uma das estrelas mais brilhantes no horizonte do céu espiritual, apesar do que as interpretações desse grande livro de conhecimento têm sido distorcidas tão grosseiramente que todo estudante da Bhagavad-gītā continua na mesma escuridão em que predominam os fulgurantes reflexos materiais. Esses estudantes dificilmente são iluminados pela Bhagavad-gītā. Na Gītā, praticamente se transmite a mesma instrução dos quatro versos primordiais do Bhāgavatam, mas, por estarem na moda interpretações erradas feitas por pessoas desautorizadas, ninguém pode alcançar a conclusão última. Na Bhagavad-gītā (18.61), afirma-se claramente:
īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ
hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati
bhrāmayan sarva-bhūtāni
yantrārūḍhāni māyayā
O Senhor está situado no coração de todos os seres vivos (como Paramātmā) e, no mundo material, Ele controla todos eles por intermédio da ação de Sua energia externa. Por isso, menciona-se com clareza que o Senhor é o controlador supremo e que as entidades vivas são controladas pelo Senhor. Na mesma Bhagavad-gītā (18.65), o Senhor apresenta a seguinte orientação:
man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru
mām evaiṣyasi satyaṁ te
pratijāne priyo ’si me
Neste verso da Bhagavad-gītā, fica claro que o Senhor orienta que a pessoa deve pensar em Deus e ser devoto do Senhor, adorar o Senhor e oferecer todas as reverências ao Senhor Kṛṣṇa. Tomando essa atitude, o devoto certamente regressará ao Supremo, regressará ao lar.
Afirma-se indiretamente que toda a estrutura social védica da sociedade humana é construída de maneira tal que todos ajam como parte integrante do corpo completo do Senhor. A classe de homens inteligentes, ou os brāhmaṇas, está situada no rosto do Senhor; a classe de homens administradores, os kṣatriyas, situa-se nos braços do Senhor; a classe dos homens produtores, os vaiśyas, situa-se na cintura do Senhor, e a classe dos homens trabalhadores, os śūdras, está situada nas pernas do Senhor. Portanto, a estrutura social completa é o corpo do Senhor, e todas as partes do corpo, a saber, os brāhmaṇas, os kṣatriyas, os vaiśyas e os śūdras destinam-se a servir em conjunto todo o corpo do Senhor; caso contrário, as partes se tornam inadequadas para se coordenarem com a consciência suprema de unidade. A consciência universal é de fato alcançada através do serviço coordenado que todas as pessoas envolvidas prestam à Suprema Personalidade de Deus, e só isso pode garantir a perfeição total. Por conseguinte, nem mesmo os grandes cientistas, os grandes filósofos, os grandes especuladores mentais, os grandes políticos, os grandes industriais, os grandes reformadores sociais etc. podem dar algum alívio à inquieta sociedade do mundo material, dado que eles não conhecem o segredo do sucesso mencionado neste verso do Bhāgavatam, a saber, que é preciso conhecer o mistério de bhakti-yoga. Na Bhagavad-gītā (7.15), também se diz:
na māṁ duṣkṛtino mūḍhāḥ
prapadyante narādhamāḥ
māyayāpahṛta-jñānā
āsuraṁ bhāvam āśritāḥ
Porque os assim chamados grandes líderes da sociedade humana ignoram este grande conhecimento do bhakti-yoga e, ocupados em atos ignóbeis, vivem buscando o gozo dos sentidos, desorientados pela energia externa do Senhor, eles obstinadamente se rebelam contra a supremacia da Suprema Personalidade de Deus e jamais concordam em render-se a Ele porque são tolos, e o tipo mais baixo de seres humanos. Esses descrentes e infiéis talvez sejam muito educados do ponto de vista material, mas, na realidade, são os maiores tolos do mundo, visto que, pela influência da natureza material externa, toda a sua aparente aquisição de conhecimento tornou-se nula e vazia. Portanto, dentro desse contexto, todo o avanço de conhecimento está sendo inutilizado por cães e gatos que lutam entre si em busca de gozo dos sentidos, e toda a aquisição de conhecimento em ciência, filosofia, belas artes, nacionalismo, desenvolvimento econômico, religião e outras importantes atividades está sendo desperdiçada porque são como vestes de um cadáver. Não há utilidade no pano utilizado para cobrir um caixão de defunto, pois ele só serve para arrancar falsos aplausos do público ignorante. O Śrīmad-Bhāgavatam, portanto, não se cansa de dizer que, sem alcançar a posição de bhakti-yoga, todas as atividades da sociedade humana devem ser consideradas fracassos absolutos. Está dito:
parābhavas tāvad abodha-jāto
yāvan na jijñāsata ātma-tattvam
yāvat kriyās tāvad idaṁ mano vai
karmātmakaṁ yena śarīra-bandhaḥ
(Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.5)
Enquanto a pessoa não passar a indagar sobre a autorrealização, todas as atividades materiais, por maiores que sejam, são diferentes espécies de derrota, pois a meta da vida humana não é alcançada com essas atividades indesejáveis e improfícuas. A função do corpo humano é libertar-se do cativeiro material, mas, enquanto o indivíduo estiver muito absorto em atividades materiais, sua mente estará agitada no redemoinho da matéria e, assim, ele continuará aprisionado em corpos materiais, vida após vida.
evaṁ manaḥ karma-vaśaṁ prayuṅkte
avidyayātmany upadhīyamāne
prītir na yāvan mayi vāsudeve
na mucyate deha-yogena tāvat
(Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.6)
É a mente que gera diferentes espécies de corpos nos quais a pessoa sofre diferentes espécies de dores materiais. Portanto, enquanto a mente estiver absorta em atividades fruitivas, entende-se que a mente está absorta em ignorância, e assim é certo que a pessoa se sujeitará ao cativeiro material em diferentes corpos reiteradas vezes até desenvolver amor transcendental por Deus, Vāsudeva, a Pessoa Suprema. Absorver-se no nome, qualidade, forma e atividades transcendentais da Pessoa Suprema, Vāsudeva, significa mudar a atitude mental, trocando a matéria pelo conhecimento absoluto, que conduz a pessoa ao caminho da percepção absoluta e, assim, liberta-a do cativeiro do contato material e dos aprisionamentos em diferentes corpos materiais.
Śrīla Jīva Gosvāmī Prabhupāda, portanto, comenta as palavras sarvatra sarvadā no sentido de que os princípios de bhakti-yoga, ou o serviço devocional ao Senhor, são apropriados em todas as circunstâncias; isto é, recomenda-se bhakti-yoga em todas as escrituras reveladas, todas as autoridades praticam, é importante em todos os lugares, é útil em todas as causas e efeitos etc. No que diz respeito a todas as escrituras reveladas, ele cita o Skanda Purāṇa nos tópicos de Brahmā e Nārada como segue:
saṁsāre ’smin mahā-ghore
janma-mṛtyu-samākule
pūjanaṁ vāsudevasya
tārakaṁ vādibhiḥ smṛtam
No mundo material, que está cheio de trevas e perigos, nascimento, morte e diferentes ansiedades, o único meio para sair do grande enredamento é aceitar o transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor Vāsudeva. Isso é aceito por todas as classes de filósofos.
Śrīla Jīva Gosvāmī também cita outra passagem comum, encontrada em três Purāṇas, a saber, Padma Purāṇa, Skanda Purāṇa e Liṅga Purāṇa. O texto é o seguinte:
āloḍya sarva-śāstrāni
vicārya ca punaḥ punaḥ
idam ekaṁ suniṣpannaṁ
dhyeyo nārāyaṇaḥ sadā
“Fazendo um exame minucioso de todas as escrituras reveladas e uma repetida avaliação delas, chega-se à conclusão de que o Senhor Nārāyaṇa é a Suprema Verdade Absoluta e, portanto, somente Ele deve ser adorado.”
O Garuḍa Purāṇa também faz acerca dessa mesma verdade a seguinte descrição indireta:
parāṁ gato ’pi vedānāṁ
sarva-śāstrārtha-vedy api
yo na sarveśvare bhaktas
taṁ vidyāt puruṣādhamam
“Muito embora alguém tenha ido até o outro lado de todos os Vedas, e embora ele seja versado em todas as escrituras reveladas, se ele não for um devoto do Senhor Supremo, deverá ser considerado o mais baixo da humanidade.” De modo semelhante, isso também é declarado indiretamente no Śrīmad-Bhāgavatam (5.18.12) da seguinte maneira:
yasyāsti bhaktir bhagavaty akiñcanā
sarvair guṇais tatra samāsate surāḥ
harāv abhaktasya kuto mahad-guṇā
mano-rathenāsati dhāvato bahiḥ
Quem tem devoção inabalável à Suprema Personalidade de Deus certamente possui todas as boas qualidades dos semideuses, mas, por outro lado, quem não é devoto do Senhor certamente está pairando nas trevas da especulação mental e, desse modo, é certo que está ocupado na impermanência material. O Śrīmad-Bhāgavatam (11.11.18) diz:
śabda-brahmaṇi niṣṇāto
na niṣṇāyāt pare yadi
śramas tasya śrama-phalo
hy adhenum iva rakṣataḥ
“Alguém talvez seja versado em toda a literatura transcendental dos Vedas, mas, caso deixe de conhecer o Supremo, deve-se concluir, então, que toda a sua educação é como a carga colocada sobre uma besta ou como cuidar de uma vaca que não dá leite.”
Igualmente, o transcendental serviço amoroso ao Senhor é um direito de todos, inclusive das mulheres, dos śūdras, das tribos selvagens ou de quaisquer outros seres vivos nascidos em condições pecaminosas.
te vai vidanty atitaranti ca deva-māyāṁ
strī-śūdra-hūṇa-śabarā api pāpa-jīvāḥ
yady adbhuta-krama-parāyaṇa-śīlaśikṣās
tiryag-janā api kimu śruta-dhāraṇā ye
(Śrīmad-Bhāgavatam 2.7.46)
Os seres humanos mais baixos poderão elevar-se ao nível mais elevado da vida devocional se forem treinados pelo mestre espiritual autêntico, versado no transcendental serviço amoroso ao Senhor. Se os mais baixos podem atingir esse grau de elevação, o que se dizer, então, dos mais elevados, que são versados no conhecimento védico? A conclusão é que o serviço devocional ao Senhor está aberto a todos, independente de quem seja. Essa é a confirmação de sua aplicação a todas as espécies de executores do serviço.
Por isso, o serviço devocional ao Senhor, com conhecimento perfeito através do treinamento dado por um mestre espiritual autêntico, é aconselhado a todos, mesmo àqueles que ainda não atingiram a plataforma humana. Isso se confirma no Garuḍa Purāṇa como segue:
kīṭa-pakṣi-mṛgāṇāṁ ca
harau sannyasta-cetasām
ūrdhvām eva gatiṁ manye
kiṁ punar jñānināṁ nṛṇām
“Se até mesmo os vermes, aves e animais selvagens têm garantida a elevação à vida de perfeição máxima caso se rendam por completo ao transcendental serviço amoroso ao Senhor, o que se dizer, então, dos filósofos entre os seres humanos?”
Portanto, não há necessidade de procurar candidatos com as qualidades adequadas à prática do serviço devocional ao Senhor. Deixemos que sejam indivíduos de bom comportamento ou mal treinados, cultos ou tolos, grosseiramente apegados ou membros da ordem de vida renunciada, almas liberadas ou desejosas de obter a salvação, inexperientes ou peritos na prática do serviço devocional – todos eles podem elevar-se à posição suprema executando serviço devocional sob a orientação apropriada. Isso também se confirma na Bhagavad-gītā (9.30,32) como segue:
api cet sudurācāro
bhajate mām ananya-bhāk
sādhur eva sa mantavyaḥ
samyag vyavasito hi saḥ
māṁ hi pārtha vyapāśritya
ye ’pi syuḥ pāpa-yonayaḥ
striyo vaiśyās tathā śūdrās
te ’pi yānti parāṁ gatim
Mesmo se alguém for plenamente afeito a toda espécie de atos pecaminosos, ele, se acontece de estar ocupado no transcendental serviço amoroso ao Senhor, seguindo orientação apropriada, deve, sem dúvida alguma, ser considerado o mais perfeito homem santo. E assim qualquer pessoa, seja o que ou quem for – mesmo uma mulher caída, um trabalhador menos inteligente, um obtuso homem de comércio, ou mesmo um homem inferior a todos estes – pode alcançar a perfeição mais elevada da vida, voltando ao lar, voltando ao Supremo, contanto que ele ou ela se abrigue aos pés de lótus do Senhor com toda a seriedade. Essa seriedade sincera é a única qualificação que pode levar alguém ao nível de máxima perfeição na vida, e enquanto essa verdadeira seriedade não for despertada, existirá uma diferença entre limpeza e sujeira, erudição ou falta de erudição, tendo como referência a avaliação material. O fogo é sempre fogo, de modo que, se alguém tocar o fogo, voluntariamente ou por acidente, o fogo agirá à sua própria maneira, sem discriminação. O princípio é: harir harati pāpāni duṣṭa-cittair api smṛtaḥ. O Senhor todo-poderoso pode eliminar do devoto todas as reações pecaminosas, assim como o Sol pode esterilizar todas as espécies de infecções com seus raios poderosos. “A atração pelo gozo material não pode agir sobre um devoto puro do Senhor.” Há centenas e milhares de aforismos nas escrituras reveladas. Ātmārāmāś ca munayaḥ: “Até mesmo as almas autorrealizadas também sentem atração pelo transcendental serviço amoroso ao Senhor.” Kecit kevalayā bhaktyā vāsudeva-parāyaṇāḥ: “Pelo simples fato de ouvir e cantar, a pessoa se torna um grande devoto do Senhor Vāsudeva.” Na calati bhagavat-padāravindāl lavanimiṣārdham api sa vaiṣṇavāgryaḥ: “A pessoa que não se afasta dos pés de lótus do Senhor um momento ou um segundo sequer deve ser considerada o maior de todos os vaiṣṇavas”. Bhagavat-pārṣadatāṁ prāpte mat-sevayā pratītaṁ te: “Os devotos puros têm a convicção de que obterão a companhia da Personalidade de Deus, em virtude do que vivem ocupados no transcendental serviço amoroso ao Senhor.” Portanto, em todos os continentes, em todos os planetas, em todos os universos, o serviço devocional ao Senhor, ou bhakti-yoga, é vigente, e essa é a declaração do Śrīmad-Bhāgavatam e escrituras correlatas. Em todos os lugares quer dizer em toda parte da criação do Senhor. O Senhor pode ser servido com todos os sentidos, ou apenas com a mente. O brāhmaṇa do sul da Índia que serviu o Senhor valendo-se apenas de sua mente também entendeu de fato o Senhor. O sucesso está garantido para o devoto que ocupar por completo qualquer um de seus sentidos no método do serviço devocional. É possível servir o Senhor com qualquer ingrediente, até mesmo o artigo mais comum – uma flor, uma folha, uma fruta ou um pouco de água, que estão disponíveis em qualquer parte do universo e não custam nada – e assim, em todo o universo, o Senhor é servido pelas entidades dos universos. Para servi-lO, basta ouvir, ou basta cantar ou ler sobre Suas atividades, ou basta, então, adorá-lO e aceitá-lO.
Na Bhagavad-gītā, afirma-se que é possível servir o Senhor oferecendo o resultado do próprio trabalho, independentemente do que a pessoa faça. Em geral, os homens dizem que tudo o que eles fazem é inspirado por Deus, mas isso não é tudo. É preciso de fato trabalhar em prol de Deus como servo de Deus. O Senhor diz na Bhagavad-gītā (9.27):
yat karoṣi yad aśnāsi
yaj juhoṣi dadāsi yat
yat tapasyasi kaunteya
tat kuruṣva mad-arpaṇam
Faça o que quiser ou tudo o que tenha mais facilidade para fazer, coma qualquer refeição que prefira comer, sacrifique tudo o que puder sacrificar, dê toda a caridade que puder dar, e faça toda a penitência que puder fazer, mas tudo deve ser feito apenas para Ele. Se você negocia ou aceita algum emprego, aja em prol do Senhor. Toda refeição que comer, você pode oferecer ao Senhor e ter a certeza de que Ele vai devolver o alimento depois de Ele mesmo ter comido. Ele é o todo completo, de maneira que todo alimento que Lhe é oferecido pelo devoto é aceito por causa do amor do devoto, mas é devolvido, então, como prasāda para o devoto, a fim de que ele fique feliz comendo. Em outras palavras, seja um servo de Deus e viva em paz nessa consciência; então, por fim, retorne ao lar, retorne ao Supremo.
Afirma-se no Skanda Purāṇa:
yasya smṛtyā ca nāmoktyā
tapo-yajña-kriyādiṣu
nūnaṁ sampūrṇatām eti
sadyo vande tam acyutam
“Ofereço minhas reverências a Ele, o infalível, pois, pelo simples fato de lembrar-se dEle ou vibrar Seu santo nome, a pessoa pode alcançar a perfeição de todas as penitências, sacrifícios ou atividades fruitivas, e esse processo pode ser seguido em todo o universo.” Prescreve-se:
akāmaḥ sarva-kāmo vā
mokṣa-kāma udāra-dhīḥ
tīvreṇa bhakti-yogena
yajeta puruṣaṁ param
“Esteja a pessoa cheia de desejos ou não tenha desejos, ela pode seguir este caminho do infalível bhakti-yoga para alcançar completa perfeição.” (Śrīmad-Bhāgavatam 2.3.10) Ninguém precisa ficar ansioso para aplacar cada semideus ou deusa, visto que a raiz de todos eles é a Personalidade de Deus. Assim como derramando água na raiz da árvore alguém serve e vivifica todos os galhos e folhas, do mesmo modo, prestando serviço ao Senhor Supremo, a pessoa serve automaticamente a cada deus e deusa, sem esforço extrínseco. O Senhor é onipenetrante, e, por conseguinte, o serviço a Ele também é onipenetrante. Esse fato é corroborado no Skanda Purāṇa como segue:
arcite deva-deveśe
śaṅkha-cakra-gadā-dhare
arcitāḥ sarva-devāḥ syur
yataḥ sarva-gato hariḥ
Quando o Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, que leva em Suas mãos uma concha, um disco, maça e flor de lótus, é adorado, com certeza todos os outros semideuses são adorados automaticamente, pois Hari, a Personalidade de Deus, é onipenetrante. Portanto, em todos os casos, a saber, nominativo, objetivo, causativo, dativo, ablativo, possessivo e auxiliar, todos se beneficiam com esse transcendental serviço amoroso ao Senhor. O homem que adora o Senhor, o próprio Senhor que é adorado, a causa pela qual o Senhor é adorado, a fonte de fornecimento, o lugar onde se faz tal adoração etc. – tudo se beneficia com essa ação.
Mesmo durante a aniquilação do mundo material, pode-se aplicar o processo de bhakti-yoga. Kālena naṣṭā pralaye vāṇīyam: o Senhor é adorado na devastação porque Ele impede que os Vedas sejam aniquilados. Ele é adorado em cada milênio ou yuga. Como se diz no Śrīmad-Bhāgavatam (12.3.52):
kṛte yad dhyāyato viṣṇuṁ
tretāyāṁ yajato makhaiḥ
dvāpare paricaryāyāṁ
kalau tad dhari-kīrtanāt
No Viṣṇu Purāṇa, está escrito:
sa hānis tan mahac chidraṁ
sa mohaḥ sa ca vibhramaḥ
yan-muhūrtaṁ kṣaṇaṁ vāpi
vāsudevaṁ na cintayet
“Se Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus, não é lembrado mesmo por um momento, essa é a maior perda, essa é a maior ilusão e essa é a maior anomalia.” É possível adorar o Senhor em todas as fases da vida. Por exemplo, mesmo nos ventres de suas mães, Mahārāja Prahlāda e Mahārāja Parīkṣit adoraram o Senhor; mesmo em sua tenra infância, tendo apenas cinco anos, Dhruva Mahārāja adorou o Senhor; mesmo em plena juventude, Mahārāja Ambariṣa adorou o Senhor; e mesmo na última fase de sua frustração e velhice, Mahārāja Dhṛtarāṣṭra adorou o Senhor. Ajāmila adorou o Senhor até no momento da morte, e Citraketu adorou o Senhor até mesmo no céu e no inferno. Afirma-se no Narasiṁha Purāṇa que, assim que começaram a cantar o santo nome do Senhor, os habitantes do inferno passaram a ser elevados do inferno para o céu. Durvāsā Muni também apoia este ponto de vista: mucyeta yan-nāmny udite nārako ’pi. “Pelo simples fato de cantar o santo nome do Senhor, os habitantes do inferno libertaram-se da perseguição que sofriam no inferno. Logo, a conclusão do Śrīmad-Bhāgavatam, a qual Śukadeva Gosvāmī apresentou a Mahārāja Parīkṣit, é:
etan nirvidyamānānām
icchatām akuto-bhayam
yogināṁ nṛpa nirṇītaṁ
harer nāmānukīrtanam
“Ó rei, está definitivamente decidido que todos, a saber, aqueles que estão na ordem de vida renunciada, os místicos e os desfrutadores do trabalho fruitivo, devem cantar sem medo o santo nome do Senhor para alcançar o sucesso que desejam em seus empreendimentos.” (Śrīmad-Bhāgavatam 2.1.11)
Do mesmo modo, segundo a indicação indireta de várias passagens das escrituras reveladas:
1. Embora seja versada em todos os Vedas e escrituras, se a pessoa não é um devoto do Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, ela deve ser considerada a mais baixa da humanidade.
2. No Garuḍa Purāṇa, no Bṛhan-nāradīya Purāṇa e no Padma Purāṇa, repete-se a mesma coisa: Qual a utilidade de conhecimento védico e de fazer penitências se a pessoa não presta serviço devocional ao Senhor?
3. Como pode alguém querer comparar milhares de prajāpatis a um devoto do Senhor?
4. Śukadeva Gosvāmī disse (Śrīmad-Bhāgavatam 2.4.17) que o asceta, a pessoa muito munificente, a pessoa famosa, o grande filósofo, o grande ocultista ou alguma outra pessoa só podem conseguir o resultado desejado quando se ocuparem a serviço do Senhor.
5. Mesmo que um lugar seja mais glorioso do que o céu, se lá não houver glorificação do Senhor de Vaikuṇṭha, ou de Seu devoto puro, deve-se abandoná-lo de imediato.
6. Para ocupar-se no serviço ao Senhor, o devoto puro recusa-se a aceitar qualquer uma das cinco diferentes espécies de liberação.
A conclusão final, portanto, é que se devem proclamar sempre e em toda parte as glórias do Senhor. Todos devem ouvir sobre Suas glórias, cantar sobre Suas glórias e lembrar-se sempre de Suas glórias, pois essa é a etapa de máxima perfeição na vida. No que diz respeito ao trabalho fruitivo, esse se limita a um corpo que procura o desfrute; no que diz respeito ao yoga, este se limita à aquisição de poder místico; no que diz respeito à filosofia empirista, esta se limita à obtenção do conhecimento transcendental; e no que diz respeito ao conhecimento transcendental, este se limita à obtenção da salvação. Mesmo que sejam adotados, há toda possibilidade de discrepâncias no desempenho do tipo específico de funções. Contudo, a execução do transcendente serviço devocional ao Senhor não tem limites, tampouco existe o medo de cair. O processo automaticamente alcança a fase final pela graça do Senhor. Na fase preliminar do serviço devocional, aparentemente é necessário ter algum conhecimento, mas, na fase mais elevada, não há necessidade desse conhecimento. O caminho de progresso que é melhor e mais garantido, portanto, é ocupar-se em bhakti-yoga, o serviço devocional puro.
A nata do Śrīmad-Bhāgavatam nos quatro ślokas anteriores é às vezes espremida pelo impersonalista que quer apresentar diferentes interpretações em seu favor, mas deve-se notar com atenção que os quatro ślokas foram primeiramente descritos pela própria Personalidade de Deus, e, assim, o impersonalista não tem respaldo para entrar neles, visto que não tem nenhuma concepção acerca da Personalidade de Deus. Portanto, o impersonalista pode tentar extrair deles quaisquer interpretações, mas essas interpretações nunca serão aceitas por aqueles que aprendem com a sucessão discipular oriunda de Brahmā, como se esclarecerá nos próximos versos. Além disso, o śruti confirma que a Suprema Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, jamais Se revela a qualquer um que tenha falso orgulho de seu conhecimento acadêmico. O śruti-mantra diz claramente (Kaṭha Upaniṣad 1.2.23):
nāyam ātmā pravacanena labhyo
na medhayā na bahudhā śrutena
yam evaiṣa vṛṇute tena labhyas
tasyaiṣa ātmā vivṛṇute tanuṁ svām
O próprio Senhor explica todo o assunto, e quem não tem acesso ao Senhor em Seu aspecto pessoal raramente pode entender o significado do Śrīmad-Bhāgavatam sem ser ensinado pelos bhāgavatas na sucessão discipular.