VERSO 38
na karhicin mat-parāḥ śānta-rūpe
naṅkṣyanti no me ’nimiṣo leḍhi hetiḥ
yeṣām ahaṁ priya ātmā sutaś ca
sakhā guruḥ suhṛdo daivam iṣṭam
na — não; karhicit — alguma vez; mat-parāḥ — Meus devotos; śānta-rūpe — ó mãe; naṅkṣyanti — perderão; no — não; me — Meu; animiṣaḥ — tempo; leḍhi — destrói; hetiḥ — arma; yeṣām — de quem; aham — Eu; priyaḥ — querido; ātmā — o eu; sutaḥ — filho; ca — e; sakhā — amigo; guruḥ — preceptor; suhṛdaḥ — benfeitor; daivam — Deidade; iṣṭam — escolhida.
O Senhor continuou: Minha querida mãe, os devotos que recebem tais opulências transcendentais nunca são delas privados. Nem armas, nem o passar do tempo podem destruir tais opulências. Visto que os devotos Me aceitam como seu amigo, parente, filho, preceptor, benfeitor e Deidade Suprema, eles não podem ser privados de suas posses em tempo algum.
SIGNIFICADO—Afirma-se na Bhagavad-gītā que uma pessoa pode elevar-se aos sistemas planetários superiores, inclusive a Brahmaloka, em virtude de atividades piedosas, porém, ao se acabarem os efeitos dessas atividades piedosas, ela retorna a esta Terra mais uma vez para começar uma nova vida de atividades. Desse modo, mesmo que sejamos promovidos ao sistema planetário superior para gozar de prazeres celestiais e de uma longa duração de vida, ainda assim, esse não será um arranjo permanente. Mas, quanto aos devotos, seus bens – a obtenção de serviço devocional e a consequente opulência de Vaikuṇṭha, mesmo neste planeta – nunca são destruídos. Neste verso, Kapiladeva chama Sua mãe de śānta-rūpa, indicando que as opulências dos devotos são fixas porque os devotos estão eternamente fixos na atmosfera Vaikuṇṭha, que se chama śānta-rūpa por estar no modo da bondade pura, sem perturbação dos modos da paixão e ignorância. Uma vez que alguém se fixe no serviço devocional ao Senhor, sua posição de serviço transcendental não poderá ser destruída, e o prazer e o serviço simplesmente aumentarão ilimitadamente. Para os devotos ocupados em consciência de Kṛṣṇa, na atmosfera Vaikuṇṭha, não há influência do tempo. No mundo material, a influência do tempo destrói tudo, mas, na atmosfera Vaikuṇṭha, não há influência do tempo nem dos semideuses, porque não há semideuses nos planetas Vaikuṇṭha. Nossas atividades aqui são controladas por diferentes semideuses; mesmo a ação de mexer nossa mão e nossa perna é controlada pelos semideuses. Porém, na atmosfera Vaikuṇṭha, não há influência dos semideuses ou do tempo, de modo que não existe a possibilidade de destruição. Quando o elemento tempo está presente, certamente há destruição, mas, na ausência do elemento tempo – passado, presente ou futuro –, tudo é eterno. Portanto, este verso usa as palavras na naṅkṣyanti, indicando que as opulências transcendentais jamais serão destruídas.
Descreve-se também o motivo da ausência de destruição. Os devotos aceitam o Senhor Supremo como a personalidade mais querida e correspondem com Ele em diferentes relações. Eles aceitam a Suprema Personalidade de Deus como o amigo mais querido, o parente mais querido, o filho mais querido, o preceptor mais querido, o benquerente mais querido ou a mais querida Deidade. O Senhor é eterno, logo qualquer relação na qual O aceitemos também é eterna. Confirma-se claramente nesta passagem que as relações não podem ser destruídas, de modo que as opulências dessas relações jamais serão destruídas. Toda entidade viva tem a propensão a amar alguém. Podemos ver que, se alguém não tem objeto de amor, geralmente dirige seu amor a um animal de estimação, como um cão ou um gato. Assim, a eterna propensão ao amor em todas as entidades vivas sempre está procurando um lugar para residir. A partir deste verso, podemos aprender que podemos amar a Suprema Personalidade de Deus como nosso objeto mais querido – como amigo, filho, preceptor ou benquerente – que não haverá enganação nem fim para esse amor. Desfrutaremos eternamente da relação com o Senhor Supremo sob diferentes aspectos. Um aspecto especial deste verso é a aceitação do Senhor Supremo como o supremo preceptor. A Bhagavad-gītā foi falada diretamente pelo Senhor Supremo, e Arjuna aceitou Kṛṣṇa como guru, ou mestre espiritual. Do mesmo modo, devemos aceitar apenas Kṛṣṇa como o mestre espiritual supremo.
Naturalmente, Kṛṣṇa significa Kṛṣṇa e Seus devotos confidenciais; Kṛṣṇa não anda sozinho. Quando falamos de Kṛṣṇa, “Kṛṣṇa” significa Kṛṣṇa em Seu nome, em Sua forma, em Suas qualidades, em Sua morada e em Seus associados. Kṛṣṇa nunca está sozinho, pois os devotos de Kṛṣṇa não são impersonalistas. Por exemplo, um rei está sempre associado com seu secretário, seu comandante, seu criado e tanta parafernália. Tão logo aceitemos Kṛṣṇa e Seus associados como nossos preceptores, nenhum efeito ruim poderá destruir nosso conhecimento. No mundo material, o conhecimento que adquirimos pode mudar por causa da influência do tempo, mas, não obstante, as conclusões recebidas da Bhagavad-gītā, diretamente das palavras do Senhor Supremo, Kṛṣṇa, jamais poderão mudar. De nada adianta interpretar a Bhagavad-gītā: ela é eterna.
Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, deve ser aceito como nosso melhor amigo. Ele jamais nos enganará. Ele sempre dará Seu conselho amigável e Sua proteção amigável ao devoto. Se Kṛṣṇa for aceito como filho, Ele jamais morrerá. Aqui podemos ter filhos muito amorosos, mas o pai e a mãe, ou aqueles que lhes são afeiçoados, sempre esperam: “Que meu filho não morra.” Kṛṣṇa, porém, não morrerá jamais. Portanto, aqueles que aceitarem Kṛṣṇa, ou o Senhor Supremo, como seu filho jamais serão privados de seu filho. Em muitos casos, os devotos aceitaram a Deidade como seu filho. Na Bengala, há muitos exemplos assim, e, mesmo após a morte do devoto, a Deidade executa a cerimônia de śrāddha para o pai. A relação nunca é destruída. As pessoas estão acostumadas a adorar diferentes formas de semideuses, mas a Bhagavad-gītā condena tal mentalidade; portanto, devemos ter a inteligência de adorar apenas a Suprema Personalidade de Deus em Suas diferentes formas, tais como Lakṣmī-Nārāyaṇa, Sītā-Rāma e Rādhā-Kṛṣṇa. Assim, jamais seremos enganados. Adorando os semideuses, podemos elevar-nos aos planetas superiores, mas, durante a dissolução do mundo material, a deidade e a morada da deidade serão destruídas. Contudo, aquele que adora a Suprema Personalidade de Deus é promovido aos planetas Vaikuṇṭha, onde não há influência de tempo, destruição ou aniquilação. A conclusão é que a influência do tempo não pode atuar sobre os devotos que aceitaram a Suprema Personalidade de Deus como tudo.