CAPÍTULO DOIS
As Atividades de Mahārāja Āgnīdhra
Este capítulo descreve o caráter de Mahārāja Āgnīdhra. Quando Mahārāja Priyavrata partiu em busca da realização espiritual, seu filho Āgnīdhra se tornou o governante de Jambūdvīpa, conforme as instruções de Mahārāja Priyavrata, e cuidou de seus habitantes com a mesma afeição com que um pai cuida de seus filhos. Certa vez, Mahārāja Āgnīdhra desejou ter um filho e, com isso em mente, entrou em uma caverna da montanha Mandara para praticar austeridades. Percebendo seu desejo, o senhor Brahmā enviou uma garota celestial chamada Pūrvacitti ao eremitério de Āgnīdhra. Após vestir-se de maneira bem atraente, ela se apresentou diante dele fazendo vários trejeitos femininos, e Āgnīdhra naturalmente se atraiu por ela. Os atos da garota, suas expressões, sorriso, palavras doces e olhos insinuantes – tudo isso o fascinou. Āgnīdhra era bom galanteador. Assim, ele atraiu a garota celestial, que, com satisfação, aceitou-o como esposo devido a suas palavras doces como o mel. Ela gozou de felicidade real com Āgnīdhra durante muitos anos antes de voltar à sua morada nos planetas celestiais. Em seu ventre, Āgnīdhra gerou nove filhos – Nābhi, Kiṁpuruṣa, Harivarṣa, Ilāvṛta, Ramyaka, Hiraṇmaya, Kuru, Bhadrāśva e Ketumāla. Ele lhes deu nove ilhas com nomes correspondentes aos seus. Āgnīdhra, entretanto, andava com seus sentidos insatisfeitos, e sempre pensava em sua esposa celestial. Deste modo, na vida seguinte, ele nasceu no planeta celestial da esposa. Após a morte de Āgnīdhra, seus nove filhos se casaram com nove filhas de Meru, chamadas Merudevī, Pratirūpā, Ugradaṁṣṭrī, Latā, Ramyā, Śyāmā, Nārī, Bhadrā e Devavīti.
VERSO 1: Śrī Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Depois que seu pai, Mahārāja Priyavrata, partiu para seguir o caminho da vida espiritual através da prática de austeridades, o rei Āgnīdhra obedeceu fielmente à sua ordem. Observando estritamente os princípios da religião, ele deu toda a proteção aos habitantes de Jambūdvīpa, como se eles fossem seus próprios filhos.
VERSO 2: Desejando obter um filho perfeito e tornar-se habitante de Pitṛloka, Mahārāja Āgnīdhra certa vez adorou o senhor Brahmā, o amo daqueles que estão encarregados da criação material. Ele se dirigiu a um vale da colina Mandara, onde costumam descer donzelas dos planetas celestiais para passear. Ali ele colheu flores de jardim e outros artigos usados para a adoração e, em seguida, praticou rigorosas austeridades e realizou sua adoração.
VERSO 3: Percebendo o desejo do rei Āgnīdhra, o senhor Brahmā, a primeira e mais poderosa criatura deste universo, escolheu a melhor das dançarinas em sua assembleia, cujo nome era Pūrvacitti, e a enviou ao rei.
VERSO 4: A Apsarā enviada pelo senhor Brahmā começou a passear em um belo parque próximo ao lugar onde o rei estava meditando e fazendo sua adoração. A beleza do parque vinha de sua densa folhagem verde e das trepadeiras douradas. Havia casais de pássaros variados, tais como os pavões, e em um lago havia patos e cisnes, todos vibrando sons muito doces. Assim, o parque era belíssimo em virtude da folhagem, da água cristalina, das flores de lótus e do doce canto de várias espécies de pássaros.
VERSO 5: Enquanto Pūrvacitti passeava pela estrada de maneira muito bela e com um jeito que lhe era peculiar, os agradáveis adornos de seus tornozelos tilintavam a cada um de seus passos. Embora estivesse controlando seus sentidos, praticando yoga com os olhos semicerrados, o príncipe Āgnīdhra pôde vê-la com seus olhos de lótus, e, ao ouvir o doce tilintar dos adornos de seus tornozelos, ele abriu os olhos um pouco mais e pôde ver que ela estava bem perto.
VERSO 6: Tal qual uma abelha, a Apsarā cheirava o perfume das flores belas e atraentes. Ela era capaz de atrair a mente e a visão dos seres humanos e dos semideuses com seus movimentos graciosos, seu recato e humildade, seus olhares, os sons muito agradáveis que emanavam de sua boca quando ela falava e o movimento dos membros de seu corpo. Com todas essas qualidades, ela abria para Cupido, que traz uma flecha de flores, um caminho de recepção auditiva na mente masculina. Quando falava, parecia fluir néctar de sua boca. Conforme respirava, as abelhas, loucas pelo aroma de seu hálito, tentavam pairar em volta de seus belos olhos de lótus. Perturbada pelas abelhas, ela procurava andar mais rapidamente, mas, ao erguer os pés para caminhar com rapidez, seu cabelo, o cinto em volta de seus quadris e seus seios, que eram como cântaros de água, também se mexiam de tal maneira que ela ficava ainda mais linda e atraente. Na verdade, ela parecia estar abrindo alas para o poderosíssimo Cupido. Portanto, o príncipe, profundamente encantado ao vê-la, dirigiu-lhe a palavra como segue.
VERSO 7: O príncipe, erroneamente, dirigiu-se à Apsarā: Ó melhor dos santos, quem és? Por que estás nesta colina e o que desejas fazer? Tu és alguma das potências ilusórias da Suprema Personalidade de Deus? Parece que estás carregando dois arcos sem corda. Por que carregas esses arcos? Tens algum objetivo ou pretendes beneficiar um amigo? Talvez estejas carregando-os para matar os animais loucos desta floresta.
VERSO 8: Em seguida, Āgnīdhra observou os olhos contemplativos de Pūrvacitti e disse: Minha querida amiga, tens duas flechas bastante poderosas, que são teus olhos contemplativos. As flechas têm penas parecidas com as pétalas de uma flor de lótus. Mesmo não tendo hastes, elas são belíssimas, e têm pontas muito afiadas e penetrantes. Elas parecem muito pacíficas, o que faz parecer que não serão disparadas contra ninguém. Embora devas estar vagando pela floresta com a intenção de disparar essas flechas em alguém, não consigo descobrir quem é esse alguém. Minha inteligência é obtusa, e não tenho como combater-te. De fato, não há quem possa igualar-se a ti em termos de bravura, de maneira que oro para que uses tua bravura em prol de minha boa fortuna.
VERSO 9: Vendo as abelhas seguindo Pūrvacitti, Mahārāja Āgnīdhra disse: Meu querido Senhor, as abelhas ao redor de teu corpo são como discípulos fiéis à tua pessoa adorável. Elas não se cansam de cantar os mantras do Sāma Veda e das Upaniṣads, oferecendo-te, assim, suas orações. Como grandes sábios que recorrem às ramificações dos textos védicos, as abelhas desfrutam das chuvas de flores que caem de teu cabelo.
VERSO 10: Ó brāhmaṇa, posso ouvir muito bem o tilintar de teus sinos de tornozelo. Dentro desses sinos, pássaros tittiri parecem estar chilreando uns para os outros. Mesmo sem vê-los, posso ouvir-lhes o chilreio. Quando olho para teus quadris tão belos e bem torneados, percebo neles a suave cor de flores kadamba, e vejo um cinto de brasas incandescentes em volta de tua cintura. Na verdade, pareces ter te esquecido de te vestires.
VERSO 11: Em seguida, Āgnīdhra elogiou os seios rijos de Pūrvacitti. Ele disse: Meu querido brāhmaṇa, tua cintura é muito fina, mas, com muita dificuldade, estais carregando cuidadosamente dois chifres, pelos quais meus olhos ficaram atraídos. Qual é o conteúdo desses dois belos chifres? Pareces tê-los untado com um aromático pó vermelho, pó este semelhante ao Sol quando nasce pela manhã. Ó afortunadíssima, permite-me perguntar-te onde conseguiste esse pó aromático que está perfumando meu āśrama, minha residência.
VERSO 12: Ó meu melhor amigo, farás a gentileza de mostrar-me o lugar onde resides? Não posso imaginar como os residentes desse lugar obtiveram feições corpóreas tão maravilhosas como teus seios rijos, que agitam a mente e os olhos de qualquer um, como eu, que os veja. Julgando pelas doces palavras e meigos sorrisos desses residentes, acho que suas bocas devem conter néctar.
VERSO 13: Meu querido amigo, o que comes para manter teu corpo? Por estares mascando bétel, um odor agradável emana de tua boca. Isso prova que sempre comes os restos do alimento oferecido a Viṣṇu. Na verdade, deves ser, também, uma expansão do corpo do Senhor Viṣṇu. Teu rosto é tão belo quanto um lago aprazível. Teus brincos de joias assemelham-se a dois tubarões brilhantes com olhos que, como os de Viṣṇu, não piscam, e teus próprios olhos parecem dois peixes inquietos. Portanto, dois tubarões e dois peixes inquietos nadam ao mesmo tempo no lago de teu rosto. Além deles, as alvas fileiras de teus dentes parecem grupos de belíssimos cisnes na água, e teu cabelo liso assemelha-se a enxames de abelhas, atraídas pela beleza de teu rosto.
VERSO 14: Minha mente já está inquieta, e, enquanto brincas com esta bola, jogando-a de um lado para outro com a palma de tua mão, que parece um lótus, também inquietas os meus olhos. Teu negro cabelo ondulado agora está solto, e não te interessas arrumá-lo. Não irás arrumá-lo? Como um homem apegado a mulheres, o astutíssimo vento está tentando tirar tua roupa íntima. Não te importas com isso?
VERSO 15: Ó melhor entre aqueles que praticam austeridades, onde obtiveste esta maravilhosa beleza que destrói as austeridades praticadas pelos outros? Onde aprendeste esta arte? A que austeridades tu te submeteste para conseguir tamanha beleza, minha querida amiga? Desejo que te unas a mim em minha prática de austeridades e penitências, pois pode ser que o senhor Brahmā, o criador do universo, estando satisfeito comigo, tenha te enviado para que te tornes minha esposa.
VERSO 16: O senhor Brahmā, que é adorado pelos brāhmaṇas, foi muito misericordioso em me dar a tua pessoa, e foi por isso que eu te encontrei. Não quero abandonar tua companhia, pois minha mente e meus olhos estão fixos em ti, não sendo possível que eu os recolha. Ó mulher de seios belos e rijos, sou teu seguidor. Podes levar-me para onde quiseres, e tuas amigas também podem seguir-me.
VERSO 17: Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Mahārāja Āgnīdhra, cuja inteligência se equiparava à inteligência de um semideus, conhecia a arte de lisonjear as mulheres com o objetivo de conquistá-las. Portanto, com suas palavras luxuriosas, ele satisfez aquela mocinha celestial, obtendo, assim, o seu favor.
VERSO 18: Atraída pela inteligência, sabedoria, juventude, beleza, comportamento, opulência e magnanimidade de Āgnīdhra, o rei de Jambūdvīpa e senhor de todos os heróis, Pūrvacitti viveu com ele por muitos milhares de anos e desfrutou luxuosamente de felicidade mundana e celestial.
VERSO 19: No ventre de Pūrvacitti, Mahārāja Āgnīdhra, o melhor dos reis, gerou nove filhos, chamados Nābhi, Kiṁpuruṣa, Harivarṣa, Ilāvṛta, Ramyaka, Hiraṇmaya, Kuru, Bhadrāśva e Ketumāla.
VERSO 20: Pūrvacitti deu à luz esses nove filhos, um por ano, mas, depois que eles já estavam crescidos, ela os deixou em casa e novamente se aproximou do senhor Brahmā para adorá-lo.
VERSO 21: Por terem bebido leite materno, os nove filhos de Āgnīdhra naturalmente tinham corpos fortes e bonitos. O pai entregou um reino a cada um deles, em diferentes partes de Jambūdvīpa. Os reinos eram denominados de acordo com os nomes dos filhos. Assim, os filhos de Āgnīdhra governaram os reinos que receberam de seu pai.
VERSO 22: Após a partida de Pūrvacitti, o rei Āgnīdhra, ainda com seus desejos luxuriosos insatisfeitos, pensava nela sem cessar. Portanto, conforme os preceitos védicos, o rei, após a sua morte, foi promovido ao mesmo planeta onde vivia sua esposa celestial. Nesse planeta, chamado Pitṛloka, vivem os pitās, os antepassados, absortos em grande deleite.
VERSO 23: Após a partida de seu pai, os nove irmãos se casaram com as nove filhas de Meru, chamadas Merudevī, Pratirūpā, Ugradaṁṣṭrī, Latā, Ramyā, Śyāmā, Nārī, Bhadrā e Devavīti.