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CAPÍTULO OITO

Descrição do Caráter de Bharata Mahārāja

Embora fosse altamente elevado, Bharata Mahārāja caiu devido a seu apego a um filhote de veado. Certo dia, após tomar seu costumeiro banho no rio Gaṇḍakī e enquanto cantava seu mantra, ele viu uma veada grávida se aproximar do rio para beber água. Subitamente, ouviu-se o rugido atroador de um leão, e a veada ficou tão apavorada que de imediato deu à luz seu filhote. Em seguida, ela cruzou o rio, mas morreu logo em seguida. Mahārāja Bharata sentiu compaixão do filhote órfão de mãe, resgatou-o da água, levou-o para seu āśrama e cuidou dele com muita afeição. Pouco a pouco, ele se apegou a esse veadinho e sempre pensava carinhosamente nele. Conforme ele crescia, tornava-se o companheiro inseparável de Mahārāja Bharata, que sempre cuidava dele. Gradualmente, ele se absorveu tanto em pensar nesse veado que sua mente ficou agitada. À proporção que ele ficava cada vez mais apegado ao veado, seu serviço devocional arrefecia. Embora ele tivesse conseguido abandonar seu reino opulento, apegou-se ao veado. Assim, ele caiu de sua prática de yoga místico. Certa vez, quando o veado desaparecera, Mahārāja Bharata desesperou-se tão imensamente que se colocou a procurá-lo. Enquanto o buscava e se lamentava por não conseguir encontrar o animal, Mahārāja Bharata caiu e morreu. Como sua mente estava inteiramente absorta em pensar no veado, ele naturalmente renasceu do ventre de uma veada. No entanto, como desenvolvera considerável avanço espiritual, ele não se esqueceu de suas atividades passadas, muito embora estivesse no corpo de um veado. Ele podia entender como caíra de sua posição elevada e, lembrando-se disso, deixou sua mãe veada e novamente foi a Pulaha-āśrama. Por fim, chegou o período de ele, sob essa forma de veado, encerrar suas atividades fruitivas e, ao morrer, libertou-se do corpo de veado.

VERSO 1: Śrī Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Meu querido rei, certo dia, após terminar seus deveres matinais – evacuar, urinar e banhar-se, Mahārāja Bharata se sentou na margem do rio Gaṇḍakī por alguns minutos e se colocou a cantar o seu mantra, que começa com o oṁkāra.

VERSO 2: Ó rei, enquanto Bharata Mahārāja estava sentado na margem daquele rio, uma veada, estando com muita sede, aproximou-se dali para beber água.

VERSO 3: Enquanto a veada bebia com muita satisfação, um leão, que estava ali bem perto, rugiu muito alto. Esse rugido, que amedrontou todas as entidades vivas, foi ouvido pela veada.

VERSO 4: Por natureza, a veada sempre temia ser morta por outros, e sempre olhava à sua volta suspeitando dos entornos. Ao ouvir o aterrador rugido do leão, ela ficou muito agitada. Com os olhos perturbados, que corriam de uma direção a outra, a veada, embora não tivesse matado toda a sua sede, subitamente disparou saltitante para o outro lado do rio.

VERSO 5: A veada estava grávida, e, ao pular de medo, o filhote, deixando seu ventre, caiu nas águas correntes do rio.

VERSO 6: Estando separada de seu grupo e aflita pelo aborto, a veada negra, tendo cruzado o rio, estava muitíssimo angustiada. Com efeito, ela caiu em uma caverna e teve uma morte instantânea.

VERSO 7: O grande rei Bharata, enquanto estava sentado na margem do rio, viu o veadinho, separado de sua mãe, sendo arrastado pelo rio. Notando isso, ele sentiu muita compaixão. Como um amigo sincero, ele retirou da correnteza o veadinho e, sabendo que ele estava sem mãe, levou-o para seu āśrama.

VERSO 8: Aos poucos, Mahārāja Bharata se tornou muito afetuoso com o veadinho. Começou a criá-lo e mantê-lo, dando-lhe grama. Ele estava sempre atento para protegê-lo contra os ataques de tigres e outros animais. Quando sentia coceira, Mahārāja Bharata acarinhava-o e, dessa maneira, sempre tentava manter o veadinho confortável. Às vezes, beijava-o com amor. Estando apegado a criar o veado, Mahārāja Bharata esqueceu-se das regras e regulações para o avanço na vida espiritual e, pouco a pouco, esquecia-se de adorar a Suprema Personalidade de Deus. Depois de alguns dias, esqueceu-se de tudo o que dizia respeito a seu avanço espiritual.

VERSO 9: O grande rei Mahārāja Bharata começou a pensar: Ai de mim! Devido à força do tempo, que é um agente da Suprema Personalidade de Deus, esse veadinho desprotegido está agora sem parentes e amigos e refugiou-se em mim. Ele não conhece ninguém além de mim, e eu me tornei seu pai, mãe, irmão e parentes. Esse veadinho está pensando dessa maneira e tem fé plena em mim. Ele não conhece ninguém além de mim; portanto, não devo ser invejoso e pensar que, por causa desse veadinho, meu próprio bem-estar perecerá. É óbvio que devo criá-lo, protegê-lo, satisfazê-lo e acariciá-lo. Uma vez que ele se refugiou em mim, como posso me descuidar dele? Embora o veado esteja perturbando minha vida espiritual, compreendo que uma pessoa desamparada que aceitou refúgio não pode ser desprezada. Essa negligência seria um grande erro.

VERSO 10: Mesmo quem está na ordem renunciada, sendo avançado, decerto sentirá compaixão pelas entidades vivas sofredoras. É claro que, para proteger alguém que se rendeu, é preciso deixar de lado os próprios interesses, mesmo se forem muito importantes.

VERSO 11: Devido ao apego pelo veadinho, Mahārāja Bharata deitava-se com ele, passeava com ele, banhava-se com ele e até mesmo comia com ele. Assim, seu coração ficou atado à afeição pelo veadinho.

VERSO 12: Quando desejava entrar na floresta para colher grama kuśa, flores, lenha, folhas, frutas, raízes e pegar água, Mahārāja Bharata temia que os cães, chacais, tigres e outros animais ferozes pudessem matar o veadinho. Portanto, ao entrar na floresta, ele sempre levava consigo o animal.

VERSO 13: Quando entrava na floresta, o animal, devido ao seu comportamento travesso, parecia muito atraente a Mahārāja Bharata. Por afeição, Mahārāja Bharata até mesmo colocava o veadinho sobre seus ombros e o carregava. Seu coração estava tão repleto de um amor tão intenso pelo veadinho que às vezes ele o mantinha no colo ou, quando dormia, punha-o sobre o seu peito. Dessa maneira, ele sentia imenso prazer em acariciar o animal.

VERSO 14: Quando Mahārāja Bharata estava realmente adorando o Senhor ou ocupava-se em alguma cerimônia ritualística, embora suas atividades estivessem inacabadas, ainda assim, ele algumas vezes se levantava e ia ver onde o veadinho estava. Dessa maneira, ele saía à procura dele, e, ao ver que o veadinho estava em uma situação confortável, sua mente e seu coração ficavam muito satisfeitos, e ele concedia suas bênçãos ao veadinho dizendo: “Meu querido veadinho, que sejas feliz sob todos os aspectos.”

VERSO 15: Se Bharata Mahārāja por acaso não conseguisse ver o veadinho, sua mente ficava muito agitada. Ele se tornava como um homem avaro que havia ganhado riquezas, as perdido e, então, se tornado muito infeliz. Quando o veadinho desaparecia, ele, devido à saudade, ficava ansioso e se colocava a lamentar. Assim iludido, falava da seguinte maneira.

VERSO 16: Bharata Mahārāja pensava: Ai de mim, agora o veadinho está desamparado. Agora me encontro muito desafortunado, e minha mente é como um caçador astuto, pois ela sempre está repleta de propensões fraudulentas e cruéis. Assim como um homem de boa índole e com interesse natural pelo bom comportamento esquece o mau comportamento de um amigo astuto e deposita sua fé nele, o veadinho depositou sua fé em mim. Embora eu tenha demonstrado ser infiel, será que esse veadinho regressará e depositará sua fé em mim?

VERSO 17: Ai de mim, conseguirei rever esse animal protegido pelo Senhor e livre do medo de tigres e outros animais? Será que o verei novamente passeando pelo jardim e comendo a grama macia?

VERSO 18: Eu não sei, mas o veadinho pode ter sido comido por um lobo ou um cachorro ou pelos javalis que andam aos grupos ou pelo tigre que perambula sozinho.

VERSO 19: Ai de mim! Quando o Sol aparece, todas as coisas auspiciosas começam, mas, infelizmente, elas não começaram para mim. O deus do Sol é os Vedas personificados, mas sou desprovido de todos os princípios védicos. Agora, esse deus do Sol está no ocaso, e o pobre animal que confiou em mim desde que sua mãe morreu ainda não regressou.

VERSO 20: Este veadinho é exatamente como um príncipe. Quando ele regressará? Quando ele novamente exibirá suas atividades pessoais, que são tão agradáveis? Quando ele de novo apaziguará um coração ferido como o meu? Decerto não tenho méritos piedosos, ou o veadinho já teria voltado.

VERSO 21: Ai de mim! O veadinho, enquanto se divertia comigo e via que eu, de olhos fechados, simulava meditação, circundava-me devido à ira surgida do amor, e temerosamente me tocava com as pontas de seus suaves chifres, que me pareciam gotas d’água.

VERSO 22: Quando eu colocava todos os artigos sacrificatórios sobre a grama kuśa, o veadinho, brincando, tocava a grama com seus dentes e assim a poluía. Quando eu castigava o veadinho o empurrando, ele imediatamente ficava com medo e sentava-se imóvel, exatamente como o filho de uma pessoa santa. Assim, ele parava sua brincadeira.

VERSO 23: Após desvairar dessa maneira, Mahārāja Bharata levantou-se e foi para fora. Vendo as pegadas do veado sobre o solo, ele, por amor, louvou as pegadas assim dizendo: Ó desafortunado Bharata, tuas austeridades e penitências são muito insignificantes quando comparadas à penitência e às austeridades a que este planeta Terra se submeteu. Devido às rigorosas penitências da Terra, as pegadas deste veadinho, que são pequenas, belas, auspiciosíssimas e macias, estão impressas na superfície deste afortunado planeta. Esta série de pegadas mostra a uma pessoa como eu, que estou pesaroso devido à perda do veadinho, como o animal atravessou a floresta e como poderei recuperar minha riqueza perdida. Com essas pegadas, esta terra se tornou um lugar apropriado para acolher os brāhmaṇas que, desejando executar sacrifícios para os semideuses, buscam os planetas celestiais ou a liberação.

VERSO 24: Mahārāja Bharata continuou a falar como um louco. Vendo acima de sua cabeça as manchas escuras que, na lua nascente, assemelhavam-se a um veado, ele disse: Será que esta lua, que é tão bondosa com um homem infeliz, também poderá ser bondosa com meu veadinho, sabendo que ele se desgarrou do lar e ficou sem mãe? Essa Lua abrigou o veado bem perto de si, com o único intento de protegê-lo dos aterrorizantes ataques de um leão.

VERSO 25: Após perceber o luar, Mahārāja Bharata prosseguiu falando como alguém fora de si. Ele disse: O filho da veada me era tão submisso e querido que, devido a estarmos distantes, estou sentindo saudades de meu próprio filho. Em virtude da febre incandescente dessa separação, estou sofrendo como se tivesse sido queimado por um incêndio florestal. Meu coração, que é como o lírio dos prados, agora está ardendo. Vendo-me tão aflito, não tenho dúvidas de que a Lua está derramando seu néctar brilhante sobre mim, assim como um amigo despeja água em outro amigo que tem febre alta. Dessa maneira, a Lua está me trazendo felicidade.

VERSO 26: Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Meu querido rei, dessa maneira, Bharata Mahārāja estava dominado por um desejo incontrolável, manifesto sob a forma do veadinho. Devido aos resultados fruitivos de seus feitos passados, ele caiu de suas práticas de yoga místico, suas austeridades e adoração à Suprema Personalidade de Deus. Se não fosse devido a suas atividades fruitivas passadas, como ele poderia ter-se deixado atrair pelo veado após abandonar a companhia de seus próprios filhos e família, considerando-os obstáculos no caminho da vida espiritual? Como ele poderia demonstrar tão incontida afeição por um veadinho? Definitivamente, isso se devia ao seu karma passado. O rei estava tão entorpecido em afagar e manter o veadinho que ele caiu de suas atividades espirituais. No decorrer do tempo, a morte inevitável, que é comparada a uma serpente venenosa que entra em um buraco feito pelos ratos, apareceu diante dele.

VERSO 27: No momento da morte, o rei viu que, exatamente como seu próprio filho, o veadinho estava sentado ao seu lado, e lamentava a sua morte. Na verdade, a mente do rei estava absorta no corpo do veadinho e, consequentemente – como aqueles que são desprovidos de consciência de Kṛṣṇa –, ele deixou o mundo, o veado e seu corpo material e ganhou um corpo de veado. Contudo, houve uma vantagem. Embora tivesse perdido seu corpo humano e recebido um corpo de veado, ele não se esqueceu dos incidentes de sua vida passada.

VERSO 28: Embora em um corpo de veado, Bharata Mahārāja, devido ao seu estrito serviço devocional em sua vida passada, podia entender a causa de seu nascimento naquele corpo. Considerando sua vida passada e sua vida atual, ele constantemente arrependia-se de suas atividades, falando da seguinte maneira.

VERSO 29: No corpo de um veado, Bharata Mahārāja começou a lamentar-se: Que infortúnio! Caí do caminho dos autorrealizados. Para avançar na vida espiritual, abandonei meus verdadeiros filhos, esposa e lar e fui à floresta, onde me refugiei em um lugar sagrado solitário. Tornei-me autocontrolado e autorrealizado e ocupei-me constantemente em serviço devocional, ouvindo, pensando e cantando acerca da Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva, lembrando-me dEle e adorando-O. Fui exitoso em meu intento, e prova isso o fato de que minha mente estava sempre absorta em serviço devocional. Contudo, devido à minha tolice pessoal, ela voltou a ficar apegada – e, desta vez, a um veado. Agora obtive um corpo de veado e me desviei muito fortemente de minhas práticas devocionais.

VERSO 30: Embora tivesse recebido um corpo de veado, Bharata Mahārāja, através do arrependimento constante, desapegou-se por completo de todas as coisas materiais. Ele não revelava essas coisas a ninguém, mas deixou sua mãe veada em um lugar conhecido como Montanha Kālañjara, onde ele havia nascido. Novamente ele foi para a floresta de Śālagrāma e para o āśrama de Pulastya e Pulaha.

VERSO 31: Permanecendo naquele āśrama, o grande rei Bharata Mahārāja agora tinha muito cuidado para não cair vítima de más companhias. Sem revelar seu passado a ninguém, ele permanecia naquele āśrama e comia apenas folhas secas. Ele não estava exatamente sozinho, pois tinha a companhia da Superalma. Dessa maneira, enquanto em um corpo de veado, ele esperou pela morte. Banhando-se naquele lugar sagrado, ele, por fim, abandonou aquele corpo.

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